segunda-feira, 4 de novembro de 2024

Cali: biodiversidade reduzida a mercadoria

Outro sinal de fracasso da ordem mundial: submissa ao mercado, COP-16 é incapaz de adotar medidas eficazes para proteger biomas ameaçados. Falta financiamento, projetos aprovados são pífios e, pior: nova tentativa de mercantilizar a vida natural

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Cerca de 31 anos após a Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) entrar em vigor, a mais recente Conferência das Partes – como são conhecidos os encontros regulares de governos, ONGs e outros envolvidos nessas convenções – realizou-se esta semana na movimentada cidade colombiana de Cali.

Esta, a COP16, era particularmente importante, pois deveria resolver alguns temas vitais, mas inacabados, sobre o novo “plano de ação” global para a biodiversidade, conhecido como o Quadro Global de Biodiversidade Kunming-Montreal.

Não se deixe enganar pelo título aparentemente simples: o que está em jogo aqui pode afetar dramaticamente milhões de pessoas ao redor do mundo, especialmente comunidades indígenas e locais, porque o Quadro apresenta uma série de falhas fatais.

Em conjunto, essas falhas apontam: o que poderia, e deveria, ter sido uma iniciativa transformadora está, ao invés disso, repetindo a mesma abordagem antiga de “proteção da biodiversidade” – promovendo um modelo colonial de cima para baixo, dirigido por governos e agências internacionais, que enraíza-se no racismo e foi completamente desacreditado, mas persiste.

Um sintoma de como o novo plano de ação foi cooptado desde o início foi a decisão de financiar sua implementação não através de um fundo global inovador, como queriam muitas nações do Sul Global, mas sob os auspícios do Fundo para o Meio Ambiente Mundial (GEF), uma colaboração de longa data entre o Banco Mundial, várias agências da ONU e governos.

A escolha do Fundo para o Meio Ambiente Mundial (GEF) foi altamente problemática, pois a organização não exige que os povos indígenas tenham o direito de Consentimento Livre, Prévio e Informado sobre quaisquer projetos que financia e que possam afetar suas vidas, terras e direitos.

E como o novo fundo, conhecido como Fundo para o Quadro Global de Biodiversidade (GBFF), é, em certo sentido, subsidiário do GEF, ele adotou suas regras. O resultado é que só aceitará propostas para financiar novos projetos de biodiversidade de uma das “Agências do GEF” designadas.

Trata-se de um grupo de 18 instituições, todas elas bancos de desenvolvimento multinacionais ou grandes corporações de conservação, como o WWF ou a Conservation International, que têm longas histórias de cumplicidade em violações de direitos humanos.

Seguindo o dinheiro

A Survival analisou a documentação de todos os 22 projetos que foram aprovados até agora. O que encontramos sugere que os piores temores dos críticos do GBFF estavam amplamente justificados:

Apenas um dos 22 projetos aprovados até agora provavelmente beneficiará os povos indígenas e é claramente direcionado a eles.

As remunerações totais a serem pagas às agências proponentes – ou seja, além dos custos reais das atividades dos projetos – somam 24% dos fundos totais disponíveis. A proporção dos fundos dos projetos que permanecerá dentro dessas agências provavelmente será ainda maior.

Das agências proponentes (e executoras), o capítulo dos EUA do WWF foi o mais bem-sucedido em captar fundos. Seus cinco projetos ou conceitos aprovados (incluindo subsídios para preparação) somam US$ 36 milhões, quase um terço do financiamento total.

Os próximos mais bem-sucedidos da lista – o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e a Conservation International (CI), que têm nove e dois projetos respectivamente – representam cerca de um quarto do total dos fundos cada. Juntamente com a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), essas agências receberão 85% dos primeiros US$ 110 milhões em financiamento.

Um dos projetos financiará (por meio do WWF) Áreas Protegidas na África que possuem longas histórias de expropriação dos povos indígenas de suas terras e de brutalidade contra eles por parte de eco-guardas.

Uma grande parte do financiamento está sendo direcionada para a meta “30×30” de aumentar a extensão das Áreas Protegidas para 30% das terras e mares do planeta até 2030. Isso é particularmente preocupante, pois os Parques Nacionais, reservas de vida selvagem e outras áreas de conservação já representam uma das maiores ameaças aos povos indígenas.

Esses parques quase sempre envolveram despejos e exclusões brutais, violência e destruição dos meios de subsistência dos povos indígenas. Esses problemas continuam hoje, como na aterrorizante expulsão de milhares de pessoas Maasai da Área de Conservação de Ngorongoro, na Tanzânia.

A Survival International acredita que a estrutura e a operação de todo esse modelo de financiamento são fundamentalmente falhas. Ele é fortemente inclinado em favor de projetos de conservação “business as usual” (negócios como de costume), de cima para baixo, em vez de promover uma nova e necessária abordagem de proteção da biodiversidade baseada em direitos. E ele é quase totalmente inacessível aos próprios povos indígenas.

Acreditamos que todo o mecanismo de financiamento deve ser reconsiderado. O GBFF precisa receber uma direção completamente nova, em que o financiamento seja direcionado principalmente aos povos indígenas e às comunidades locais. O financiamento de novos projetos de “conservação de fortalezas” ou sua expansão deve ser proibido.

Mais amplamente, as somas extraordinariamente grandes (como US$ 700 bilhões anuais) supostamente necessárias para a proteção da biodiversidade estão sendo propostas por corporações de conservação com um interesse específico em criar essas metas. Muito menos financiamento seria realmente necessário para a proteção da biodiversidade se a ênfase fosse dada ao reconhecimento mais amplo das terras e direitos dos povos indígenas, em vez da abordagem cara, colonial, de cima para baixo e militarizada, que continua sendo o alicerce econômico da indústria de conservação.

Créditos de biodiversidade: uma nova ameaça

Como se tudo isso já não fosse preocupante o suficiente, a reunião da COP16 verá o lançamento de uma série de iniciativas para criar créditos de biodiversidade.

O conceito de créditos de biodiversidade é semelhante ao dos mercados de carbono, onde empresas ou organizações podem supostamente “compensar” sua poluição causadora de mudanças climáticas comprando créditos de carbono de projetos em outros lugares – o que supostamente preveniria emissões de carbono ou removeria ativamente carbono da atmosfera.

Na realidade, tanto a ideia quanto a prática são profundamente falhas: tais projetos colocam um preço na natureza, tratando as terras das comunidades indígenas e locais como um estoque de carbono a ser trocado no mercado para que os poluidores continuem poluindo, enquanto a indústria de conservação se beneficia em bilhões de dólares. Os povos indígenas e as comunidades locais, por outro lado, acabam desapropriados e despojados de seus meios de subsistência.

Os créditos de biodiversidade, assim como os créditos de carbono, são parte de um novo impulso pela mercantilização da natureza. Uma declaração recente de mais de 250 organizações ambientais, de direitos humanos, de desenvolvimento e comunitárias em todo o mundo exige a suspensão imediata do desenvolvimento de esquemas de biocreditação.

Além dos problemas técnicos, morais, filosóficos e práticos de colocar um preço na conservação de espécies ou ecossistemas inteiros e trocá-los por destruição em outros lugares, a ideia representa uma ameaça séria aos povos indígenas.

Eles enfrentariam uma pressão crescente de apropriações de terras, à medida que projetos de compensação biológica buscam lucrar com a biodiversidade frequentemente rica dos locais onde os povos indígenas vivem e que gerenciam há gerações.

Problemas semelhantes já ocorreram muitas vezes com esquemas de compensação de carbono. Muitos líderes indígenas sustentam que a mercantilização da natureza implícita na biocreditação e comercialização vai contra suas cosmovisões e valores.

Então, quanta esperança há para esta COP? A resposta honesta é: não muita. Todo o processo de proteção da biodiversidade foi capturado quase imediatamente por aquelas mesmas instituições que se enriqueceram às custas dos povos indígenas – os guardiões de grande parte da biodiversidade mundial – há décadas.

No mínimo, o direito dos povos indígenas de dar – ou recusar – seu Consentimento Livre, Prévio e Informado a qualquer projeto que os afete deve ser respeitado. Organizações indígenas, juntamente com seus aliados, farão tudo o que estiver ao seu alcance para garantir isso.

A resposta sobre como proteger a biodiversidade mundial é bastante direta: respeite os direitos territoriais dos povos indígenas e enfrente as causas subjacentes da destruição da biodiversidade – a saber, a exploração dos recursos mundiais em prol do lucro. Seria muito alentador se isso estivesse no topo da agenda da COP.


G20: GT de redução do risco de desastres emite declaração com foco na redução de desastres naturais

Desde o início da semana, o Grupo de Trabalho de Redução do Risco de Desastres do G20 Brasil está reunido em Belém e, nesta sexta-feira (1º), aprovou uma declaração ministerial focada na prevenção e redução de desastres ambientais.

O documento será encaminhado para os líderes que participarão da Cúpula do G20 Brasil, agendada para os dias 18 e 19 de novembro no Rio de Janeiro.

A declaração enfatiza a importância de priorizar a redução do risco de desastres ambientais e propõe várias iniciativas, incluindo mecanismos de financiamento, ações antecipatórias e políticas que fornecem informações sobre riscos para enfrentar catástrofes como as enchentes no Rio Grande do Sul, a seca na Amazônia e os incêndios no Pantanal.

Em coletiva de imprensa, o ministro da Integração e do Desenvolvimento Regional, Waldez Góes, celebrou a assinatura da declaração. Ele comentou que "ela vai ao encontro daquilo que o presidente Lula, enquanto presidente pro tempore do G20, tem discutido: a diminuição das desigualdades e das vulnerabilidades, que têm relação direta com a questão da redução dos riscos de desastres".

Góes também afirmou que todos estão comprometidos em levar à África do Sul os avanços resultantes da declaração aprovada no Brasil, destacando que isso é essencial para cumprir a missão de reduzir riscos de desastres em nível local, nacional e mundial, especialmente diante das mudanças climáticas.

O ministro das Cidades, Jader Filho, garantiu que o governo brasileiro fará "de tudo" para que a declaração se torne realidade. Ele ressaltou que o consenso alcançado representa um avanço significativo entre as nações do G20, considerando a diversidade de opiniões.

"Com tantas visões diversas, com tantas opiniões contraditórias, mas conseguimos [aprovar a declaração] hoje com altivez, pensando no futuro das próximas gerações", enfatizou.

Ele também apontou que os mais vulneráveis, geralmente os mais pobres, são os primeiros a sofrer os impactos das crises. "Foi isto que fizemos aqui: dar um passo adiante para proteger as nossas periferias, para proteger as nossas favelas, combatendo as desigualdades, para que a gente possa reduzir, de fato, as vulnerabilidades. E o governo brasileiro tem sinalizado nesse sentido, ao destinar US$ 3 bilhões [R$ 17,6 bilhões] para a prevenção de desastres", completou.


Fonte: Por Fiore Longo, da Survival International | Tradução: Antonio Martins, em Outras Palavras/Sputnik Brasil


 

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