Casa das Histórias: novas perspectivas
sobre o patrimônio de Salvador
Daqui a pouco mais de
um mês, Salvador vai completar 475 anos de fundação. Nos preparativos para a
comemoração, foi inaugurada na Cidade Baixa a Casa das Histórias de Salvador
(CHS), um centro de valorização dos patrimônios da capital
baiana, localizado na esquina entre o Mercado Modelo e a Cidade da
Música da Bahia, próximo ao Elevador Lacerda.
Anexado ao prédio do
Arquivo Público Municipal, o edifício centenário de três andares foi aberto em
janeiro pela prefeitura e está com visitação gratuita até o fim de março. O
centro foi projetado por um consórcio formado pela agência de publicidade Arandas Marketing
e pela produtora Janela do Mundo, com financiamento de R$ 93 milhões do
programa federal Prodetur.
Para a curadora da
Casa das Histórias, a professora universitária Ana Helena Curti, o objetivo da
instituição é mostrar ao soteropolitano que a história da cidade é escrita
pelos próprios moradores. “A ideia é que as pessoas saiam de lá com um olhar
transformado e que percebam que o capoeirista, a baiana de acarajé e o
jornaleiro fazem parte dessa história”, diz Ana Helena, que leciona na Fundação
Armando Alvares Penteado (FAAP), em São Paulo.
Paulista com longa
história de conexão com Salvador, a professora já tinha sido responsável por
coordenar o Museu de Porto Seguro, no sul da Bahia, e o Museu da Língua
Portuguesa, em São Paulo. Para a Casa das Histórias, montou uma equipe
especializada. “O ponto de partida foi revelar camadas de Salvador, além
das conhecidas do imaginário dos cidadãos”, conta.
Ao entrar no casarão,
o visitante se depara com um mapa com os patrimônios culturais de Salvador e
com uma escadaria que conecta os três andares. Os degraus possuem 600 azulejos
com 50 imagens criadas pelo artista visual Prentice de Carvalho e pelo pedagogo
José Eduardo Santos, fundador do Acervo da Laje, espaço de memória artística,
cultural e de pesquisa localizado no bairro de São João do Cabrito, em
Salvador.
“Os de Prentice falam
do povo da Bahia, da capoeira, das marisqueiras”, explica José Eduardo. “Os
meus falam de temas contemporâneos, o diálogo da Salvador mais conhecida com a
Salvador não tão conhecida, a Salvador do Subúrbio”, afirma o pedagogo. De
acordo com ele, a intenção foi celebrar as pessoas que não são valorizadas em
museus da cidade.
“Esta é a primeira vez
que o Subúrbio ocupa um espaço central num equipamento como esse. A gente faz o
que pode para dizer para Salvador que ela precisa olhar para outros
territórios, porque eles têm vida, têm produção e têm arte”, elabora José
Eduardo.
Para ele, a Casa das
Histórias ajuda soteropolitanos e turistas a conhecer a diversidade de
narrativas sobre a cidade que não são comumente apresentadas.
Segundo Ana Helena, a
instalação destaca, inclusive, os patrimônios que os soteropolitanos têm
contato diariamente, mas não reconhecem como elementos de valor. Para remeter a
essa vivência, a visita é acompanhada por uma trilha sonora com sons da cidade.
“Não é possível falar de Salvador sem falar de sonoridade”, pontua a
curadora.
·
Territórios
Ao subir as escadas de
azulejos, o visitante chega a uma instalação imersiva dedicada à natureza da
cidade, ouvindo cantos indígenas. O primeiro andar é uma interpretação
artística dos cenários da capital. Aproveitando a localização do casarão, há
uma exposição sobre os aterros que foram feitos na Baía de
Todos-os-Santos.
“É para as pessoas
entenderem a relação do território com o mar”, diz Ana Helena. Com esse
objetivo, as janelas desse andar ficam abertas, com vista para a baía e para o
Elevador Lacerda.
No segundo andar, o
tema é a ocupação dos territórios de Salvador. Uma maquete
toma o local, com destaque para 24 patrimônios do Comércio tombados
pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e pela
Organização das Nações Unidas para e Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).
Em cima da miniatura, duas grandes telas mostram a dimensão da cidade e indicam
os outros patrimônios tombados de Salvador.
Ao subir as escadas
para o último andar do casarão, o visitante encontra 24 retratos de pessoas que
moram em Salvador. Cada foto acompanha fones de ouvidos por onde é possível
escutar as histórias destes moradores e a relação deles com a cidade. Segundo a
curadora Ana Helena, a escolha de incluir esses depoimentos foi um modo de
exaltar os soteropolitanos. “Não poderíamos deixar de falar das pessoas que
fazem essa cidade ser esse turbilhão”, afirma.
A advogada Mila
D'Oliveira é uma mulher com deficiência e é uma das pessoas fotografadas no
projeto. Para ela, a Casa das Histórias é uma demonstração de que é possível
incluir um olhar mais diverso na paisagem da cidade.
“A gente precisa
começar a pegar os patrimônios de Salvador e usá-los para as pessoas, e não
utilizar a preservação como uma desculpa para não mexer nas coisas, e isso é o
que eu mais vejo acontecer em relação à acessibilidade”, diz Mila.
Além das escadas, na
Casa também foi instalado um elevador, oferecendo acessibilidade aos
visitantes. Nesse âmbito, a organização do equipamento destaca que
também há textos em braile, audioguia descritivo e videolibras,
viabilizando a compreensão do acervo por pessoas com deficiências visual e
auditiva.
Em frente aos retratos
de moradores da cidade, o terceiro andar tem a reprodução de uma praça,
valorizando os encontros urbanos que ocorrem na capital baiana.
“É ali onde as
manifestações culturais acontecem”, diz Ana Helena. No local, o visitante pode
assistir a um filme de 20 minutos que narra a importância das festas de
Salvador, intitulado Trançando Festas.
·
Arquivo Público
Deste terceiro andar,
é possível atravessar para o quarto andar do novo prédio do Arquivo Público
Municipal. O local possui quatro milhões de documentos sobre a história de
Salvador, da Bahia e do Brasil.
O arquivo tem ainda
193 mil itens documentais como fotografias e matérias históricas, que estavam
em processo de degradação e passaram por recuperação e
digitalização.
Nesse andar conectado
à Casa das Histórias, há uma sala dedicada a itens do Arquivo Público Municipal
e outra a uma exposição sobre o Acervo da Laje, que comemora 14 anos de
criação. Fundador desse acervo, José Eduardo destaca que o novo equipamento
cultural no Comercio ajuda as novas gerações a crescerem com outra perspectiva
sobre a própria cidade.
Para o pedagogo, é
preciso compartilhar as histórias das pessoas negras e indígenas que
construíram Salvador. Ele ressalta que a Casa traz obras táteis: “É preciso
tocar na história, por isso, tem maquetes que as crianças possam
tocar”.
José Eduardo também
elogia o convite a jovens negros de periferias para trabalharem no
equipamento: “Os nossos têm que estar aqui numa posição altiva, de
diálogo, para explicar que cidade é essa”.
·
Diversidade cultural
Mestrando em Educação
e Ensino de História na Universidade Estadual da Bahia (Uneb), o professor de
História Igor Ernesto Cruz afirma que o novo centro desempenha um papel crucial
na preservação e promoção da diversidade cultural.
“Essa perspectiva mais
inclusiva contribui para a valorização, manutenção e disseminação das culturas
negras e indígenas, enriquece a compreensão coletiva da história local e
promove a preservação do patrimônio cultural”, explica o professor.
Igor Ernesto
acrescenta ainda que iniciativas como a Casa das Histórias auxiliam no combate
a preconceitos e estereótipos e para o fortalecimento da identidade cultural
dos jovens.
Além do novo
equipamento, o professor sugere a visitas ao Museu Afro-Brasileiro da
Universidade Federal da Bahia (Mafro) e ao Museu de Arte Moderna da Bahia
(MAM).
A prefeitura de
Salvador ressalta também que no quarteirão onde está a Casa das Histórias, a
gestão municipal está construindo a Casa de Espetáculos e a Escola de Arte,
ambos ligados à Cidade da Música da Bahia.
<<<< Serviço:
Casa das Histórias de
Salvador
Onde: Rua da Bélgica,
2, Comércio, Salvador
Quando: aberta
de terça a domingo, das 10h às 18h, com última entrada às 17h
Quanto: entrada
gratuita até 31 de março
Como:
ingressos devem ser retirados pela plataforma Sympla
Fonte: A Tarde
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