segunda-feira, 4 de novembro de 2024

Ruralistas usam desmate químico para devastar biomas sem detecção por satélites

Desde janeiro de 2023 o governo ampliou o combate ao desmatamento no Brasil. Uma das ferramentas usadas para detectar a devastação são as imagens registradas por satélite. No entanto, uma nova arma vem sendo usada por fazendeiros para enganar essa vigilância: o desmate químico.

O caso mais recente é o do fazendeiro Claudecy Oliveira Lemes, responsável pelo maior dano ambiental da história do Pantanal. Os satélites não detectaram nada alarmante. Mas, no solo, as árvores estavam morrendo. Lentamente, uma faixa de floresta protegida do tamanho da cidade de Nova York [81 mil hectares] estava secando. As folhas caíam das árvores e, à medida que o sol atravessava o dossel em desintegração, pastagens de grama brotavam.

Tudo isso foi intencional, destaca o New York Times, em matéria repercutida por France24, Environmental Health News e Wood Central. Quando as autoridades brasileiras responderam a denúncias anônimas sobre a destruição no ano passado, encontraram pilhas de recipientes vazios de dezenas de agrotóxicos, que foram pulverizados sobre vegetação nativa do Pantanal. O gado pastava em algumas das pastagens recém-crescidas.

Lemes é pecuarista e já forneceu para vários frigoríficos, incluindo JBS, Marfrig e Minerva, mostrou um estudo da organização Mighty Earth em parceria com a Repórter Brasil e a AidEnvironment. E também já recebeu financiamento do Banco do Brasil, mesmo com multas e investigações por crime ambiental.

Lemes se tornou réu, acusado de cometer um dos maiores atos de desmatamento ilegal no Brasil. As autoridades querem quase US$ 1 bilhão em compensação pela devastação ambiental. Ele nega qualquer irregularidade.

“É mais difícil de detectar [o desmate químico], parece um incêndio, e você pode desmatar milhares de hectares em pouco tempo”, explicou Ana Luiza Peterlini, promotora do Ministério Público do Estado do Mato Grosso responsável pelo caso. “Os criminosos estão sempre à nossa frente.”

Segundo as autoridades, fazendeiros usam produtos químicos para secar a floresta e facilitar a queima. O incêndio, então, destrói as evidências do desmate químico. “Não temos dúvidas de que é uma prática muito comum”, disse Rodrigo Agostinho, presidente do IBAMA. “Mas temos uma tremenda dificuldade em provar isso.”

Para piorar, nenhum órgão público brasileiro mantém registros de casos de desmatamento químico. Segundo levantamento da Repórter Brasil, além da área devastada por Lemes, outros 47 mil hectares foram desmatados com o uso de pesticidas no Brasil desde 2010. Um número provavelmente subestimado.

>>>> Em tempo:

- Além de devastar biomas brasileiros, invadir Terras Indígenas e agir com violência contra os Povos Originários, grilar Terras Públicas e utilizar trabalho escravo, o “ogronegócio” brasileiro também financia um lobby para patrulhar livros didáticos e impedir que mostrem o lado nada pop da agropecuária brasileira, mostra a Repórter Brasil. Trata-se do “De Olho no Material Escolar”, ou “Donme”. A entidade tem entre seus líderes Christian Lohbauer, ex-executivo da indústria de agrotóxicos e um dos fundadores do Partido Novo, que nega o impacto do desmatamento da Amazônia causado pela pecuária e vê até poemas de autores como Ferreira Gullar como conteúdos negativos sobre o agro.

O Donme cresceu e vem ganhando espaço em instituições públicas. Já fechou parceria com a USP, tem portas abertas nas secretarias de Educação e de Agricultura do estado [o que não chega a ser surpresa, em se tratando do governador Tarcísio de Freitas] e mantém diálogos com a cúpula do Congresso, em Brasília, na tentativa de influenciar o novo Plano Nacional de Educação (PNE) – que vai estabelecer as diretrizes da educação na próxima década.

Por trás dessa atuação está o financiamento de dezenas de empresários e corporações do agronegócio. A organização declara 70 empresas entre os membros, mas não diz quem são.

 

•        Crimes ambientais: a cada 400 casos no Brasil, só um termina em prisão, apontam CNJ e governo

Apesar de o Brasil ter enfrentado uma temporada de incêndios florestais em proporção recorde nos últimos meses, crimes ambientais raramente resultaram em prisões. Segundo levantamento da GloboNews com dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Ministério da Justiça, o país teve até agosto 183,3 mil processos, no entanto, somente 433 foram parar na prisão.

Os números consideram as incidências de casos de crime ambiental no sistema prisional brasileiro. Isso significa que uma pessoa pode responder por mais de um processo, ou seja, o número de prisões pode ser até menor do que um a cada 400 casos.

Do total de casos na Justiça brasileira até agosto de 2024, somente 41,3 mil casos foram julgados. Outros 142 mil processos por crimes ambientais continuam a espera de um julgamento.

Para Nauê Bernardo, advogado ecientista político, a situação demonstra que há impunidade para crimes ambientais no Brasil. A depender do crime ambiental, ele pode prescrever a partir de 3 anos. Na média, para um processo do tipo ser julgado no Brasil leva 2 anos e 9 meses.

O governo Luiz Inácio Lula da SIlva Lula (PT) enviou ao Congresso Nacional um projeto de lei para aumentar a pena de crimes ambientais. No caso de incêndio florestal, por exemplo, a punição poderá ser de 3 a 6 anos de reclusão. Enviado em 15 de outubro, o texto está parado.

Para Nauê Bernardo, aumentar a pena de crimes ambientais é importante para sinalizar que o Estado brasileiro considera essa conduta grave. No entanto, o advogado também indica que é preciso uma priorização do tema pela Justiça.

“É preciso que o Poder Judiciário tenha meios para fazer com que, em havendo esse aumento de penas, as pessoas responsáveis sejam efetivamente punidas. Hoje já existe o crime, mas você tem um baixo índice de punições, então só subir a pena não necessariamente vai provocar a punição que é necessária para inibir esse tipo de crime”, disse o advogado.

<><> Crime recorrente

Segundo os dados do CNJ, o Brasil registra em média 4 mil novos casos de crimes ambientais por mês. Essa média tem sido registrada desde 2020, início da série de dados do Conselho.

Até agosto de 2024, já foram registrados 34,9 mil novos casos.

Considerando todos os tipos de processos envolvendo infrações ambientais, sejam criminosas ou não, o Brasil acumula mais de 290,8 mil processos pendentes. Para eles, o tempo para chegar o primeiro julgamento chega a 2 anos e seis meses.

Nos últimos 12 meses, os casos mais registrados no Brasil foram:

•        Dano ambiental: 7.724;

•        Crimes contra a flora: 4.700;

•        Crimes contra a fauna: 3.884;

•        Indenização por dano ambiental: 3.238; e

•        Crimes contra o meio ambiente e o patrimônio genético: 2.820.

Para Nauê Bernardo, a situação é alarmante, porque esses processos têm um impacto muito grande para toda a sociedade. “O crime ambiental é muito grave, porque ele mexe com o nosso presente e o nosso futuro. E acaba afetando todos os ecossistemas”, disse.

 

Fonte: ClimaInfo/g1

 

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