Ed Augustin: ‘Cuba resiste em meio a
furacões, sanções e apagões’
Dizer que Cuba teve
uma semana difícil seria um eufemismo. Depois que uma falha na rede no último
dia 18 causou quatro dias de apagões em todo o país e um furacão de categoria
um atingiu a província oriental de Guantánamo na segunda-feira, matando sete, a
energia voltou em grande parte do tempo e as coisas se estabilizaram na ilha.
Nilza Valdés Núñez,
sessenta e um, de Guanabacoa, Havana Oriental, sente um pouco de alívio. Falei
com ela na segunda-feira, um dia depois que sua mãe de oitenta e um anos
cozinhou toda a carne descongelada no freezer que seu irmão que vive na Flórida
havia comprado para eles.
“A falta de
eletricidade, de gás e todos os outros problemas que temos aqui”, disse,
fazendo uma pausa com lágrimas nos olhos, mas fúria na voz, “fazem você se
sentir muito mal”.
Em um momento em que
mais de um milhão de lares cubanos já estão sem água encanada, os cortes de
energia agravaram o problema ao desabilitar bombas hidráulicas. As pessoas
carregavam água para suas casas em baldes, buscando-a em cisternas e poços
próximos.
Antes dos apagões, o
preço de rua de um saco com dez pãezinhos em seu bairro era de cerca de 50
centavos (150 pesos). Depois disso, ele disparou para quase um dólar (280
pesos).
Praticamente vencida
no passado, a fome retornou a Cuba nos últimos anos, com o corte de rações
alimentares garantidas pelo Estado. Com a comida escassa estragada e os preços
subindo na última semana, alguns que dependem de salários ou pensões do Estado e
não têm parentes no exterior para ajudá-los agora estão sentindo o aperto tanto
quanto as pessoas que passaram pelo Período Especial após o colapso da União
Soviética.
Ao mesmo tempo, a
resiliência do país é impressionante. Grandes interrupções como essa
aterrorizariam pessoas em outros países, mas muitos que conheci as encararam
com calma e até com indiferença.
Brincando com seu
telefone na velha Havana, ao lado de um prédio de três andares em ruínas com
uma árvore crescendo em seu telhado, Anyeli Imbert me disse: “Não é assustador
para nós quando as luzes se apagam porque estamos acostumados. Não é grande
coisa.”
A resiliência de
outras pessoas se manifesta no humor. “Essas coisas acontecem”, disse Yosvani
Valdés, no mesmo quarteirão. “As luzes se apagam no Japão quando há tufões. As
luzes se apagaram em Houston algumas semanas atrás quando houve um ciclone lá.
As pessoas exageram nessas coisas, mas nós, cubanos, enfrentamos a adversidade
com risadas, e sempre encontramos uma maneira de superar.”
<><> Uma
crise de legitimidade
OPartido Comunista de
Cuba, no poder, enquanto isso, enfrenta sua maior crise política de todos os
tempos. Quatro tentativas fracassadas de fazer a rede elétrica nacional
funcionar novamente ressaltaram uma crescente sensação de que o governo está
sobrecarregado pela magnitude das múltiplas crises, muitas das quais enraizadas
nas abrangentes sanções dos EUA. Economicamente, está falido. Ideologicamente,
não promulgou totalmente seu próprio programa de reforma, formalmente acordado
no Sexto Congresso do Partido Comunista, em 2011.
Em muitos sentidos, a
economia de mercado expandida está mantendo o show na estrada: mais alimentos
agora são importados mais pelo setor privado do que pelo Estado murcho. Mas a
ampliação da desigualdade que ela trouxe também minou a sensação de que todos
estão enfrentando a crise juntos — uma grande diferença entre o Período
Especial trinta anos atrás e hoje. Pessoas que não tomam café da manhã agora
veem autoridades acima do peso na televisão exortando-as a apertar ainda mais
os cintos. A justiça social foi corroída, e com ela grande parte da
legitimidade do governo.
Falando em Washington
sobre os apagões, a secretária de imprensa da Casa Branca, Karine Jean-Pierre,
disse na segunda-feira (21) que os Estados Unidos estão “preocupados com os
potenciais impactos humanitários sobre o povo cubano”. Rindo como se a alegação
fosse absurda, ela acrescentou: “Só quero deixar claro que os EUA não são os
culpados pelos apagões na ilha”.
Na verdade, as sanções
dos EUA são um grande impulsionador da crise energética da ilha. É preciso uma
audácia impressionante para negar isso.
Washington mira
especificamente em petroleiros que entregam o combustível que a ilha precisa
para manter as luzes acesas. Ao congelar ativos de navios
que entregam petróleo, o Departamento do Tesouro deixa Cuba com menos
fornecedores, aumentando os custos de energia na ilha.
“As sanções dos EUA
são um grande impulsionador da crise energética da ilha. É preciso uma audácia
impressionante para negar isso.”
De forma mais ampla,
na última década, as sanções a Cuba foram aumentadas para níveis sem
precedentes. O governo Joe Biden deixou em vigor as sanções mais potentes
promulgadas por Donald Trump, incluindo o poderoso Título III de Helms-Burton,
que congela o investimento na
ilha, e a falsa acusação de
que Cuba patrocina o terrorismo, o que a exclui de grande parte do sistema
bancário mundial. Economistas calculam que essas novas sanções custam ao Estado
bilhões de dólares por ano — deixando menos dinheiro para importar petróleo,
consertar a infraestrutura obsoleta e importar painéis solares.
“Estamos fazendo tudo
o que podemos para tornar o mais difícil possível para Cuba manter as luzes
acesas”, disse Fulton Armstrong, que anteriormente atuou como o principal
oficial de inteligência dos EUA para a América Latina e agora é membro sênior
do Centro de Estudos Latino-Americanos e Latinos da American University.
Ele acrescentou que
“as pessoas no Departamento de Estado ficaram alarmadas com a eficiência de
suas ameaças” ao setor privado. A meticulosidade da aplicação de sanções
pelo Office of Foreign Assets Control (OFAC) no Departamento
do Tesouro criou uma cultura de “excesso de obediência” no setor privado, ele
disse, onde as empresas evitam negociar com Cuba porque as regulamentações
ambíguas e a severidade das penalidades fazem com que não valha a pena. “Antigamente,
o OFAC tinha vinte ou vinte e cinco pessoas dedicadas a Cuba”, ele disse. “Mas
na era digital, você tem essas grandes burocracias para caçar pessoas que podem
estar violando nosso embargo e para assediar o setor privado nos EUA, Europa e
América Latina.”
Durante o governo
Biden, houve uma estranha desconexão entre a realidade das sanções e a maneira
como elas são faladas. Enquanto o governo Trump se
gabava de como suas sanções de “pressão
máxima” prejudicariam a ilha, o governo Biden manteve o cerne do regime de
sanções em vigor, mas nega categoricamente que tenha algo a ver com as crises
de Cuba.
Medidas de fachada
ajudam nesse esforço. Joy Gordon, especialista em sanções na Loyola University
Chicago, apelidou isso de “teatralidade da preocupação humanitária” em um artigo do ano passado. No que ela descreve
como um comunicado de imprensa “efusivamente autocongratulatório”, o OFAC
anunciou “licenças gerais” para bens humanitários em países sancionados pelos
Estados Unidos. “O fornecimento de apoio humanitário para aliviar o sofrimento
de populações vulneráveis é central para nossos
valores estadunidenses”, disse o OFAC. Mas a
severidade do regime geral de sanções significa que as licenças gerais não permitem realmente que mais bens humanitários entrem.
“Para a maioria dos
dez milhões de habitantes da ilha, o momento é perigoso.”
Após as quedas de
energia e o último furacão, houve uma onda de organização por pessoas nos
Estados Unidos que exigem uma relação diferente com Cuba. Centenas de ativistas
compareceram a uma reunião de
emergência online esta semana organizada pela Massachusetts Peace
Action. Especialistas em Cuba com décadas de experiência assinaram
uma carta aberta ao presidente Biden
pedindo que ele aliviasse as sanções e fornecesse ajuda estadunidense ao povo
cubano durante suas últimas semanas no cargo.
Mas a crise energética
da ilha não vai acabar tão cedo. Muitas das usinas de energia da era soviética
estão se aproximando de meio século de idade. O país mal consegue pagar por
peças de reposição e não consegue importar petróleo suficiente para manter as
luzes acesas. Colocar a rede elétrica em funcionamento novamente e voltar ao
“normal” significa que milhões de pessoas, especialmente aquelas fora de
Havana, suportarão longas quedas de energia todos os dias.
E os eventos da última
semana deram início a um ciclo vicioso que será difícil de romper. Na esteira
dos apagões nacionais, o Canadá, de onde vem mais turistas que visitam Cuba a
cada ano do que qualquer outro lugar, atualizou seu alerta de viagem para a
ilha. A redução da receita do turismo tornaria ainda mais difícil para o
governo sair da crise energética.
Por fim, analistas
dizem que a modernização da rede elétrica de Cuba exigirá assistência externa.
Não há muito o que esperar no horizonte. A pressão dos EUA impede Cuba de
recorrer ao Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional ou Banco
Interamericano de Desenvolvimento para obter apoio. As entregas de petróleo
venezuelano, enviadas a Cuba em troca de médicos, enfermeiros e professores
trabalhando na Venezuela desde 2000, caíram acentuadamente nos últimos anos. O
México ofereceu assistência técnica para manter a rede funcionando. Mas a
Rússia e a China, grandes players que certamente foram consultados esta semana,
não mostraram sinais de intervir decisivamente.
Para a maioria dos dez
milhões de habitantes da ilha, o momento é perigoso.
¨ Rejeição unânime das sanções econômicas dos EUA contra Cuba. Por
Salim Lamrani
Em 30 de outubro de
2024, na reunião anual da Assembleia Geral das Nações Unidas, e pelo 32° ano consecutivo,
187 países exigiram o levantamento das sanções econômicas unilaterais impostas
pelos Estados Unidos, que vêm sufocando o povo cubano desde 1960. Como de
costume, apenas Israel se alinhou com Washington, opondo-se à resolução
apresentada por Havana, enquanto a Moldávia se absteve.
Impostas pelo
presidente Eisenhower com o objetivo de derrubar o governo revolucionário de
Fidel Castro, as sanções foram mantidas e reforçadas por vários governos dos
EUA. Elas possuem características extraterritoriais - a Lei Torricelli de 1992,
por exemplo -, significa que se aplicam além das fronteiras nacionais, afetando
todos os países do mundo. Por exemplo, qualquer navio estrangeiro que atracar
em um porto cubano é proibido de entrar nos Estados Unidos por seis meses. O
objetivo dessa legislação é impedir o desenvolvimento do comércio internacional
de Cuba com o resto do mundo.
As sanções também são
retroativas de acordo com a Lei Helms-Burton de 1996, que penaliza as empresas
estrangeiras que investem em propriedades em Cuba que pertenciam a cidadãos
norte-americanos na década de 1960. Trata-se de uma aberração jurídica, pois uma
lei normalmente não pode ser aplicada a eventos que ocorreram antes de sua
aprovação. O objetivo desse texto - que prejudica a soberania de Cuba, assim
como a dos países que desejam manter relações normais com Havana - é privar a
ilha de investimentos estrangeiros.
A retórica diplomática
dos EUA utilizada para justificar sua política hostil em relação a Cuba evoluiu
constantemente ao longo do tempo. Em 1960, quando Eisenhower impôs as primeiras
medidas coercitivas unilaterais, ele justificou sua decisão fazendo referência
à nacionalização de propriedades dos EUA. Em 1962, quando seu sucessor, John F.
Kennedy, decretou sanções totais contra a ilha, invocou a aliança com a União
Soviética. Nas décadas de 1970 e 1980, Washington argumentou que o apoio de
Havana a movimentos revolucionários e de independência em todo o mundo
constituía um obstáculo a uma mudança de política. Por fim, desde o colapso da
URSS, os Estados Unidos têm utilizado a questão da democracia e dos direitos
humanos para prolongar sua guerra econômica.
Embora tenha havido
uma trégua durante o segundo mandato de Barack Obama, a chegada de Donald Trump
marcou o ressurgimento das sanções contra a ilha. Durante sua presidência,
Trump impôs nada menos que 243 novas medidas coercitivas, incluindo 50 em meio à
pandemia de Covid-19, resultando em uma média de uma sanção adicional por
semana durante quatro anos. Joe Biden, em vez de retornar a uma abordagem mais
construtiva, como a adotada no período de 2014-2016, quando era
vice-presidente, optou por manter as medidas tomadas por seu antecessor.
Mais de 80% da
população cubana nasceu sob as sanções impostas por Washington. Essas sanções
custaram à ilha um total de US$ 164 bilhões, uma soma que cobriria a cesta
básica de cada família cubana por 100 anos! Sob o governo Biden, as sanções
econômicas custaram a Cuba uma média de US$ 15 milhões por dia, ou quase US$ 10
mil por minuto. A cada ano, elas representam uma perda de mais de US$ 5 bilhões
para a ilha.
Poucos dias antes do
final de seu mandato, Trump colocou Cuba na lista de países que apoiam o
terrorismo. Desde então, mais de 1 mil bancos internacionais se recusaram a
colaborar com a ilha, que tem uma necessidade crucial de crédito e investimento
estrangeiro, por medo de represálias.
De acordo com a ONU,
“os direitos humanos fundamentais, incluindo o direito à alimentação, saúde,
educação, direitos econômicos e sociais, o direito à vida e o direito ao
desenvolvimento, estão sofrendo as consequências” do estado de sítio
anacrônico, cruel e ilegal imposto por Washington a 10 milhões de cubanos. O
apagão generalizado que atingiu a ilha em outubro de 2024 é uma consequência
direta das medidas coercitivas dos EUA, que violam os princípios fundamentais
do direito internacional e a Carta das Nações Unidas.
As sanções econômicas
ilustram a incapacidade dos Estados Unidos de reconhecer a independência de
Cuba e aceitar que a ilha escolheu um sistema político e um modelo
socioeconômico diferentes. Só há uma saída para esse conflito assimétrico entre
Washington e Havana: um diálogo respeitoso baseado na igualdade soberana, na
reciprocidade e na não interferência em assuntos internos.
Fonte: Tradução Pedro
Silva para Jacobin Brasil/Brasil 247
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