Política do Brasil de subsidiar óleo e gás
pode elevar emissões em 20% até 2050
Se o patamar atual de incentivos
do governo federal aos combustíveis fósseis continuar, o Brasil caminha para
aumentar suas emissões de carbono pelo setor da energia em mais de 20% até
2050, em comparação com o ano de 2022. O valor repassado em subsídios à
produção de petróleo e gás natural, que agravam as mudanças climáticas, cresceu
15% entre 2022 e 2023. Na prática, isso representa uma ameaça à transição
energética do país e ao cumprimento das metas nacionais definidas no Acordo de
Paris, assinado há quase uma década.
Esse cenário futuro
foi previsto por dois estudos divulgados na última semana. Em um deles, o
Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) calculou que os subsídios do
governo à produção de combustíveis fósseis saltaram de R$ 36,3 bilhões em 2022
para R$ 41,9 bilhões em 2023. Em outro, o Observatório do Clima estimou o
impacto que a continuidade desses subsídios pode ter nas emissões de gases de
efeito estufa.
Uma terceira análise,
da organização Oil Change International, aponta ainda que o Brasil planeja
expandir a produção de petróleo e gás em 36% até 2035.
De acordo com o Inesc,
nem mesmo a redução de subsídios para o consumo de fósseis, que tiveram uma
queda de 12% entre 2022 e 2023, passando de R$ 45,7 bilhões para R$ 39,8
bilhões, pode ser lida como uma postura avessa aos combustíveis fósseis pela
gestão de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A explicação para essa redução é a
retomada da cobrança de impostos como Cide e PIS/Cofins sobre a gasolina, que
havia sido suspensa pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) até 31 de dezembro
de 2022.
“Se a diminuição de
subsídios ao consumo de combustíveis fósseis fosse uma preocupação com as
mudanças climáticas e uma vontade política do governo Lula, isso também teria
sido visto na produção, e não foi o que aconteceu. O aumento dos subsídios à
produção nacional de petróleo e gás natural compromete as metas das quais o
Brasil é signatário nos espaços internacionais e o avanço da transição
energética, que é freada pelo aumento da oferta das fontes fósseis”, afirma
Cássio Cardoso, um dos autores do estudo e mestre em energia pela Universidade
Federal do ABC (UFABC).
Um dos principais
incentivos à produção de combustíveis fósseis no Brasil é o Repetro, regime
especial que isenta o imposto de importação de equipamentos para pesquisa e
lavra de petróleo e gás natural. Segundo dados da Receita Federal compilados
pelo Inesc, as renúncias fiscais associadas ao Repetro cresceram 52,45% entre
2022 e 2023: passaram de R$ 12 bilhões para R$ 18,5 bilhões. Na prática, o
Estado brasileiro abdicou da arrecadação desse montante para estimular a
atividade de petroleiras no país.
Os subsídios à
produção de energias renováveis, como solar e eólica, também cresceram entre
2022 e 2023, de R$ 12 bilhões para R$ 15,9 bilhões. Mas o valor repassado às
fontes poluidoras é superior: para cada real investido na produção de energia
limpa, outros R$ 2,63 são direcionados para fósseis. E, quando se considera a
soma dos incentivos à produção e ao consumo, a discrepância é ainda maior: os
subsídios aos combustíveis fósseis são 4,5 vezes maiores do que os direcionados
às energias renováveis.
Os números apontam
para um futuro em que o Brasil aumenta suas emissões por energia, em vez de
reduzi-las. De acordo com a análise do Observatório do Clima (OC), se o patamar
atual de incentivos à produção de combustíveis fósseis se mantiver, as emissões
brasileiras do setor energético podem alcançar 558,2 milhões de toneladas de
CO2 equivalente em 2050. Isso corresponderia a um aumento de 20% em relação a
2022, quando as emissões por energia somaram 461,8 milhões de toneladas.
“No lugar de
descarbonizar, nós vamos carbonizar nossa matriz energética. Isso é assumido
pelo governo, quando pretende expandir a produção de petróleo e gás natural e
são mantidos os subsídios para fósseis. O cenário é bastante negativo sob o
ponto de vista de ambição climática”, afirma Suely Araújo, coordenadora de
políticas públicas do OC.
Araújo avalia que o
governo federal deveria estudar um plano para reduzir gradualmente os subsídios
aos combustíveis fósseis, que considerasse quais incentivos podem ser cortados
de imediato e quais devem seguir um cronograma de eliminação no prazo mais curto
possível. Segundo o estudo do OC, se medidas nessa direção fossem tomadas, as
emissões brasileiras por energia poderiam cair 80% até 2050, quando somariam
267,4 milhões de toneladas de carbono.
Em vez disso, a
Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustíveis (ANP) anunciou que
realizará, no ano que vem, um leilão de mais de 400 blocos para novas áreas de
exploração de petróleo. “Só a previsão do leilão já mostra que a decisão é a
expansão [da produção], e ninguém está negando isso. O setor de energia é a
grande contradição do governo Lula na questão ambiental. Não dá para querer ser
o quarto maior produtor de petróleo do mundo [como planeja o Ministério de
Minas e Energia] e querer ser uma potência ambiental, isso não combina. O
Brasil está apostando no petróleo e no gás natural na época errada”,
complementa Araújo.
A eliminação gradual
dos combustíveis fósseis, cuja queima é a principal responsável pelo
aquecimento do planeta, foi a principal definição da 28ª Conferência do Clima
da ONU (COP28), realizada em Dubai, em 2023.
“Todos os
contribuintes brasileiros estão renunciando à arrecadação de impostos para
subsidiar a produção de combustíveis fósseis e alimentar o mercado global do
petróleo e do gás natural. Esse petróleo está sendo queimado lá fora, não só
aqui dentro. São emissões com carimbo brasileiro e subsidiadas por toda a
população”, afirma Cássio Cardoso.
Na última
segunda-feira, 28, a Organização Meteorológica Mundial (OMM) publicou um estudo
que mostrou que a concentração de CO2 na atmosfera atingiu o recorde de 420
partes por milhão (ppm) em 2023. A última vez que a Terra teve uma concentração
do gás tão elevada foi de 3 a 5 milhões de anos atrás, quando a temperatura
global era de 2 ºC a 3 ºC mais quente, afirmou a OMM.
• Subsídios aos fósseis pesam no bolso da
população brasileira e tiram dinheiro que poderia financiar adaptação
Para Cardoso, a
insistência do governo federal em pautar a exploração de petróleo na Margem
Equatorial, que poderia anular os ganhos de redução de emissões obtidos com o
desmatamento zero da Amazônia, reforça o dano aos contribuintes brasileiros, já
que o dinheiro destinado para a pesquisa de novas reservas de petróleo poderia
ser revertido para políticas públicas mais urgentes à população.
“Enquanto ainda houver
subsídios, esses incentivos continuarão se revertendo em aumento na produção de
petróleo. E, quando a renda da venda do petróleo vem para o Estado brasileiro,
ela é usada para pagar a dívida pública. O dinheiro do petróleo não vai para a
saúde, nem para a educação ou para a adaptação aos eventos climáticos
extremos”, afirma Cardoso.
Suely Araújo defende
que é necessário questionar a narrativa propagada pelo governo de que a
exploração de petróleo precisaria continuar para financiar a transição
energética. “O petróleo deve financiar a transição, sim, mas considerando
somente o que está sendo explorado hoje. Se os combustíveis fósseis são o
principal vilão [para o aquecimento global], não faz sentido intensificar a
produção para custear a transição energética, sendo que você vai piorar o
problema. Fere a regra da lógica”, diz.
Por outro lado, os
subsídios às fontes renováveis também exigem uma reformulação. A maior parte
dos R$ 15 bilhões repassados em 2023 foi paga pela própria população, já que um
encargo tributário para incentivar a geração distribuída de energia limpa está
embutido no valor da conta de luz.
“Não é justo que as
classes mais ricas, que conseguem instalar painéis solares em cima das suas
casas, sejam beneficiadas com subsídios pagos por toda a população, inclusive
por quem não tem condições de ter painéis solares. Por que o subsídio para os
fósseis sai do orçamento público e para as renováveis sai do bolso dos
contribuintes?”, questiona Cardoso.
• O que diz o governo
Em nota enviada à
reportagem, o Ministério de Minas e Energia afirmou que o Repetro “é essencial
para aumentar a competitividade do Brasil no cenário internacional, atraindo
investimentos que, sem esse regime, poderiam ser direcionados a outros países”.
Disse também que esse regime especial “não gera perda de receita, mas funciona
como um mecanismo de estímulo que fortalece a economia nacional, viabilizando
projetos de grande escala e garantindo sustentabilidade ao setor”.
O ministério afirmou,
ainda, que “defende a transição energética justa, segura e equilibrada”,
conduzida à luz do que chama de “trilema energético”, “equilibrando os
objetivos interligados de promoção da segurança energética, da sustentabilidade
ambiental e da equidade energética”.
E disse que “a
segurança energética consiste em assegurar o fornecimento constante e confiável
de energia, mitigando a dependência de fontes instáveis ou de países
estrangeiros para atender às necessidades energéticas do país. A equidade
energética, por sua vez, visa a garantir que todas as pessoas tenham acesso a
fontes de energia confiáveis, acessíveis e limpas”. O ministério foi
questionado sobre o aumento estimado de emissões, mas não forneceu nenhuma
resposta.
• Explorar a Margem Equatorial: sinuca de
bico!. Por Luiz Fernando Padulla
Tomou conta do
jornalismo a notícia de que o IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e
Recursos Naturais Renováveis), seguindo suas avaliações técnicas, manteve o
veto à exploração e prospecção de petróleo e gás na Margem Equatorial
brasileira – abrangendo quatro estados do Nordeste (Piauí, Rio Grande do Norte,
Maranhão e Ceará, e dois do Norte (Pará e Amapá).
De acordo com o órgão
(e é bom que se diga que no atual governo, retomou sua autonomia), ainda faltam
informações que garantiriam a segurança e viabilidade para a exploração.
O questionamento das
lideranças políticas é pensado nas cifras: a região tem o potencial de criar
mais de 326 mil novos empregos formais, adicionar R$ 65 bilhões ao Produto
Interno Bruto (PIB) nacional e acrescentar R$ 3,87 bilhões à arrecadação
indireta no Brasil. Além disso, especula-se que o Brasil poderia voltar a ter
que importar petróleo já em 2034, quando estima-se esgotar as reservas atuais
do Pré-Sal.
Pois bem. A pergunta
é: explorar ou não?
Enquanto biólogo e
ambientalista, posiciono-me contrário à tal exploração, não apenas pelos riscos
(que apesar de todas as precauções e cuidados, são reais), mas principalmente
porque estamos lutando pelo fim do uso dos combustíveis fósseis, sendo urgente
a transição para outras formas menos impactantes para o ambiente.
No entanto, entendo
também a necessidade, inclusive da perda de nossa soberania e o risco que essa
região sofre de ser explorada por capitais estrangeiros, como já ocorre na
Guina com a presença predatória empresa estadunidense ExxonMobil (atuante sob
as marcas Exxon, Mobil e Esso) que, desde 2015, se estabeleceu como líder na
exploração de petróleo na região.
Sabemos que o “outro
negro” e o gás natural ainda são as bases de grande parte da energia elétrica
mundial (26%), sendo que este setor ocupa o 2º lugar em missões de gases
estufa. E de acordo com a Agência Internacional de Energia, é previsto o
aumento de 30% no consumo de energia elétrica até 2040, sendo os combustíveis
fósseis (petróleo, gás natural e carvão mineral) responsáveis por mais de 50%
de sua geração.
A utilização do
petróleo e gás natural nos transportes – 4º maior emissor dos gases causadores
das mudanças climáticas – ainda é uma realidade. No Brasil, o uso deles como
matriz energética segue elevada, com previsão de serem responsáveis por mais de
44% até 2026.
Trago esses breves
números para que sejamos racionais e tentemos chegar a uma decisão técnica e
coerente. Afinal, o que desejamos?
A soberania
energética, sem a qual a economia de forma em geral não se sustenta, é
fundamental. No entanto, não podemos ser demagogos e apenas teóricos,
principalmente quando defendemos em reuniões com lideranças mundiais a urgência
de um mundo mais sustentável.
O uso do petróleo e
seus derivados, talvez seja uma das maiores contradições do mundo atual. Uma
sinuca de bico: explorar e garantir saúde financeira e econômica, mesmo que
isso gere ainda mais gases de efeito estufa, colocando em risco não apenas os
locais com possíveis acidentes, mas a própria sobrevivência do planeta pela
eternizada dependência desses combustíveis? Ou encabeçar de fato a luta pela
transição energética, a qual o Brasil tem um potencial enorme para ser
vanguarda?
Alternativas como o
investimento em políticas públicas verdadeiramente sustentáveis, não apenas com
a substituição do petróleo e gás natural (sem falar no carvão mineral), mas
também investindo em transporte público de qualidade, seriam importantes passos.
(Em tempo: engana-se
que a venda e consumo de carros elétricos resolve o problema, afinal, além de
toda exploração dos minerais em países ricos desses recursos naturais, mas
empobrecidos e escravizados pelo capital, precisamos analisar a fonte da
energia que recarrega essas baterias – ou seja, perde-se a ideia de “energia
sustentável” quando usa-se combustível fóssil para recarregá-las).
É preciso promover a
conscientização das pessoas, colocando todas as possibilidades e opções na
mesa. O chamamento para o debate é fundamental. Isso promoveria não apenas a
maior clareza das informações, mas fortaleceria a verdadeira democracia
participativa – enfraquecendo a democracia burguesa. Seria a oportunidade
também de confrontar o próprio agronegócio latifundiário que está entranhado no
próprio governo (e pouco se fala que ele, além de não produzir alimento, poluir
e intoxicar o ambiente e debilitar a saúde do país, é responsável direto por
70% das emissões dos gases causadores do efeito estufa, causadores de mudanças
climáticas que incluem a falta de chuvas também nos reservatórios das
hidrelétricas que, sem água, obrigam o acionamento das termoelétricas que
queimam gás natural para geração de energia – poluindo ainda mais o ambiente, e
encarecendo nossa conta de luz!)
Nessa discussão,
entendo que tentar desmoralizar o IBAMA e seu corpo técnico e responsável,
jogando a opinião pública contra o órgão (que ainda se recupera dos ataques e
aparelhamento que o ex-presidente promoveu), não é a maneira mais correta de se
conduzir a luta. Estaríamos sendo incoerentes e nos nivelando à postura abjeta
que tanto condenamos durante o (des)governo passado.
Enfim, o debate está
aberto. E espero que seja realmente feito sem qualquer decisão unidirecional,
sem critério e com paixões partidárias deixadas de lado. Afinal, nessa sinuca
de bico, o buraco é mais embaixo!
Fonte: Por Gabriel
Gama, da Agência Pública/Brasil 247
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