País que tornou vapes sensação agora quer
bani-los
No Reino Unido,
cigarros eletrônicos eram estimulados como medida de redução de danos ao vício
em tabagismo. Agora, uma nova lei vai banir os vapes descartáveis a partir de
junho de 2025. Entenda o que mudou.
Em abril de 2023, o
Reino Unido anunciou que iria distribuir cigarros eletrônicos para a população
para diminuir as taxas de tabagismo. A
estratégia, inédita no mundo e conhecida como Swap to Stop, era dar kits para
incentivar os fumantes a trocar os cigarros por vapes.
A medida se baseou num
relatório do ano anterior que colocava essa substituição como uma alternativa
para o país alcançar uma meta estabelecida em 2019 de tornar a Inglaterra livre
de fumo até 2030.
Além disso, posicionou
o Reino Unido como o primeiro local do mundo a adotar o vape como medida de
redução de danos, na contramão do que vem sendo feito em outros países e do que
estabelece a Organização Mundial da Saúde (OMS).
Segundo a OMS, os
cigarros eletrônicos não ajudam uma pessoa a deixar de fumar. Até o fim do ano
passado, 34 países proibiam a venda deles, enquanto 88 não haviam estabelecido
idade mínima para comprá-los. No Brasil, por exemplo, a Anvisa veda a comercialização,
importação e propaganda de todos os tipos de dispositivos eletrônicos para
fumar, ainda que o uso não seja ilegal.
Um ano e meio depois
do anúncio, entretanto, o Reino Unido decidiu voltar atrás. Uma nova legislação
irá proibir a venda de vapes de uso único, do tipo descartável, a partir de 1º
de junho de 2025. As empresas terão até essa data para vender o estoque restante.
O país também adotará um novo imposto sobre vapes de 2,20 libras por 10 ml do
líquido que é utilizado no equipamento a partir de outubro de 2026.
• Por que o Reino Unido apoiava o uso do
vape
O Reino Unido divulgou
a estratégia Swap to Stop depois que um relatório publicado em agosto de 2022
prenunciou que a Inglaterra precisava reduzir em 40% o número de fumantes. Na
época, a prevalência do tabagismo no país havia caído de 19,8% em 2011 para
13,9% em 2019.
Havia também um
descontentamento com as medidas do governo e 46% da população achava
insuficientes as medidas para combater o tabagismo, segundo o relatório. O
documento recomendava ao governo "abraçar a promoção do vaping" como
uma das quatro medidas-chave para mudar essa realidade.
Além do relatório, o
sistema de saúde pública do país, o NHS, chegou a lançar campanhas e publicar
documentos incentivando os adultos a fazerem a substituição do cigarro pelos
vapes.
A London Tobacco
Alliance, uma entidade que têm apoio da prefeitura de Londres e de diretores de
saúde pública de distritos da cidade, chegou a anunciar programas de apoio a
equipes médicas, para que elas atuassem incentivando os pacientes a usar vapes,
descritos como "como fonte de nicotina limpa e uma ferramenta eficaz para
parar de fumar".
Agora, o governo do
Partido Trabalhista, que assumiu o poder em julho, faz questão de dizer que
essas são medidas anunciadas durante o governo de Rishi Sunak,
primeiro-ministro anterior e representante do Partido Conservador.
• Por que o discurso mudou
Duas preocupações
lideram as motivações do Reino Unido para adotar agora estratégias contra os
vapes: o descarte irregular das embalagens e o crescente uso dos dispositivos
eletrônicos entre crianças, adolescentes e jovens adultos que nunca haviam
fumado cigarro.
Um estudo publicado na
revista científica Lancet, feito pela University College London, mostrou que o
uso de vapes entre fumantes era considerado estável até 2021 na Inglaterra, mas
aumentou nos últimos anos, impulsionado pelo uso entre jovens.
Numa consulta pública
divulgada em outubro, o governo também sinalizou que "há uma preocupação
constante com os danos desconhecidos a longo prazo" dos vapes. De acordo
com a OMS, ainda que não se saibam os efeitos futuros do uso do vape, já se comprovou
que eles liberam substâncias cancerígenas, aumentando o risco de transtornos
cardíacos e pulmonares. As substâncias contidas nos vapes, diz a OMS, podem
afetar o desenvolvimento do cérebro e causar transtornos de aprendizagem nos
jovens.
O passo atrás nas
políticas de incentivo ao uso do vape, segundo o ministro da Saúde Pública e
Prevenção do Reino Unido, Andrew Gwynne, tem como um dos objetivos evitar o
crescimento do tabagismo justamente na população jovem. "Sabemos que os
descartáveis são o produto escolhido pela maioria das crianças que usam vape
hoje em dia", diz, em comunicado publicado no fim de outubro pelo governo.
O plano para proibir
os vapes descartáveis foi apresentado em janeiro deste ano, pelo governo
anterior, dos conservadores. Sob o atual governo trabalhista, o
primeiro-ministro, Keir Starmer, anunciou que o Reino Unido também realizará a
"maior intervenção de saúde pública numa geração" com a criação de
uma nova lei sobre o tabagismo. O vício em nicotina é a principal causa de
doenças e mortes evitáveis no Reino Unido.
• A pauta ambiental como razão
Não é apenas a questão
de saúde que influencia a mudança de posicionamento do Reino Unido com relação
aos cigarros eletrônicos. Por trás da virada no discurso, pesa também uma
preocupação com o meio ambiente e o impacto que o descarte do material causa. "É
por isso que estamos proibindo os vapes de uso único, para acabar com a cultura
do descartável no país", afirmou a ministra da Economia Circular, Mary
Creagh, em comunicado do governo.
De acordo com a
Material Focus, uma ONG que trabalha com reciclagem, 7,7 milhões de cigarros
eletrônicos são vendidos por semana no Reino Unido e cinco milhões deles foram
descartados nas ruas ou nas lixeiras em 2023. A quantidade é quatro vezes maior
do que o registrado em 2022 e equivale a um descarte a cada oito segundos. Em
2022, foram 40 toneladas de lítio de vapes descartados, o suficiente para
abastecer 5 mil veículos elétricos.
Os dispositivos são
considerados lixos eletrônicos e preocupam porque contêm produtos químicos
dentro deles, além das baterias de lítio, que podem causar incêndios se
descartadas em lixo comum ou reciclável. A Material Focus estima que até 80% do
material usado para fazer os vapes pode ser reciclável, entre eles alumínio,
aço e cobre.
O governo do Reino
Unido espera também reduzir a presença de plástico, chumbo e mercúrio no meio
ambiente, reduzindo as chances de contaminação dos animais e cursos d'água.
• Vapes são facilmente encontrados
A compra de cigarros e
outros produtos derivados de tabaco é proibida para menores de 18 anos no Reino
Unido. Contudo, não é difícil encontrar adolescentes e jovens adultos usando
cigarros e, principalmente, vapes pelas ruas movimentadas de Londres.
Na capital do Reino
Unido, os dispositivos estão nas mãos de muitos adolescentes e jovens adultos,
bem como dividem as prateleiras com bebidas alcoólicas nos supermercados e com
miniaturas do Big Ben nas lojas de souvenir das áreas turísticas.
O governo estima que 1
milhão de pessoas na Inglaterra usam os vapes, apesar de nunca terem sido
fumantes regulares, um aumento de sete vezes em três anos. O uso de cigarro
eletrônico na Inglaterra cresceu mais de 400% entre 2012 e 2023, e cerca de
9,1% dos britânicos compram e usam os produtos. Estima-se que um em cada quatro
adolescentes entre 11 e 15 anos tenham usado um vape no ano passado.
"Foi uma grande
novidade saber que posso andar pelas ruas, entrar numa loja e ver toda aquela
variedade de vapes para comprar. É muito fácil comprar um descartável e provar
diferentes sabores", conta uma maquiadora de 28 anos entrevistada pela DW,
que vive no Reino Unido há cerca de um ano e prefere não divulgar seu nome.
Onde vivia, no Sudeste Asiático, os vapes são ilegais e o uso pode gerar uma
multa de 2 mil dólares (R$ 11,5 mil).
Segundo ela, ainda que
tenha ouvido falar de anúncios de políticas mais restritivas ao uso dos vapes,
ainda não há mudanças visíveis no acesso aos dispositivos em Londres. "A
única diferença que notei foi a falta de alguns sabores, mas isso pode ser mais
uma questão de fornecimento do que de legislação", diz.
Fonte: DW Brasil
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