Eu
não esqueço, eu não perdoo: lutar por uma memória, verdade, justiça e reparação
Um
jovem de 22 anos foi morto com um tiro na cabeça ao defender sua namorada
grávida de uma abordagem da Polícia Militar, na cidade de Piracicaba, interior
de São Paulo. O boletim de ocorrência alega que os dois, Gabriel e Rebeca, se
“insurgiram” contra os policiais. A tragédia foi filmada e mostra um policial
agredindo a menina grávida, arrastando-a pela rua, e a reação desesperada do
jovem ao pegar uma pedra para tentar salvá-la. Depois, o disparo e gritos:
“matou! matou o menino!”. Aconteceu na madrugada de 1º de abril, data que marca
os 61 anos do golpe e início da ditadura militar no Brasil.
Os
abusos, violência e execuções sumárias realizadas pela Polícia Militar não são
exceções, são a regra, o modus operandi de uma instituição que tem a certeza da
impunidade. O covarde que mata uma mulher grávida, que sente tranquilidade ao
cobrir a câmera do uniforme e apertar o gatilho, sabe que não vai sofrer as
consequências de seus atos. Isso porque, por um lado, a máquina ideológica da
extrema-direita trabalha firmemente para disseminar na sociedade a ideia de que
existe um inimigo interno, responsável pela violência nas grandes cidades, que
precisa ser combatido a todo custo. Portanto, tudo está justificado. Mas o
outro elemento fundamental encontra-se no fato de que é uma tradição dos
militares estarem acima da Justiça, utilizando todas as ferramentas e meios
legais, mas principalmente os ilegais, para se safar: forjando um flagrante,
apelando para o argumento da legítima defesa, manipulando provas e as cenas do
crime, etc.
Essa
semana, através da denúncia no portal Metrópoles com dados de relatório
conjunto do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) e do Fundo das Nações
Unidas para a Infância (Unicef), soubemos que a Polícia Militar de São Paulo é
responsável por uma em cada três mortes de crianças e jovens no Estado. (Foto:
Governo do Estado de São Paulo)
Durante
os 21 anos de ditadura, o Estado foi responsável pela morte de aproximadamente
10 mil pessoas, entre militantes comunistas, ativistas sociais, jornalistas,
camponeses, indígenas, vítimas dos esquadrões da morte e até mesmo do surto de
meningite que foi ocultado pelos militares na época. Como nenhum governo desde
a redemocratização se comprometeu com a reparação aos familiares que seguem em
luta por justiça, não há uma política e nem investimento sério para encontrar
os corpos de 208 pessoas que ainda estão desaparecidos. O que é mais
revoltante: as 29 recomendações finais da Comissão Nacional da Verdade
tornaram-se letra morta no papel e, onze anos depois, nenhum militar,
torturador ou assassino foi punido; pelo contrário, são homenageados em nomes
de praças e ruas.
Por
tudo isso, qualquer semelhança entre os esquadrões da morte de ontem e os
destacamentos especiais da Polícia Militar de hoje não é mera coincidência. A
ROTA em SP e o BOPE no RJ, por exemplo, são os esquadrões da morte da
democracia, agem até mesmo sob a luz do dia, pois na medida em que avançam a
militarização e o domínio do fascismo sobre a nossa sociedade, esses assassinos
certamente receberão uma condecoração do Secretário de Segurança Pública e do
Governador do Estado no fim do dia.
Essa
semana, através da denúncia no portal Metrópoles com dados de relatório
conjunto do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) e do Fundo das Nações
Unidas para a Infância (Unicef), soubemos que a Polícia Militar de São Paulo é
responsável por uma em cada três mortes de crianças e jovens no Estado. É um
grande escândalo, são as nossas crianças! E apesar disso, a notícia passou
superficialmente pela grande mídia.
De
fato, a luta por justiça deve continuar. Na última quinta-feira (3), ocorreu um
ato em solidariedade às vítimas da violência da polícia contra a manifestação
dos familiares de ferroviários que lutavam pelo fim das privatizações. Nessa
ocasião, tive a oportunidade de ouvir a fala da mãe do Marco Aurélio (estudante
de medicina que foi assassinado pela polícia em São Paulo), denunciando não ter
recebido sequer um pedido de desculpas do governo de Tarcísio de Freitas pela
morte do seu filho. Sílvia é médica também, trabalha em hospital público no
extremo leste da cidade, e decidiu não se abater com a perda do filho; vai
lutar pela exoneração do secretário Guilherme Derrite e punição dos policiais
que apertaram o gatilho: “eu não esqueço, eu não perdoo”, sentenciou em meio às
lágrimas.
Mesmo
em nosso meio há quem diga que é preciso virar a página, surpresos com o fato
de que “ainda estamos falando disso”. Essa política do esquecimento tem
consequências que ceifam vidas como a de Gabriel Júnior Oliveira Alves da
Silva, 22 anos; Cláudia Silva Ferreira, 38 anos; Guilherme Silva Guedes, 15
anos; Vinícius Fidelis Santos de Brito, 24 anos. E tantos outros.
Neste
mês de abril, estamos ao lado da Comissão de Familiares dos Mortos e
Desaparecidos Políticos e de tantas outras organizações sociais que, apesar dos
obstáculos, lutam pelas bandeiras da Memória, Verdade, Justiça e Reparação,
repetindo as palavras daquela mãe: eu não esqueço, eu não perdoo. Ditadura
Nunca Mais!
Fonte:
Por Isis Mustafa, em Opera Mundi

Nenhum comentário:
Postar um comentário