Brasil
tem 'autonomia universitária' e verba liberada automaticamente; entenda
diferenças em relação aos EUA
As universidades
públicas brasileiras, de acordo com a Constituição Federal,
estão blindadas de interferência de governo na gestão financeira das
instituições, ao contrário dos Estados Unidos (EUA), que não possuem uma
legislação clara sobre o orçamento.
"No
Brasil, o posicionamento mais impositivo que o governo pode tomar é o bloqueio
do orçamento ou a contenção de verba por um tempo, mas a União não pode deixar
de pagar o mínimo às universidades", explica o presidente da Associação
Nacional de Pesquisa em Financiamento (Fineduca) Nelson Amaro.
Ou
seja, pela Constituição, "não tem como o governo brasileiro agir neste
'modelo Trump', o não detalhamento da constituição americana deixa muito espaço
ao poder do governante. Lá, como a constituição fala pouco, ela atua
pouco", completa o especialista.
🌍O assunto repercutiu após o governo do
presidente Donald Trump ter anunciado,
na segunda-feira (14) o congelamento de cerca de US$ 2,3 bilhões (R$ 13,1
bilhões) em subsídios e contratos com a Universidade de Harvard, por meio do
Departamento de Educação dos Estados Unidos.
A
decisão do republicano foi firmada após a instituição declarar que não iria
cumprir exigências da gestão de Donald Trump, como o fim de programas de
inclusão e equidade.
Para as
próximas semanas, o presidente Trump avalia cancelar a isenção fiscal
concedida a Harvard e passar a taxá-la como uma "entidade
política" por promover "doença inspirada em política,
ideologia e terrorismo".
📌A medida pode ser tomada caso a
Universidade não se desculpe por episódios
de "antissemitismo" na instituição. O governo fez
referência a protestos pró-Palestina e contra a guerra na Faixa de Gaza que
ocorreram em várias universidades americanas ao longo de 2024.
Na
última semana, o presidente republicano enviou uma carta a Harvard, que além
de solicitar uma auditoria com estudantes, professores e dirigentes,
também demandava:
- reformas amplas
na administração da universidade;
- adoção de
políticas de admissão; e
- contratações
“baseadas em mérito”.
A
universidade, porém, afirmou que não iria atender às exigências do governo.
"Seja
no Brasil ou nos Estados Unidos, a autonomia universitária, didática e
operatória são inegociáveis. Quando uma universidade faz concessões ao governo,
a instituição passa a ideia de ser mais perene", avalia o diretor jurídico
da Associação Brasileira Bruno Coimbra, diretor jurídico da Associação
Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior.
Segundo
ele, "Harvard, ao se firmar em seus princípios, demostra que a
universidade é fiel ao plano educacional".
O
especialista ainda pontua que as universidades devem se posicionar
enquanto 'agentes mantenedores de conhecimento', visto que o
comportamento reforça a autonomia e o poder da instituição como 'agente
influenciador' nos debates públicos.
<><>
O que a lei brasileira diz?
👉A legislação brasileira assegura a
destinação monetária da União para o ensino e estabelece a autonomia das
universidades públicas para gerir os investimentos. Os parâmetros foram
instituídos a partir de 1988, com a Constituição Federal.
A norma
regula que:
➡️Destinação mínima da verba arrecadada: A
União deve aplicar, anualmente, no mínimo 18% da receita resultante de impostos
na manutenção e desenvolvimento de todas as fases do ensino. Já os estados, o
Distrito Federal e os municípios devem destinar, no mínimo, 25% das receitas.
➡️Autonomia universitária: As instituições
têm liberdade didático-científica, administrativa e de gestão financeira e
patrimonial. Essa autonomia garante às universidades o direito de definir,
dentro dos recursos disponíveis, como investir em ensino, pesquisa e extensão.
Para o
ano de 2025, o orçamento projetado para as despesas com Ensino Superior
das Universidades Federais, excluindo os Institutos Federais e os Centro
Federal de Educação Tecnológica, é de R$ 41 bilhões.
🔎O financiamento paras
as universidades públicas federais é da Fonte 1000, que são recursos livres da
União projetados no orçamento fiscal, com base na arrecadação de tributos. A
informação consta no painel do Orçamento Federal.
<><>
Como funcionam as normas nos Estados Unidos?
A
Constituição dos Estados Unidos não garante explicitamente o financiamento das
universidades. A Carta Magna americana, escrita em 1787, é enxuta e não trata
diretamente da educação, que é considerada uma responsabilidade dos
estados, e não do governo federal.
➡️Isso significa que: não há um artigo
constitucional específico que obrigue o governo federal a destinar um
percentual fixo de sua receita para a educação, como ocorre no Brasil com o
artigo 212 da Constituição Federal.
Nos
EUA, o financiamento das universidades se dá por meio de leis específicas
aprovadas pelo Congresso, e os valores podem variar a cada ano, conforme o
orçamento federal. O fator permite que o valor destinado à educação se torne
mais suscetível às vontades do governo.
📌De acordo com especialistas ouvidos
pelo g1, é mais fácil delimitar a destinação de recursos na educação
brasileira do que na americana, visto que os EUA misturam verbas de
iniciativas públicas e privadas. Ou seja, as universidades privadas também
são financiadas pelo governo americano.
"A
constituição brasileira é importante para delimitar o financiamento. Ela
garante a autonomia da gestão de recursos nas instituições. O dinheiro é
colocado a disponibilidade da gestão publica, e em tese, a instituição não tem
que ir atrás desse dinheiro, é reponsabilidade do governo. Essa via dá uma boa
integração do fluxo monetário", detalha Nelson Amaro.
- O governo
brasileiro financia as faculdades privadas?
👉No Brasil, o governo não distribui
verbas para as instituições privadas. Os estudantes e universitários do
Estado brasileiro são beneficiados por meio do Programa Universidade para Todos
(Prouni) e pelo Fundo de Financiamento Estudantil (Fies).
>>>
Os programas regulam que:
- Prouni: O
programa, criado em 2004, oferece bolsas de estudo integrais e
parciais em instituições privadas de ensino superior para estudantes de
baixa renda.
- Fies: a
iniciativa, criada em 1999, para financiar cursos superiores em
instituições privadas, permite que estudantes com dificuldades financeiras
paguem suas mensalidades somente após a conclusão do curso, com condições
facilitadas de juros e prazos.
"Aqui,
temos o ministério, as próprias fundações de cada universidade, o Estado
brasileiro diretamente financiando as atividades das instituições de ensino.
Com orçamento público definido, o governo brasileiro é o mantenedor. Já nos
Estados Unidos, tem muito do olhar do investimento sob a educação", afirma
Bruno Coimbra.
O
especialista ainda explica que as universidades americanas recebem verbas de
grandes empresas que contribuem no financiamento das atividades.
"As
indústrias estão integradas às universidades, o próprio Google tem atividades
de pesquisa e alta tecnologia empenhadas em Harvard", exemplifica Coimbra.
<><>
Contingenciamento no Brasil
O
Brasil passou por incertezas no orçamento da educação durante o governo do
ex-presidente Jair Bolsonaro, no final de 2022. Após a sanção do Orçamento, o
primeiro impacto para reitores veio em junho, depois de um bloqueio inicial de
14,5% do Orçamento da Educação.
Nos
dias seguintes, o bloqueio foi reduzido a 7,2%, valor que foi repassado às
universidades e institutos federais.
Entretanto,
o que começou como um bloqueio terminou como corte, já que o valor não foi
devolvido às instituições. Apenas na educação superior (universidades e
institutos), a redução foi de R$ 438 milhões.
Em
outubro de 2022, o MEC sofreu um novo bloqueio, desta vez de R$ 1 bilhão, após
o governo anunciar um contingenciamento de R$ 2,6 bilhões que foi repassado aos
ministérios.
Na
ocasião, foram bloqueados R$ 328 milhões das universidades federais. O valor
foi liberado posteriormente, depois de o ministério realocar verbas
internamente.
¨ Trump x Harvard:
entenda o que quer o presidente dos EUA e como a universidade tem desafiado o
governo
De um
lado, Harvard: a universidade mais
antiga e rica dos Estados Unidos, com uma marca tão poderosa que seu nome
virou sinônimo de prestígio. Do outro, o governo de Donald Trump: determinado a ir mais longe do que qualquer
outro em uma tentativa de remodelar o ensino superior no país.
Ambos
os lados estão firmes em uma disputa que pode testar os limites do poder do
governo e a autonomia que transformou as universidades americanas em polos de
atração para acadêmicos de todo o mundo.
Na
segunda-feira (14), Harvard se tornou a primeira universidade a desafiar
abertamente o governo Trump, que exige mudanças amplas para limitar o ativismo
na instituição.
A
universidade considera as exigências como uma ameaça não apenas à própria
instituição, mas à independência que a Suprema Corte há décadas garante às
universidades dos EUA.
“A
universidade não abrirá mão de sua independência nem de seus direitos
constitucionais”, escreveram os advogados da instituição em carta ao governo.
“Nem Harvard, nem qualquer outra universidade privada pode permitir ser
assumida pelo governo federal.”
O
governo afirmou que está congelando cerca de US$ 2,3 bilhões
(R$ 13,5 bilhões) em
recursos destinados à universidade. A suspensão marca a sétima vez que a gestão
Trump adota esse tipo de medida contra instituições de elite em uma tentativa
de forçar o alinhamento com a agenda política do governo.
<><>
1. O poder de Harvard
Nenhuma
universidade está mais preparada para resistir do que Harvard, que possui o
maior fundo patrimonial do país: US$ 53 bilhões (R$ 312 bilhões).
Ainda
assim, como outras grandes instituições, Harvard depende do financiamento
federal para manter suas pesquisas científicas e médicas. Não está claro por
quanto tempo a universidade conseguiria operar sem esses recursos.
A
recusa de Harvard já começa a inspirar outras instituições. Após inicialmente
aceitar parte das exigências do governo, a reitora interina da Universidade
Columbia adotou um tom mais firme na segunda-feira.
Em
comunicado interno, a presidente de Columbia, Claire Shipman, afirmou que
algumas das demandas “não são passíveis de negociação”. Ela disse ter lido com
“grande interesse” a recusa de Harvard.
Columbia
era vista como uma das universidades com maior potencial para contestar as
ordens do governo, mas sofreu críticas de professores e grupos em defesa da
liberdade de expressão ao concordar com concessões.
“Harvard
é uma instituição especialmente poderosa. Sua decisão tem potencial para
mobilizar outras universidades em uma resposta coletiva”, disse David Pozen,
professor de direito em Columbia. Ele argumenta que as exigências do governo
são ilegais.
<><>
2. As ameaças de Trump
Trump
fala durante encontro com Bukele na Casa Branca — Foto: Reuters/Kevin Lamarque
Na
terça-feira (15), Trump ameaçou intensificar o embate. Nas redes sociais,
sugeriu que Harvard pode perder seu status de isenção
fiscal “se
continuar promovendo ideologias políticas e apoiando ‘doenças’ inspiradas ou
apoiadas por terroristas”.
A crise
levanta dúvidas sobre até onde o governo está disposto a ir. Independentemente
do desfecho, uma batalha judicial é considerada certa. Um grupo de professores
já entrou na Justiça contra as exigências, e é esperado que Harvard também mova
sua própria ação.
Na
carta de recusa, a universidade afirma que as ordens violam seus direitos
garantidos pela Primeira Emenda e outras leis de direitos civis.
Para o
governo Trump, Harvard representa o primeiro grande obstáculo na tentativa de
impor mudanças em instituições que, segundo republicanos, se tornaram centros
de liberalismo e antissemitismo.
O
embate ameaça a tradicional relação entre o governo federal e universidades que
dependem de recursos públicos para realizar descobertas científicas. Antes
vistos como um benefício ao bem comum, esses fundos passaram a ser usados como
forma de pressão política.
“Verbas
federais são um investimento, não um direito adquirido”, afirmaram autoridades
em carta enviada a Harvard na semana passada.
<><>
3. Os argumentos do governo
O
governo acusa a universidade de descumprir obrigações previstas na legislação
de direitos civis, que é uma condição para receber recursos públicos. Também
alega que a ideologia política está sufocando a liberdade intelectual no
campus.
A
campanha de Trump tem mirado instituições acusadas de tolerar antissemitismo em
meio à onda de protestos pró-Palestina nos campi.
Algumas
das ordens do governo miram diretamente esse ativismo, exigindo que Harvard
aplique punições mais duras a manifestantes e revise a admissão de estudantes
estrangeiros considerados “hostis aos valores americanos”.
Outras
determinações ordenam o fim de programas de diversidade, equidade e inclusão,
além da interrupção de práticas de admissão e contratação que levem em conta
“raça, cor, origem nacional ou critérios equivalentes”.
Paradoxalmente,
muitos dos assessores da Casa Branca que hoje atacam as universidades de elite
são ex-alunos dessas mesmas instituições. Trump é formado pela Universidade da
Pensilvânia; o vice-presidente JD Vance, pela faculdade de Direito de Yale.
Pelo
menos dois secretários de gabinete — Pete Hegseth (Defesa) e Robert F. Kennedy
(Saúde) — são ex-alunos de Harvard.
Em um
programa ao vivo, Hegseth chegou a rabiscar “devolver ao remetente” em seu
diploma da universidade, como parte de sua cruzada contra o que chama de
“causas esquerdistas” nos campi.
<><>
4. Os argumentos de Harvard
O
presidente de Harvard, Alan Garber, disse que as exigências ultrapassam os
limites do poder federal. Em comunicado à comunidade acadêmica, escreveu que
“nenhum governo — independentemente do partido — deve ditar o que universidades
privadas podem ensinar, quem podem admitir ou contratar, e quais áreas de
pesquisa devem seguir”.
“Esses
objetivos não serão alcançados por meio de imposições de poder, desvinculadas
da lei, para controlar o ensino e a aprendizagem em Harvard e ditar como
operamos”, afirmou Garber.
“A
tarefa de enfrentar nossas falhas, cumprir nossos compromissos e incorporar
nossos valores cabe a nós, enquanto comunidade.”
As
medidas do governo Trump levaram um grupo de ex-alunos a escrever para os
dirigentes da universidade, pedindo que “contestem legalmente e se recusem a
cumprir exigências ilegais que ameaçam a liberdade acadêmica e a autonomia
universitária”.
Entre
os que elogiaram a decisão de Harvard está o ex-presidente Barack Obama, que
classificou a medida como um repúdio à “tentativa desajeitada do governo de
sufocar a liberdade acadêmica”.
“Tomara
que outras instituições sigam o exemplo”, escreveu ele nas redes sociais.
<><>
5. Harvard tem saída?
O
governo não divulgou quais subsídios e contratos estão sendo congelados. Caso a
universidade precise operar com pouca verba federal por um período prolongado,
cortes seriam inevitáveis.
Apesar
de improvável, a universidade poderá ter de encontrar formas alternativas para
lidar com o bloqueio de recursos.
Segundo
documentos internos, Harvard costuma usar cerca de 5% do valor de seu fundo
patrimonial em despesas operacionais anuais — o que representa cerca de um
terço do orçamento.
A
universidade poderia aumentar esse percentual, mas instituições do tipo
geralmente evitam ultrapassar o limite de 5%, a fim de proteger os rendimentos
futuros. Além disso, parte significativa do fundo é vinculada a doações com
destinação específica.
“Todas
as universidades precisam se preparar para essa situação e pensar em como
sobreviver de forma mais enxuta nos próximos anos, se for necessário”, afirmou
o professor David Pozen.
Alguns
conservadores sugeriram que, se Harvard quer independência, deveria seguir o
exemplo de instituições que abrem mão de recursos públicos para se manter
livres de interferência federal.
O
Hillsdale College, escola conservadora de Michigan, ironizou a universidade nas
redes sociais. “Deixar de receber dinheiro do contribuinte deveria ser o
próximo passo de Harvard”, escreveu a instituição.
Já o
Clube Republicano de Harvard divulgou nota pedindo que a universidade chegue a
um acordo com o governo e “retome os princípios americanos que formaram os
grandes homens desta nação”.
Fonte:
g1

Nenhum comentário:
Postar um comentário