A violência policial e a contradição
neoliberal na Europa
No último sábado, 26
de outubro, milhares foram às ruas em Verona, na Itália, e em Lisboa, em
Portugal, em protesto contra os assassinatos de Diarra Moussa, um migrante
maliano, e Odair Moniz, cabo-verdiano, ambos mortos por forças policiais nesses
respectivos países europeus.
A convergência
temporal dessas mortes e manifestações pode parecer uma coincidência à primeira
vista, mas, na verdade, revela um padrão perturbador: a intensificação
alarmante da violência policial contra pessoas negras e racializadas em toda a
Europa. Em uma estrutura que historicamente opera em benefício de certas
classes e grupos raciais, o valor atribuído às vidas definitivamente não é
igual e isso se reflete na repressão desproporcional sofrida por populações
racializadas em diferentes partes do continente. É uma questão
estrutural. A polícia é treinada para defender o capitalismo, e o
capitalismo define quem vive e quem morre. Aqueles que não se encaixam nos
moldes “brancos, ricos, nacionais” são alvos a serem neutralizados. Por isso,
essa repressão se espalha e se replica globalmente.
Na Europa, o avanço da
violência policial tem sido acompanhado pelo crescimento de uma retórica de
extrema direita que transforma essas mortes em oportunidades para desumanizar
as vítimas e enaltecer o papel repressivo da polícia. No caso italiano, o
vice-premiê e líder da Liga, Matteo Salvini, reagiu com desdém, afirmando que
Moussa “não fará falta”. Em Portugal, André Ventura, do partido Chega, foi
além, sugerindo que o policial responsável pela morte de Odair fosse
condecorado. Ambos, ao invés de questionarem a letalidade do aparato estatal,
endossaram a violência e usaram as mortes como palanque para reforçar suas
posturas anti-imigrantes. A similaridade entre os casos de Diarra Moussa e
Odair Moniz evidencia como a violência policial contra pessoas racializadas se
tornou um ponto de convergência para agendas políticas que instrumentalizam
essas mortes, fazendo delas símbolos de uma visão de sociedade excludente.
Estatísticas recentes
mostram que a violência policial letal contra pessoas negras e outros grupos
racializados tem aumentado em vários pontos da Europa, destacando-se como um
problema crescente. No Reino Unido, análises entre 2012 e 2021 indicam que pessoas
negras são até sete vezes mais propensas a morrer após intervenções policiais,
que envolvem o uso de força, em comparação com pessoas brancas, segundo a
Inquest. Este padrão desproporcional é reforçado em outros países europeus, com
registros consistentes de violência contra comunidades negras, muçulmanas e
imigrantes, especialmente na França e na Bélgica, mas não só.
Na última semana, a
Comissão Europeia contra o Racismo e a Intolerância (ECRI), órgão do Conselho
da Europa, emitiu um relatório contundente denunciando a Itália por discursos e
práticas de discriminação racial em políticas e policiamento, especialmente voltados
contra migrantes, refugiados e outras minorias. O documento destacou com “séria
preocupação” o aumento da xenofobia no discurso público italiano, que se tornou
“cada vez mais divisivo e antagônico”, atingindo especialmente migrantes,
minorias étnicas como os Rom e a comunidade LGBTQIA+.
A reação ao relatório
foi marcada por divergências. O presidente italiano, Sergio Mattarella, disse
estar surpreso ao conversar com o chefe da polícia, Lamberto Giannini,
oferecendo seu “respeito e apoio” às forças policiais. Em resposta, o ministro
do Interior, Matteo Piantedosi, rejeitou veementemente o conteúdo do relatório,
classificando-o como “insultos inaceitáveis” ao Estado italiano. A reação de
figuras como Mattarella e Piantedosi revela como a negação e a defesa das
instituições dificultam qualquer progresso rumo “à justiça social e à
igualdade”, mantendo o ciclo de discriminação em vez de buscar soluções
efetivas para superá-lo. Ao promover a ideia de que defender a polícia é
defender o orgulho nacional, reforçam uma narrativa que coloca o aparato
repressivo do Estado acima das vidas daqueles a quem deveria proteger. Em vez
de enfrentar as desigualdades que essa instituição alimenta, essa retórica
nacionalista transforma a crítica legítima em um ataque ao “patriotismo”, em
nome de uma soberba vazia e perigosa.
·
O racismo estrutural
O aumento dessas
mortes não é um acaso. Insere-se em um contexto de austeridade, de retrocessos
sociais e de uma política cada vez mais repressiva e autoritária no
continente. Na França, por exemplo, a morte de Nahel Merzouk em 2023, um
jovem franco-argelino assassinado durante uma abordagem policial, gerou
protestos massivos, reacendendo o debate sobre o racismo e a violência policial
no país. Episódios semelhantes ocorreram na Bélgica, Alemanha e Reino Unido,
onde imigrantes e cidadãos de ascendência africana são alvos frequentes de
ações violentas, principalmente nas periferias urbanas.
Ruth Wilson Gilmore
argumenta incisivamente que o racismo não é um traço antiquado nem um obstáculo
ocasional à igualdade; ao contrário, ele é um componente essencial e atual do
capitalismo moderno. Em vez de uma história que nos leva de um racismo “pré-moderno”
ao pluralismo “pós-moderno”, Gilmore enfatiza que o racismo contemporâneo, com
suas formas mutantes, é fundamental para a reprodução das desigualdades
econômicas. Esse processo valida e reforça teorias de hierarquia racial que vão
além da esfera econômica, criando divisões e exclusões que mantêm grupos
racializados em desvantagem estrutural.
Para Gilmore, o
racismo naturaliza ou culturaliza essas desigualdades, facilitando a exploração
de populações marginalizadas, que acabam sendo mantidas em uma posição de
vulnerabilidade econômica. Esse ciclo é, então, legitimado como uma
“hierarquia natural”, reforçando e perpetuando divisões funcionais ao sistema
econômico. Assim, o Estado administra categorias raciais de maneira análoga à
gestão de infraestruturas, como rodovias ou telecomunicações, ajustando e
“atualizando” periodicamente essas práticas racistas para sustentar a lógica
econômica vigente.
Nesse processo, o
Estado não é um mero facilitador, mas um agente central, fortalecendo-se e
reproduzindo-se por meio de práticas racializadas que moldam sua própria
estrutura. A polícia, enquanto braço do complexo industrial-prisional, faz
parte integral desse aparato, operando para sustentar a ordem racial e
econômica ao reprimir e controlar diretamente as populações que o sistema
capitalista mantém em desvantagem. A violência policial e o encarceramento,
portanto, não são excessos ou desvios, mas engrenagens centrais do controle
capitalista, garantindo a vulnerabilidade e a submissão das comunidades
marginalizadas a uma ordem que as mantém subjugadas.
Em muitos aspectos, a
polícia europeia atual mantém uma postura colonialista, aplicando-se uma
vigilância às comunidades imigrantes, como se fosse uma ameaça ao “status
quo” europeu. Vale lembrar que a opressão racial não é um efeito colateral
do capitalismo, mas um componente central de sua estrutura. As hierarquias
raciais servem para justificar e naturalizar a espoliação de determinados
grupos, criando uma divisão global na qual povos e territórios podem ser
explorados ou eliminados para manter a acumulação de capital.
Nancy Fraser, em Capitalismo em debate,
argumenta que o sistema neoliberal europeu – e global – de fato incorpora políticas
de inclusão e diversidade apenas ao nível superficial, utilizando esses valores
para manter sua legitimidade enquanto preserva e intensifica as desigualdades
estruturais. Essa contradição entre a retórica de inclusão e a prática de
exploração gera tensões profundas e crises sociais, nas quais o ciclo de
violência e opressão se aprofunda, resultando em mais mortes e segregação de
grupos vulneráveis. O neoliberalismo, segundo Fraser, não apenas se apropria
das lutas progressistas como também as desvirtua, absorvendo o discurso de
igualdade ao mesmo tempo que implementa políticas econômicas que reforçam
hierarquias de classe e raça.
Além disso, a
crescente acusação de “wokeismo” e os debates superficiais sobre identitarismo,
promovidos por setores de diversas ideologias, frequentemente confundem e
distorcem a discussão. Enquanto conservadores atacam a esquerda de “wokeismo”
para desacreditar esforços em prol de inclusão e justiça social, setores da
própria esquerda têm dificuldade em compreender que o capitalismo se baseia em
hierarquias diferenciadas de trabalho e valor. Voltando à Nancy Fraser, o
capitalismo utiliza diferentes forças de trabalho de forma desigual, destinando
os postos mais precarizados e exploratórios às populações racializadas e
marginalizadas, cuja espoliação e superexploração sustentam o sistema como um
todo. Esse processo é essencial para o sistema, pois mantém baixos os custos da
força de trabalho e sustenta um ciclo de acumulação para os mais privilegiados.
Fraser propõe uma
distinção importante entre os “explorados” e os “espoliados” dentro do
capitalismo. Os explorados são aqueles diretamente envolvidos
no processo produtivo, ou seja, a força de trabalho contratada, cujo valor é
extraído no processo de produção e circula dentro do mercado. Já os espoliados são
sujeitos e comunidades que sofrem expropriação direta – como populações
indígenas e pessoas racializadas –, de quem o capitalismo retira recursos,
terras ou mesmo corpos (por meio de escravidão, colonização e agora o sistema
prisional). Para Fraser, essa divisão é fundamental, pois o capitalismo precisa
tanto da exploração formal quanto da espoliação informal para sobreviver.
Jodi Dean, no livro Solidarity
of Strangers: Feminism after Identity Politics, por exemplo, oferece uma
análise prática do identitarismo ao sugerir uma atualização leninista dessa
questão: em momentos de lutas de grupos racializados contra o Estado, é
fundamental reconhecer demandas legítimas e construir movimentos que possam se unir
a outras frentes. Em sua visão, as lutas raciais e de outros grupos
marginalizados precisam ser reconhecidas como parte da luta mais ampla contra o
capitalismo. Dean argumenta que uma organização revolucionária deve estar
preparada para abraçar as demandas legítimas de grupos marginalizados.
Obviamente sem se perder em divisões identitárias que, quando absolutizadas,
enfraquecem a unidade da classe trabalhadora. Esse foco é essencial para evitar
que o neoliberalismo instrumentalize questões de identidade como forma de
esvaziar a luta de classes e transformar demandas por justiça social em
políticas superficiais de diversidade que não confrontam as estruturas
capitalistas.
·
O perigo de
instrumentalização de manifestações também pela “esquerda institucional”
As manifestações
contra a violência policial na Europa representam, sem dúvida, uma expressão
genuína de indignação popular contra um sistema opressor, que exibe seu viés
racial e de classe ao tratar as vidas negras como descartáveis. No entanto, o
impacto e a durabilidade desses protestos enfrentam desafios profundos,
especialmente quando observamos a falta de uma organização estratégica e as
tentativas constantes de cooptar a causa, tanto pela esquerda institucional
quanto pela extrema direita.
Em muitos desses
movimentos, observamos uma fragmentação que acaba por enfraquecer seu potencial
revolucionário. Os protestos, muitas vezes espontâneos e desprovidos de uma
liderança centralizada, tornam-se vulneráveis à desmobilização e, pior, à
cooptação por partidos e grupos oportunistas. Estes buscam capturar as demandas
populares, principalmente com interesses eleitoreiros, vampirizando a dor e a
indignação causadas por essas mortes, sem qualquer preocupação ética ou
compromisso genuíno com as causas representadas.
Como Lênin ressalta
em O que fazer?, sem uma
liderança organizada, capaz de orientar e estruturar a ação coletiva, os
movimentos populares correm o risco de se dissipar, tornando-se uma “caça
fácil” para interesses de forças externas ou dominantes. Nesse sentido, o
vácuo organizacional permite que partidos à esquerda institucional liberal
capitalizem na imagem das vítimas, enquanto à direita, há uma tentativa de
deslegitimar os protestos, promovendo a narrativa de “desordem” e “ameaça à
segurança pública”.
A recente onda de
manifestações, como as que ocorreram em Lisboa, evidencia bem essas limitações.
Nos protestos contra a violência policial, a improvisação e a falta de uma
estratégia coordenada abriram espaço para que a extrema direita explorasse a
situação e reforçasse estigmas racistas, especialmente após episódios de ônibus
incendiados, motoristas queimados e ataques de alguns manifestantes das
periferias negras. Ainda assim, associações e figuras de diferentes setores
sociais responderam de forma contundente, fazendo um apelo insistente por uma
manifestação pacífica e conseguindo, em parte, neutralizar essas tentativas de
manipulação. No entanto, sem uma estrutura organizacional sólida e consistente,
esses movimentos perdem a capacidade de resistir às influências externas e,
mais ainda, de manter um propósito verdadeiramente transformador. A existência
de um programa político claro e eticamente definido é fundamental para
transformar revoltas fragmentadas em um movimento duradouro, capaz de canalizar
seu potencial de maneira eficaz e de evitar a dispersão de suas forças e
objetivos.
A experiência das
“revoluções coloridas” e das “primaveras” recentes oferece uma advertência
crucial: a ausência de uma direção independente e de uma estrutura
organizacional robusta frequentemente deixa movimentos legítimos vulneráveis à
cooptação ou ao desvio por forças que desejam manipular o descontentamento
popular para seus próprios interesses. No contexto europeu, vemos essa dinâmica
de forma contundente: forças da direita aproveitam-se do ressentimento e da
insegurança, enquanto a esquerda institucional tenta capturar o discurso
revolucionário sem um compromisso real com mudanças estruturais. Essas
pressões demonstram que, para alcançar uma transformação genuína, é
imprescindível uma organização que rejeite a cooptação pelo sistema e se mantenha
fiel aos interesses das classes oprimidas.
Além disso,
internamente, muitos desses movimentos enfrentam ainda o peso de dinâmicas
corrosivas – interesses pessoais, abusos de poder, assédio moral e violência de
gênero – que comprometem a coesão e a confiança. Paradoxalmente, movimentos que
surgem como resposta à opressão externa muitas vezes reproduzem elementos da
mesma estrutura de dominação que dizem combater. Tais práticas, quando
presentes, corroem o propósito original da luta, criando um ambiente hostil e
hipócrita, onde as demandas por igualdade e justiça são contraditas pelo
comportamento interno.
Esse tipo de dinâmica
não apenas reduz a eficácia dos movimentos, mas também aliena os envolvidos,
especialmente os que sofrem diretamente esses abusos ou que enxergam a
incoerência entre discurso e prática. Para que um movimento seja
verdadeiramente transformador, é fundamental que a ética de igualdade e
respeito seja cultivada. Isso significa promover uma cultura de respeito mútuo,
transparência e responsabilidade, elementos essenciais para construir a
confiança e garantir que os ideais revolucionários não sejam diluídos por
práticas contraditórias.
Movimentos sem uma
base ética bem definida e sem códigos de conduta claros tendem a se tornar
vulneráveis a conflitos internos e interesses pessoais. Quando não há
diretrizes organizacionais ou mecanismos formais para lidar com abusos, o
ambiente se torna propício a práticas abusivas. A crítica de Lênin à
espontaneidade fundamenta-se justamente na defesa de uma estratégia
estruturada, capaz de garantir coesão e foco nas metas revolucionárias.
Para Lênin, a
espontaneidade, quando deixada sem direção, leva à dispersão dos esforços e
deixa o movimento suscetível a divisões e manipulações externas. Uma
organização revolucionária precisa de uma liderança orientada por princípios
éticos e políticos claros, o que não apenas fortalece a resistência a
interferências e conflitos, mas também assegura que o movimento permaneça fiel
aos interesses coletivos, evitando que interesses pessoais ou desvios éticos
comprometam a causa maior.
·
A impunidade policial
É importantíssimo
ressaltar, porém, que estas manifestações não apenas denunciam a violência
policial e o racismo, mas evidenciam a falência dos sistemas de justiça em
responsabilizar as forças de segurança por abusos. A cada novo caso, fica claro
que mudanças superficiais, como a revisão de práticas operacionais ou a
implementação de treinamentos pontuais, não são suficientes para enfrentar essas
violações estruturais. A justiça só poderá ser alcançada através de uma
transformação profunda das estruturas de segurança, que passe pela
desmilitarização da polícia e pela criação de políticas antirracistas que ajam
diretamente sobre o cerne desses problemas. Como lembra Angela
Davis, a presença da polícia em comunidades racializadas não é sobre
proteção, mas sobre controle e criminalização de populações inteiras.
A impunidade policial,
mesmo diante de provas de violência injustificada, reflete uma lógica de
repressão e proteção institucional que não só permite, mas legitima a
brutalidade policial. Esse cenário é agravado pela ausência de mecanismos de
controle social verdadeiramente eficazes, que poderiam garantir transparência e
responsabilização. Como resultado, a polícia opera com autonomia
praticamente irrestrita em muitos contextos, o que alimenta uma cultura de
impunidade e abuso.
Além disso, nas
comunidades periféricas, por exemplo, a polícia é frequentemente a única face
do Estado presente, e essa presença assume uma forma violenta e repressiva, em
vez de protetiva. Longe de assegurar segurança e justiça, a polícia,
nesses contextos, é vista como uma ameaça constante, que leva os filhos das
famílias ao sistema prisional ou, muitas vezes, até mesmo à morte. Essa
presença repressiva cria uma relação de desconfiança e medo entre o Estado e as
comunidades marginalizadas, onde o Estado, ao invés de proteger e oferecer
serviços básicos, se manifesta apenas como um aparato de controle. Uma dinâmica
que não só reforça a marginalização social e econômica, mas normaliza a
violência contra essas comunidades, reforçando um ciclo de exclusão que impede
qualquer perspectiva real de justiça.O problema, portanto, não é exclusivamente
nacional: é um sintoma de um sistema global. Esse sistema permite que a
brutalidade e o racismo institucionalizado sigam impunes, principalmente quando
direcionados contra grupos marginalizados. O desafio é atuar tanto local quanto
globalmente: enquanto cada comunidade luta por justiça e dignidade para as
vítimas, o movimento por transformação estrutural deve englobar todos os locais
onde a opressão e a desigualdade se manifestam. Em última
análise, garantir justiça e dignidade exige a destruição das bases de
opressão que sustentam a brutalidade estatal e o racismo, de forma que as vidas
racializadas deixem de ser tratadas como descartáveis em prol da manutenção de
uma ordem injusta e desumana.
Na última década, um
termo tem se proliferado de maneira espantosa no discurso político. Moralmente
carregado e lançado a torto e a direito em disputas de internet, mesas de bar,
espaços acadêmicos e palanques políticos. Mas, afinal, o que é identitarismo?
Neste livro, o psicanalista Douglas Barros propõe uma interpretação original do
fenômeno. Para ele, o termo nomeia sobretudo uma forma de gestão da vida social
contemporânea que engole esquerda e direita.
Emblema maior do
desaparecimento da Política (com p maiúsculo), o identitarismo é lido como um
sintoma do século XXI. Implodindo a troca de acusações entre “identitários” e
“anti-identitários”, Barros provoca: “o processo de identitarização da
diferença se inicia com o colonialismo. É o colonizador europeu o primeiro
identitário da história moderna.” Com um olhar da periferia do capitalismo
sobre a colonização, o autor revisita, pelo prisma da identidade, o surgimento
e desmonte do sujeito, do Estado e do capitalismo modernos para jogar luz sobre
os impasses da política contemporânea, marcada pela proliferação de bolhas
identitárias, em que as pessoas se veem obrigadas a desenvolver identidades
fragmentadas como resposta, mesmo que inconsciente, à quebra de laços sociais e
o endurecimento do neoliberalismo nas relações econômicas.
Articulando filosofia,
teoria social e psicanálise, Douglas Barros apresenta uma análise que reconhece
a necessidade histórica das lutas rotuladas como identitárias, sem perder de
vista as disputas e capturas a que estão sujeitas no atual estágio de acumulação
capitalista. Nos termos de Deivison Faustino, “uma valiosa contribuição a um
debate novo, que pela primeira vez, encontra uma análise à altura.”
Fonte: Por Marcela
Magalhães, no Blog da Boitempo
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