Bolsonaro somou evidências golpistas às
claras antes de delação de Cid e operação da PF
O ex-presidente Jair
Bolsonaro (PL) é um dos alvos de investigação em curso pela Polícia Federal
sobre uma trama golpista desencadeada em 2022 para evitar a posse de Lula (PT)
na Presidência.
Essa investigação tem
como uma de suas bases mensagens e delação do tenente-coronel Mauro Cid,
ex-ajudante de ordens de Bolsonaro na Presidência da República.
Outros elementos ainda
em fase de investigação são a reunião de teor golpista na qual, em julho de
2022, o então presidente sugere formas para atacar o sistema eleitoral e, já
após a eleição, o papel dele na elaboração de uma suposta minuta de decreto na
qual seria fundamentado o golpe de Estado.
Fora esses pontos que
vieram à tona em recente operação da PF, Bolsonaro coleciona uma série de
evidências anteriores de tom golpista. Neste domingo (25), o ex-presidente
participará de um ato na avenida Paulista chamado por ele para, como tem
repetido, defender-se diante das recentes investigações.
O ex-presidente já foi
condenado pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) por ataques e mentiras sobre o
sistema eleitoral, por exemplo, e é alvo de diferentes outras investigações no
STF (Supremo Tribunal Federal). Neste momento, ele está inelegível ao menos até
2030.
Caso seja processado e
condenado pelos crimes de tentativa de golpe de Estado, tentativa de abolição
do Estado democrático de Direito e associação criminosa, o ex-presidente poderá
ser condenado a até 23 anos de prisão e ficar inelegível por mais de 30 anos.
Na decisão em que
autorizou as prisões de aliados do ex-presidente no início do mês, o ministro
Alexandre de Moraes afirmou que já está comprovada a prática de crimes contra a
democracia e associação criminosa.
Veja, em 7 pontos, o
avanço golpista às claras de Bolsonaro.
1) ATAQUES ÀS URNAS
E AO TSE PARA DESLEGITIMAR O SISTEMA
Ao longo de seu
mandato, a principal estratégia de confronto do presidente foi a de questionar
a segurança das urnas eletrônicas, sistema usado desde 1996 e considerado
eficiente e confiável por autoridades e especialistas no país.
Ele nunca apresentou
provas ou indícios para questionar as urnas, mas repetiu o discurso golpista,
visto como uma tentativa de esconder os problemas do governo, a alta reprovação
e as pesquisas que o colocavam atrás do hoje presidente Lula.
2) AMEAÇA DE QUE NÃO
TERIA ELEIÇÃO SEM VOTO IMPRESSO
Bolsonaro manteve
durante seu mandato um discurso em que, sem nenhuma prova, colocava dúvidas
sobre o sistema eleitoral. Em várias ocasiões, deu a entender que não aceitaria
outro resultado que não fosse a sua reeleição. Isso provocou forte crise
institucional em 2021.
A ameaça mais forte
ocorreu em julho daquele ano. "Eleições no ano que vem serão limpas. Ou
fazemos eleições limpas no Brasil ou não temos eleições", declarou a
apoiadores.
No dia seguinte,
reforçou a ameaça e afirmou que a fraude eleitoral estava no TSE. Bolsonaro
ainda atacou o então presidente da corte eleitoral e ministro do STF, Luís
Roberto Barroso, a quem chamou de "idiota" e "imbecil".
"A fraude está no
TSE, para não ter dúvida. Isso foi feito em 2014", declarou o mandatário,
repetindo a acusação infundada de que o então candidato Aécio Neves (PSDB) teria
vencido o pleito contra a ex-presidente Dilma Rousseff (PT).
3) DISSE QUE, SE
DEPENDESSE DELE, NÃO VIVERÍAMOS EM UM REGIME DEMOCRÁTICO
Saudosista da ditadura
militar (1964-1985), Bolsonaro reiterou ao longo de anos sua tendência
autoritária e seu desapreço pelo regime democrático. Ele negou a existência de
ditadura no Brasil e se disse favorável a "um regime de exceção",
afirmando que "através do voto você não vai mudar nada nesse país".
Em uma entrevista em
1999, quando ainda era deputado, o político disse expressamente que, se fosse
presidente, fecharia o Congresso. "Não há menor dúvida, daria golpe no
mesmo dia! Não funciona! E tenho certeza de que pelo menos 90% da população ia fazer
festa, ia bater palma, porque não funciona", afirmou.
Já na Presidência, em
2021, ele deu a entender que não poderia fazer tudo o que gostaria por causa
dos pilares democráticos. "Alguns acham que eu posso fazer tudo. Se tudo
tivesse que depender de mim, não seria este o regime que nós estaríamos vivendo.
E apesar de tudo eu represento a democracia no Brasil", afirmou em uma
formatura de cadetes.
Antes disso, ao longo
de 2020, Bolsonaro participou de manifestações que defendiam golpe militar.
4) ATAQUES A MINISTROS
DO STF E AMEAÇA GOLPISTA DE NÃO CUMPRIR DECISÃO JUDICIAL
O STF foi alvo
preferencial de Bolsonaro ao longo do mandato. Ele usou termos como
"politicalha", "acabou, porra", ligação com PT, ativismo e
militância, em ataques que se intensificaram a partir de 2020, com a pandemia
da Covid-19.
Em março de 2022, em
uma mesma cerimônia no Planalto, defendeu a ditadura militar e disse para
ministros do STF calarem a boca.
No 7 de Setembro de
2021, em discursos diante de milhares de apoiadores em Brasília e em São Paulo,
Bolsonaro fez ameaças golpistas contra o STF, exortou desobediência a decisões
da Justiça e disse que só sairia morto da Presidência da República.
Já no 7 de Setembro de
2022, diante de milhares de apoiadores na Esplanada dos Ministérios, discursou
em tom de ameaça contra outros Poderes, com citação crítica ao STF.
5) INCENTIVO E
PARTICIPAÇÃO EM ATOS ANTIDEMOCRÁTICOS
Ao longo de seu
governo, Bolsonaro chamou aliados e participou de diferentes atos
antidemocráticos. Uma investigação foi instaurada no STF a pedido da PGR
(Procuradoria-Geral da República) para identificar os organizadores e
financiadores das manifestações que pediam o fechamento do Congresso e do STF,
além do retorno da ditadura militar.
Em uma das mais agudas
manifestações, em 19 de abril de 2020, em cima da caçamba de uma caminhonete,
diante do quartel-general do Exército e se dirigindo a uma aglomeração de
apoiadores pró-intervenção militar, Bolsonaro afirmou que "acabou a época da
patifaria" e gritou palavras de ordem como "agora é o povo no
poder" e "não queremos negociar nada".
"Nós não queremos
negociar nada. Nós queremos ação pelo Brasil", declarou o presidente, que
participava pelo segundo dia seguido de manifestação em Brasília, provocando
aglomerações em meio à pandemia do coronavírus. "Chega da velha política.
Agora é Brasil acima de tudo e Deus acima de todos."
6) FALAS DÚBIAS
CITANDO 'EXÉRCITO' E NÃO SAIR DAS '4 LINHAS'
Tanto no contexto das
ameaças às eleições quanto no auge da pandemia, quando Bolsonaro buscava se
contrapor a governadores e prefeitos que decretavam medidas restritivas
buscando conter a circulação do coronavírus, o então presidente fez uma série
de falas dúbias insinuando que poderia tomar alguma medida extrema como estado
de sítio ou estado de defesa.
Nessas ocasiões,
citava com frequência as Forças Armadas e os militares, indicando que eles
seriam seu Exército. Também repetia seu bordão de que não sairia das quatro
linhas da Constituição, apesar de na maior parte das vezes fazer ameaças que
seriam inconstitucionais.
7) INCENTIVO AOS
ACAMPAMENTOS GOLPISTAS APÓS A DERROTA PARA LULA NA ELEIÇÃO
Os atos e acampamentos
antidemocráticos que pediam um golpe militar e escalaram em casos de violência
pelo país foram atiçados por Bolsonaro desde a sua derrota nas urnas para Lula.
Na semana da derrota,
em uma rápida declaração, ele disse defender os atos, tendo ali apenas
condenado os bloqueios de estradas por seus apoiadores. Dias depois, quebrou um
silêncio de 40 dias com um discurso dúbio que também atiçou seus apoiadores com
fala salpicada de referências às Forças Armadas na qual estimulou indiretamente
as manifestações antidemocráticas.
Nas poucas falas após
o resultado, nunca admitiu diretamente a derrota, reforçou as acusações sem
provas contra o sistema eleitoral e manteve um discurso dúbio dando a entender
que a posse de Lula na Presidência não estava garantida.
"Tenho certeza
que entre as minhas funções garantidas na Constituição é ser o chefe supremo
das Forças Armadas. As Forças Armadas são essenciais em qualquer país do mundo.
Sempre disse ao longo desses quatro anos que as Forças Armadas são o último obstáculo
para o socialismo", disse Bolsonaro em dezembro de 2022, repetindo uma
expressão usada diversas vezes ao longo de seu mandato.
Filósofo vê esquerda morta e crescimento
consistente da ultradireita
Professor de filosofia
da Universidade de São Paulo (USP) e personagem de destaque no arco das
esquerdas, no país, o escritor Vladimir Pinheiro-Safatle disse, em entrevista à
mídia conservadora, neste sábado, que esquerda brasileira, como organização política,
“morreu” ao se tornar uma "constelação de progressismos”.
Para o escritor, a
esquerda teria perdido a ambição de transformar a estrutura da sociedade nos
dois pontos fundamentais desse espectro político: igualdade e soberania
popular.
— A vitória de Lula
foi só um respiro, enquanto a extrema direita continua forte, e mascara a
dificuldade de propor soluções para os desafios atuais. A extrema direita é
hoje a única força política real do país, porque é a força que tem capacidade
de ruptura, tem estrutura e coesão ideológica — afirmou o professor, que acaba
de lançar o livro, ‘Alfabeto das Colisões’ (editora Ubu).
• Democracia
Para Safatle, “a
esquerda brasileira morreu como esquerda". O que existe agora, na visão
dele, é uma "constelação de progressismos, mas sem aquilo que constituía o
campo fundamental da esquerda, que são as ideias de igualdade radical e de
soberania popular".
De acordo com essa
análise, o que se perdeu na construção das pautas progressistas foi a ambição
por uma transformação estrutural da sociedade, que pressupunha um tipo de
igualdade dentro dos processos de produção e alguma forma de democracia direta.
— Hoje não se coloca
nada parecido com isso — acrescenta.
• Horizonte
Foi esse diagnóstico
que o levou a disputar uma vaga de deputado federal em 2022, pelo Partido
Socialismo e Liberdade (PSOL). Com 17.644 votos, terminou como suplente.
— Entendi que a gente
estava num momento histórico que nem era mais de retração de expectativas. Era
pior: era um horizonte de retração de enunciação. A gente não conseguia nem
enunciar. Quantas vezes você ouviu, nos últimos dez anos, a ideia de autogestão
da classe trabalhadora? — questiona.
Embora o quadro não
tenha mudado desse ponto de vista, o professor de filosofia não pretende se
candidatar na eleição municipal deste ano. Considera que, em 2022, havia um
desafio maior em curso, que era a luta contra o bolsonarismo.
Fonte:
FolhaPress/Correio do Brasil
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