A ansiedade dos eleitores de Kamala na reta
final da campanha
“Metade de mim é
pânico e a outra metade é esperança”, afirmou a educadora Carrie Zimmerman, de
51 anos, enquanto esperava sua candidata, a democrata Kamala Harris,
subir ao palco do comício de encerramento de campanha, em Washington D.C.
Zimmerman resumia o
clima do evento, que reuniu 75 mil pessoas na capital americana, uma das
cidades mais democratas do país, na noite desta terça, 30/10, exatamente uma
semana antes da eleição presidencial.
E em um momento em que
Kamala aparece em desvantagem em boa parte das pesquisas eleitorais, incluindo cinco dos sete Estados que devem definir o pleito,
decidido via Colégio Eleitoral.
“Estou à beira de um
ataque de nervos. Fico assistindo às notícias o tempo todo, trocando de
emissoras. Num minuto fico animada, sim, tudo parece ótimo. E, no minuto
seguinte, já estou preocupada”, afirmou a corretora de imóveis Kadeen Shaw,
concentrada com algumas amigas na região do palco montado entre a Casa Branca e
o obelisco do Washington Monument, dois cartões postais da cidade.
Embora cantassem
clássicos de Beyoncé e agitassem bandeirinhas dos Estados Unidos, os eleitores
pareciam frequentemente próximos às lágrimas, que vinham à tona com apenas
alguns minutos de conversa.
“Esta eleição diz
respeito à democracia e à Constituição americana. Um partido e um grupo de
pessoas querem destruí-las. É algo por que lutamos desde que a nação foi
fundada, de George Washington até agora”, afirmou o militar aposentado Mike
MacGregor, as últimas frases já com a voz embargada.
Tendo passado dos 60
anos de idade, ele disse à BBC News Brasil que essa era a primeira vez que
comparecia a um comício político desde que o republicano Ronald Reagan foi
candidato, em 1980. Durante a administração republicana de George W. Bush,
chegou a assumir cargos no Pentágono.
Segundo ele, o que o
atraía a apoiar Harris naquela tarde agradável de outono não era sua agenda
econômica, climática ou social. Era uma agenda mínima: a defesa dos princípios
democráticos do país.
MacGregor era
exatamente o perfil de eleitor que a campanha de Kamala buscava atrair ao
definir o fechamento da campanha em Washington DC, onde, há 3 anos o país viveu
um de seus maiores traumas da história: a
invasão do Capitólio em 6 de janeiro.
“Nós sabemos quem é
Donald Trump. Ele é a pessoa que esteve neste mesmo lugar há quase quatro anos
e enviou uma multidão armada ao Capitólio dos Estados Unidos para derrubar a
vontade do povo em eleições livres e justas”, afirmou Kamala Harris, no palco montado
exatamente no mesmo local em que Trump, ainda presidente, proferiu acusações
infundadas de fraude eleitoral naquele 6 de janeiro.
O episódio desaguou em
cenas dramáticas de destruição e a um saldo de feridos e mortos entre os
apoiadores do então presidente que forçaram a entrada no prédio do Congresso,
reunido para certificar a vitória eleitoral de Joe Biden.
Trump responde a um
processo criminal sobre sua possível participação em promover - ou omissão em
impedir - a invasão do Capitólio. Em outubro, 165 páginas do processo,
conduzido pelo Departamento de Justiça foram tornadas públicas pela juíza do
caso.
No material, os
procuradores defendem que Trump não poderá contar com imunidade judicial neste
caso e reportam relatos de testemunhas de que diante da informação de que seu
vice-presidente estaria sob risco de morte dentro do Congresso, Trump teria
respondido: “E daí?”
Há uma semana, os
advogados de Trump voltaram a tentar bloquear o processo, que, cujo julgamento
ficou para depois da eleição. Durante a campanha ele se referiu ao 6 de janeiro
de 2021 como um “dia do amor”.
“Eles não vieram por
minha causa. Eles vieram por causa da eleição. Eles achavam que a eleição era
uma eleição fraudada e é por isso que eles vieram. Nada de errado foi feito. E
uma ação foi tomada. Uma ação forte”, disse Trump.
“Não havia armas lá.
Nós não tínhamos armas. Os outros tinham armas, mas nós não tínhamos armas. E
quando eu digo nós, essas são pessoas que andaram por aí — essa foi uma pequena
porcentagem do total que ninguém vê e ninguém, ninguém mostra [a multidão de
apoiadores trumpistas]. Mas esse foi um dia de amor”, completou.
·
Vice de um governo
impopular
Desde que assumiu a
candidatura democrata à presidência no lugar de Joe Biden, Kamala imprimiu um
estilo jovial e bem humorado à campanha, usando ironia e sátira para lidar com
Trump, e tentando apresentar sua biografia e suas propostas ao eleitorado.
A estratégia parece
ter funcionado ao longo de dois meses, em que Kamala ganhou tração nas
pesquisas e arrecadou mais de um bilhão de dólares.
Nas últimas semanas,
porém, ela estagnou nas sondagens, que passaram a mostrar um cenário de empate.
E aí tudo mudou.
De uma espécie de
palhaço não intencional, ou “um esquisito” (“weird”, na mensagem original) a
campanha de Kamala passou a tentar caracterizar Trump como uma ameaça
existencial aos Estados Unidos, qualificando-o como “fascista”, “inimigo” e
“instável”.
“América, ele não é um
candidato a presidente que pense em como melhorar a sua vida. É alguém
instável, obcecado com vingança, consumido pelo ressentimento, e em busca do
poder incontrolado”, discursou Kamala, sob aplausos e gritos dos apoiadores.
A mudança coincide com
uma piora no desempenho de Kamala nas pesquisas. Agregados de levantamentos
eleitorais como a revista britânica The Economist e o site americano
FiveThirtyEight têm apontado ligeira vantagem do republicano.
Nate Silver, o criador
deste último e um democrata histórico, veio a público dizer que sente no
“âmago” que Trump vencerá embora hoje as chances de ambos estejam próximas aos
50%. Uma pesquisa do New York Times, corroborada por analistas políticos da CNN,
sugere que Trump poderia ganhar no voto popular - a primeira vez em 20 anos que
um republicano alcançaria tal feito.
Contra si, Kamala
carrega o fato de ser vice-presidente do impopular governo de Joe Biden. Apesar
da alta na geração de empregos e do crescimento econômico maior que o previsto
nos Estados Unidos, pesa contra o governo atual o fracasso em conter a imigração
na fronteira com o México, um custo de vida alto demais para a classe média que
sonha em comprar a casa própria e já não pode fazê-lo e o apoio à campanha
militar de Israel em Gaza - que é criticado não só por americanos de origem
árabe como pela juventude democrata.
Para o estrategista
democrata Anthony Coley, que trabalhou na gestão Biden, finalmente caiu a ficha
do partido de que não havia sentido em comparações entre Kamala e Barack Obama,
feitas no auge da empolgação dos correligionários na Convenção Nacional Democrata.
“Agora que a euforia
passou, as pessoas perceberam o que Kamala Harris disse desde o início, que ela
não é a favorita”, disse Coley ao site de política americana The Hill.
Com desempenho pior do que seus antecessores, Biden e Obama,
entre o eleitorado negro e latino, a
última aposta de Kamala para levar eleitores às urnas e tentar conquistar a
vitória parece ser no fantasma autoritário que seu adversário representaria.
Para emplacar a
mensagem, Kamala pode ter contado com um escorregão de Trump.
No último fim de
semana, o republicano reuniu uma multidão no Madison Square Garden, em Nova
York, um enclave democrata do país. O evento, no entanto, acabou associado a
comentários preconceituosos feitos por comediantes e comentaristas políticos
que precederam Trump no palco.
Entre outras coisas,
eles chamaram Porto Rico de “ilha de lixo flutuante” e criticaram a suposta
falta de controle de natalidade entre os latinos, além de fazer ataques raciais
a candidata democrata, de ascendência negra e indiana.
Trump não
desqualificou os comentários quando discursou para a plateia - embora sua
campanha tenha dito que ele não podia ser responsabilizado nem associado a tais
falas.
Ao episódio, somou-se
uma entrevista dada dias antes ao jornal New York Times por seu ex-chefe de
gabinete, John Kelly, citando que Trump teria expressado simpatias ao líder
alemão nazista Adolf Hitler ao longo de seu mandato. Esta semana, Trump se
sentiu impelido a responder em um artigo no Wall Street Journal intitulado: “Eu
não sou um nazista”.
Embora tenha citado
que pretende combater a inflação, facilitar a cobertura por planos de saúde
para cuidados com idosos e mediar a relação entre empresas imobiliárias e os
cidadãos para baixar o custo dos imóveis, o evento de Kamala em Washington se
concentrava em reforçar a ideia de um risco existencial ao país na disputa.
"Vamos virar a
página de Donald Trump", repetia a candidata e seus apoiadores, como se os
democratas já não estivessem no poder há quase quatro anos.
Por isso mesmo, ela
trouxe para o palco do evento um casal de fazendeiros da Pensilvânia, um dos
Estados decisivos, recebidos com vaias ao admitir que foram republicanos a vida
inteira e que já tinham votado em Trump antes. Os dois, no entanto, se diziam
assustados demais com o que viam como ameaças à democracia de Trump para seguir
votando nele.
Há ceticismo entre
analistas políticos na possibilidade de tração desta nova estratégia democrata.
Mas, ao menos para a
ex-oficial da Aeronáutica, Donna Denison, que se dizia uma eleitora
independente, essa mensagem já tinha colado.
“Sinto que esta é
provavelmente uma das eleições mais importantes em que eu já votei. Já votei
para os dois lados [republicano e democrata], eu tento votar para alguém que
seja um mediador”, explica ela.
“O 6 de Janeiro
aconteceu muito perto da minha casa. E enquanto eu assistia [na TV], eu dizia à
minha filha: ‘você tem que voltar para casa agora mesmo’ E ela dizia: ‘o que
houve, o que houve? Acabamos de ver 15 carros de polícia correndo’ . Aquele
ponto, aquele ataque à democracia, foi o dia em que Trump virou uma ameaça ao
nosso país”, disse, emotiva.
Denison, porém, mora
na região de Washington D.C., onde Trump jamais teve chance de vencer. Daqui a
seis dias, os americanos saberão se nos sete Estados que definirão a disputa -
e nos quais Trump aparece em vantagem - esta também será uma mensagem forte.
¨ Novas regras eleitorais ameaçam caos nas urnas dos EUA
Depois que Joe
Biden derrotou Donald Trump tanto no voto
popular quanto no Colégio Eleitoral no pleito presidencial de 2020,
os resultados foram contestados em diversas frentes.
Numa campanha para
anular a eleição, que ficou conhecida como "the big lie" (a
grande mentira), Trump e alguns de seus apoiadores mais fervorosos, como o
ex-prefeito de Nova York, Rudy Giuliani, impugnaram mesários, alegaram fraude
eleitoral em massa e reivindicaram auditorias e recontagens de votos em estados
que tiveram resultados apertados. Aí, em 6 de janeiro de 2021, houve a invasão do Capitólio em
Washington, uma última tentativa de anular a eleição à força.
Agora, Trump concorre
novamente à presidência pelo Partido Republicano, e muitos de seus adeptos,
inclusive seu candidato a vice, JD Vance, continuam repetindo falsas
alegações sobre a eleição de 2020. A equipe trumpista também se recusou
a se comprometer com o resultado do atual pleito,
despertando temores de novas convulsões nos EUA, caso o magnata
nova-iorquino não seja declarado vencedor.
<><> Menos
participação de eleitores
Uma vitória esmagadora
da candidata democrata, a vice-presidente americana, Kamala Harris,
tornaria menos prováveis contestações por parte de republicanos mais moderados.
Contudo, a campanha para recolocar Trump na presidência, começou muito
antes das pesquisas, e têm sido feitos esforços significativos
para limitar quem pode participar da eleição de 2024.
Desde 2020, a
organização apartidária Voting Rights Lab registrou mais de 700 novas leis
eleitorais em todo o país. Algumas delas tornam o voto mais acessível.
Outras – como a redução do número de locais de votação e mais
exigências de identificação –, não. Também houve esforços para
remover listas de votação em todo o país – muitas visando cidadãos
naturalizados.
"Desde 2021, 32
estados apresentaram pelo menos 148 projetos de lei que teriam um impacto
restritivo na manutenção de listas. Deste total, 11 se tornaram lei",
aponta uma análise publicada em abril pelo Voting Rights Lab.
Além disso, o Comitê
Nacional Republicano iniciou a iniciativa Protect the Vote (Proteja o voto). A
ideia é recrutar e treinar 100 mil "observadores eleitorais"
para monitorar os locais de votação. Na maioria dos lugares, eles não têm
nenhuma autoridade, mas em alguns estados podem contestar a elegibilidade dos votantes.
O Voting Rights Lab se
preocupa especialmente com alterações em estados-pêndulo (swing
states), como Geórgia e Carolina do Norte. Na Geórgia, novas leis
resultaram em contestações em massa de listas de eleitores, restrições ao voto
por correspondência e um salto nas taxas de rejeição das cédulas. A Carolina do
Norte tem agora as regras mais rígidas do país sobre o voto por
correspondência, e os observadores partidários nas urnas receberam mais
direitos, podendo agora interromper a atividade nas seções eleitorais.
Especialistas em
eleições temem que líderes e cidadãos republicanos usem essas novas
regulamentações para tentar anular votos ou se recusarem a certificar os
resultados, se não gostarem do desfecho. E tudo isso torna a supervisão da
eleição mais difícil para as autoridades regionais.
"Há certa verdade
no fato de que os republicanos têm trabalhado para eleger apoiadores da 'grande
mentira' de 2020 para cargos estaduais importantes. Nem todos têm sido
bem-sucedidos, mas também houve tentativas de colocar esses apoiadores em
cargos eleitorais menores", alerta Dan Mallinson, professor associado de
políticas públicas e administração da Universidade Estadual da Pensilvânia em
Harrisburg.
<><> O que
vai acontecer após o pleito
Após a eleição de 5 de
novembro, todos os votos serão contados – no passado, alguns locais levavam
dias ou semanas para concluir as apurações. Depois, os resultados precisarão
ser certificados em nível local e estadual, antes de ser enviados ao Colégio Eleitoral e,
posteriormente, ao Congresso. Quanto mais próximos os resultados, maior a
chance de contestações.
O presidente dos EUA é
escolhido pelo Colégio Eleitoral, que reúne 538 delegados estaduais indicados
pelos estados e pelo distrito federal de Washington DC. Um candidato à
presidência necessita vencer num número de estados que lhe garanta
270 delegados.
"Trump já está
preparando a base retórica e legal para contestar a eleição", afirma
Mallinson. Mas há o outro lado da moeda: se Trump for declarado vencedor em estados importantes para o
Colégio Eleitoral, os democratas poderão adotar algumas das estratégias usadas
pelo ex-presidente.
"Como os
republicanos usaram de retórica e litígio para questionar as eleições,
fica mais fácil para os democratas fazerem o mesmo", avalia o professor de
políticas públicas. Para permitir que tudo isso se desenrole, há um
período de quase 11 semanas entre a eleição e a certificação dos votos do
Colégio Eleitoral, em 6 de janeiro de 2025.
<><> O
pior cenário possível
Se os estados
atrasarem ou se recusarem a certificar a contagem, o resultado pode ser
o caos, acredita Mallinson. Se um estado não certificar seus resultados a
tempo para a contagem do Colégio Eleitoral, a Câmara dos Representantes dos
EUA, controlada pelos republicanos, pode entrar em cena para decidir.
Uma contagem do
Colégio Eleitoral dividida também iria para a Câmara, "onde cada delegação
estadual dispõe de um voto para decidir em quem vota como
presidente", explica Mallinson. E esse é um cenário que nunca aconteceu
antes.
Por fim, a Suprema
Corte poderia ter a última palavra, como fez em 2000, quando ficou ao lado de
George W. Bush na disputa contra Al Gore.
O fato é que uma
situação em que qualquer lado veja a eleição como injusta, ou pior, roubada, é
ruim para a democracia. Isso apenas
solidificará o partidarismo, dificultará o trabalho em sociedade e enfraquecerá
os EUA, à medida que se aproxima o 250º aniversário da Declaração de
Independência, em 2026.
Fonte: BBC News Brasil/DW
Brasil
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