segunda-feira, 4 de novembro de 2024

Luís Nassif: ‘A falsa discussão sobre empreendedorismo’

É curiosa essa discussão sobre o empreendedorismo, como se fosse uma ideia nova no país. E como se fosse um tema ignorado pelos sucessivos governos Lula.

O papel da pequena e micro empresa (PME) é reconhecido desde o momento em que o ex-presidente Fernando Collor de Mello se encantou com os programas de qualidade total e reformulou o Sebrae.

Até então, era um órgão para abrigar políticos sem mandato, o Sebrae transformou-se no grande impulsionador das PMEs, ao lado do sistema S – das federações de indústria.

Os anos 90 foram tomados por amplas discussões sobre o papel das PMEs e da inovação. Surgem os parques tecnológicos, o avanço do papel da Finep (Financiadora de Estudos e Pesquisas), a criação dos fundos setoriais de tecnologia.

Houve parcerias produtivas entre grandes empresas e seus fornecedores. A Cemig foi a primeira a montar programas de capacitação de seus pequenos fornecedores. Mais tarde, houve um movimento organizado em que grandes empresas inovadoras levando conhecimentos de gestão e inovação às suas cadeias produtivas.

Mas os maiores avanços ocorreram nos governos petistas.

Em 2008 foi criado o regime a MEI, ou Microempreendedor Individual, para facilitar a formalização de pequenos empreendedores e trabalhadores autônomos. Através do regime MEI, o empreendedor pode legalizar sua atividade, obter um CNPJ (Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica), emitir notas fiscais e acessar benefícios previdenciários, como aposentadoria por idade, auxílio-doença e salário-maternidade.

Quem se registra como MEI paga uma taxa mensal fixa, que cobre impostos como INSS e ISS (para prestadores de serviços) ou ICMS (para comerciantes e industriais). Além disso, o MEI é isento de impostos federais, como Imposto de Renda, PIS, Cofins, IPI e CSLL.

Para se enquadrar como MEI, o faturamento anual deve ser de até R$ 81 mil (até atualização em 2024), e o empreendedor pode ter, no máximo, um empregado registrado.

Antes disso houve a promulgação do Estatuto da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte, com faturamento bruto anual entre R$ 360 mil e R$ 4,8 milhões.

Essas empresas passaram a ter direito ao SIMPLES Nacional, unificando  a arrecadação de tributos federais, estaduais e municipais em uma única guia de pagamento.

Também definiu-se preferência em licitações públicas. Tem prioridade em Licitações até R$ 80 mil. Ganharam também direito de preferência caso ofereçam um valor até 10% maior que a proposta mais baixa de uma empresa de grande porte (ou 5% no caso de pregão).

Além disso, foram definidas inúmeras políticas setoriais para beneficiar as PMEs, como o programa de bioetanol da Petrobras, inicialmente planejado para a agricultura familiar. Além do fortalecimento das Finep e das fundações de amparo à pesquisa.

Essas políticas, esquecidas hoje em dia, tiveram papel relevante no bom desempenho da economia nos anos seguintes. Mas foram esquecidas pela falta de memória nacional.

<><> A “gastança” federal

Algumas hipóteses que ganharam força nos últimos dias:

1.       Se Lula tiver algum favoritismo, nas eleições de 2026, haverá um novo movimento de impeachment.

2.       Indício forte é a obsessão da mídia em criminalizar a política fiscal, sabendo-se que o único preço fora de linha é dos juros da dívida pública. Trata-se de uma ação articulada explícita entre os jornalões.

A expressão “negacionismo fiscal” tem sido utilizada a torto e a direito, mesmo com todo empenho da Fazenda em conseguir equilíbrio no déficit primário. O trabalho de reconstrução da máquina pública, as enormes carências de pessoal, a ausência de concursos ou de reposição salarial – essenciais para manter a eficiência da máquina pública – são deixadas de lado pela campanha sistemática de criminalização de cada centavo gasto com a máquina pública. E, na sequência, despejam críticas contra o mau funcionamento de setores públicos, decorrentes justamente da falta de orçamento.

 

•        A questão das reservas internacionais e a não neutralidade da taxa de câmbio. Por Maria Luiza Falcão Silva

O Brasil acumula hoje um volume considerável de reservas internacionais, algo em torno de US$ 369,2 bilhões (em agosto de 2024) que são objeto de acirradas controvérsias. Por que o Banco Central não utiliza o mecanismo de venda de dólares das reservas para conter a recente desvalorização do real? Pinimba do Banco Central para minar o governo do Partido dos Trabalhadores?

O instrumento contábil que avalia o resultado das transações financeiras e comerciais de mercadorias e serviços entre residentes e não residentes de um país, durante um período determinado, é o balanço de pagamentos.  São os desequilíbrios no balanço de pagamentos que movimentam o volume de reservas para baixo e para cima.

Reservas internacionais são basicamente ativos em moeda estrangeira em poder dos bancos centrais ou de outros tipos de autoridades monetárias, mais as reservas em ouro.

As reservas internacionais e seu acúmulo são originárias de superávits no balanço de pagamentos (BP). As reservas caem quando o país gera resultados negativos, déficits.

O Banco Central (BACEN) no Brasil é o depositório, o guardião das reservas internacionais. As moedas estrangeiras geradas por superávits de transações comerciais de mercadorias e de serviços de um país com o resto do mundo – exportações superiores a importações – e saldos monetários positivos de movimentos de capitais provenientes de investimentos estrangeiros, empréstimos e financiamentos e transferências unilaterais são comprados pelo BACEN e adicionados às nossas reservas. No Brasil as reservas internacionais são, na sua maioria, compostas por dólares americanos, a moeda internacional hegemônica e usada em nossas relações com os diferentes países. Então, os dólares resultantes de superávits e déficits do BP são comprados e vendidos às autoridades monetárias a uma determinada taxa de câmbio – quantidade de reais que pagamos para obter uma unidade da moeda estrangeira de reserva, ou seja, o preço do dólar em reais.

Os maiores detentores de reservas internacionais em dólares, no mundo, mais de um trilhão cada um, são China, Japão e Suíça. Somente a China possui mais de três trilhões. Há sempre o temor do que ocorreria se esses países resolvessem desovar parte desses dólares no sistema financeiro internacional.

Para que manter um volume tão grande de reservas? Reservas internacionais funcionam como um colateral para garantir empréstimos, indicar estabilidade da economia para avaliação de investidores e agências de risco, proteger o país em momento de crises internacionais e estabilizar a moeda doméstica. Assim, o acúmulo de reservas reduz a fragilidade financeira do país, possibilitando que este capte recursos externos a um menor custo. A existência de reservas torna o país menos vulnerável em relação às reversões abruptas no fluxo de capitais internacionais, choques inesperados, crises financeiras como foi a de 2008. As crises não são passíveis de antecipação e nesse sentido manter reservas é fundamental. De forma resumida, os países emergentes, cujas moedas não são conversíveis, precisaram acumular reservas para garantir a inserção internacional em um mundo financeirizado.

Dado o quadro de incertezas que permeia as economias monetárias e financeiras, o tamanho ótimo das reservas internacionais é difícil de dimensionar.  

No Brasil, no início de 2024, o dólar tem se tornado mais escasso provocando uma série de desvalorizações do real frente ao dólar. Ou seja, o preço do dólar está subindo e mais reais são dispendidos na compra de um dólar.  Contudo, ainda se estima que o real continua valorizado em relação à moeda de reserva.

Desde o ano de 1999, o regime de câmbio no Brasil é o de câmbio flutuante. Assim, por definição, o Banco Central não deve interferir diretamente na formação do preço da moeda estrangeira no país, com exceção de momentos de altíssima volatilidade. O câmbio flutuante é parte do tripé macroeconômico – mecanismo criado em 1999, no segundo mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC), e que define a política econômica praticada no Brasil até os dias atuais, sendo formado por três pilares: controle da inflação, equilíbrio das contas públicas e taxa de câmbio flutuante. Manter esse tripé tem um custo elevado. O Brasil mudou, o mundo mudou, o Partido dos Trabalhadores comanda o país pela quinta vez, são 14 anos desde 2003, e continuamos submissos a esse maldito tripé concebido pela equipe econômica ortodoxa, neoliberal, conservadora de FHC que nos impõe o austericídio fiscal e taxas de juros surreais.

Na realidade, no Brasil se pratica o regime de câmbio administrado ou de flutuação suja porque, volta e meia, quando convém, o BACEN intervém no mercado de câmbio.

A taxa de câmbio em dezembro de 2023, era de R$ 4,84, subiu para R$ 5,56 em junho de 2024, o que representa um aumento no preço do dólar de quase 15%. Hoje é R$ 5,70 o dólar comercial e quase R$ 6 o dólar turismo. Analistas atribuem parte da desvalorização cambial a fatores globais, geopolítica complicada, guerras, expectativas em relação ao movimento na taxa de juros dos Estados Unidos e, outra parte, ao “risco fiscal” atrelado às dificuldades de manter compromissos do governo brasileiro com o reequilíbrio da dívida pública como proporção do PIB. Essas pressões são atenuadas, em parte, pelo diferencial entre a taxa de juros doméstica, uma das maiores do mundo, e a da economia internacional, acrescida do risco país que continua elevado. Essa é a explicação dos economistas neoliberais e da grande mídia que segue a mesma cartilha da ortodoxia. Quando o preço do dólar em moeda local sobe em proporção superior à diferença entre a inflação doméstica e a experimentada pelos parceiros comerciais, a desvalorização é real. Nesse caso os exportadores aumentam suas oportunidades de realizar lucros maiores vendendo suas mercadorias e serviços no mercado internacional, comparado às possibilidades de vendas no mercado interno.

No caso brasileiro, seguramente, o setor mais beneficiado pelas desvalorizações do real é o agronegócio, responsável por cerca de 50% de nossa pauta de exportações, com destaque para os produtores de soja, seguido do setor de óleo bruto, minério de ferro. Para que o mercado não sofra consequências negativas como, por exemplo, problemas de abastecimento, surgem pressões para elevação dos preços das mercadorias no mercado interno. Assim, preços domésticos mais elevados para produtos da nossa pauta de exportações – proteínas animais, soja, café, açúcar, laranja, petróleo, dentre outros – podem estar relacionados às desvalorizações.

Com relação às importações ocorre o inverso. Os importadores vão precisar de maiores volumes de moeda nacional para adquirir o mesmo montante de dólares no mercado de câmbio para comprar as mesmas quantidades de mercadorias e serviços estrangeiros. No caso do Brasil, importadores de meios de produção, máquinas e equipamentos, matérias primas essenciais ao processo de produção, o impacto de uma desvalorização se traduz, também, em elevação do custo de produção das mercadorias produzidas internamente. Sobe o preço do trigo, sobe o preço do pão; aumenta o preço dos fertilizantes aumenta o preço dos produtos agrícolas. No caso da importação de bens de consumo, a elevação dos preços é direta.

Assim, ao mantermos o real depreciado quanto mais o tempo passa corremos o risco de alimentar processos inflacionários. Então, por que razão o Banco Central, guardião dos preços e das reservas internacionais, não faz uso das reservas em excesso para evitar o aumento dos preços?

Em geral, as desvalorizações têm repercussões mais profundas do que as mudanças nos preços das mercadorias, serviços e benefícios a agentes diretamente envolvidos – exportadores e importadores – atingindo, de forma diferenciada, diversos grupos da sociedade. Além dos exportadores que aumentam seus lucros, ganham com as desvalorizações, os detentores de ações das firmas exportadoras, que ampliam seus dividendos, e os capitalistas proprietários de ativos em moeda estrangeira, que auferem ganhos de capital, com a elevação do valor desses ativos em moeda local.

Uma alternativa que se abre para alguns exportadores é diminuir, em algumas circunstâncias, os preços em moeda estrangeira de suas mercadorias de forma a colocar maiores quantidades do bem no mercado externo, conquistando novos mercados sem baixar seus lucros.  O turismo interno é incentivado e o turismo externo encarecido e desestimulado.

Assim, as desvalorizações estimulam as exportações de mercadorias e serviços e o ingresso de capitais estrangeiros via investimentos e turismo. Se as taxas de juros internas estão muito acima da média internacional os ganhos financeiros são magnificados e o capital especulativo internacional flui em busca de rendimentos maiores.

Porém, se você se endividou em dólares vai se dar mal. Terá que saldar seus compromissos com maiores volumes de moeda doméstica.

E os trabalhadores que constituem a grande maioria da população como são afetados pelas desvalorizações do real frente ao dólar? A pressão das desvalorizações sobre os preços de bens domésticos certamente prejudica a classe trabalhadora que tem seu salário corroído pela elevação dos preços e está sujeita a aumentos salariais periódicos, explicitados em seus contratos de trabalho, e que terão que esperar o período do próximo reajuste, em geral anuais, para recompor seu poder de compra. Os capitalistas repassam os efeitos das desvalorizações sobre seus custos de produção para os consumidores, imediatamente, elevando os preços das mercadorias que produzem e, enquanto os salários não sobem, experimentam lucros extraordinários.

Para os produtores, o aumento do custo dos insumos e máquinas importadas são compensados pela rigidez dos salários e o aumento de receitas via preços maiores. Em momentos como o que estamos vivendo no Brasil de moeda nacional em depreciação, a falta de percepção da importância dos sindicatos para defender os direitos dos trabalhadores e seus salários é um gritante equívoco.

Uma coisa não deixa dúvidas: mudanças na taxa de câmbio afetam grupos da sociedade de formas diferentes. Há ganhadores e perdedores.

Finalizando, a resposta à questão inicialmente formulada é inconclusiva. Usar ou não reservas internacionais para alterar a taxa de câmbio é uma pergunta difícil de responder. Mas é fato que há grupos ganhando e o BACEN parece ter feito a escolha de deixar para o “mercado de câmbio” decidir os que devem ganhar e os que devem perder com o não uso de parte das reservas internacionais para segurar uma taxa de câmbio mais baixa. Mudanças no câmbio não são neutras, acirram conflitos distributivos.

 

Fonte: Jornal GGN

 

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