Luís Nassif: ‘Xadrez de Lula e a busca do
tempo perdido’
Um plano de metas, em
torno de ideias claras, interministerial, intersetorial, com prazos e medidas
definidas, ajudaria a clarear o horizonte.
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Peça 1 – os partidos e os tempos políticos
A constituição de
partidos políticos duradouros obedece aos tempos históricos.
Foi preciso a formação
de uma classe média urbana para nascer a UDN. A esquerda nasceu da imigração,
especialmente dos anarquistas italianos. O PTB veio com o sindicalismo
trabalhista. MDB cresceu na resistência à ditadura. O PT nasceu da consolidação
do polo industrial do ABC. Os novos modelos políticos, os novos personagens
aparecem, assim, em momentos de grandes embates, de grandes transformações
sociais, econômicas ou políticas.
PT e PSDB se
consolidaram nos ventos reformistas da Constituinte e das diretas-já. No caso
do PT somando o sindicalismo, a teologia da libertação e os sobreviventes da
luta armada.
A geração das diretas
dominou todo o espectro político nacional nas décadas seguintes, apesar dos
episódios posteriores. Os “caras pintadas” não foram um episódio
suficientemente abrangente para lançar uma nova geração.
A grande nova
revolução, depois das diretas, foi da militância digital. E ela nasceu
progressista. Quem primeiro descobriu o poder mobilizador das redes foram os
universitários, a marcha das mulheres, o pessoal da Casa Fora do Eixo, os
motociclistas e até desaguar no “tarifa zero” – em cima de uma ideia plantada
nos tempos de Luiza Erundina, prefeita.
Em vez de acolher as
novas lideranças, o PT fechou-lhe as portas, tanto nas prefeituras quanto no
governo federal. Não entendeu as características do novo modelo.
Nele, a organização
gira em torno de temas específicos, não de bandeiras políticas genéricas. Não
se enquadram em modelos hierárquicos, mas cooperativos. Embora tivessem
afinidade politica com siglas de esquerda, preferiam manter suas identidades
próprias.
Ao mesmo tempo, a
periferia passou a ser sacudida por novos movimentos, da música negra, o funk,
o hip hop. Lembro-me de uma reunião para o qual fui convidado, no Sindicato dos
Jornalistas. Presentes funkeiros de periferia, sindicalistas e jornalistas. O
recado dos funkeiros era claro: o discurso político tradicional não penetrava
mais na comunidade. A lógica das assembleias sindicais, com sua organização
hierárquica, não pegava mais. Alertavam que os evangélicos dominavam muito
melhor o discurso e a única resistência progressista era deles, músicos de
periferia.
Nas manifestações de
2013, o caldo entornou de vez. Apesar do mal-estar político generalizado, os
manifestantes não queriam bandeiras partidárias, justamente para não jogar para
segundo plano a bandeira que carregavam. Ao mesmo tempo, intelectuais, como Pablo
Ortellado, estimulavam de maneira suspeita a violência dos black blocs,
alimentando a reação da classe média contra as lideranças do movimento.
Repetia-se o movimento
dos black blocs durante a chamada “Batalha de Seattle” de 1999. Tanto lá como
cá surgiram suspeitas fundadas de que havia infiltração polícial alimentando a
violência dos black blocs, de maneira a desmoralizar o movimento antiglobalização.
Com os jovens jogados
ao mar, a direita se apossou definitivamente do movimento. Antes dela, aliás, a
Purpose, agência de publicidade ligada ao Partido Democrata, ajudou na
disseminação do movimento, valendo-se da boa fé dos jovens para as primeiras
tentativas de primavera brasileira, de desestabilização do governo que
descobriu o pré-sal.
Hoje em dia, depois do
vendaval Lava Jato, existe um sistema partidário esfarelado, sem partidos
programáticos e com o único partido nacional, o PT, à procura de um rumo.
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Peça 2 – a ideologia da direita
Por outro lado, a
direita e a ultradireita não são unidas por princípios programáticos, mas por
pautas morais. Aliás, o grande vitorioso das eleições foi a abstenção.
Significa que o que mobiliza a direita é o ceticismo em relação às velhas
fórmulas, as relações afetivas, não a convicção na brutalidade e na ignorância
que caracterizam suas principais lideranças.
Essa característica
traz um desafio de curto prazo: a impossibilidade de um discurso racional ou de
penetrar nas relações afetivas que cimentam o movimento. Mas abrem uma
perspectiva de médio prazo. Tornando-se poder, a ultradireita não conseguirá
atender às expectativas criadas, de mudança. Pelo contrário, têm aberto espaço
para o avanço do crime organizado e, a exemplo de São Paulo, para toda sorte de
negócios com serviços públicos.
O grande desafio dos
setores modernos será preparar o próximo tempo do jogo, quando o pesadelo da
ultradireita estiver se esvaindo.
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Peça 3 – o vácuo atual
Por enquanto, a
sensação é de uma terra de ninguém. A percepção é de um país solto, com o
desmonte continuado das instituições e dos direitos básicos. O jogo de
interesses menores perpassa todos os poderes, das agências reguladoras aos
ministérios, dos governos de Estado aos tribunais. São fios soltos,
desencapados, que atingem até estruturas históricas, como a educação.
O governo não assume o
papel de coordenação de expectativas ou valores.
De um lado, amarrado
pela chantagem reiterada da Faria Lima. Um mero adiamento de dias, no anúncio
dos cortes nos gastos públicos, já é suficiente para manifestações terroristas
no dólar, ampliadas pelas manchetes de jornais e pela falta de iniciativa do
Banco Central no mercado futuro,
As cotações do dólar
são fixadas por operações de carry Trade, não pelos fundamentos da economia. E
a rapaziada da Faria Lima joga à vontade, brinca com um preço essencial sem ser
incomodada nem pelo BC, nem pelo sistema bancário maduro, nem por nenhuma autoridade
regulatória. Se não houver uma reação a essas manobras, se continuarem a
brincar com os preços, sem nenhum risco, conseguirão atingir seu objetivo de
desmoralização final do governo. E, aí, será um Deus nos acuda que levará de
roldão a estabilidade econômica.
De outro, pela
completa falta de informações sobre o que acontece no governo. A impressão
geral é de um ministério acéfalo, sem capacidade de montar políticas
minimamente criativas. E as iniciativas existentes – como as medidas de
Neoindustrialização ou da Transição Energética – não chegam à opinião pública.
A sensação é de
anomia.
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Peça 4 – o que faz o governo
Esquece-se de que
nesse ano e meio, o governo conseguiu se safar de um sem-número de armadilhas.
Havia militares conspiradores e bombas de efeito retardado deixadas por
Bolsonaro: um aumento da gasolina e uma redução do Bolsa Família no primeiro
dia de governo. E tudo isso precedendo o 8 de janeiro, com a armadilha de se
montar uma GLO (Garantia da Lei e da Ordem) e deixar nas mãos de militares
conspiradores.
Conseguiu superar as
armadilhas, aprovar um orçamento extraordinário, acertar os rombos deixados por
Paulo Guedes nos precatórios e no imposto sobre os combustíveis.
Mas patina ao não
conseguir dar um sentido ao terceiro governo. E, especialmente, ao não se
livrar das chantagens da Faria Lima.
Há dois públicos para
as informações. Aparentemente, o governo está preocupado com o público das
notas curtas. Mas há formadores de opinião, inclusive na grande mídia, que
deveriam ser informados de forma aprofundada sobre as políticas públicas. O
governo está perdendo a batalha inclusive junto ao público formador de opinião.
Um dos problemas é a
diluição das informações sobre as entregas ministeriais. As informações sobre a
política de Neoindustrialização, sobre a transição energética, sobre as
negociações com a China, as mudanças no Bolsa Família, saem picadas e se perdem
na barafunda informacional.
E, depois das últimas
eleições municipais, há um sentimento de impotência desanimando as hostes
democráticas, como se o quadro atual, de obscurantismo, fosse definitivo.
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Peça 5 – os valores permanentes
E são fases
transitórias, cuja duração dependerá da capacidade de reação da opinião pública
esclarecida.
Os valores
civilizatórios são óbvios, embora pouco praticados. É o exercício da
tolerância, da solidariedade, o compromisso com a construção de um país mais
justo, mais igualitário, unido em torno de um plano de desenvolvimento.
A pedagogia
civilizatória não depende de palavras soltas, mas de aplicações objetivas
desses conceitos. Aí ficam faltando os planos e as metas. Um plano de metas, em
torno de ideias claras, interministerial, intersetorial, com prazos e medidas
definidas, ajudaria a clarear o horizonte, a entender cada peça levantada na
reconstrução do país.
Mas, por enquanto, só
existiu em algumas declarações de Lula – como o discurso na 5a Conferência
Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação. No plano concreto, nada apresentou
de palpável até agora.
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A parceria com a China
é mais do que a rota da Seda, por Luís Nassif
A superficialidade da
cobertura midiática transformou o Ministro Celso Amorim em adversário da Rota
da Seda. Sua posição é de racionalidade. Há duas formas de integração, a
comercial e a industrial. A Rota da Seda ambiciona aproximar a China dos
mercados afastados, como América do Sul. Uma integração comercial com a China,
sem maiores cuidados, significará o fim da industrialização brasileira. Por
isso mesmo, as relações Brasil-China têm que se situar em um patamar muito mais
elevado.
O próprio modelo de
desenvolvimento da China – e o modelo precursor de desenvolvimento do Brasil
dos anos 50 – ensina o caminho.
O Brasil é muito mais
relevante para a China do que a China para o Brasil – apesar de ter se tornado
o maior parceiro comercial do país. Mas é uma relação comercial desbalanceada,
na qual o Brasil exporta commodities e compra produtos industrializados. Além
disso, o Brasil é peça chave nas disputas geopolíticas da China, como grande
liderança do Sul Global.
Isso, mas o mercado de
consumo brasileiro, permite ao país uma negociação muito mais efetiva com a
China. Nessa negociação tem que se conseguir avanços em várias áreas:
- Transferência de tecnologia.
- Espaço para o capital privado nacional, seja como acionista
de filiais de empresas chinesas, seja como fornecedores.
- Criar cotas de preferência para exportações das filiais
chinesas no país.
- Parcerias em novas áreas relevantes, como telecomunicações
e lançamento de satélites.
Reduzir todas essas
possibilidades a um mero acordo em torno da Rota da Seda é subestimar o
potencial da parceria chinesa.
No início dos anos
2.000, a Embraer fechou um acordo com a China. Pelo acordo deveria transferir
tecnologia para uma empresa chinesa. Em troca, teria acesso por alguns anos ao
mercado interno da China. Foi esse mesmo pragmatismo que permitiu à China, depois
de ter se transformado no chão de fábrica do capitalismo mundial, tornar-se uma
gigante industrial.
Obviamente, acordos
desse porte não podem ficar restritos a conversas de gabinete. O governo
deveria convocar a Conferência Nacional de Ciência e Tecnologia, os quadros do
CGEE, as instituições empresariais para um amplo balanço das contrapartidas a
serem propostas à China.
Junto com a Neo
Industrialização, com os programas de transição energética, aos poucos vai se
constituindo o quadro para o grande salto brasileiro para a próxima etapa da
economia, depois de termos perdido a etapa da digitalização.
Fonte: Jornal GGN
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