Epidemia da desinformação: a face digital que
ameaça o tratamento do câncer
Enquanto a medicina avança em um cenário
crescente de incidência de câncer, doença que segundo a Organização
Mundial da Saúde (OMS) responde por 22 milhões de novos diagnósticos globais
anualmente, uma ameaça silenciosa cresce nas telas: a desinformação
online.
No Dia Mundial de Combate ao Câncer nesta
terça-feira, 8 de abril, especialistas alertam: a batalha contra
a doença agora também é digital.
À CNN, médicos mostram preocupação com a veiculação de notícias
falsas.
Isso porque, promessas de curas milagrosas e
tratamentos sem base científica circulam livremente nas redes sociais,
colocando em risco a adesão de pacientes a terapias comprovadas e
potencialmente salvadoras.
“Entre receitas milagrosas, tratamentos
alternativos sem endosso científico e conselhos de celebridades, pacientes com
câncer são bombardeados com informações potencialmente perigosas que podem
comprometer seus tratamentos ou até mesmo levá-los a abandonar terapias
comprovadamente eficazes”, explica Carlos Gil Ferreira, diretor médico da
Oncoclínicas&Co.
Um estudo recente analisou 200 vídeos sobre
câncer no TikTok e descobriu que 81% deles continham informações não
confiáveis. O que vem sendo chamado de “Tik Health” se tornou uma fonte
primária de informação para muitas pessoas, especialmente jovens, substituindo
consultas médicas e fontes confiáveis.
<><> Celebridades e
influenciadores: o perigo da amplificação
Em janeiro deste ano, o ator Mel Gibson
afirmou no podcast The Joe Rogan Experience, que alcança milhões de ouvintes,
que três amigos com câncer em estágio avançado teriam sido curados com
ivermectina e fenbendazol – medicamentos aprovados apenas para tratar infecções
parasitárias, sem qualquer evidência científica de eficácia contra o câncer.
“Quando uma figura pública faz declarações
como essa, o impacto é imenso. Temos pacientes chegando ao consultório querendo
interromper a conduta terapêutica prescrita para tomar remédios livremente
vendidos nas farmácias para outros fins porque ‘ouviram que funciona'”, relata
Ferreira.
Não é um caso isolado. Em 2015, Belle Gibson,
influenciadora australiana, admitiu ter fraudado sua história de cura de um
suposto câncer terminal através de dietas e terapias alternativas. Antes disso,
ela havia construído um império que incluía um aplicativo de saúde promovido
pela Apple e um livro de receitas publicado por uma grande editora.
As narrativas enganosas seguem comumente
padrões identificáveis: relatos de curas milagrosas, teorias conspiratórias
sobre tratamentos suprimidos pela indústria farmacêutica, e a promoção de
produtos “naturais” que supostamente combatem tumores sem os efeitos colaterais
dos tratamentos convencionais.
<><> Interferências perigosas no
tratamento
“Muitos pacientes não compreendem que até
mesmo suplementos ‘naturais’ podem interferir severamente nos resultados das
condutas prescritas”, alerta o oncologista. “Essas interferências podem não
apenas reduzir a eficácia dos tratamentos oncológicos, mas também potencializar
efeitos colaterais de forma significativa.”
Ferreira explica que certas substâncias podem
interagir com medicamentos
adotados para tratar o câncer, aumentando
toxicidades ou reduzindo a eficácia das terapias efetivamente indicadas pelo
profissional de saúde. “Tivemos casos de pacientes que desenvolveram problemas
francês de saúde por consumirem chás ‘desintoxicantes’ durante a quimioterapia
sem comunicar isso ao corpo clínico responsável pela linha de cuidado. Outros
sofreram hemorragias ao combinar determinados suplementos com anticoagulantes
usados durante o tratamento.”
Um relatório divulgado pela Sociedade
Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC) em março aponta que cerca de 65% dos
pacientes com câncer usam algum tipo de terapia complementar, mas apenas 30%
informam seus médicos sobre essa prática.
<><> A busca por milagres
A vulnerabilidade psicológica que acompanha o
diagnóstico de câncer cria um terreno fértil para a disseminação de falsas
esperanças. “Quando alguém recebe um diagnóstico de câncer, especialmente em
estágio avançado, existe um desespero natural que pode tornar qualquer promessa
de cura atraente”, explica Cristiane Bergerot, pisco-oncologista e líder da
especialidade Equipe Multidisciplinar da Oncoclínicas&Co.
Há ainda situações de pacientes de fato
diagnosticados como tumores, como a Jessica Ainscough, conhecida nas mídias
sociais como “The Wellness Warrior”. A influenciadora australiana ganhou
notoriedade ao rejeitar tratamentos convencionais para um câncer raro em favor
da controversa Terapia Gerson.
Esse tratamento alternativo, desenvolvido por
Max Gerson na década de 1920, consiste em uma dieta vegetariana orgânica
rigorosa, sucos de frutas e vegetais frescos, diversos suplementos e enemas de
café frequentes – elemento central do processo, justificado por defensores como
essencial para desintoxicar o fígado e ajudar o corpo a eliminar toxinas,
supostamente aumentando os níveis de glutationa e estimulando o sistema
imunológico. Ainscough faleceu em 2015, sete anos após o
diagnóstico.
“Casos como o dela são trágicos porque, além
da perda individual, inspiram outros pacientes a seguirem o mesmo caminho,
adiando ou rejeitando tratamentos que poderiam salvar suas vidas”, comenta
Bergerot.
É importante destacar que a Terapia Gerson
não possui comprovação científica como tratamento eficaz contra o câncer e não
é reconhecida pela medicina. “Organizações médicas respeitadas, como American
Cancer Society (ACS) e SBOC, alertam que abandonar tratamentos convencionais em
favor deste tipo de conduta sem embasamento de estudos que comprovem sua
eficácia pode ser perigoso e comprometer a saúde de pacientes com câncer”,
complementa Ferreira.
<><> Relações parassociais e
confiança digital
Pesquisadores da Universidade de Portsmouth,
no Reino Unido, identificaram que parte do poder dos influenciadores na área da
saúde vem das chamadas “relações parassociais” – conexões emocionais
unilaterais em que seguidores desenvolvem um sentimento de intimidade e
confiança com pessoas que nunca conheceram pessoalmente.
“É um fenômeno psicológico extremamente
poderoso. Os seguidores sentem que conhecem o influenciador, confiam nele como
confiariam em um amigo próximo, e isso pode superar até mesmo a confiança em
profissionais de saúde que dedicaram décadas ao estudo e tratamento do câncer”,
afirma Bergerot.
Para ajudar pacientes e familiares a
navegarem por este cenário desafiador, Carlos Gil Ferreira e Cristiane Bergerot
recomendam:
- Verificar
sempre a fonte: Informações sobre tratamentos devem vir de instituições
médicas reconhecidas ou estudos publicados em periódicos científicos
respeitados.
- Comunicar
tudo ao médico: Qualquer suplemento, dieta especial ou terapia
complementar deve ser discutida com a equipe médica.
- Desconfiar
de “curas milagrosas”: Se algo parece bom demais para ser verdade,
provavelmente é.
- Buscar
grupos de apoio certificados: Organizações como a Associação Brasileira de
Apoio a Pacientes com Câncer e o Instituto Oncoguia oferecem suporte
emocional baseado em informações confiáveis.
“No Dia Mundial de Combate ao Câncer,
precisamos lembrar que a informação de qualidade salva vidas. Tão importante
quanto desenvolver novos tratamentos é garantir que os pacientes tenham acesso
às terapias já comprovadas, sem serem desviados por promessas vazias que podem
custar precioso tempo de tratamento e, em muitos casos, a própria vida”,
conclui o diretor médico da Oncoclínicas&Co.
¨
Câncer causa média de
698 óbitos por dia, de acordo com dados do último ano
O câncer é uma das principais causas de
morte no Brasil, com uma média de 698 óbitos por dia, segundo
Instituto Nacional do Câncer (INCA). Em 2024, segundo dados Instituto Lado a
Lado pela Vida ainda preliminares, foram registrados 519.544 novos casos
da doença.
O Dia Mundial de Luta Contra o Câncer,
celebrado nesta terça-feira (8), vem com o foco de servir como um lembrete de
que a urgência na resposta contra o câncer deve ser uma realidade em todas as esferas da
sociedade.
“A cada dia que passa sem uma ação coordenada
e urgente, mais vidas são afetadas. Não podemos aceitar isso como normal. É
nossa responsabilidade coletiva garantir que o câncer seja uma prioridade
máxima na agenda de saúde do Brasil”, diz Marlene Oliveira, fundadora e
presidente do Instituto Lado a Lado pela Vida, em comunicado enviado
à CNN.
Segundo o médico oncologista Igor Morbeck, os
números têm assustado porque sobem
a cada ano.
“O acesso do paciente aos serviços de saúde
para iniciar os tratamentos da doença está ruim. O tempo entre diagnóstico
clínico, ou seja, a presença de sintomas, até o momento de o paciente ter
acesso aos exames de diagnóstico e, principalmente tratamento, tem levado
muitos meses”, discorre o profissional, em entrevista à CNN.
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Quanto mais cedo o diagnóstico é feito, maior
há chance de promover cura e sobrevida dos pacientes. “Ao realizar, por
exemplo, os exames de imagem, biópsias, e ao iniciar os tratamentos
cirúrgicos e ou quimioterápicos mais cedo, estes pacientes passam a ter uma
perspectiva de cura e aqueles que não têm chance de cura, terão mais anos de
sobrevida e com qualidade de vida.”
O médico ainda explica que não são apenas os
fatores de risco genéticos e hereditários as causas do tumor. Adotar um estilo
de vida mais saudável também é uma urgência no combate contra o câncer.
“O estilo de vida que a pessoa leva é
importante. Má alimentação, falta de atividade física, principalmente que leva
ao sedentarismo e obesidade, o hábito de fumar e ingerir com frequência bebida
alcoólica são alguns fatores importantes a serem evitados. Tem estudos que
mostram que é possível prevenir cerca de 20 a 30% dos cânceres só tomando
medidas básicas, que são as chamadas medidas de prevenção e adoção de
estilo de vida saudável”, ressalta Igor Morbeck.
Por fim, o especialista destaca que ainda há
grande discrepância no tratamento do câncer para a população. “Existem estudos
brasileiros atuais que mostram que pacientes tratados no Sistema Único de Saúde
têm uma sobrevida menor do que os pacientes com acesso ao serviço privado.
Isso, lamentavelmente, é uma verdade que precisa mudar”, finaliza.
Fonte: CNN Brasil

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