segunda-feira, 4 de novembro de 2024

Com desemprego baixo e bolsa em alta, por que americanos acham que economia vai mal com Biden e Kamala?

Inflação desacelerando, desemprego relativamente baixo, índices da bolsa de valores em alta e juros básicos em queda pela primeira vez desde maio de 2022.

Olhando essa fotografia, o desempenho da economia americana deveria ter dado à vice-presidente Kamala Harris uma vantagem mais confortável em sua corrida à Casa Branca.

A disputa entre ela e o republicano Donald Trump se desenha, entretanto, como a mais apertada da história dos EUA.

Bons indicadores econômicos tradicionalmente beneficiam o presidente ou partido que tenta a reeleição. Nos EUA, essa ideia é resumida em uma frase que ficou famosa com James Carville, conselheiro político do ex-presidente Bill Clinton, mas que é uma velha conhecida dos analistas políticos: "It’s the economy, stupid!" ("É a economia, estúpido", em tradução literal).

Por isso, à primeira vista, a corrida eleitoral de 2024 nos EUA parece apresentar um paradoxo. O americano deixou de votar com o bolso? A resposta é curta é não, segundo os especialistas ouvidos pela BBC News Brasil.

A economia, eles dizem, continua ocupando um papel central no comportamento dos eleitores americanos, mas para entender o que está acontecendo é preciso ir além dos grandes indicadores macro.

·        'É a inflação, estúpido'

Mesmo com a inflação mais comportada, a alta de preços é uma das principais queixas dos eleitores americanos.

Aparece no topo da lista de reclamações nas entrevistas realizadas pelo instituto de pesquisa AtlasIntel e é citada como o maior problema dos Estados Unidos hoje. "Economia" vem em segundo lugar.

"Inflação é um indicador que impacta muito a percepção do público, mais até do que outros dados econômicos, porque afeta todo mundo a toda hora", diz Pedro Azevedo, analista-chefe de Estados Unidos da AtlasIntel.

"Você lembra dela quando vai abastecer o carro, quando vai no mercado."

Os preços dispararam nos EUA durante a pandemia. Inicialmente, porque o fechamento de portos e outras restrições colocadas pela emergência sanitária impactaram a produção e a distribuição de diversos produtos.

Em um segundo momento, por conta do generoso pacote de estímulos aprovado pelo governo, o qual chegou às famílias americanas, entre outras vias, pelo auxílio emergencial.

No jargão dos economistas, esses foram choques de oferta e demanda, respectivamente, que se combinaram em uma inflação explosiva. Em junho de 2022, o índice anual bateu 9,1%, o maior nível desde novembro de 1981.

De lá para cá, vem desacelerando, tendo atingido 2,4% no último mês de setembro.

Mas, quando se trata de inflação, o que é considerado boa notícia não chega ao bolso automaticamente. A desaceleração significa que o que já está mais caro vai encarecer em ritmo um pouco mais lento daqui pra frente. Não há redução no nível de preços.

"O americano médio não lê as estatísticas de inflação", afirma Steven Kamin, pesquisador sênior do think tank (centro de estudos) American Enterprise Institute.

"Ele não vai fazer uma distinção conceitual entre nível de preços e taxa de variação. O que ele sabe é que os preços no supermercado estão altos", completa o especialista, que teve uma longa carreira no Federal Reserve (FED), o banco central americano.

"Pode até estar havendo uma recuperação, mas o que conta é que muitas pessoas sentem que estão mais 'pobres' do que ontem", pondera José Francisco de Lima Gonçalves, professor aposentado da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP) e economista-chefe do Banco Fator.

Por um período entre 2021 e 2022, os salários nos EUA chegaram a crescer menos que a inflação, conforme os dados do Bureau of Labor Statistics (agência responsável pela divulgação dos dados de mercado de trabalho).

A perda do poder de compra, contudo, vai além desse intervalo. Isso porque as estatísticas oficiais só traduzem uma parte do fenômeno, aquele que aparece nos grandes números, na média.

Mas cesta de consumo (e, por consequência, a inflação) varia entre uma família e outra — algumas pagam aluguel, outras gastam mais em alimentos e serviços essenciais do que em bens e lazer, por exemplo.

Isso ajuda a explicar porque muitos americanos ainda se queixam de que a renda hoje compra menos do que antes.

A percepção negativa sobre inflação também contamina outros indicadores, acrescenta Azevedo. O governo Joe Biden-Kamala Harris tem mantido níveis expressivos de geração de emprego, e no entanto muitos americanos estão pessimistas com o mercado de trabalho porque sentem que os reajustes nos salários não foram suficientes para compensar o aumento no custo de vida.

O economista-chefe para Estados Unidos da consultoria Oxford Economics, Bernard Yaros, chama o aumento do custo de vida de "o zeitgeist do ciclo eleitoral de 2024".

Em um relatório enviado a clientes no fim de outubro, ele reiterou que o tema é disparado a principal preocupação dos eleitores, à frente de assuntos como saúde, controle de armas, segurança, aborto, educação e mudanças climáticas.

Para Yaros, a percepção sobre inflação é o que deve definir o voto em muitos dos Estados-pêndulo (que oscilam entre democratas e republicanos) e, portanto, o resultado da eleição.

·        Sonho americano, pessimismo e polarização

A economia continua sendo um ponto central para os eleitores americanos e, não por acaso, tem protagonizado os discursos e propostas tanto de Kamala Harris, que chegou a sugerir uma espécie de controle de preços para evitar aumentos abusivos, quanto de Donald Trump.

Em um comício em Las Vegas na reta final da campanha no último dia 24 de outubro, ele abriu o evento com uma provocação sobre o tema: "Vocês estão em melhor situação do que quatro anos atrás? Acho que não."

A cidade é um dos epicentros de um problema que está lateralmente conectado ao aumento do custo de vida, mas que ganhou vida própria por conta da gravidade e que afeta diferentes regiões do país: a dificuldade de acesso a moradia.

Entre 2019 e 2023, o aluguel na região metropolitana de Las Vegas subiu em média 34%, enquanto os salários avançaram 14%, segundo os dados compilados pela plataforma de compra, venda e aluguel de imóveis Zillow.

A crise de moradia entra em uma reflexão mais ampla sobre a percepção dos americanos sobre seu bem-estar, qualidade de vida e acesso a oportunidades.

Nas últimas três décadas, a economia do país passou por profundas transformações: a indústria perdeu importância, parte da produção foi reorientada principalmente para a Ásia e os serviços passaram a ser o principal motor de crescimento.

Em paralelo, países como a China viram suas economias crescerem e ganharem importância geopolítica. Os EUA continuam sendo o país mais rico do mundo, mas perderam o protagonismo e a influência que tiveram no pós-Segunda Guerra e no período logo depois do colapso da União Soviética.

Esse novo mundo significou uma vida melhor para uma parte da população, diz Gonçalves, mas pior para outra.

"A classe média americana, da maneira como se consolidou no pós-guerra e virou o exemplo pro mundo — ter automóvel, casa própria, bem de consumo durável, tirar férias uma vez por ano… Esse padrão deles não existe mais", avalia o economista.

Estudar, ele exemplifica, está mais caro para muitos americanos, e não traz o mesmo retorno financeiro; o acesso à saúde, pior.

O aprofundamento das desigualdades na última década tornou menos palpável o sonho americano, a ideia de que sucesso e prosperidade estão acessíveis a todo mundo, basta se esforçar.

"Hoje, pra muita gente, o pensamento é: 'Não vem com essa de esforço não! Eu me esforço faz décadas e nada está acontecendo'", ilustra o professor.

É um sentimento que gera pessimismo, e que é explorado por Donald Trump com uma promessa de retorno ao passado — não por acaso, seu slogan de campanha é Make America Great Again ("Faça a América grande de novo", em tradução literal).

Nesse sentido, a profunda polarização que dividiu os EUA na última década também afeta a percepção do eleitor, a depender em que lado ele está, diz Pedro Azevedo, da AtlasIntel.

Ele usa como exemplo o próprio tema da economia. No dado agregado, 28% dos entrevistados pelo instituto avaliam a situação como boa, e 53%, como ruim.

Quando se olha apenas para democratas, 57% avaliam positivamente a economia e 14% dizem que ela vai mal; já entre republicanos, apenas 5% dizem que a economia vai bem, enquanto 88% analisam negativamente.

É natural que eleitores tendam a avaliar negativamente partidos de oposição, mas esse nível de polarização, diz ele, é algo recente, da última década, e também ajuda a explicar o mau humor dos americanos com a economia.

¨      Eleitores dos EUA enfrentam a pior escolha presidencial da história

Os eleitores dos Estados Unidos estão enfrentando a pior eleição presidencial da história do país, afirmou o colunista do Washington Post, George Will.

"Muitas das 59 eleições presidenciais anteriores do país foram escolhas entre mediocridades, alguns bandidos [...] Mas a deste ano é a pior de todas", escreveu Will no jornal.

Ele descreve o candidato presidencial republicano Donald Trump como um "vulcão de pensamentos errantes e histeria", enquanto chama sua rival, a vice-presidente Kamala Harris, de "massa de modelar".

"Discrição é uma virtude, então você não pode culpar seus assessores [de Kamala Harris] por protegê-la principalmente de interações públicas mais complexas do que entrevistas em jornais escolares", observa Will ironicamente.

O colunista também destaca as diferenças nas abordagens de Trump e Harris para uma série de questões, dizendo que nenhuma delas é boa. Assim, criticando ambos, ele fala de "diferentes estilos de obscuridade", onde Trump deixa muita coisa sem dizer, enquanto Harris é muito prolixa.

Will também acredita que ambos os candidatos escolheram candidatos ruins para vice-presidente. O candidato democrata Tim Walz se encaixa em sua própria descrição de um "idiota", enquanto o candidato republicano J.D. Vance conta "histórias assustadoras".

"Quem quer que vença, ambos os partidos precisam se arrepender do que fizeram este país passar", concluiu Will.

A eleição presidencial dos EUA ocorrerá em 5 de novembro. O Partido Democrata será representado pela vice-presidente dos EUA, Kamala Harris, e o Partido Republicano, pelo ex-presidente Donald Trump.

¨      EUA: discurso de ódio e xenofobia em alta na proximidade das eleições

A candidatura do ex-presidente Donald Trump e seu discurso anti-imigrante ocorre no momento em que pesquisadores norte-americanos encontram níveis particularmente elevados de discurso de ódio contra minorias.

Pesquisadores entrevistados pelo jornal norte-americano The New York Times destacam que poucas vezes a retórica contra os imigrantes ficou tão forte como na atual eleição, um pico que teve início após os protestos de George Floyd, e que só aumentou desde que a vice-presidente Kamala Harris se tornou a candidata presidencial democrata.

O discurso contra migrantes ganhou mais força com a atuação de políticos e comentaristas republicanos, ao passo que a guerra Israel-Hamas deu origem ao aumento da islamofobia e do antissemitismo, inclusive da esquerda.

Além disso, os pesquisadores também relatam a disseminação do discurso de ódio contra mulheres e pessoas LGBT+ – e a ascensão de duas mulheres indo-americanas no cenário político nacional resultou em uma onda de insultos contra sul-asiáticos em vários fóruns.

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Como destaca a publicação, o discurso extremista e racista ficou por muito tempo confinado na chamada deepweb e em conversas privadas, mas a ascensão de Trump – que começou sua campanha eleitoral em 2016 chamando os migrantes de “animais” e os imigrantes mexicanos de “estupradores” – levou a uma mudança de retórica que passou a ser a referência empregada entre os republicanos.

¨      Grupos políticos gastaram US$ 14,7 bi com eleições nos EUA

A campanha eleitoral nos Estados Unidos não possui limites legais sobre quanto dinheiro pode ser gasto pelos candidatos à presidência e ao Congresso, e os valores contabilizados na disputa de 2024 mostram que a disputa pela atenção do eleitor é das mais intensas.

Cálculos divulgados pela Bloomberg mostram que os gastos dos candidatos, partidos e comitês de ação política gastaram US$ 14,7 bilhões, ou 92% do total projetado pela OpenSecrets que a OpenSecrets, que faz o tracking do dinheiro na política e seu efeito nas eleições, projeta que será desembolsado durante o ciclo eleitoral.

Mais de 11 mil grupos políticos gastaram dinheiro no atual ciclo eleitoral norte-americano, segundo os dados do Comitê Eleitoral Federal. Esses grupos, que vão de comitês de ação política apoiados pelo bilionário Elon Musk a grupos de interesse específico, gastaram mais de US$ 100 mil, ou 99% de todos os gastos políticos a menos de uma semana antes das eleições.

Os comitês que atuam com a arrecadação de fundos processaram mais de 113 milhões de doações e distribuíram US$ 4,5 bilhões para outros comitês.

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A vantagem financeira é da vice-presidente Kamala Harris, candidata do Partido Democrata, que obteve grandes somas de apoiadores ricos e doadores de base, o que permitiu a sua campanha a usar US$ 875 milhões na corrida em comparação com US$ 355 milhões para o candidato republicano.

¨      Imprensa dos EUA se prepara para enxurrada de informações falsas no dia da eleição, diz mídia

A mídia dos EUA está se preparando para um fluxo de informações falsas nas eleições de 5 de novembro e quer aumentar a confiança do público nas informações que fornece, diz o Financial Times.

Nos EUA não há um órgão nacional especializado responsável pela contagem dos votos eleitorais de todo o país.

As eleições são realizadas em nível local, por milhares de escritórios, de acordo com os padrões estabelecidos pelos estados.

Em muitos casos, os próprios estados nem sequer oferecem a capacidade de rastrear os resultados das eleições de forma atualizada.

Portanto, desde 1848 os resultados têm sido anunciados pela mídia. A Associated Press iniciou essa tradição antes da Guerra Civil.

Desde 1960, os principais canais de televisão também anunciam o nome do presidente eleito com base em suas próprias contagens.

"As agências de notícias que desempenham um papel fundamental na declaração do vencedor estão investindo para combater a desconfiança na mídia [...] destacando milhares de funcionários para transmitir a partir dos locais de votação, enquanto procuram compensar acusações infundadas de fraude eleitoral", escreveu o jornal.

O artigo diz que a mídia norte-americana está se preparando para que o dia de eleições possa não dar um resultado claro sobre quem é que terá vencido.

Por exemplo, levou quatro dias para a mídia declarar o vencedor nas últimas eleições de 2020.

Hoje em dia, levanta questões o estado da Pensilvânia, que ainda não definiu completamente em quem quer votar.

As eleições presidenciais dos EUA vão ser realizadas em 5 de novembro. O Partido Democrata será representado pela vice-presidente Kamala Harris, enquanto o Partido Republicano será representado pelo ex-presidente Donald Trump.

 

Fonte: BBC News Brasil/Jornal GGN/Sputnik Brasil

 

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