sábado, 3 de fevereiro de 2024

Acordo entre Mercosul e UE teria fracassado devido a uma 'narrativa europeia', diz analista

O fracasso das negociações entre o Mercosul e a União Europeia (UE) é parcialmente explicado por uma "narrativa" construída pelos produtores agrícolas franceses. Em diálogo com a Sputnik, o analista Mario Paz Castaing alertou que estes setores "procuraram todos os mecanismos possíveis para impedir" o acordo.

As últimas declarações do porta-voz da Comissão Europeia, Eric Mamer, de que "não estão reunidas as condições" para assinar o acordo de livre comércio com o Mercosul semearam mais uma vez dúvidas sobre o tratado, que é negociado há mais de duas décadas, e parece cada vez mais distante.

Em entrevista à Sputnik, o consultor econômico Víctor Benítez González atribuiu o fracasso das negociações à "pressão interna" que a UE tem tido dos produtores agrícolas franceses, que resistiram ao acordo desde o início sob a premissa de que os produtos agrícolas do Mercosul competirão "injustamente" com os locais.

"Os europeus dizem que é 'concorrência desleal' porque, embora tenham subsídios, os produtos do Mercosul não têm os mesmos requisitos ambientais e não há Estados que controlem as violações ambientais", disse Benítez González.

O analista afirmou que esta "narrativa europeia" contrasta com uma "narrativa" do Mercosul, fortemente defendida pelos produtores paraguaios, que afirma que "os europeus destruíram o seu ambiente e agora impõem-nos as suas regulamentações muito rigorosas".

Também consultado pela Sputnik, o especialista em relações internacionais Mario Paz Castaing destacou que os produtores europeus "procuraram todos os mecanismos possíveis para evitar que este acordo tivesse uma implementação rápida" e, nesse quadro, surgiram as exigências ambientais apresentadas ao Mercosul.

Para Paz Castaing, as exigências ambientais elencadas pelo lado europeu "são uma barreira tarifária para impedir" a entrada em vigor do acordo e "promovidas pelos mesmos grupos que desde o início impediram a sua concretização".

Benítez González explicou que os requisitos introduzidos pela Europa visam garantir que os produtos exportados para a Europa pelo Mercosul tenham rastreabilidade, de forma a garantir que a sua produção não envolva danos ambientais.

"A Europa diz 'vou comprar a sua carne se puder me dar a rastreabilidade da origem daquela vaca, mas se essa vaca saiu da zona X, ao lado do rio Z, aonde meu satélite diz que há dez anos havia um bosque e hoje não, então não vou comprá-la de você'", ilustrou o consultor econômico.

Nesse sentido, o analista explicou que os produtores paraguaios estão especialmente relutantes em aceitar esta rastreabilidade, garantindo que as regulamentações europeias prejudicam a "soberania" paraguaia. Contudo, a rejeição dessas exigências não abrange apenas o Paraguai, pois também encontra resistência dos demais parceiros do bloco, especialmente do Brasil.

"Se Luiz Inácio Lula da Silva, que é uma pessoa bastante progressista, ficou em frente à Torre Eiffel para dizer que não vamos conseguir cumprir todas as exigências ambientais europeias, o que se pode esperar de outras sociedades mais conservadoras como as do Paraguai e do Uruguai", argumentou o especialista.

Paz Castaing, por sua vez, considerou que as regulamentações europeias "não são impossíveis de cumprir" para o Mercosul, mas destacou que "quando Lula, há algum tempo, estava sequer considerando a possibilidade de aceitá-las com algumas modificações e assinar o acordo, foi quando surgiram medidas protecionistas para os produtores agrícolas europeus".

Nesse sentido, o especialista sublinhou que embora "haja setores muito fortes da economia europeia que querem o acordo", a negociação estagnou devido à luta com estes setores agrícolas. Embora tenha evitado garantir que o acordo caia definitivamente, admitiu que "se encontra em um momento de paralisia e retrocesso".

Tanto Benítez González como Paz Castaing sustentaram que, como alternativa ao mercado europeu, o Mercosul pode se concentrar nas negociações com dois parceiros comerciais de grande importância e com os quais há negociações em curso: Cingapura e os Emirados Árabes Unidos.

"A salvação é Cingapura", enfatizou Benítez González, destacando que o país asiático se consolidou como "um grande comerciante [negociador]" que pode ser fundamental para adquirir produtos do Mercosul e depois trocá-los com outros países. Esta fórmula seria fundamental para o acesso do Paraguai ao mercado da China, com quem não mantém relações diplomáticas devido ao reconhecimento de Taiwan.

Paz Castaing valorizou a importância crucial que o mercado asiático e o Pacífico em geral têm para o Mercosul, destino para o qual também será fundamental o canal bioceânico que liga o oeste do Brasil e do Paraguai à costa do Pacífico.

 

Ø  Espanha rejeita parar acordo UE-Mercosul e rebate França; Macron defende fiscalização de produção

 

Premiê espanhol diz que tratativas dizem respeito à Comissão Europeia e que, para Madri, "o Mercosul é chave na relação geopolítica". O líder francês comemora a suspensão do acordo e diz que, mesmo sabendo que Paris não tem poder total de veto, "sempre que mostramos incoerência, somos seguidos".

Nesta quinta-feira (1º) a Cúpula da União Europeia (UE) se reuniu para resolver o impasse na verba destinada à Ucrânia em Bruxelas. Na saída da reunião, o primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, posicionou-se sobre o acordo do bloco europeu com o Mercosul, que esta semana recebeu o não da França.

Sánchez deixou claro que o processo negociador está "nas mãos da Comissão Europeia", em alusão de que não seria Paris que determinaria a agenda.

"É a comissão que negocia em nome de todos. Para a Espanha, o Mercosul é chave na relação geopolítica", afirmou o premiê citado pela coluna de Jamil Chade no UOL.

O espanhol lembrou que parte do desafio da UE é de se "projetar ao exterior". Ele afirmou que a Espanha defende "criar pontes" com outras regiões. "Lutamos para que o acordo fosse fechado", disse.

Por fim, Sánchez rejeitou a proposta de que, diante dos protestos de agricultores pela Europa, as tratativas com o Mercosul sejam suspensas.

"Não deve haver nenhuma parada", defendeu. Segundo ele, em breve outra sessão entre o Mercosul e a UE deve ocorrer — antes das eleições para o Parlamento europeu em junho.

·        Macron comemora suspensão do acordo

Também hoje (1º), o líder francês, Emmanuel Macron, reiterou a posição contrária de Paris à assinatura do pacto de livre-comércio e disse que "vai continuar a se opor". Para o líder, qualquer entendimento precisará criar um acordo "honesto", acrescentando que a França "não precisa de um acordo" para comercializar com os sul-americanos.

"É por esse motivo, pelo estado atual do texto do Mercosul, que a França se opõe e que continuará a se opor a esse acordo de livre-comércio […]. Eu disse há poucas semanas ao presidente Lula e volto a dizer aqui", insistiu.

De acordo com a coluna, Espanha, Alemanha, Portugal e a própria Comissão Europeia são favoráveis ao tratado e, durante o encontro, ficou claro que a França era minoria entre os 27 membros da UE.

O presidente francês disse ter consciência de que, sozinha, a França não tem poder de veto, mas argumentou que "sempre que mostramos incoerência, somos seguidos".

"Não somos só [nós], os franceses, que vamos decidir, e não podemos bloquear. Faz sete anos que dizemos isso, e cada vez que elevamos nossa voz e que mostramos incoerências somos seguidos. O acordo era para ser assinado, e a caneta foi retirada. Isso por conta de termos sido ouvidos", afirmou.

Macron comemorou o fato de o texto ter sido "suspenso como pedimos" e "que não foi concluído" na velocidade que "alguns ameaçam fazer". O presidente sugeriu, então, que uma forma de avançar a negociação seria a de garantir que os europeus possam fiscalizar a produção agrícola sul-americana.

"A Europa tem o melhor padrão do mundo em matéria de descarbonização, fitossanitário, pesticida. Aplicamos, investimos. Mas, ao lado disso, somos intratáveis na questão da concorrência desleal. Tem que ser honesto", disse.

Macron quer, portanto, que qualquer acordo com o Mercosul permita que os europeus possam controlar como a produção é feita no exterior, para que os produtos sejam aceitos, relata a mídia.

Por fim, o mandatário alegou que a Europa vive uma crise agrícola há meses, com o impacto do conflito na Ucrânia. Segundo ele, o risco é de que a ausência de resposta gere uma situação na qual grupos "extremistas" ganhem espaço na política.

"Falamos que é terrível que os extremos ganhem força. Mas se a nossa política é incompreensível, precisamos ter a capacidade de explicar. Se não podemos explicar, temos um problema. E o acordo com o Mercosul não é explicável, como está", completou.

Ø  Veto de Macron em acordo UE-Mercosul ocorreu após Comissão Europeia aceitar exigências do Brasil

Após bloco europeu aceitar condições do Brasil que estavam sendo rejeitadas anteriormente, veto foi enviado por SMS. Ação pode azedar relação próxima entre Lula e o francês, especialmente se Macron usar a rejeição ao Mercosul para se salvar politicamente e mediar a ira de seus agricultores.

Na segunda-feira (30), o presidente francês, Emmanuel Macron, disse à Comissão Europeia que Paris não aceitará a assinatura do pacto com o bloco sul-americano. Por conta disso, outros Estados-membros, como a Alemanha, criticaram a postura francesa e declararam querer avançar nas tratativas, conforme noticiado.

No entanto, o firme veto da França teve como motivação o fato de que, dias antes, negociadores de ambas as partes estiveram reunidos e, para a surpresa do Brasil, todas as exigências apresentadas pelo Itamaraty no setor de licitações públicas que vinham sendo rejeitadas pela Europa foram acatadas pelo braço executivo do bloco, segundo a coluna de Jamil Chade no UOL.

De acordo com o colunista, vendo o avanço na negociação, Macron enviou uma mensagem de texto (SMS) para o celular da chefe da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, avisando que não aceitará o acordo sob a alegação de que a suposta invasão de alimentos exportados pela América do Sul colocaria em risco seus agricultores.

Porém, diplomatas apontam que o argumento do francês sobre o risco para a agricultura sequer condiz com a realidade. Os estudos realizados por ambos os lados do processo apontam que, caso o pacto entre em vigor, o volume extra de exportação brasileira prevista não representaria a dimensão do abalo no mercado europeu como alegam os franceses.

De fato, as cotas oferecidas pelo bloco europeu para as exportações agrícolas do Brasil já foram preenchidas em grande parte, o que significa que o acordo UE-Mercosul corre o risco de ter um impacto pequeno para alguns dos principais setores da exportação nacional, segundo documento do governo Lula obtido com exclusividade pela mídia.

"As cotas ofertadas pela UE ao Mercosul ou são insuficientes, ou não representam grande impacto para as exportações brasileiras. Ademais, são as barreiras não tarifárias que mais restringem o comércio bilateral", diz o documento.

Algumas das exigências brasileiras aceitas foram excluir o SUS de qualquer abertura de mercados para a participação dos europeus em licitações públicas e a criação de uma margem de preferências para empresas nacionais em licitações públicas, atendendo aos objetivos da nova política industrial do governo.

O órgão da UE topou o entendimento, sem impor condicionamentos ou limites, diz a mídia.

Mas o gesto de Macron não ocorre por acaso. Para diplomatas, trata-se de uma tentativa de usar o Brasil como escudo diante de um clima político tenso para o presidente francês. Porém, uma lembrança do passado político da UE pode fazer com que o líder tenha certo tipo de vantagem.

"Há cinco anos, a alemã von der Leyen apenas foi eleita graças a um acordo entre a então chanceler Angela Merkel e Macron. Agora, ela sabe que precisa uma vez mais do acordo de Paris para se manter no poder. Nessa negociação, diplomatas temem que ela tenha de ceder e sacrificar o acordo com o Mercosul", relembra o colunista.

Sendo assim, é aguardar para ver como von der Leyen vai atuar para colocar na mesma balança a posição francesa e o querer de outros Estados-membros como Portugal, Alemanha e Espanha para que o acordo aconteça.

Negociadores admitiram à mídia que, já em dezembro, o comportamento do francês tinha causado um mal-estar com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

O brasileiro viu como uma espécie de "traição" a forma pela qual a França defendeu que exigências ambientais fossem impostas ao Brasil para que um acordo fosse fechado, minando até mesmo a soberania do país.

Se ficar evidenciado que Macron usará o Mercosul como forma de se salvar politicamente na Europa, o que ainda existia de lua de mel entre ele e Lula pode estar ameaçado, escreve Jamil Chade.

Ø  Agricultores provocam caos nos protestos em Bruxelas para exigir medidas dos líderes da EU

Agricultores europeus em Bruxelas estão ateando fogo no centro da cidade e em frente ao edifício do Parlamento Europeu, perto da Praça de Luxemburgo, nesta quinta-feira (1º), exigindo medidas dos líderes europeus, em meio a protestos em massa de agricultores em todo o bloco contra a política agrícola da UE, informou um correspondente da Sputnik.

Dezenas de agricultores chegaram a Bruxelas durante a madrugada desta quinta-feira para participar nos protestos planejados para o dia da cúpula extraordinária do Conselho Europeu. Os operadores de máquinas agrícolas entraram na cidade de forma organizada em vários sentidos, acompanhados pela polícia, e agora bloqueiam algumas autoestradas da capital belga com tratores. Entre os manifestantes estão agricultores belgas e homólogos de países europeus vizinhos. Muitos esperam ficar em Bruxelas por mais de um dia.

A polícia bloqueou a entrada do edifício do Parlamento Europeu. Os manifestantes e as autoridades estão agindo pacificamente enquanto a polícia tenta apagar os incêndios. Um agricultor que participou na manifestação disse à Sputnik que os manifestantes não usariam de violência e esperavam uma resposta dos líderes europeus presentes na cúpula.

Várias ruas perto do Bairro Europeu, em Bruxelas, estão congestionadas com tratores e caminhões, muitos deles descarregando feno nas ruas. Alguns manifestantes estão até exibindo seus produtos nas ruas.

Nesta quinta-feira, o primeiro-ministro belga, Alexander De Croo, disse que os líderes da União Europeia (UE) deveriam incluir a questão dos protestos em massa dos agricultores em todo o bloco na agenda para discussão na cúpula do Conselho Europeu, uma vez que as exigências dos manifestantes eram parcialmente legítimas.

Entretanto, a polícia de Bruxelas registrou a chegada de 1.300 tratores à capital belga, reunidos para participar nos protestos contra a política agrícola da UE em meio à reunião do Conselho Europeu em curso no bloco.

"Contagem oficial de Bruxelas: 1.300 tratores", disse a polícia em sua conta no X (anteriormente Twitter).

Para além da Bélgica, os protestos dos agricultores já causaram perturbações na França, Alemanha, Itália, Polônia, Romênia e Países Baixos. Na segunda-feira (29), o presidente francês Emmanuel Macron instou a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, a interromper a atual rodada de negociações de acordos comerciais com o bloco comercial sul-americano Mercosul em meio aos protestos, informou a mídia. No entanto, na terça-feira (30), o porta-voz da Comissão Europeia, Eric Mamer, disse que a comissão não suspendeu as negociações com o Mercosul e que continuaria a trabalhar para um acordo que cumprisse os objetivos de sustentabilidade da UE e tivesse em conta as preocupações do bloco na agricultura.

 

Fonte: Sputnik Brasil

 

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