segunda-feira, 26 de fevereiro de 2024

Ártico: a geopolítica do extremo Norte do mundo

A região do Ártico, com o degelo progressivo causado pelo aquecimento global, apresenta novas possibilidades como rotas de transporte e é área com muitos recursos minerais a serem explorados, o que a fez ganhar importância na geopolítica, numa disputa que envolve grandes potências como Rússia, EUA e China e outros atores regionais, com menor influência, como Canadá e países escandinavos.

No ano de 2009 a Rússia fincou uma bandeira de titânio no solo oceânico do Ártico. O procedimento foi parte de expedição científica para que o país solicitasse direitos, de acordo com legislação marítima internacional, sobre o leito do Ártico. Mas foi visto também como uma demonstração de força e posicionamento geopolítico no extremo norte do planeta.

A Rússia tem buscado desenvolver uma via marítima pelo seu “mar territorial” do Ártico para conectar Europa e Ásia principalmente. O degelo do Ártico, como mencionado no parágrafo anterior, proporcionado pelo aquecimento global, está tornando viável o investimento nesta rota marítima, com a vantagem de ter potencialmente a capacidade de suportar um número bem maior de navios do que o Mar Vermelho ou o Canal do Panamá. A costa ártica russa tem 25 portos. O termo “potencialmente” é usado porque no caso desta rota do Ártico os deslocamentos dependem, por ora, de poderosos navios nucleares quebra-gelo. A Rússia é o único país do mundo com frota também deste tipo de embarcação, os demais possuem navios quebra-gelo convencionais. E com o projeto de exploração econômica, a Rússia, aproveitando-se neste caso da geografia que lhe é favorável (tem a maior área banhada pelo Oceano Ártico), tem lançado navios para a exploração dos recursos naturais.

De forma complementar, para proteger estas atividades, posicionou-se estrategicamente antes dos rivais e implantou 21 bases militares na região, além de ter posicionado submarinos nucleares de ataque. É o país com maior capacidade militar na região. É importante salientar o caráter geoestratégico da questão para a Rússia (e também para a União Soviética ao seu tempo). Com saídas para o mar ao sul (Mar Negro) e leste (Mar Báltico) em zonas mais disputadas e sem acesso direto aos oceanos Atlântico e Índico, o Ártico se coloca para a estratégia russa como importante área de projeção do poder naval e elemento de garantia da segurança do país.

Para o desenvolvimento da chamada Northern Sea Route (Rota Marítima do Norte) a Rússia tem buscado parceria com a China, ator bastante interessado na viabilização desta rota. Os chineses têm interesse neste novo corredor, assim como em fornecer insumos e equipamentos para a infraestrutura necessária como navios quebra-gelo, navios de escolta, satélites, portos, etc. Os chineses podem também prover seguros aos navios russos, operações impossibilitadas pelas sanções ocidentais a Moscou, pela invasão da Ucrânia. Os chineses serão, portanto, compradores permanentes dos serviços da infraestrutura russa. Europeus, japoneses, coreanos e outras nações asiáticas serão clientes desta rota, mas os chineses serão os principais.

A China denomina sua estratégia para o Ártico como parte da Belt and Road Initiative ou “Rota da Seda”, no caso a “Rota da Seda do Ártico”, termo que citam em seu último “livro branco”, com as diretrizes estratégicas do país. A viagem por esta via demora 40% menos tempo do que pelo Canal de Suez, no Egito, o que significa ganho logístico de tempo e grande economia de combustível. As opções de rotas são poucas e com potenciais problemas. O Canal de Suez está saturado e está localizado no Oriente Médio, área instável, como se vê neste momento com o conflito em Gaza e os ataques dos Houthis no Mar Vermelho, a Rota do Noroeste passa por águas reivindicadas pelo Canadá e sob influência estratégica direta dos EUA e o Canal do Panamá serve essencialmente para o comércio com o continente americano.

A região é muito rica em recursos naturais. No caso dos combustíveis fósseis, de acordo com o serviço geológico do governo dos Estados Unidos, o US Geological Survey, o Ártico contém cerca de 90 bilhões de barris de petróleo, 13% das reservas globais e em torno de 44 bilhões de barris líquidos de gás natural. A China, portanto, tem grande interesse tanto na rota do Ártico quanto na exploração dos recursos naturais. Nesta associação com a Rússia, os chineses já investiram 90 bilhões de dólares em projetos ligados a combustíveis fósseis e minerais.

Num movimento unilateral e que amplia disputas e tensões em relação à região, os Estados Unidos reivindicaram, em dezembro de 2023, a expansão de sua plataforma oceânica continental em mais de um milhão de quilômetros quadrados no Ártico e Mar de Bering. Washington quer assegurar direitos sobre o leito do mar e seus recursos. Porém, o não reconhecimento internacional destas demandas e a inclusão da Finlândia e, ainda por ser aprovada, da Suécia à OTAN, que se juntam aos demais nórdicos Noruega, Islândia e Dinamarca (que tem soberania sobre a Groelândia) na organização militar liderada pelos EUA, apontam para o risco de militarização da região.

Estas disputas deveriam, em tese, ser arbitradas pela Comissão de Limites da Plataforma Continental, da ONU. Os Estados Unidos não ratificaram, contudo, a Convenção das Naçôes Unidas para Direito do Mar (UNCLOS, na sigla em inglês). A falta de acordos entre os participantes deste tabuleiro geopolítico leva também a preocupações de natureza ambiental, dada a sensibilidade dos ecossistemas da região. A exploração de petróleo, gás e outros minerais sem limites claros e regras para a sua operacionalização, aceitas por todos os participantes, embute sérios riscos a uma a fauna já bastante sensível dados os graves efeitos provocados pelo degelo da calota polar.

Em relação à Rússia e pode-se dizer também à sua “sócia” na exploração do Ártico, a China, que não é banhada por esse oceano, mas está, como descrito, com importante presença na região, inclusive com exercícios conjuntos de sua marinha com a marinha russa, os Estados Unidos estão atrasados. E a assertividade das reivindicações recentes, sem nenhuma proposta de mediação ou negociação, tendem a tornar o Ártico região de forte disputa geopolítica entre as grandes potências nos próximos anos.

 

Fonte: Por Wagner Sousa, em Outras Palavras

 

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