Imagem dos EUA como defensores da
democracia 'já ruiu', diz analista
À Sputnik Brasil,
analistas explicam que os EUA construíram sua hegemonia por meio da força, mas
chancelados por instituições globais, como a ONU. Porém, a invasão do Iraque
marcou o início de uma nova fase, na qual passaram a ignorar a opinião da
comunidade internacional, arruinando sua própria imagem de "defensores da
democracia".
A violência que marca
o processo eleitoral dos EUA espelha a própria história do país, permeada de
confrontos diretos e indiretos. Prova disso é que quase todos os ex-presidentes
americanos tiveram uma guerra para chamar de sua.
Em entrevista à
Sputnik Brasil, analistas explicam como o patrocínio a guerras e o discurso
belicoso serviram de motores propulsores da projeção da hegemonia americana e
por que essa tática vem ruindo, sobretudo com a ascensão do Sul Global.
José Renato Ferraz da
Silveira, professor de relações internacionais da Universidade Federal de Santa
Maria (UFSM), explica que a história dos EUA do século XX está ligada ao termo
"complexo industrial-militar", usado pelo presidente americano Dwight
D. Eisenhower (1953–1961) para descrever o intricado processo pelo qual os EUA
cada vez mais produziam armas e tecnologias bélicas.
Segundo ele, esse
complexo foi reforçado durante a Guerra Fria e ainda hoje influencia fortemente
a política externa dos EUA e é utilizado como fator de expansão do poder
norte-americano no mundo, seja em governos democratas ou republicanos.
"No mundo
pós-Guerra Fria e, principalmente, na Guerra ao Terror, com o desejo e a
expectativa de consolidar-se como uma superpotência solitária, os EUA
utilizam-se da lógica do espelho em que se veem como o 'Bem', com valores e
princípios morais singulares, e os seus inimigos como a personificação do
'Mal'. Portanto, a lógica da guerra e do inimigo externo são vetores
indispensáveis e que sustentam, a longo prazo, o posicionamento ativo dos EUA
no plano global", afirma.
Nesse contexto, ele
destaca o papel da gestão de George W. Bush, que "reforçou o
unilateralismo norte-americano em ações militares", consolidando sua
"hegemonia global e seu papel de superpotência solitária".
"Os EUA
utilizaram os atentados de 11 de Setembro como justificativa a uma 'cruzada
mundial contra o terror' em defesa da 'paz mundial' e da sua segurança
interna", observa.
Silveira explica que
Washington passou a classificar como "Eixo do Mal" países que acusava
de abrigar ou patrocinar terrorismo ou que contestassem o poder americano.
"A expressão
'Eixo do Mal' é uma dupla referência histórica: 'eixo' lembra o eixo
Berlim-Roma na Segunda Guerra Mundial. E 'mal' retoma o termo império do mal,
forma como o governo [Ronald] Reagan se referia à União Soviética durante a
Guerra Fria. Um eixo do mal mantém latente a ameaça exterior e justifica a
necessidade de manutenção de um expressivo orçamento, do governo Bush, na
defesa."
Bush marca o processo
de deslegitimação das instituições globais
Pedro Allemand Mancebo
Silva, pesquisador e doutorando em relações internacionais na Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), afirma que toda hegemonia é
um misto de coerção e consenso e todo ator hegemônico institui mecanismos de construção
de consensos para legitimar seus interesses frente ao mundo. Segundo ele, até a
invasão do Iraque, em 2003, a hegemonia norte-americana ainda prezava muito por
preservar essas estruturas, como a Organização das Nações Unidas (ONU), a
Organização Mundial do Comércio (OMC) e outras organizações internacionais,
"que permitiam aos EUA exercer o uso da força, mas chancelado pela
comunidade internacional".
"Em 2003, a
invasão do Iraque foi lançada sem essa chancela, e em violação direta de
resoluções do Conselho de Segurança. Isso inaugurou uma nova etapa da hegemonia
dos EUA, na qual o uso da força, o início de novas guerras, passa a ser feito
de forma discricionária, baseado na vontade americana, e pouco importa a
opinião da comunidade internacional, as resoluções da ONU ou do Conselho de
Segurança. No máximo, a OTAN [Organização do Tratado do Atlântico Norte] passa
a dizer algo."
Com isso, acrescenta
Allemand, "os EUA estabelecem um precedente de violar as resoluções e
determinações desses órgãos da governança global".
"Basta ver como
aliados menores, mas agressivos, como Israel, se utilizam da mesma coisa e
chegam a desacreditar a ONU e atacar seus funcionários."
Ele afirma que para
entender a construção da imagem dos EUA como defensores da democracia, é
importante compreender a ideia de "guerra justa", na qual as
consequências são toleradas porque os motivos são considerados justos, seja
"a expansão da ordem mundial baseada em regras, a defesa do interesse
nacional ou a defesa de um aliado".
No entanto, "os
EUA têm cada vez menos se preocupado com a justificativa nos termos da defesa
da democracia e cada vez mais colocado o interesse nacional como
justificativa".
"Novamente, se
olharmos para Israel, os EUA justificam e apoiam o genocídio do povo palestino
com base no direito de Israel se defender e na necessidade de apoiar um aliado
que está 'ameaçado'."
Allemand afirma que o
sucesso de Bush "em derrotar Saddam Hussein — e destruir o Iraque no
processo — teve um custo muito alto, que a gente ainda está pagando, em termos
de desestabilizar a geopolítica do Oriente Médio, bem como para a imagem e legitimidade
dos organismos internacionais de construção de consenso".
"Hoje, a sensação
de que a ONU 'não serve para nada' só cresce diante da incapacidade da
organização de mediar soluções pacíficas de controvérsias, e da ausência de
vontade de alguns atores de se comprometer com esse tipo de solução."
Ascensão do Sul Global
põe em xeque a hegemonia dos EUA?
Silveira aponta que em
toda sua história os EUA se consideraram singulares, com valores e princípios
morais únicos e, após a Segunda Guerra Mundial, "assumiram o papel de
artífices da ordem internacional", com um comportamento cruzadista e messiânico
que defenderia a democracia e os direitos humanos em todo mundo, "mesmo
que fosse necessário bombardear países — e matar inocentes — para levar
democracia e direitos humanos".
"É um terrível
paradoxo que mostra a ambivalência do discurso oficial e oficioso
norte-americano."
Porém, ele afirma que,
na atualidade, a imagem norte-americana está sendo colocada em xeque diante da
contestação do Sul Global a essa dominação econômica e política dos EUA e seus
aliados no Ocidente.
"O Sul Global
busca se distanciar do Ocidente, tramar seu próprio desenvolvimento, ensaiar
políticas autônomas e não continuar a ser dominado por uma força ocidental
liderada pelos EUA."
Allemand, por sua vez,
considera que essa imagem dos EUA como defensores da democracia "já
ruiu", independentemente da ascensão do Sul Global.
"Não acho que a
ascensão do Sul Global tenha papel nisso, mas sim os desafios colocados pela
ascensão da China e a retomada das iniciativas estratégicas da Rússia. Sem
falar na própria atuação dos EUA, que tem sistematicamente atacado instituições
e regimes importantes para a consolidação da ordem mundial do pós-Guerra
Fria."
¨ EUA se preparam para conflito com China usando experiência do
conflito ucraniano, diz mídia
As Forças Armadas dos
EUA estão se preparando para um possível conflito com a China, com os militares
praticando táticas, inclusive aquelas obtidas da observação do conflito da
Ucrânia contra a Rússia, informa o The New York Times.
A publicação observa
que os candidatos à presidência dos EUA, Donald Trump e Kamala Harris, podem
divergir sobre os conflitos na Ucrânia e no Oriente Médio, mas,
independentemente de quem vencer a eleição de novembro, "os Estados Unidos
vão continuar a se preparar para a guerra com a China".
Com esse objetivo, as
Forças Armadas norte-americanas iniciaram exercícios, neste mês, chamados
Guerra de Grandes Potências, na ilha Havaí, onde as condições são mais próximas
daquelas em que os exércitos dos dois gigantes teriam de combater.
Porém, nem tudo correu
de acordo com o plano dos exercícios.
O artigo menciona que
apenas pouco mais da metade dos paraquedistas que voaram do Alasca conseguiram
chegar ao lugar certo.
"Alguns dos C-17s
[aviões de transporte] tiveram problemas com as portas, enquanto outros foram
forçados a pousar mais cedo."
Além disso, alguns
paraquedistas torceram o tornozelo ou sofreram traumatismo craniano, com um
soldado de 19 anos caindo com seu paraquedas que não abriu.
Ele sobreviveu e foi
hospitalizado de emergência, mas não se sabe se algum dia conseguirá voltar a
andar.
"O Exército dos
EUA se transforma, com suas centenas de milhares de jovens, para mais uma
guerra, desta vez em um possível conflito com a China", escreveu a autora
do artigo.
De acordo com o
jornal, um conflito entre Estados tão grandes, possuidores de armas nucleares,
como a China e os Estados Unidos, seria "muitas vezes mais perigoso"
do que a experiência prévia dos EUA.
Observa-se que isso
poderia levar a um nível de baixas entre os militares norte-americanos que não
foi registrado nem mesmo nos conflitos mais sangrentos envolvendo os Estados
Unidos.
"As tropas
trabalharam em novas manobras, que foram combinadas ao observar a Ucrânia
lutando contra a Rússia", destaca o artigo.
Embora Taiwan tenha
seus próprios sistemas de defesa, os especialistas militares consideram
improvável que a ilha possa repelir um possível ataque da China sem a ajuda dos
Estados Unidos.
Os formuladores de
políticas norte-americanos temem que os Estados Unidos percam sua capacidade de
dominar a região se não intervierem em um conflito desse tipo.
O jornal enfatiza que
os militares dos EUA já estão posicionados na região: no Japão, onde há cerca
de 54.000 deles, e na Coreia do Sul, onde há 25.000, com alguns posicionados
nas Filipinas.
As relações oficiais
entre o governo central da China e sua província insular foram interrompidas em
1949, depois que as forças derrotadas do Kuomintang, lideradas por Chiang
Kai-shek na guerra civil contra o Partido Comunista Chinês, se mudaram para Taiwan.
Pequim considera
Taiwan parte integrante da China, e a observância do princípio de Uma Só China
é um pré-requisito para os outros países que desejem estabelecer ou manter
relações diplomáticas com ela.
A política de Uma Só
China e o não reconhecimento da independência de Taiwan também são respeitados
pelos EUA, apesar de manterem contatos estreitos com Taipé em várias esferas e
fornecerem armas à ilha.
¨ EUA estão fracassando na contenção da superioridade tecnológica
da China, relata mídia
Os esforços de longa
data dos EUA para conter a superioridade tecnológica da China não só estão
fracassando, mas também representam riscos para o isolamento dos Estados
Unidos, já que Pequim está liderando uma série de áreas de tecnologia avançada
e o mundo está usando cada vez mais carros elétricos e smartphones chineses,
escreve a Bloomberg.
"Apesar de mais
de seis anos de tarifas dos EUA, controles de exportação e sanções financeiras,
Xi [Jinping o presidente chinês] está alcançando progressos constantes no
posicionamento da China para o domínio nos setores industriais do futuro",
diz o artigo.
De acordo com um novo
estudo da Bloomberg Economics e Bloomberg Intelligence, o projeto industrial
"Made in China 2025", lançado há dez anos e destinado a tornar o país
líder em tecnologias avançadas, em geral, tem sido bem-sucedido. Assim, das 13
tecnologias-chave que foram rastreadas pelos pesquisadores da agência, a China
alcançou a liderança global em cinco, e outras sete estão ganhando rapidamente
impulso.
O mundo fora dos EUA
está cada vez mais usando carros elétricos chineses, usando smartphones
chineses e abastecendo com energia suas casas com painéis solares chineses,
acrescenta a mídia. Para Washington, o risco é que uma política destinada a
conter a China, ao fim e ao cabo, levará ao isolamento dos EUA e prejudicará
suas empresas e consumidores, escreve a agência.
"A ascensão
tecnológica da China não será parada e pode nem mesmo ser desacelerada pelas
restrições dos EUA. Exceto para aquelas restrições draconianas que
simultaneamente diminuem o ritmo da inovação nos EUA e em todo o mundo",
cita o artigo Adam Posen, presidente do Instituto Peterson de economia
internacional em Washington, D.C.
Anteriormente, o
candidato presidencial republicano Donald Trump havia repetidamente afirmado
que pretende aumentar os impostos sobre produtos da China e de outros países,
se for eleito.
¨ China resiste a sanções americanas e alerta: ‘EUA ficam sem
saída’
O Ministério das
Relações Exteriores da China expressou firme oposição nesta
terça-feira (29) à recente iniciativa dos EUA de implementar regras para
restringir investimentos em tecnologia na China, e prometeu tomar todas as
medidas necessárias para proteger resolutamente os direitos e
interesses legítimos do país.
Especialistas
apontaram que a campanha de repressão tecnológica intensificada pelos EUA
afetará as operações comerciais, especialmente das empresas americanas que
planejam expandir no vasto mercado chinês. No entanto, não deterá o avanço
da inovação tecnológica independente da China.
O Departamento do
Tesouro dos EUA emitiu na segunda-feira, horário local, uma regra final para
implementar uma ordem executiva sobre investimentos dos EUA em tecnologias de
segurança nacional em países considerados preocupantes. O presidente dos EUA,
Joe Biden, identificou a China, incluindo a Região Administrativa Especial
de Hong Kong (HKSAR) e a Região Administrativa Especial de Macau,
como países alvo. Tecnologias como semicondutores, microeletrônica,
informação quântica e inteligência artificial (IA) foram listadas na
ordem.
“A Administração
Biden-Harris está comprometida em proteger a segurança nacional dos Estados
Unidos e manter tecnologias avançadas críticas fora do alcance de quem possa
usá-las para ameaçar nossa segurança”, afirmou Paul Rosen, Secretário
Assistente de Segurança de Investimentos.
As regras,
inicialmente propostas em junho e direcionadas por uma ordem executiva de Biden
em agosto de 2023, entrarão em vigor em 2 de janeiro de 2025 e serão
administradas pelo Escritório de Transações Globais.
<><>
Ministério das Relações Exteriores da China
Comentando sobre a
ação dos EUA, Lin Jian, porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da
China, destacou em uma entrevista coletiva nesta terça-feira que a China
expressa forte insatisfação e oposição às restrições de investimento,
e tomará todas as ações necessárias para proteger seus direitos e
interesses legítimos.
Um porta-voz
da RAEHK criticou os EUA por mirar a China e sua região sob pretextos
políticos, alertando que isso prejudicará o livre mercado e afetará o superávit
comercial dos EUA com Hong Kong. O porta-voz destacou que as restrições não
apenas interrompem o comércio entre a RAEHK e os EUA, mas também afetam
a estabilidade da cadeia de suprimentos global.
Gao Lingyun,
especialista da Academia Chinesa de Ciências Sociais em Pequim, afirmou
que os EUA utilizam a segurança nacional como desculpa para suprimir o
desenvolvimento da China. Embora a ordem mencione “países preocupantes”, a
China foi especificamente apontada, deixando claras as intenções dos EUA.
Desde restrições a
compras de tecnologia até limitações no fluxo de capital, os EUA têm seguido
uma estratégia sistemática para conter a China, disse Ma Jihua, observador
da indústria de telecomunicações. Ele acrescentou que as medidas não impedirão
a inovação independente da China, que já avançou em áreas
como tecnologia quântica e IA.
<><> O
mercado faz a escolha
Apesar das restrições
dos EUA, algumas empresas americanas continuam a expandir no mercado chinês. Na
segunda-feira, a fabricante de chips Intel anunciou a expansão de sua
instalação em Chengdu, província de Sichuan, visando melhorar a eficiência
das cadeias de suprimentos locais.
Na sexta-feira, o
Ministro do Comércio da China, Wang Wentao, reuniu-se com o CEO
da Apple, Tim Cook, que destacou o papel da China no crescimento da
empresa, prometendo aumentar o investimento em P&D e na cadeia de
suprimentos.
Ma afirmou que,
diferentemente dos políticos americanos, que veem a contenção da China como
ferramenta de influência, o setor empresarial entende a complementaridade
das economias chinesa e americana. Gao ressaltou que a imposição de restrições
distorcerá o fluxo de mercado e impactará as relações econômicas entre China e
EUA.
Gao alertou que,
uma vez implementadas as restrições, empresas dos EUA perderão um dos mercados
mais dinâmicos no curto prazo, e incentivou os EUA a ouvir a comunidade
empresarial, evitando o unilateralismo.
Fonte: Sputnik Brasil/Global
Times
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