Acordo
entre Mercosul e UE teria fracassado devido a uma 'narrativa europeia', diz
analista
O fracasso
das negociações entre o Mercosul e a União Europeia (UE) é parcialmente
explicado por uma "narrativa" construída pelos produtores agrícolas
franceses. Em diálogo com a Sputnik, o analista Mario Paz Castaing alertou que
estes setores "procuraram todos os mecanismos possíveis para impedir"
o acordo.
As últimas
declarações do porta-voz da Comissão Europeia, Eric Mamer, de que "não
estão reunidas as condições" para assinar o acordo de livre comércio com o
Mercosul semearam mais uma vez dúvidas sobre o tratado, que é negociado há mais
de duas décadas, e parece cada vez mais distante.
Em entrevista
à Sputnik, o consultor econômico Víctor Benítez González atribuiu o fracasso
das negociações à "pressão interna" que a UE tem tido dos produtores agrícolas
franceses, que resistiram ao acordo desde o início sob a premissa de que os
produtos agrícolas do Mercosul competirão "injustamente" com os
locais.
"Os
europeus dizem que é 'concorrência desleal' porque, embora tenham subsídios, os
produtos do Mercosul não têm os mesmos requisitos ambientais e não há Estados
que controlem as violações ambientais", disse Benítez González.
O analista
afirmou que esta "narrativa europeia" contrasta com uma
"narrativa" do Mercosul, fortemente defendida pelos produtores
paraguaios, que afirma que "os europeus destruíram o seu ambiente e agora
impõem-nos as suas regulamentações muito rigorosas".
Também
consultado pela Sputnik, o especialista em relações internacionais Mario Paz
Castaing destacou que os produtores europeus "procuraram todos os
mecanismos possíveis para evitar que este acordo tivesse uma implementação
rápida" e, nesse quadro, surgiram as exigências ambientais apresentadas ao
Mercosul.
Para Paz
Castaing, as exigências ambientais elencadas pelo lado europeu "são uma
barreira tarifária para impedir" a entrada em vigor do acordo e
"promovidas pelos mesmos grupos que desde o início impediram a sua
concretização".
Benítez
González explicou que os requisitos introduzidos pela Europa visam garantir que
os produtos exportados para a Europa pelo Mercosul tenham rastreabilidade, de
forma a garantir que a sua produção não envolva danos ambientais.
"A
Europa diz 'vou comprar a sua carne se puder me dar a rastreabilidade da origem
daquela vaca, mas se essa vaca saiu da zona X, ao lado do rio Z, aonde meu
satélite diz que há dez anos havia um bosque e hoje não, então não vou
comprá-la de você'", ilustrou o consultor econômico.
Nesse
sentido, o analista explicou que os produtores paraguaios estão especialmente
relutantes em aceitar esta rastreabilidade, garantindo que as regulamentações
europeias prejudicam a "soberania" paraguaia. Contudo, a rejeição
dessas exigências não abrange apenas o Paraguai, pois também encontra
resistência dos demais parceiros do bloco, especialmente do Brasil.
"Se
Luiz Inácio Lula da Silva, que é uma pessoa bastante progressista, ficou em
frente à Torre Eiffel para dizer que não vamos conseguir cumprir todas as
exigências ambientais europeias, o que se pode esperar de outras sociedades
mais conservadoras como as do Paraguai e do Uruguai", argumentou o
especialista.
Paz
Castaing, por sua vez, considerou que as regulamentações europeias "não
são impossíveis de cumprir" para o Mercosul, mas destacou que "quando
Lula, há algum tempo, estava sequer considerando a possibilidade de aceitá-las
com algumas modificações e assinar o acordo, foi quando surgiram medidas
protecionistas para os produtores agrícolas europeus".
Nesse
sentido, o especialista sublinhou que embora "haja setores muito fortes da
economia europeia que querem o acordo", a negociação estagnou devido à
luta com estes setores agrícolas. Embora tenha evitado garantir que o acordo
caia definitivamente, admitiu que "se encontra em um momento de paralisia
e retrocesso".
Tanto
Benítez González como Paz Castaing sustentaram que, como alternativa ao mercado
europeu, o Mercosul pode se concentrar nas negociações com dois parceiros
comerciais de grande importância e com os quais há negociações em curso:
Cingapura e os Emirados Árabes Unidos.
"A
salvação é Cingapura", enfatizou Benítez González, destacando que o país
asiático se consolidou como "um grande comerciante [negociador]" que
pode ser fundamental para adquirir produtos do Mercosul e depois trocá-los com
outros países. Esta fórmula seria fundamental para o acesso do Paraguai ao
mercado da China, com quem não mantém relações diplomáticas devido ao
reconhecimento de Taiwan.
Paz
Castaing valorizou a importância crucial que o mercado asiático e o Pacífico em
geral têm para o Mercosul, destino para o qual também será fundamental o canal
bioceânico que liga o oeste do Brasil e do Paraguai à costa do Pacífico.
Ø
Espanha rejeita parar acordo UE-Mercosul e
rebate França; Macron defende fiscalização de produção
Premiê
espanhol diz que tratativas dizem respeito à Comissão Europeia e que, para
Madri, "o Mercosul é chave na relação geopolítica". O líder francês
comemora a suspensão do acordo e diz que, mesmo sabendo que Paris não tem poder
total de veto, "sempre que mostramos incoerência, somos seguidos".
Nesta
quinta-feira (1º) a Cúpula da União Europeia (UE) se reuniu para resolver o
impasse na verba destinada à Ucrânia em Bruxelas. Na saída da reunião, o
primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, posicionou-se sobre o acordo do
bloco europeu com o Mercosul, que esta semana recebeu o não da França.
Sánchez
deixou claro que o processo negociador está "nas mãos da Comissão
Europeia", em alusão de que não seria Paris que determinaria a agenda.
"É a
comissão que negocia em nome de todos. Para a Espanha, o Mercosul é chave na
relação geopolítica", afirmou o premiê citado pela coluna de Jamil Chade
no UOL.
O espanhol
lembrou que parte do desafio da UE é de se "projetar ao exterior".
Ele afirmou que a Espanha defende "criar pontes" com outras regiões.
"Lutamos para que o acordo fosse fechado", disse.
Por fim,
Sánchez rejeitou a proposta de que, diante dos protestos de agricultores pela
Europa, as tratativas com o Mercosul sejam suspensas.
"Não
deve haver nenhuma parada", defendeu. Segundo ele, em breve outra sessão
entre o Mercosul e a UE deve ocorrer — antes das eleições para o Parlamento
europeu em junho.
·
Macron comemora suspensão do acordo
Também
hoje (1º), o líder francês, Emmanuel Macron, reiterou a posição contrária de
Paris à assinatura do pacto de livre-comércio e disse que "vai continuar a
se opor". Para o líder, qualquer entendimento precisará criar um acordo
"honesto", acrescentando que a França "não precisa de um
acordo" para comercializar com os sul-americanos.
"É
por esse motivo, pelo estado atual do texto do Mercosul, que a França se opõe e
que continuará a se opor a esse acordo de livre-comércio […]. Eu disse há
poucas semanas ao presidente Lula e volto a dizer aqui", insistiu.
De acordo
com a coluna, Espanha, Alemanha, Portugal e a própria Comissão Europeia são
favoráveis ao tratado e, durante o encontro, ficou claro que a França era
minoria entre os 27 membros da UE.
O
presidente francês disse ter consciência de que, sozinha, a França não tem
poder de veto, mas argumentou que "sempre que mostramos incoerência, somos
seguidos".
"Não
somos só [nós], os franceses, que vamos decidir, e não podemos bloquear. Faz
sete anos que dizemos isso, e cada vez que elevamos nossa voz e que mostramos
incoerências somos seguidos. O acordo era para ser assinado, e a caneta foi
retirada. Isso por conta de termos sido ouvidos", afirmou.
Macron
comemorou o fato de o texto ter sido "suspenso como pedimos" e
"que não foi concluído" na velocidade que "alguns ameaçam
fazer". O presidente sugeriu, então, que uma forma de avançar a negociação
seria a de garantir que os europeus possam fiscalizar a produção agrícola
sul-americana.
"A
Europa tem o melhor padrão do mundo em matéria de descarbonização,
fitossanitário, pesticida. Aplicamos, investimos. Mas, ao lado disso, somos
intratáveis na questão da concorrência desleal. Tem que ser honesto",
disse.
Macron
quer, portanto, que qualquer acordo com o Mercosul permita que os europeus
possam controlar como a produção é feita no exterior, para que os produtos
sejam aceitos, relata a mídia.
Por fim, o
mandatário alegou que a Europa vive uma crise agrícola há meses, com o impacto
do conflito na Ucrânia. Segundo ele, o risco é de que a ausência de resposta
gere uma situação na qual grupos "extremistas" ganhem espaço na
política.
"Falamos
que é terrível que os extremos ganhem força. Mas se a nossa política é
incompreensível, precisamos ter a capacidade de explicar. Se não podemos
explicar, temos um problema. E o acordo com o Mercosul não é explicável, como
está", completou.
Ø
Veto de Macron em acordo UE-Mercosul
ocorreu após Comissão Europeia aceitar exigências do Brasil
Após bloco
europeu aceitar condições do Brasil que estavam sendo rejeitadas anteriormente,
veto foi enviado por SMS. Ação pode azedar relação próxima entre Lula e o
francês, especialmente se Macron usar a rejeição ao Mercosul para se salvar
politicamente e mediar a ira de seus agricultores.
Na
segunda-feira (30), o presidente francês, Emmanuel Macron, disse à Comissão
Europeia que Paris não aceitará a assinatura do pacto com o bloco
sul-americano. Por conta disso, outros Estados-membros, como a Alemanha,
criticaram a postura francesa e declararam querer avançar nas tratativas,
conforme noticiado.
No
entanto, o firme veto da França teve como motivação o fato de que, dias antes,
negociadores de ambas as partes estiveram reunidos e, para a surpresa do
Brasil, todas as exigências apresentadas pelo Itamaraty no setor de licitações
públicas que vinham sendo rejeitadas pela Europa foram acatadas pelo braço
executivo do bloco, segundo a coluna de Jamil Chade no UOL.
De acordo
com o colunista, vendo o avanço na negociação, Macron enviou uma mensagem de
texto (SMS) para o celular da chefe da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen,
avisando que não aceitará o acordo sob a alegação de que a suposta invasão de
alimentos exportados pela América do Sul colocaria em risco seus agricultores.
Porém,
diplomatas apontam que o argumento do francês sobre o risco para a agricultura
sequer condiz com a realidade. Os estudos realizados por ambos os lados do
processo apontam que, caso o pacto entre em vigor, o volume extra de exportação
brasileira prevista não representaria a dimensão do abalo no mercado europeu
como alegam os franceses.
De fato,
as cotas oferecidas pelo bloco europeu para as exportações agrícolas do Brasil
já foram preenchidas em grande parte, o que significa que o acordo UE-Mercosul
corre o risco de ter um impacto pequeno para alguns dos principais setores da
exportação nacional, segundo documento do governo Lula obtido com exclusividade
pela mídia.
"As
cotas ofertadas pela UE ao Mercosul ou são insuficientes, ou não representam
grande impacto para as exportações brasileiras. Ademais, são as barreiras não
tarifárias que mais restringem o comércio bilateral", diz o documento.
Algumas
das exigências brasileiras aceitas foram excluir o SUS de qualquer abertura de
mercados para a participação dos europeus em licitações públicas e a criação de
uma margem de preferências para empresas nacionais em licitações públicas,
atendendo aos objetivos da nova política industrial do governo.
O órgão da
UE topou o entendimento, sem impor condicionamentos ou limites, diz a mídia.
Mas o
gesto de Macron não ocorre por acaso. Para diplomatas, trata-se de uma
tentativa de usar o Brasil como escudo diante de um clima político tenso para o
presidente francês. Porém, uma lembrança do passado político da UE pode fazer
com que o líder tenha certo tipo de vantagem.
"Há
cinco anos, a alemã von der Leyen apenas foi eleita graças a um acordo entre a
então chanceler Angela Merkel e Macron. Agora, ela sabe que precisa uma vez
mais do acordo de Paris para se manter no poder. Nessa negociação, diplomatas
temem que ela tenha de ceder e sacrificar o acordo com o Mercosul",
relembra o colunista.
Sendo
assim, é aguardar para ver como von der Leyen vai atuar para colocar na mesma
balança a posição francesa e o querer de outros Estados-membros como Portugal,
Alemanha e Espanha para que o acordo aconteça.
Negociadores
admitiram à mídia que, já em dezembro, o comportamento do francês tinha causado
um mal-estar com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
O
brasileiro viu como uma espécie de "traição" a forma pela qual a
França defendeu que exigências ambientais fossem impostas ao Brasil para que um
acordo fosse fechado, minando até mesmo a soberania do país.
Se ficar
evidenciado que Macron usará o Mercosul como forma de se salvar politicamente
na Europa, o que ainda existia de lua de mel entre ele e Lula pode estar
ameaçado, escreve Jamil Chade.
Ø
Agricultores provocam caos nos protestos em
Bruxelas para exigir medidas dos líderes da EU
Agricultores
europeus em Bruxelas estão ateando fogo no centro da cidade e em frente ao
edifício do Parlamento Europeu, perto da Praça de Luxemburgo, nesta
quinta-feira (1º), exigindo medidas dos líderes europeus, em meio a protestos
em massa de agricultores em todo o bloco contra a política agrícola da UE,
informou um correspondente da Sputnik.
Dezenas de
agricultores chegaram a Bruxelas durante a madrugada desta quinta-feira para
participar nos protestos planejados para o dia da cúpula extraordinária do
Conselho Europeu. Os operadores de máquinas agrícolas entraram na cidade de
forma organizada em vários sentidos, acompanhados pela polícia, e agora
bloqueiam algumas autoestradas da capital belga com tratores. Entre os
manifestantes estão agricultores belgas e homólogos de países europeus
vizinhos. Muitos esperam ficar em Bruxelas por mais de um dia.
A polícia
bloqueou a entrada do edifício do Parlamento Europeu. Os manifestantes e as
autoridades estão agindo pacificamente enquanto a polícia tenta apagar os
incêndios. Um agricultor que participou na manifestação disse à Sputnik que os
manifestantes não usariam de violência e esperavam uma resposta dos líderes
europeus presentes na cúpula.
Várias
ruas perto do Bairro Europeu, em Bruxelas, estão congestionadas com tratores e
caminhões, muitos deles descarregando feno nas ruas. Alguns manifestantes estão
até exibindo seus produtos nas ruas.
Nesta
quinta-feira, o primeiro-ministro belga, Alexander De Croo, disse que os
líderes da União Europeia (UE) deveriam incluir a questão dos protestos em
massa dos agricultores em todo o bloco na agenda para discussão na cúpula do
Conselho Europeu, uma vez que as exigências dos manifestantes eram parcialmente
legítimas.
Entretanto,
a polícia de Bruxelas registrou a chegada de 1.300 tratores à capital belga,
reunidos para participar nos protestos contra a política agrícola da UE em meio
à reunião do Conselho Europeu em curso no bloco.
"Contagem
oficial de Bruxelas: 1.300 tratores", disse a polícia em sua conta no X
(anteriormente Twitter).
Para além
da Bélgica, os protestos dos agricultores já causaram perturbações na França,
Alemanha, Itália, Polônia, Romênia e Países Baixos. Na segunda-feira (29), o
presidente francês Emmanuel Macron instou a presidente da Comissão Europeia,
Ursula von der Leyen, a interromper a atual rodada de negociações de acordos
comerciais com o bloco comercial sul-americano Mercosul em meio aos protestos,
informou a mídia. No entanto, na terça-feira (30), o porta-voz da Comissão
Europeia, Eric Mamer, disse que a comissão não suspendeu as negociações com o
Mercosul e que continuaria a trabalhar para um acordo que cumprisse os
objetivos de sustentabilidade da UE e tivesse em conta as preocupações do bloco
na agricultura.
Fonte:
Sputnik Brasil
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