Luís Nassif: ‘A falsa discussão sobre
empreendedorismo’
É curiosa essa
discussão sobre o empreendedorismo, como se fosse uma ideia nova no país. E
como se fosse um tema ignorado pelos sucessivos governos Lula.
O papel da pequena e
micro empresa (PME) é reconhecido desde o momento em que o ex-presidente
Fernando Collor de Mello se encantou com os programas de qualidade total e
reformulou o Sebrae.
Até então, era um
órgão para abrigar políticos sem mandato, o Sebrae transformou-se no grande
impulsionador das PMEs, ao lado do sistema S – das federações de indústria.
Os anos 90 foram
tomados por amplas discussões sobre o papel das PMEs e da inovação. Surgem os
parques tecnológicos, o avanço do papel da Finep (Financiadora de Estudos e
Pesquisas), a criação dos fundos setoriais de tecnologia.
Houve parcerias
produtivas entre grandes empresas e seus fornecedores. A Cemig foi a primeira a
montar programas de capacitação de seus pequenos fornecedores. Mais tarde,
houve um movimento organizado em que grandes empresas inovadoras levando
conhecimentos de gestão e inovação às suas cadeias produtivas.
Mas os maiores avanços
ocorreram nos governos petistas.
Em 2008 foi criado o
regime a MEI, ou Microempreendedor Individual, para facilitar a formalização de
pequenos empreendedores e trabalhadores autônomos. Através do regime MEI, o
empreendedor pode legalizar sua atividade, obter um CNPJ (Cadastro Nacional da
Pessoa Jurídica), emitir notas fiscais e acessar benefícios previdenciários,
como aposentadoria por idade, auxílio-doença e salário-maternidade.
Quem se registra como
MEI paga uma taxa mensal fixa, que cobre impostos como INSS e ISS (para
prestadores de serviços) ou ICMS (para comerciantes e industriais). Além disso,
o MEI é isento de impostos federais, como Imposto de Renda, PIS, Cofins, IPI e
CSLL.
Para se enquadrar como
MEI, o faturamento anual deve ser de até R$ 81 mil (até atualização em 2024), e
o empreendedor pode ter, no máximo, um empregado registrado.
Antes disso houve a
promulgação do Estatuto da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte, com
faturamento bruto anual entre R$ 360 mil e R$ 4,8 milhões.
Essas empresas
passaram a ter direito ao SIMPLES Nacional, unificando a arrecadação de tributos federais, estaduais
e municipais em uma única guia de pagamento.
Também definiu-se
preferência em licitações públicas. Tem prioridade em Licitações até R$ 80 mil.
Ganharam também direito de preferência caso ofereçam um valor até 10% maior que
a proposta mais baixa de uma empresa de grande porte (ou 5% no caso de pregão).
Além disso, foram
definidas inúmeras políticas setoriais para beneficiar as PMEs, como o programa
de bioetanol da Petrobras, inicialmente planejado para a agricultura familiar.
Além do fortalecimento das Finep e das fundações de amparo à pesquisa.
Essas políticas,
esquecidas hoje em dia, tiveram papel relevante no bom desempenho da economia
nos anos seguintes. Mas foram esquecidas pela falta de memória nacional.
<><> A
“gastança” federal
Algumas hipóteses que
ganharam força nos últimos dias:
1. Se Lula tiver algum favoritismo, nas
eleições de 2026, haverá um novo movimento de impeachment.
2. Indício forte é a obsessão da mídia em
criminalizar a política fiscal, sabendo-se que o único preço fora de linha é
dos juros da dívida pública. Trata-se de uma ação articulada explícita entre os
jornalões.
A expressão
“negacionismo fiscal” tem sido utilizada a torto e a direito, mesmo com todo
empenho da Fazenda em conseguir equilíbrio no déficit primário. O trabalho de
reconstrução da máquina pública, as enormes carências de pessoal, a ausência de
concursos ou de reposição salarial – essenciais para manter a eficiência da
máquina pública – são deixadas de lado pela campanha sistemática de
criminalização de cada centavo gasto com a máquina pública. E, na sequência,
despejam críticas contra o mau funcionamento de setores públicos, decorrentes
justamente da falta de orçamento.
• A questão das reservas internacionais e
a não neutralidade da taxa de câmbio. Por Maria Luiza Falcão Silva
O Brasil acumula hoje
um volume considerável de reservas internacionais, algo em torno de US$ 369,2
bilhões (em agosto de 2024) que são objeto de acirradas controvérsias. Por que
o Banco Central não utiliza o mecanismo de venda de dólares das reservas para
conter a recente desvalorização do real? Pinimba do Banco Central para minar o
governo do Partido dos Trabalhadores?
O instrumento contábil
que avalia o resultado das transações financeiras e comerciais de mercadorias e
serviços entre residentes e não residentes de um país, durante um período
determinado, é o balanço de pagamentos.
São os desequilíbrios no balanço de pagamentos que movimentam o volume
de reservas para baixo e para cima.
Reservas
internacionais são basicamente ativos em moeda estrangeira em poder dos bancos
centrais ou de outros tipos de autoridades monetárias, mais as reservas em
ouro.
As reservas
internacionais e seu acúmulo são originárias de superávits no balanço de
pagamentos (BP). As reservas caem quando o país gera resultados negativos,
déficits.
O Banco Central
(BACEN) no Brasil é o depositório, o guardião das reservas internacionais. As
moedas estrangeiras geradas por superávits de transações comerciais de
mercadorias e de serviços de um país com o resto do mundo – exportações
superiores a importações – e saldos monetários positivos de movimentos de
capitais provenientes de investimentos estrangeiros, empréstimos e
financiamentos e transferências unilaterais são comprados pelo BACEN e
adicionados às nossas reservas. No Brasil as reservas internacionais são, na
sua maioria, compostas por dólares americanos, a moeda internacional hegemônica
e usada em nossas relações com os diferentes países. Então, os dólares
resultantes de superávits e déficits do BP são comprados e vendidos às
autoridades monetárias a uma determinada taxa de câmbio – quantidade de reais
que pagamos para obter uma unidade da moeda estrangeira de reserva, ou seja, o
preço do dólar em reais.
Os maiores detentores
de reservas internacionais em dólares, no mundo, mais de um trilhão cada um,
são China, Japão e Suíça. Somente a China possui mais de três trilhões. Há
sempre o temor do que ocorreria se esses países resolvessem desovar parte
desses dólares no sistema financeiro internacional.
Para que manter um
volume tão grande de reservas? Reservas internacionais funcionam como um
colateral para garantir empréstimos, indicar estabilidade da economia para
avaliação de investidores e agências de risco, proteger o país em momento de
crises internacionais e estabilizar a moeda doméstica. Assim, o acúmulo de
reservas reduz a fragilidade financeira do país, possibilitando que este capte
recursos externos a um menor custo. A existência de reservas torna o país menos
vulnerável em relação às reversões abruptas no fluxo de capitais
internacionais, choques inesperados, crises financeiras como foi a de 2008. As
crises não são passíveis de antecipação e nesse sentido manter reservas é
fundamental. De forma resumida, os países emergentes, cujas moedas não são
conversíveis, precisaram acumular reservas para garantir a inserção
internacional em um mundo financeirizado.
Dado o quadro de
incertezas que permeia as economias monetárias e financeiras, o tamanho ótimo
das reservas internacionais é difícil de dimensionar.
No Brasil, no início
de 2024, o dólar tem se tornado mais escasso provocando uma série de
desvalorizações do real frente ao dólar. Ou seja, o preço do dólar está subindo
e mais reais são dispendidos na compra de um dólar. Contudo, ainda se estima que o real continua
valorizado em relação à moeda de reserva.
Desde o ano de 1999, o
regime de câmbio no Brasil é o de câmbio flutuante. Assim, por definição, o
Banco Central não deve interferir diretamente na formação do preço da moeda
estrangeira no país, com exceção de momentos de altíssima volatilidade. O câmbio
flutuante é parte do tripé macroeconômico – mecanismo criado em 1999, no
segundo mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC), e que define a
política econômica praticada no Brasil até os dias atuais, sendo formado por
três pilares: controle da inflação, equilíbrio das contas públicas e taxa de
câmbio flutuante. Manter esse tripé tem um custo elevado. O Brasil mudou, o
mundo mudou, o Partido dos Trabalhadores comanda o país pela quinta vez, são 14
anos desde 2003, e continuamos submissos a esse maldito tripé concebido pela
equipe econômica ortodoxa, neoliberal, conservadora de FHC que nos impõe o
austericídio fiscal e taxas de juros surreais.
Na realidade, no
Brasil se pratica o regime de câmbio administrado ou de flutuação suja porque,
volta e meia, quando convém, o BACEN intervém no mercado de câmbio.
A taxa de câmbio em
dezembro de 2023, era de R$ 4,84, subiu para R$ 5,56 em junho de 2024, o que
representa um aumento no preço do dólar de quase 15%. Hoje é R$ 5,70 o dólar
comercial e quase R$ 6 o dólar turismo. Analistas atribuem parte da
desvalorização cambial a fatores globais, geopolítica complicada, guerras,
expectativas em relação ao movimento na taxa de juros dos Estados Unidos e,
outra parte, ao “risco fiscal” atrelado às dificuldades de manter compromissos
do governo brasileiro com o reequilíbrio da dívida pública como proporção do
PIB. Essas pressões são atenuadas, em parte, pelo diferencial entre a taxa de
juros doméstica, uma das maiores do mundo, e a da economia internacional,
acrescida do risco país que continua elevado. Essa é a explicação dos
economistas neoliberais e da grande mídia que segue a mesma cartilha da
ortodoxia. Quando o preço do dólar em moeda local sobe em proporção superior à
diferença entre a inflação doméstica e a experimentada pelos parceiros
comerciais, a desvalorização é real. Nesse caso os exportadores aumentam suas
oportunidades de realizar lucros maiores vendendo suas mercadorias e serviços
no mercado internacional, comparado às possibilidades de vendas no mercado
interno.
No caso brasileiro,
seguramente, o setor mais beneficiado pelas desvalorizações do real é o
agronegócio, responsável por cerca de 50% de nossa pauta de exportações, com
destaque para os produtores de soja, seguido do setor de óleo bruto, minério de
ferro. Para que o mercado não sofra consequências negativas como, por exemplo,
problemas de abastecimento, surgem pressões para elevação dos preços das
mercadorias no mercado interno. Assim, preços domésticos mais elevados para
produtos da nossa pauta de exportações – proteínas animais, soja, café, açúcar,
laranja, petróleo, dentre outros – podem estar relacionados às desvalorizações.
Com relação às
importações ocorre o inverso. Os importadores vão precisar de maiores volumes
de moeda nacional para adquirir o mesmo montante de dólares no mercado de
câmbio para comprar as mesmas quantidades de mercadorias e serviços
estrangeiros. No caso do Brasil, importadores de meios de produção, máquinas e
equipamentos, matérias primas essenciais ao processo de produção, o impacto de
uma desvalorização se traduz, também, em elevação do custo de produção das
mercadorias produzidas internamente. Sobe o preço do trigo, sobe o preço do
pão; aumenta o preço dos fertilizantes aumenta o preço dos produtos agrícolas.
No caso da importação de bens de consumo, a elevação dos preços é direta.
Assim, ao mantermos o
real depreciado quanto mais o tempo passa corremos o risco de alimentar
processos inflacionários. Então, por que razão o Banco Central, guardião dos
preços e das reservas internacionais, não faz uso das reservas em excesso para
evitar o aumento dos preços?
Em geral, as
desvalorizações têm repercussões mais profundas do que as mudanças nos preços
das mercadorias, serviços e benefícios a agentes diretamente envolvidos –
exportadores e importadores – atingindo, de forma diferenciada, diversos grupos
da sociedade. Além dos exportadores que aumentam seus lucros, ganham com as
desvalorizações, os detentores de ações das firmas exportadoras, que ampliam
seus dividendos, e os capitalistas proprietários de ativos em moeda
estrangeira, que auferem ganhos de capital, com a elevação do valor desses
ativos em moeda local.
Uma alternativa que se
abre para alguns exportadores é diminuir, em algumas circunstâncias, os preços
em moeda estrangeira de suas mercadorias de forma a colocar maiores quantidades
do bem no mercado externo, conquistando novos mercados sem baixar seus lucros. O turismo interno é incentivado e o turismo
externo encarecido e desestimulado.
Assim, as
desvalorizações estimulam as exportações de mercadorias e serviços e o ingresso
de capitais estrangeiros via investimentos e turismo. Se as taxas de juros
internas estão muito acima da média internacional os ganhos financeiros são
magnificados e o capital especulativo internacional flui em busca de
rendimentos maiores.
Porém, se você se
endividou em dólares vai se dar mal. Terá que saldar seus compromissos com
maiores volumes de moeda doméstica.
E os trabalhadores que
constituem a grande maioria da população como são afetados pelas
desvalorizações do real frente ao dólar? A pressão das desvalorizações sobre os
preços de bens domésticos certamente prejudica a classe trabalhadora que tem
seu salário corroído pela elevação dos preços e está sujeita a aumentos
salariais periódicos, explicitados em seus contratos de trabalho, e que terão
que esperar o período do próximo reajuste, em geral anuais, para recompor seu
poder de compra. Os capitalistas repassam os efeitos das desvalorizações sobre
seus custos de produção para os consumidores, imediatamente, elevando os preços
das mercadorias que produzem e, enquanto os salários não sobem, experimentam
lucros extraordinários.
Para os produtores, o
aumento do custo dos insumos e máquinas importadas são compensados pela rigidez
dos salários e o aumento de receitas via preços maiores. Em momentos como o que
estamos vivendo no Brasil de moeda nacional em depreciação, a falta de percepção
da importância dos sindicatos para defender os direitos dos trabalhadores e
seus salários é um gritante equívoco.
Uma coisa não deixa
dúvidas: mudanças na taxa de câmbio afetam grupos da sociedade de formas
diferentes. Há ganhadores e perdedores.
Finalizando, a
resposta à questão inicialmente formulada é inconclusiva. Usar ou não reservas
internacionais para alterar a taxa de câmbio é uma pergunta difícil de
responder. Mas é fato que há grupos ganhando e o BACEN parece ter feito a
escolha de deixar para o “mercado de câmbio” decidir os que devem ganhar e os
que devem perder com o não uso de parte das reservas internacionais para
segurar uma taxa de câmbio mais baixa. Mudanças no câmbio não são neutras,
acirram conflitos distributivos.
Fonte: Jornal GGN
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