PF desarticula esquema de corrupção e
tortura no sul do Amazonas
Nesta sexta-feira
(1/11), a Polícia Federal (PF) de Rondônia iniciou a desarticulação de uma
organização criminosa envolvida na grilagem de terras públicas na Fazenda
Palotina, localizada no município de Lábrea, no sul do Amazonas. Esse grupo
atua na área desde 2007, “utilizando documentos falsificados e contando com o
apoio de servidores públicos corruptos e de milícias privadas para intimidar e
expulsar moradores locais, incluindo comunidades extrativistas de castanha”.
A Fazenda Palotina
está no epicentro de um conflito agrário que tem, de um lado, o fazendeiro
Sidnei Sanches Zamora, que alega ser dono das terras, e do outro, os moradores
da comunidade rural Marielle Franco. Eles ocupam uma área que já foi atestada
como sendo terra da União. No meio da disputa, vários episódios de violência,
totura e intimidação foram denunciados pelos agricultores.
Segundo a operação da
PF, havia um esquema de lavagem de dinheiro com propinas sendo pagas a agentes
públicos. Estes criavam formas para consolidar a posse da terra e também
garantiam proteção armada às operações da organização criminosa.
A PF solicitou
mandados de busca e apreensão, além de medidas cautelares para suspender as
atividades da organização criminosa. O esquema de grilagem pode ter causado um
prejuízo de mais de 68 milhões de reais ao patrimônio público, além das
violações de direitos humanos e crimes ambientais cometidos na região.
Para Manuel do Carmo,
da Comissão Pastoral da Terra (CPT) do Amazonas, a operação da PF reagiu a
várias ações feitas pelos próprios moradores da comunidade Marielle Franco.
“Eles fizeram pedidos diretamente ao Ministério Público Estadual, ao Ministério
Público Federal, que agora acompanha a Defensoria Pública da União e até mesmo
a Defensoria Pública do Estado (DPE), então houve muitos pedidos (…) Então essa
operação que aconteceu hoje vai apurar esses fatos”, diz.
<><> ‘A
esperança é a última que morre’
“A gente fica meio
descrente, mas a esperança também é a última que morre”, disse o líder da
comunidade rural Marielle Franco, o agricultor Paulo Sérgio Costa de Araújo.
Ele se tornou um dos símbolos de resistência ao ser preso no início do ano,
depois de denunciar o caso de tortura na comunidade. Na ocasião, quatro
agricultores foram espancados.
Paulo denunciou o caso
ao Ministério Público Federal, ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma
Agrária (Incra), e à CPT. De forma surpreendente, ele acabou preso por acusação
de organização criminosa, por ordem do juiz Danny Rodrigues Moraes, da 1ª Vara
da Comarca de Lábrea, quando estava na delegacia de Lábrea para fazer o boletim
de ocorrência. “Era para esses caras estarem presos. Eu não fiz nada e fui
preso. E eles estão por aí”, lamenta o agricultor.
O caso de tortura na
comunidade Mariele Franco ocorreu em 28 de fevereiro. De acordo com Paulo
Sérgio, os agricultores estavam registrando um flagrante de retirada ilegal de
madeira nas terras da Comunidade Marielle Franco, quando sofreram um ataque dos
“jagunços”. Um dos agricultores foi ferido com golpe de terçado (facão).
“[Os funcionários da
fazenda Palotina] estavam tirando madeira na nossa área. Ele [Sidney Zamora]
tira madeira e diz que é a gente. Então a gente colocou um rapaz para tirar os
pontos [registrar o local onde a extração estava acontecendo] e fazer um relatório
de árvores [retiradas]. Tinha canelão, castanheira, itaúba”, lembra Paulo
Sérgio.
Ainda de acordo com
Paulo Sérgio, os agricultores foram surpreendidos pelos “jagunços”. “Eles
quebraram o equipamento do topógrafo na bala. Mandaram ajoelhar, bateram muito.
Fizeram uma videochamada com o fazendeiro [Zamorra] mostrando os agricultores
apanhando de joelho com cara no chão. E disseram que não iam matar porque era
para saírem dali e contar para os outros”, disse à época.
Os agricultores foram
surrados com golpes de terçados. Uma das vítimas, o extrativista identificado
como Nacione, teve a clavícula atingida por um golpe e precisou de atendimento
no hospital público. “Quando a sessão de espancamento e tortura acabou, os jagunços
ainda dispararam vários tiros enquanto os agricultores corriam.”
Na época, o fazendeiro
Sidnei Zamora se pronunciou, por meio de seu advogado, negando as acusações e
se disse vítima de injúria e difamação
por parte da “organização criminosa”.
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Tentativa de reintegração de posse
Com o líder da
comunidade preso, em 22 de março, juiz
Roberto Santos Taketomi, da comarca do município, chegou a expedir um mandado
de reintegração de posse da área, em favor do fazendeiro Zamora. A reintegração
de posse foi suspensa, porque uma semana antes, o desembargador Airton Luís
Corrêa Gentil, do Tribunal de Justiça do Amazonas (TJAM) já havia decidido que
o caso é de competência da Justiça Federal, por envolver terras da União.
Em abril, a
Corregedoria-Geral de Justiça do Amazonas determinou uma correição
extraordinária para fazer apurações sobre as decisões de reintegração de posse
favoráveis ao fazendeiro. Também foram reanalisadas as condutas de juízes na
prisão do líder comunitário Paulo Araújo e o envolvimento de policiais
militares do Acre e do Amazonas em um suposto esquema de proteção do
fazendeiro.
Em entrevista à
Amazônia Real, à época, o superintendente do Incra, Denis da Silva, revelou que
duas folhas do registro da Fazenda Palotina haviam desaparecido do cartório.
Nas folhas estariam os detalhes da área, incluindo a descrição do terreno e sua
dimensão. “Não tem a identificação dos títulos, na matrícula está uma coisa
solta. Eles não sabem como foi extraído [as folhas do livro], o que indica que
eles não têm esse documento [o título] que legitima a propriedade, o domínio”,
disse o superintendente.
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Liberdade e perseguição
Paulo Sérgio só foi
libertado depois de 51 dias de prisão. Ele saiu da carceragem com tornozeleira
eletrônica e foi para o Acre. E ele conta para a reportagem da Amazônia Real,
que a sua casa, localizada na comunidade Marielle Franco, foi incendiada no último
dia 27 de agosto. “Incendiaram a minha casa e a de outro rapaz. Duas pessoas me
contaram que estavam esperando apenas uma oportunidade para me matar.”
• Na terra dos Guajajara, mudas amazônicas
oferecem esperança para os rios que secam
Sob o dossel esmeralda
da Floresta Amazônica, Janaína Guajajara olha para uma poça de água turva,
pouco maior do que uma banheira. Ao longo de suas margens, delicadas mudas de
buriti brotavam do solo. “Isso aqui estava totalmente seco antes, mas as plantas
o restauraram”, diz ela, acenando para as palmeiras recém-nascidas. “Elas a
resgataram.”
A pequena piscina,
escondida em um pedaço de floresta na Terra Indígena Rio Pindaré, no Maranhão,
é na verdade uma parte crucial de um sistema de água muito maior nessa região.
Quase invisível para o olho destreinado, ela forma um filete de água que passa
serpenteando por nós a caminho do Rio Pindaré, a alguns quilômetros dali, sendo
parte das nascentes que abastecem o rio na floresta.
Para o povo Guajajara,
que vive aqui há séculos, essas nascentes têm um significado mais profundo.
“Elas são sagradas”, diz Arlete Guajajara, líder indígena da reserva do Rio
Pindaré. “Elas pertencem aos espíritos de nossos ancestrais. É aqui que eles vão
descansar.”
Os rios e córregos
alimentados por essas nascentes são essenciais para a sobrevivência dos
Guajajara. Eles dependem dessas águas para pescar, beber e se banhar. É também
onde realizam rituais como a celebração da Menina Moça, um importante rito de
passagem que marca o início da vida adulta para as mulheres Guajajara. “É do
rio que tiramos nosso sustento”, diz Janaína. “É nossa tradição, nossos
costumes, é tudo para nós. E é o futuro do nosso povo.”
Mas esses corpos
d’água estão ameaçados, pois a agricultura engole a floresta ao redor e traz
chuvas mais fracas, estações secas mais longas e temperaturas mais altas. No
ano passado, os níveis de água dos rios, aqui e em outros lugares da Amazônia,
caíram a níveis historicamente baixos em meio a uma seca severa que os
cientistas associaram ao desmatamento e às mudanças climáticas.
Nesse cenário, a
preservação das nascentes que alimentam os rios se tornou ainda mais urgente
para o povo Guajajara. Em 2018, eles se embrenharam na floresta tropical em uma
tentativa de localizar e mapear essas nascentes. Os idosos da aldeia lideraram
as expedições, reconstituindo as lembranças perdidas de onde elas costumavam
estar. Quando as encontraram, muitas das nascentes estavam reduzidas a meras
poças. “Sabíamos que tínhamos que fazer alguma coisa”, diz Arlete Guajajara.
“Não podíamos simplesmente deixá-las desaparecer.”
Então, no ano passado,
o povo Guajajara escolheu uma das nascentes como um modelo de teste. Na
esperança de reverter décadas de destruição da floresta em suas terras, eles
plantaram espécies nativas da Amazônia — como buriti, pupunha e açaí — ao longo
de suas margens.
Em vez de usar
sementes, os Guajajara vasculharam a floresta tropical coletando mudas
saudáveis que haviam se enraizado em outros lugares, transplantando-as para as
nascentes. “Fizemos isso de maneira tradicional, como os anciãos nos
ensinaram”, diz Arlete.
A comunidade indígena
espera que as plantas novas possam evitar que as nascentes sequem, fortalecendo
o solo ao redor delas. Os cientistas dizem que o plantio em torno das nascentes
pode evitar a erosão e ajudar o solo a absorver mais chuva, reabastecendo as
reservas de água subterrânea. À medida que as árvores amadurecem, elas liberam
volumes cada vez maiores de umidade no ar ao seu redor, ajudando a regular o
clima nessa área da floresta tropical. “É uma alegria imensa, não apenas para
nossos anciãos e nossos ancestrais, mas para todo o nosso território”, diz
Janaína. “Quando plantamos, estamos recuperando tudo o que nos foi tirado.”
• Legado de destruição
Nas profundezas da
floresta tropical, não há sinal da seca que assola os campos de soja
empoeirados que se estendem por quilômetros além da reserva do Rio Pindaré.
Aqui, o ar é pegajoso e úmido. Os insetos se movem em densos enxames e os
animais se agitam no mato. O arroz, a mandioca e a banana crescem em abundância
ao lado de espécies florestais como o açaí.
A Terra Indígena Rio
Pindaré se estende por cerca de 15 mil hectares no município de Bom Jardim, no
Maranhão. Sob proteção federal desde 1982, está localizada em um corredor
ecológico composto por sete reservas, algumas delas habitadas por povos
indígenas que vivem em isolamento voluntário.
Após décadas de
destruição, a maior parte da floresta tropical ao redor foi devastada pela
agricultura em larga escala. No entanto, apesar das frequentes incursões de
forasteiros ao longo dos anos, o Rio Pindaré continua sendo uma ilha de
floresta tropical, intacta apesar da voracidade do desenvolvimento econômico.
“Esta é a última floresta aqui”, diz um funcionário da Funai, que pediu para
não ter seu nome revelado porque não está autorizado a falar com a mídia. “E os
povos indígenas dependem dela. É por isso que é tão importante protegê-la.”
Essa área da Amazônia
brasileira era praticamente isolada até algumas décadas atrás, quando o regime
militar — que chegou ao poder nos anos 60 – pressionou para povoá-lo como forma
de garantir sua soberania. Chamando-a de “terra sem homens para homens sem
terra”, o regime distribuiu lotes a milhares de migrantes de outras partes do
Brasil e, nas duas décadas seguintes, construiu uma série de estradas que
cortam a floresta.
Um desses projetos foi
a BR-316, uma rodovia federal de 2 mil quilômetros que corta a TI Rio Pindaré
ao meio. A estrada abriu o acesso à floresta como nunca antes, atraindo
madeireiros ilegais que agora podiam explorar as terras do povo Guajajara em
busca de árvores com alto valor der mercado; “O impacto foi enorme”, diz
Caroline Yoshida, consultora técnica do ISPN (Instituto Sociedade, População e
Natureza), uma organização sem fins lucrativos que trabalha com grupos
indígenas na região. “Porque a estrada corta bem o meio da terra deles. Com
isso, a caça selvagem diminuiu e a pressão em seu território aumentou.”
Na década de 1980, a
construção da Estrada de Ferro Carajás, que se estende por 891 quilômetros da
capital do Maranhão até o estado vizinho do Pará, intensificou ainda mais a
onda de migração e criou uma nova fronteira de desmatamento na região. Em pouco
tempo, surgiram pólos madeireiros em torno do Rio Pindaré.
Nas últimas décadas,
as incursões no Rio Pindaré continuaram, com colonos de aldeias precárias do
outro lado do rio invadindo regularmente o território para caçar e pescar
ilegalmente, de acordo com os indígenas e as autoridades. “Algumas dessas
comunidades aqui perto não querem respeitar essa terra como sendo de uso
exclusivo dos povos indígenas”, diz o agente. “Há essa mentalidade, por que dar
tanta terra a eles?”
Enquanto isso, além do
território, a monocultura tomou conta de grandes áreas da região. A soja, o
milho e o gado impulsionam a economia local, com o apoio inabalável de
políticos poderosos e grupos de lobby. Com o recuo da vegetação nativa, os
povos indígenas estão sentindo a pressão, pois as florestas, os rios e as
nascentes em seus próprios territórios estão cada vez mais secos, diz Yoshida.
“Eles estão reflorestando para que possam manter essas nascentes, para que elas
não morram dentro do território”, diz ela. “Para que não percam essa riqueza.”
• Um tesouro ameaçado
As nascentes são
importantes tanto por sua função especial no ciclo da água quanto pela natureza
frágil que as torna vulneráveis a choques climáticos como a seca.
Essas nascentes se
formam quando os reservatórios de água subterrânea emergem para a superfície do
solo, criando pequenas correntes de água. Os afluentes viajam rio abaixo para
se juntar a outros, formando córregos e rios maiores. Em todo o Brasil, há cerca
de 1,8 milhão de nascentes espalhadas por todos os biomas, segundo estimativas
do IBGE.
No entanto, na
Floresta Amazônica, uma crise hídrica cada vez mais intensa está colocando as
nascentes em risco. Estudos mostram que, em toda essa região do Brasil, a
estação seca anual se tornou cerca de um mês mais longa nos últimos cinquenta
anos. Quando as chuvas finalmente chegam, é comum que sejam escassas e
irregulares, trazendo pouco alívio para a estiagem.
Em meio a condições
climáticas mais secas, menos precipitação está se infiltrando nos reservatórios
subterrâneos sob as nascentes, e algumas dessas nascentes cruciais estão
diminuindo. O que é bem preocupante:, os pesquisadores ainda não sabem se — e
como — essas nascentes podem ser restauradas quando secarem completamente.
“Quando você perde um corpo d’água, pode levar dezenas ou até centenas de anos
para se recuperar”, diz Victor Salviati, superintendente de inovação da
Fundação para a Sustentabilidade da Amazônia (FAS), organização sem fins
lucrativos que desenvolveu projetos semelhantes de restauração florestal no
estado do Amazonas.
Isso se deve ao fato
de que restaurar a rica biodiversidade e o delicado equilíbrio ecológico das
fontes de água que secaram é um processo longo e complexo, explica Salviati.
“Com a seca que temos agora na Amazônia, é difícil esperar 50 a 60 anos para recuperar
uma nascente. Portanto, é melhor preservar e proteger as que temos.”
Plantar espécies
nativas ao longo das margens das nascentes — restaurando o que é conhecido como
mata ciliar — também é uma forma importante de fortalecer o solo e evitar a
erosão, de acordo com Salviati. “Quando a chuva cai e você tem um solo
saudável, ele pode filtrar a água da chuva e devolvê-la ao córrego ou rio, de
forma natural”, diz ele. Enquanto isso, os cientistas afirmam que a restauração
de florestas nativas, no Brasil e em outros países, representa uma das melhores
esperanças do planeta para mitigar a mudança climática, tanto local quanto
globalmente. Pesquisas também sugerem que essas florestas restauradas podem
ajudar a regular as chuvas e evitar que rios importantes sequem.
Nesse cenário, a
restauração das áreas ao redor das nascentes, que alimentam rios importantes em
toda a Amazônia, é uma parte crucial da batalha para conter as interrupções do
ciclo hidrológico, de acordo com Salviati. “Qualquer iniciativa para proteger as
nascentes e restaurar a floresta ao redor delas: esse é o melhor investimento
que podemos fazer.”
Fonte: Amazônia
Real/Mongabay
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