O colapso global é iminente
Paul Krugman, Prêmio Nobel de economia em
2008, por suas contribuições para a Nova Teoria do Comércio e a Nova
Geografia Econômica, analisando o tarifaço imposto aos países que comercializam
com os Estados Unidos, em 2 de abril deste ano, argumenta: “Na verdade, é sem
dúvida enganoso dizer que Trump começou uma guerra comercial. Pode ser mais
preciso dizer que, ao demolir o sistema de comércio mundial, ele desencadeou o
caos. E o mundo inteiro pagará o preço”. As tarifas de Trump não encontram
respaldo entre economistas de várias tendências quer seja da ortodoxia, quer
seja da heterodoxia.
Internamente, um órgão consultivo foi criado
por Donald Trump, o Departamento de Eficiência Governamental (Doge) e foi
entregue a Elon Musk, o homem mais rico do mundo, para implementar a
ideia de Estado Mínimo. Musk cortou empregos no governo e outros gastos. A
ideia de Musk é reduzir drasticamente a força de trabalho federal e eliminar o
que ele vê como desperdício de dinheiro dos contribuintes. Inicialmente, acenou
com uma economia de até US$ 2 trilhões. Como parte de uma guerra contra as
políticas ‘woke’, Musk disse que sua equipe “economizou aos
contribuintes mais de US$ 1 bilhão em contratos DEI [diversidade, equidade e
inclusão]”. Atacou a USAID, principal organização de ajuda externa dos Estados
Unidos, que financia projetos em dezenas de países. Avançou sobre gastos
obrigatórios, incluindo programas populares como Previdência Social e Medicare.
A reação dos Democratas (partido rival) tem
sido tímida. Talvez até de perplexidade como todos nós.
A sociedade americana começa uma reação ainda
muito incipiente, protestando em várias cidades. Nem tanto pelo tarifaço, com o
qual a população americana parece concordar pois os efeitos sobre os preços
ainda não se tornaram claros, leva um tempo para serem sentidos pelas pessoas
nos supermercados e nas lojas de varejo. Mas por razões diversas que variam da
expulsão de imigrantes, supressão de direitos básicos como o de criticar o
governo, ao desmonte das Universidades que viram sua autonomia para o livre pensar
ameaçada e recursos públicos direcionados à educação superior e às pesquisas
minguarem.
Em várias cidades ocorreram protestos, mas
ainda isolados. Na capital Washington, milhares de manifestantes se reuniram,
no final de semana, para acompanhar discursos de políticos democratas. Muitos
citaram Elon Musk. O deputado da Flórida Maxwell Frost denunciou a “tomada de
nosso governo por bilionários”.
Mas o que de fato está em jogo? Parece-me que
é um abalo sísmico no modo capitalista de produção e distribuição. É um ataque
à globalização e ao neoliberalismo realizado por uma pessoa que o apoia, mas
não tem noção do que se trata e a quem realmente beneficia.
Em seu estreito modo de pensar Trump só
enxerga que o país mantém um déficit em seu comércio com inúmeros países porque
exporta (X) menos do que importa (M) e isso tem que ser combatido país a país.
Desconhece todas as teorias sobre vantagens decorrentes do comércio
internacional para economias abertas. Ignora o papel dos EUA, obrigações e
privilégios, enquanto emissor da moeda hegemônica – o dólar americano.
Richard Wolff, economista marxista e crítico
do capitalismo, analisa o período de Donald Trump como um catalisador do
declínio estrutural dos Estados Unidos e das contradições do sistema
capitalista: a desigualdade social, a exploração do trabalho e a concentração
de riqueza.
As ideias de Wolf sobre o destino do
capitalismo na era Trump, com auxílio de IA, podem ser assim resumidas:
1. Aceleração da desigualdade e declínio
imperial
Wolff argumenta que a concentração de
bilionários no governo Trump reflete uma oligarquia que aprofunda a
desigualdade social, tornando o sistema insustentável. Ele compara o momento
atual à Era Dourada (Gilded Age) dos anos 1890, onde a riqueza extrema de
elites – como hoje são os Musk, Zuckerber e Bezos – contrastava, com a
precariedade da classe trabalhadora. Essa dinâmica, acelera o colapso de um
império estadunidense já em declínio, com perda de influência global e desgaste
do dólar como moeda hegemônica.
2. Políticas protecionistas e desespero
econômico
As tarifas comerciais impostas por Trump são
vistas por Wolff como medidas desesperadas para conter o declínio econômico dos
EUA, mas que, na realidade, agravam crises internas. Ele critica a narrativa de
“vitimização” dos norte-americanos, apontando que as elites capitalistas foram
as maiores beneficiárias da globalização. As tarifas, além de inflacionarem
preços para os trabalhadores, arriscam recessão e perda de mercados externos
devido a retaliações, acelerando a erosão da hegemonia estadunidense.
3. Negação do declínio e teatro
político
Wolff destaca que tanto Trump quanto os
Democratas evitam discutir a decadência do imperialismo americano, preferindo
culpar “inimigos externos” (como China ou Rússia). Essa negação, associada a
políticas beligerantes (ex.: apoio a Israel, guerra na Ucrânia), só aprofunda a
crise. Para ele, as eleições são um “teatro da democracia”, onde ambos os
partidos perpetuam o capitalismo sem oferecer alternativas reais.
4. Crise estrutural do capitalismo
Sob Trump, Wolff identifica problemas como o
endividamento público recorde (121% do PIB em 2024), déficits fiscais
crescentes (6,4% do PIB) e dependência de empréstimos estrangeiros. Esses
fatores, somados à desdolarização global (impulsionada pelos BRICS), tornam o
sistema financeiro dos EUA vulnerável a colapsos. A obsessão com gastos
militares e a falta de investimentos sociais agravam a instabilidade.
5. A necessidade de uma alternativa
sistêmica
Wolff defende que o capitalismo, em sua forma
atual, é incapaz de resolver suas contradições. Ele critica a falta de
democracia nos locais de trabalho e a exploração estrutural, propondo a
organização dos trabalhadores para além de reformas pontuais. Para ele, a era
Trump evidencia a urgência de um modelo alternativo, como cooperativas ou
socialismo democrático, que enfrente as raízes das desigualdades.
Para Wolff, a era Trump representa um ponto
de inflexão: políticas neoliberais e nacionalistas aceleram o fim da hegemonia
estadunidense, enquanto o capitalismo se revela cada vez mais disfuncional. Sua
análise combina crítica econômica rigorosa com um apelo à transformação radical
do sistema, evitando a catástrofe social e geopolítica.
O ganhador do Nobel em economia de 2001 já
advogava que repensar a globalização significa repensar as relações entre o
Estado e o mercado. Joseph Stiglitz acredita, na esteira
de Keynes, que é urgente definir o que ele chama de “terceira via”, entre
o neoliberalismo e a coletivização completa da economia, que se mostrou
ineficaz. Não há mão invisível, e a intervenção do Estado pode muitas vezes dar
resultados melhores do que o livre mercado. Entretanto, atualmente, são os
fanáticos do mercado que dão as cartas. As consequências da liberalização
financeira e da especulação são catastróficas.
Banqueiros, executivos e traders manifestaram
na semana passada, após o anúncio do tarifaço do governo dos Estados Unidos,
que vislumbravam flashbacks da crise financeira global de
2007-08, a crise do subprime que derrubou vários gigantes de
Wall Street e de outros mercados financeiros mundo afora. Muitos especialistas
também viram, no colapso de 2008, uma séria ameaça ao capitalismo, causando uma
recessão global e afetando a economia de quase todos os países. A crise além de
desestabilizar os mercados financeiros, diminuiu a produção industrial, causou
desemprego em vários setores, afetou a confiança dos investidores, abalou a
economia mundial.
Em 15 setembro de 2008, marco da crise, um
dos bancos de investimento mais tradicionais dos Estados Unidos, o Lehman
Brothers, foi à falência, e as Bolsas despencaram. A data ficou conhecida como
‘segunda-feira de terror’. Em seguida, outros bancos anunciaram perdas
bilionárias. Quem os socorreu foram os bancos centrais apelando para sua função
de “emprestador de última instância”.
Hoje, nesta segunda-feira, sete de abril de
2025, as Bolsas mais uma vez abrem com os mercados de ações globais
cambaleando. Estima-se que as 500 pessoas mais ricas do mundo perderam
coletivamente US$ 536 bilhões (£ 417 bilhões) nos dois primeiros dias de
negociação, após o anúncio do tarifaço de Trump. Foi a maior perda de riqueza,
em dois dias, já registrada pelo índice de bilionários da Bloomberg.
Até agora, neste ano, a riqueza estimada de
Musk, apoiador de Trump desde o primeiro momento, e chefe do Doge que quer
desmontar o Estado americano, caiu em US$ 130 bilhões, embora ele ainda
permaneça confortavelmente como a pessoa mais rica do mundo, com um patrimônio
líquido de US$ 302 bilhões. As ações da Tesla caíram quase 5% em Wall Street na
tarde de segunda-feira, aumentando essas perdas. Grupos de magnatas que
apoiaram Trump ou compareceram à sua
posse em janeiro viram sua riqueza diminuir, de forma
considerável, atingidos pela turbulência do mercado.
O colapso parece iminente, liderado pelas
empresas de big tech. Quem os vai socorrer? A era Trump exacerba tensões
inerentes ao capitalismo – desigualdades, nacionalismo econômico, crises
sucessivas – e poderá colocar em risco instituições democráticas. Mas não será
suficiente para levar ao fim o sistema capitalista ou nos conduzir para um
modelo alternativo, como um modelo de cooperativas ou socialismo democrático,
que enfrente as raízes das desigualdades, como sugere Wolff. Mais fácil
levar a conflitos de proporções cada vez maiores, como uma Terceira Guerra
Mundial, para criar consumidores para produtos bélicos cuja produção se amplia
em todos os continentes.
O capitalismo tem uma capacidade imensa de
adaptação a novas situações. O que está em jogo, não é o fim do capitalismo,
mas sua contínua transformação. Seja para um modelo mais regulado ou para uma
versão mais oligárquica e polarizada. Seu núcleo – propriedade privada, lucro e
mercado – segue inabalável.
Fonte: Por Maria Luiza Falcão Silva, no
Jornal GGN

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