segunda-feira, 4 de novembro de 2024

Ed Augustin: ‘Cuba resiste em meio a furacões, sanções e apagões’

Dizer que Cuba teve uma semana difícil seria um eufemismo. Depois que uma falha na rede no último dia 18 causou quatro dias de apagões em todo o país e um furacão de categoria um atingiu a província oriental de Guantánamo na segunda-feira, matando sete, a energia voltou em grande parte do tempo e as coisas se estabilizaram na ilha.

Nilza Valdés Núñez, sessenta e um, de Guanabacoa, Havana Oriental, sente um pouco de alívio. Falei com ela na segunda-feira, um dia depois que sua mãe de oitenta e um anos cozinhou toda a carne descongelada no freezer que seu irmão que vive na Flórida havia comprado para eles.

“A falta de eletricidade, de gás e todos os outros problemas que temos aqui”, disse, fazendo uma pausa com lágrimas nos olhos, mas fúria na voz, “fazem você se sentir muito mal”.

Em um momento em que mais de um milhão de lares cubanos já estão sem água encanada, os cortes de energia agravaram o problema ao desabilitar bombas hidráulicas. As pessoas carregavam água para suas casas em baldes, buscando-a em cisternas e poços próximos.

Antes dos apagões, o preço de rua de um saco com dez pãezinhos em seu bairro era de cerca de 50 centavos (150 pesos). Depois disso, ele disparou para quase um dólar (280 pesos).

Praticamente vencida no passado, a fome retornou a Cuba nos últimos anos, com o corte de rações alimentares garantidas pelo Estado. Com a comida escassa estragada e os preços subindo na última semana, alguns que dependem de salários ou pensões do Estado e não têm parentes no exterior para ajudá-los agora estão sentindo o aperto tanto quanto as pessoas que passaram pelo Período Especial após o colapso da União Soviética.

Ao mesmo tempo, a resiliência do país é impressionante. Grandes interrupções como essa aterrorizariam pessoas em outros países, mas muitos que conheci as encararam com calma e até com indiferença.

Brincando com seu telefone na velha Havana, ao lado de um prédio de três andares em ruínas com uma árvore crescendo em seu telhado, Anyeli Imbert me disse: “Não é assustador para nós quando as luzes se apagam porque estamos acostumados. Não é grande coisa.”

A resiliência de outras pessoas se manifesta no humor. “Essas coisas acontecem”, disse Yosvani Valdés, no mesmo quarteirão. “As luzes se apagam no Japão quando há tufões. As luzes se apagaram em Houston algumas semanas atrás quando houve um ciclone lá. As pessoas exageram nessas coisas, mas nós, cubanos, enfrentamos a adversidade com risadas, e sempre encontramos uma maneira de superar.”

<><> Uma crise de legitimidade

OPartido Comunista de Cuba, no poder, enquanto isso, enfrenta sua maior crise política de todos os tempos. Quatro tentativas fracassadas de fazer a rede elétrica nacional funcionar novamente ressaltaram uma crescente sensação de que o governo está sobrecarregado pela magnitude das múltiplas crises, muitas das quais enraizadas nas abrangentes sanções dos EUA. Economicamente, está falido. Ideologicamente, não promulgou totalmente seu próprio programa de reforma, formalmente acordado no Sexto Congresso do Partido Comunista, em 2011.

Em muitos sentidos, a economia de mercado expandida está mantendo o show na estrada: mais alimentos agora são importados mais pelo setor privado do que pelo Estado murcho. Mas a ampliação da desigualdade que ela trouxe também minou a sensação de que todos estão enfrentando a crise juntos — uma grande diferença entre o Período Especial trinta anos atrás e hoje. Pessoas que não tomam café da manhã agora veem autoridades acima do peso na televisão exortando-as a apertar ainda mais os cintos. A justiça social foi corroída, e com ela grande parte da legitimidade do governo.

Falando em Washington sobre os apagões, a secretária de imprensa da Casa Branca, Karine Jean-Pierre, disse na segunda-feira (21) que os Estados Unidos estão “preocupados com os potenciais impactos humanitários sobre o povo cubano”. Rindo como se a alegação fosse absurda, ela acrescentou: “Só quero deixar claro que os EUA não são os culpados pelos apagões na ilha”.

Na verdade, as sanções dos EUA são um grande impulsionador da crise energética da ilha. É preciso uma audácia impressionante para negar isso.

Washington mira especificamente em petroleiros que entregam o combustível que a ilha precisa para manter as luzes acesas. Ao congelar ativos de navios que entregam petróleo, o Departamento do Tesouro deixa Cuba com menos fornecedores, aumentando os custos de energia na ilha.

“As sanções dos EUA são um grande impulsionador da crise energética da ilha. É preciso uma audácia impressionante para negar isso.”

De forma mais ampla, na última década, as sanções a Cuba foram aumentadas para níveis sem precedentes. O governo Joe Biden deixou em vigor as sanções mais potentes promulgadas por Donald Trump, incluindo o poderoso Título III de Helms-Burton, que congela o investimento na ilha, e a falsa acusação de que Cuba patrocina o terrorismo, o que a exclui de grande parte do sistema bancário mundial. Economistas calculam que essas novas sanções custam ao Estado bilhões de dólares por ano — deixando menos dinheiro para importar petróleo, consertar a infraestrutura obsoleta e importar painéis solares.

“Estamos fazendo tudo o que podemos para tornar o mais difícil possível para Cuba manter as luzes acesas”, disse Fulton Armstrong, que anteriormente atuou como o principal oficial de inteligência dos EUA para a América Latina e agora é membro sênior do Centro de Estudos Latino-Americanos e Latinos da American University.

Ele acrescentou que “as pessoas no Departamento de Estado ficaram alarmadas com a eficiência de suas ameaças” ao setor privado. A meticulosidade da aplicação de sanções pelo Office of Foreign Assets Control (OFAC) no Departamento do Tesouro criou uma cultura de “excesso de obediência” no setor privado, ele disse, onde as empresas evitam negociar com Cuba porque as regulamentações ambíguas e a severidade das penalidades fazem com que não valha a pena. “Antigamente, o OFAC tinha vinte ou vinte e cinco pessoas dedicadas a Cuba”, ele disse. “Mas na era digital, você tem essas grandes burocracias para caçar pessoas que podem estar violando nosso embargo e para assediar o setor privado nos EUA, Europa e América Latina.”

Durante o governo Biden, houve uma estranha desconexão entre a realidade das sanções e a maneira como elas são faladas. Enquanto o governo Trump se gabava de como suas sanções de “pressão máxima” prejudicariam a ilha, o governo Biden manteve o cerne do regime de sanções em vigor, mas nega categoricamente que tenha algo a ver com as crises de Cuba.

Medidas de fachada ajudam nesse esforço. Joy Gordon, especialista em sanções na Loyola University Chicago, apelidou isso de “teatralidade da preocupação humanitária” em um artigo do ano passado. No que ela descreve como um comunicado de imprensa “efusivamente autocongratulatório”, o OFAC anunciou “licenças gerais” para bens humanitários em países sancionados pelos Estados Unidos. “O fornecimento de apoio humanitário para aliviar o sofrimento de populações vulneráveis ​​é central para nossos valores estadunidenses, disse o OFAC. Mas a severidade do regime geral de sanções significa que as licenças gerais não permitem realmente que mais bens humanitários entrem.

“Para a maioria dos dez milhões de habitantes da ilha, o momento é perigoso.”

Após as quedas de energia e o último furacão, houve uma onda de organização por pessoas nos Estados Unidos que exigem uma relação diferente com Cuba. Centenas de ativistas compareceram a uma reunião de emergência online esta semana organizada pela Massachusetts Peace Action. Especialistas em Cuba com décadas de experiência assinaram uma carta aberta ao presidente Biden pedindo que ele aliviasse as sanções e fornecesse ajuda estadunidense ao povo cubano durante suas últimas semanas no cargo.

Mas a crise energética da ilha não vai acabar tão cedo. Muitas das usinas de energia da era soviética estão se aproximando de meio século de idade. O país mal consegue pagar por peças de reposição e não consegue importar petróleo suficiente para manter as luzes acesas. Colocar a rede elétrica em funcionamento novamente e voltar ao “normal” significa que milhões de pessoas, especialmente aquelas fora de Havana, suportarão longas quedas de energia todos os dias.

E os eventos da última semana deram início a um ciclo vicioso que será difícil de romper. Na esteira dos apagões nacionais, o Canadá, de onde vem mais turistas que visitam Cuba a cada ano do que qualquer outro lugar, atualizou seu alerta de viagem para a ilha. A redução da receita do turismo tornaria ainda mais difícil para o governo sair da crise energética.

Por fim, analistas dizem que a modernização da rede elétrica de Cuba exigirá assistência externa. Não há muito o que esperar no horizonte. A pressão dos EUA impede Cuba de recorrer ao Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional ou Banco Interamericano de Desenvolvimento para obter apoio. As entregas de petróleo venezuelano, enviadas a Cuba em troca de médicos, enfermeiros e professores trabalhando na Venezuela desde 2000, caíram acentuadamente nos últimos anos. O México ofereceu assistência técnica para manter a rede funcionando. Mas a Rússia e a China, grandes players que certamente foram consultados esta semana, não mostraram sinais de intervir decisivamente.

Para a maioria dos dez milhões de habitantes da ilha, o momento é perigoso.

 

¨      Rejeição unânime das sanções econômicas dos EUA contra Cuba. Por Salim Lamrani

Em 30 de outubro de 2024, na reunião anual da Assembleia Geral das Nações Unidas, e pelo 32° ano consecutivo, 187 países exigiram o levantamento das sanções econômicas unilaterais impostas pelos Estados Unidos, que vêm sufocando o povo cubano desde 1960. Como de costume, apenas Israel se alinhou com Washington, opondo-se à resolução apresentada por Havana, enquanto a Moldávia se absteve.

Impostas pelo presidente Eisenhower com o objetivo de derrubar o governo revolucionário de Fidel Castro, as sanções foram mantidas e reforçadas por vários governos dos EUA. Elas possuem características extraterritoriais - a Lei Torricelli de 1992, por exemplo -, significa que se aplicam além das fronteiras nacionais, afetando todos os países do mundo. Por exemplo, qualquer navio estrangeiro que atracar em um porto cubano é proibido de entrar nos Estados Unidos por seis meses. O objetivo dessa legislação é impedir o desenvolvimento do comércio internacional de Cuba com o resto do mundo.

As sanções também são retroativas de acordo com a Lei Helms-Burton de 1996, que penaliza as empresas estrangeiras que investem em propriedades em Cuba que pertenciam a cidadãos norte-americanos na década de 1960. Trata-se de uma aberração jurídica, pois uma lei normalmente não pode ser aplicada a eventos que ocorreram antes de sua aprovação. O objetivo desse texto - que prejudica a soberania de Cuba, assim como a dos países que desejam manter relações normais com Havana - é privar a ilha de investimentos estrangeiros.

A retórica diplomática dos EUA utilizada para justificar sua política hostil em relação a Cuba evoluiu constantemente ao longo do tempo. Em 1960, quando Eisenhower impôs as primeiras medidas coercitivas unilaterais, ele justificou sua decisão fazendo referência à nacionalização de propriedades dos EUA. Em 1962, quando seu sucessor, John F. Kennedy, decretou sanções totais contra a ilha, invocou a aliança com a União Soviética. Nas décadas de 1970 e 1980, Washington argumentou que o apoio de Havana a movimentos revolucionários e de independência em todo o mundo constituía um obstáculo a uma mudança de política. Por fim, desde o colapso da URSS, os Estados Unidos têm utilizado a questão da democracia e dos direitos humanos para prolongar sua guerra econômica.

Embora tenha havido uma trégua durante o segundo mandato de Barack Obama, a chegada de Donald Trump marcou o ressurgimento das sanções contra a ilha. Durante sua presidência, Trump impôs nada menos que 243 novas medidas coercitivas, incluindo 50 em meio à pandemia de Covid-19, resultando em uma média de uma sanção adicional por semana durante quatro anos. Joe Biden, em vez de retornar a uma abordagem mais construtiva, como a adotada no período de 2014-2016, quando era vice-presidente, optou por manter as medidas tomadas por seu antecessor.

Mais de 80% da população cubana nasceu sob as sanções impostas por Washington. Essas sanções custaram à ilha um total de US$ 164 bilhões, uma soma que cobriria a cesta básica de cada família cubana por 100 anos! Sob o governo Biden, as sanções econômicas custaram a Cuba uma média de US$ 15 milhões por dia, ou quase US$ 10 mil por minuto. A cada ano, elas representam uma perda de mais de US$ 5 bilhões para a ilha.

Poucos dias antes do final de seu mandato, Trump colocou Cuba na lista de países que apoiam o terrorismo. Desde então, mais de 1 mil bancos internacionais se recusaram a colaborar com a ilha, que tem uma necessidade crucial de crédito e investimento estrangeiro, por medo de represálias.

De acordo com a ONU, “os direitos humanos fundamentais, incluindo o direito à alimentação, saúde, educação, direitos econômicos e sociais, o direito à vida e o direito ao desenvolvimento, estão sofrendo as consequências” do estado de sítio anacrônico, cruel e ilegal imposto por Washington a 10 milhões de cubanos. O apagão generalizado que atingiu a ilha em outubro de 2024 é uma consequência direta das medidas coercitivas dos EUA, que violam os princípios fundamentais do direito internacional e a Carta das Nações Unidas.

As sanções econômicas ilustram a incapacidade dos Estados Unidos de reconhecer a independência de Cuba e aceitar que a ilha escolheu um sistema político e um modelo socioeconômico diferentes. Só há uma saída para esse conflito assimétrico entre Washington e Havana: um diálogo respeitoso baseado na igualdade soberana, na reciprocidade e na não interferência em assuntos internos.

 

Fonte: Tradução Pedro Silva para Jacobin Brasil/Brasil 247

 

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