Tarifaço
de Trump provoca boicote internacional a produtos dos EUA
Apesar
de o pacote das assim chamadas "tarifas do Dia da Libertação" de Donald Trump ter sido momentaneamente suspenso e um
tanto amenizado, consumidores internacionais têm mantido o boicote a
produtos dos Estados Unidos.
Os
parceiros comerciais tradicionais estão entre os mais atingidos e, do Canadá à
Europa, ganham cada vez mais adeptos as iniciativas de "compre
local", quer organizadas nas redes sociais, quer em lojas físicas.
Em 2 de
abril, Trump impôs uma sobretaxa geral sobre
todas as importações para os EUA e supostas "tarifas recíprocas"
contra determinadas nações – embora, em 9 de abril, tenha abrandado o tom,
anunciando uma pausa de 90 dias no tarifaço e baixando a
maioria das sanções para a taxa básica de 10%.
A única
exceção a esse esquema mais brando é a China, que agora enfrenta tarifas de 125%, pois, segundo o
mandatário americano, teria demonstrado "falta de respeito" com
"os mercados do mundo".
Enquanto
os governos de alguns países afetados decretam suas próprias barreiras
comerciais, os cidadãos reagem com campanhas próprias.
Na
União Europeia – castigada com uma sobretaxa de 20% sobre suas exportações,
antes do recuo de 9 de abril –, os consumidores estão tentando pôr de cabeça
para baixo – em parte literalmente – a posição dos EUA no mercado.
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Mobilização virtual e empresarial
Desde
que a Casa Branca ameaçou com medidas tarifárias, foram criados no Facebook
diversos grupos para organizar boicotes e campanhas.
O
francês "Boycott USA: Achetez Français et Européen!" (Comprem francês
e europeu!) já passa de 30 mil participantes. E os suecos "Bojkotta varor
från USA" e "Boykot varer fra USA" (Boicote aos produtos dos
EUA), já contam, juntos, mais de 180 mil membros, unidos com o fim de
pressionar pelo fim das sanções.
Na
Alemanha, parece haver apoio para uma postura semelhante. O grupo de pesquisa
Cuvey concluiu que 64% da população preferiria evitar os artigos
americanos, se possível. Uma pequena maioria afirmou que suas decisões de
consumo já estão sendo afetadas pelas políticas trumpistas.
Por sua
vez, um movimento online nas redes sociais e fóruns como o Reddit conclamou
os consumidores europeus e canadenses a colocarem os produtos dos EUA de
cabeça nas prateleiras dos supermercados, como sinal visual para dissuadir
eventuais compradores.
Companhias
europeias estão igualmente se articulando contra as firmas americanas: o maior
varejista da Dinamarca, Salling Group, prometeu marcar os produtos da Europa
com uma estrela negra para ajudar os consumidores a identificá-los.
No
LinkedIn, o diretor executivo da companhia, Anders Hagh, informou que
continuará vendendo produtos americanos, mas a nova etiqueta é "um
serviço extra para fregueses que querem comprar artigos de marcas
europeias".
Outras
empresas estão tomando medidas ainda mais concretas: a fornecedora norueguesa
de óleo e combustível para navios Haltbakk Bunkers anunciou que vai parar de
suprir as embarcações da Marinha dos EUA.
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Vendas da Tesla despencam
A marca
americana mais exposta à ira dos consumidores globais é a Tesla, de Elon Musk –
maior doador da campanha eleitoral trumpista e atual consultor especial da Casa
Branca para cortar a burocracia estatal através força-tarefa do Departamento de
Eficiência Governamental (Doge).
A empresa
perdeu 40% de sua cotação na bolsa de valores, e tem sido alvo de protestos
públicos – por vezes violentos – em todo o mundo.
Suas vendas
globais caíram 13% no primeiro trimestre de 2025, apesar de descontos e ofertas
de financiamento nas concessionárias. A queda foi mais pronunciada na Europa,
onde as vendas de janeiro de 2025 foram 45% inferiores às do ano anterior, segundo
a Associação de Construtores de Automóveis Europeus.
Quem
sai ganhando são os fabricantes locais: no primeiro trimestre de 2025, a
Volkswagen foi a campeã de vendas de carros elétricos, à frente da BMW e de
três subsidiárias do conglomerado VW, a Skoda, Audi e Seat. A Tesla, antes no
topo do setor, ficou apenas em oitavo lugar.
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Clima anti-Trump no Canadá favorece liberais
Em
março, Trump impôs uma sobretaxa de
25% ao aço, alumínio e automóveis canadenses, assim como aos bens não
incluídos no acordo de livre-comércio EUA-México-Canadá (USMCA).
O
crescente clima anti-Trump valeu um aumento dramático de popularidade para o
Partido Liberal, antes liderado pelo ex-primeiro-ministro Justin Trudeau e
atualmente por seu sucessor, Mark Carney, ao ponto de a legenda apresentar uma
dianteira apertada nas intenções de voto para as eleições de 24 de abril.
A
rejeição popular no Canadá contra os produtos americanos também é forte. Em
março, o governador de Ontário, Doug Ford, encerrou um contrato de 100 milhões
de dólares canadenses (R$ 412 milhões) com a empresa de telecomunicações
Starlink, de Elon Musk. E comentou na plataforma X, do multibilionário:
"Ontário não faz negócios com quem está doido para destruir a nossa
economia."
Várias
firmas lançaram campanhas "Buy Canadian". O Conselho de Bebidas
Alcoólicas de Ontário disse que pararia de estocar o uísque bourbon e vinhos
dos EUA, entre outras bebidas. Províncias como Colúmbia Britânica e New
Brunswick adotaram medidas semelhantes.
Criaram-se
ainda diversos websites e apps, como Buy Beaver e Maple Scan, para ajudar
o consumidor a identificar e evitar artigos americanos. Comentando o sucesso
recente de seu site Made in CA, o fundador Dylan Lobo comentou à revista
Business Insider: "Há muito patriotismo no momento, neste país. Há um
forte sentimento de que os canadenses querem apoiar outros canadenses."
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Mais um caso de "freedom fries"?
Para
além da Europa e do Canadá, diversos líderes econômicos estão cientes das
potenciais retaliações contra os produtos dos EUA e de como elas poderão afetar
seus negócios. Entre eles, chefes de companhias que adquiriram marcas
americanas.
Poucas
semanas após Trump retomar a Casa Branca, Takeshi Niinami, diretor executivo da
gigante japonesa de bebidas Suntory Holdings – proprietária de marcas como o
uísque bourbon Jim Beam – antecipou que os produtos do país seriam boicotados
pelos consumidores internacionais.
"Nós
elaboramos o plano estratégico e orçamentário para 2025 partindo do princípio
de que os produtos americanos, inclusive o uísque, serão menos aceitos fora do
país, por causa, em primeiro lugar, das tarifas, e em segundo, de emoção",
comentou à revista Financial Times.
O
professor de história Garritt van Dyk percebe nesse repúdio às mercadorias
americanas ecos de uma famigerada campanha de 2003, quando a oposição da França
à invasão do Iraque resultou em que as batatas fritas fossem rebatizadas de
french fries para freedom fries" (da liberdade).
"Em
outros momentos no passado houve essa reação esquisita de 'a gente não quer
mais pertencer a essa cultura'", observa o docente da Universidade de
Waikato, na Nova Zelândia. Em sua opinião, o sentimento de dano à reputação
pelas firmas e fabricantes americanos pode acabar sendo relevante, já que,
"num mercado superlotado, as pessoas podem fazer suas próprias
escolhas".
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VW, Audi e Jaguar suspendem exportações para os EUA; veja
reação das marcas
Apesar
da presença de grandes marcas nacionais, como GM e Ford, 46% dos 16,03 milhões
de veículos vendidos nos Estados Unidos em 2024 foram importados. Os dados são
da agência de classificação de risco Standard & Poor's.
O
México lidera as exportações de veículos para os Estados Unidos. Segundo a
Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), 76% da produção mexicana é destinada ao
mercado americano.
Segundo
a S&P, a Coreia do Sul foi o segundo maior exportador de veículos para os
Estados Unidos em 2024, seguida por Japão, Canadá e Alemanha.
As
primeiras reações ao aumento de tarifas imposto por Donald Trump vieram justamente da Alemanha. A Audi,
pertencente ao grupo Volkswagen, suspendeu as exportações de veículos
produzidos no México. Outra montadora europeia, a Jaguar Land Rover, também
interrompeu temporariamente os envios ao mercado americano, pelo menos durante
o mês de abril.
A
Stellantis, grupo responsável por marcas como Jeep, Fiat, RAM paralisou a produção em fábricas no Canadá e no
México, e suspendeu 900 funcionários em diversas unidades, incluindo algumas
localizadas nos estados americanos de Michigan e Indiana.
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O que dizem as maiores exportadoras para os Estados Unidos
O g1 entrou em
contato com todas as empresas listadas pela S&P Global. As montadoras
manifestaram preocupação com as tarifas dos EUA, destacando impactos negativos
na produção, cadeias de suprimento e inovação.
Algumas,
como Stellantis, já anunciaram ajustes operacionais, enquanto outras ainda
avaliam os efeitos. Todas defendem o livre comércio e a estabilidade nas
relações comerciais.
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Veja todas as respostas, na íntegra:
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Stellantis
“A
Stellantis continua avaliando os efeitos das tarifas recentemente anunciadas
pelos Estados Unidos sobre veículos importados e continuará a se envolver com a
administração norte-americana sobre essas mudanças de política. As ações
imediatas que devemos tomar incluem a pausa temporária da produção em algumas
de nossas plantas de montagem no Canadá e México, o que terá um impacto em
várias de nossas instalações de motores e estamparia dos EUA que dão suporte a
essas operações.”
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Toyota
“Nesta
fase, as implicações práticas dessas medidas permanecem incertas — e ainda não
está claro se algum impacto concreto se materializará.”
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BMW
“O
livre comércio sempre foi um princípio orientador para o BMW Group: é um dos
motores mais importantes do crescimento e do progresso. Tarifas, por outro
lado, dificultam o livre comércio, desaceleram a inovação e desencadeiam uma
espiral negativa. No fim das contas, tornam os produtos mais caros e menos
inovadores.”
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Mercedes-Benz
“Estamos
acompanhando a situação e avaliando as opções. Certamente iremos nos adaptar à
evolução do mercado e ao cenário competitivo, caso seja necessário. E em função
das leis de concorrência, não podemos fornecer mais detalhes.”
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Grupo Volkswagen
“O
Grupo Volkswagen tomou conhecimento da decisão do presidente dos EUA, Donald
Trump, de impor tarifas de 25% sobre todas as importações de automóveis de
passeio e veículos comerciais leves para os Estados Unidos. O Grupo Volkswagen
está acompanhando de perto os desdobramentos e fará uma avaliação abrangente,
internamente, sobre o possível impacto nas cadeias de suprimentos e na nossa
rede de produção, entre outros aspectos.
Os
Estados Unidos são uma região importante para o Grupo Volkswagen. Recentemente,
investimos mais de US$ 14 bilhões no mercado, apoiando milhares de empregos bem
remunerados e contribuindo para a prosperidade e o crescimento.
Compartilhamos
da avaliação da maioria dos especialistas de que as tarifas dos EUA e quaisquer
contra-tarifas terão um impacto negativo sobre o crescimento e a prosperidade
tanto nos EUA quanto em outras regiões econômicas. Toda a indústria automotiva,
bem como as cadeias globais de suprimentos, empresas e também os consumidores,
terão que arcar com as consequências negativas.
Continuamos
defendendo um intercâmbio de bens baseado em regras, mercados abertos e
relações comerciais estáveis. Esses são elementos essenciais para uma economia
competitiva, especialmente para a indústria automotiva.
Ao mesmo
tempo, contamos com conversas construtivas entre os parceiros comerciais para
garantir segurança no planejamento, estabilidade econômica e evitar um conflito
comercial.”
Ford,
GM (Chevrolet), Subaru, Hyundai, e Mazda não enviaram nota até o fechamento
desta reportagem. Honda, Volvo e Nissan disseram não ter posicionamento para
compartilhar.
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Trump diz que política tarifária é 'animadora' para o
mundo todo
O
presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, disse que a sua política tarifária está
"indo muito bem" e "avançando rapidamente", em publicação
na sua página na plataforma Truth Social.
Trump
também afirmou que as tarifas são "muito animadoras para os EUA e para o
mundo", mesmo depois de dias marcados por uma grande aversão aos ricos nos
mercados financeiros globais por conta do tarifaço.
A
publicação de Trump acontece apenas algumas horas depois da China anunciar
que vai aumentar as tarifas de importação
de produtos que chegam dos Estados Unidos de 84% para 125%.
O novo
percentual da tarifa entra em vigor já neste sábado (12), segundo publicação da
Embaixada da China nos EUA.
Trump
ainda não se manifestou sobre o novo percentual das tarifas chinesas sobre os
EUA.
A nova
taxação do país asiático sobre produtos americanos é mais uma resposta às
medidas impostas pelo presidente americano. Na quinta-feira (10), em mais um
capítulo da guerra comercial, os EUA explicaram que as tarifas impostas ao país asiático
somam 145%. (relembre
o contexto mais abaixo)
"A
imposição pelos EUA de tarifas anormalmente altas à China viola gravemente as
regras do comércio internacional e econômico, as leis econômicas básicas e o
bom senso, sendo um ato completamente unilateral de intimidação e
coerção," disse o Ministério das Finanças da China, em comunicado.
Fonte:
DW Brasil/g1

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