sexta-feira, 1 de novembro de 2024

A ansiedade dos eleitores de Kamala na reta final da campanha

“Metade de mim é pânico e a outra metade é esperança”, afirmou a educadora Carrie Zimmerman, de 51 anos, enquanto esperava sua candidata, a democrata Kamala Harris, subir ao palco do comício de encerramento de campanha, em Washington D.C.

Zimmerman resumia o clima do evento, que reuniu 75 mil pessoas na capital americana, uma das cidades mais democratas do país, na noite desta terça, 30/10, exatamente uma semana antes da eleição presidencial.

E em um momento em que Kamala aparece em desvantagem em boa parte das pesquisas eleitorais, incluindo cinco dos sete Estados que devem definir o pleito, decidido via Colégio Eleitoral.

“Estou à beira de um ataque de nervos. Fico assistindo às notícias o tempo todo, trocando de emissoras. Num minuto fico animada, sim, tudo parece ótimo. E, no minuto seguinte, já estou preocupada”, afirmou a corretora de imóveis Kadeen Shaw, concentrada com algumas amigas na região do palco montado entre a Casa Branca e o obelisco do Washington Monument, dois cartões postais da cidade.

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Embora cantassem clássicos de Beyoncé e agitassem bandeirinhas dos Estados Unidos, os eleitores pareciam frequentemente próximos às lágrimas, que vinham à tona com apenas alguns minutos de conversa.

“Esta eleição diz respeito à democracia e à Constituição americana. Um partido e um grupo de pessoas querem destruí-las. É algo por que lutamos desde que a nação foi fundada, de George Washington até agora”, afirmou o militar aposentado Mike MacGregor, as últimas frases já com a voz embargada.

Tendo passado dos 60 anos de idade, ele disse à BBC News Brasil que essa era a primeira vez que comparecia a um comício político desde que o republicano Ronald Reagan foi candidato, em 1980. Durante a administração republicana de George W. Bush, chegou a assumir cargos no Pentágono.

Segundo ele, o que o atraía a apoiar Harris naquela tarde agradável de outono não era sua agenda econômica, climática ou social. Era uma agenda mínima: a defesa dos princípios democráticos do país.

MacGregor era exatamente o perfil de eleitor que a campanha de Kamala buscava atrair ao definir o fechamento da campanha em Washington DC, onde, há 3 anos o país viveu um de seus maiores traumas da história: a invasão do Capitólio em 6 de janeiro.

“Nós sabemos quem é Donald Trump. Ele é a pessoa que esteve neste mesmo lugar há quase quatro anos e enviou uma multidão armada ao Capitólio dos Estados Unidos para derrubar a vontade do povo em eleições livres e justas”, afirmou Kamala Harris, no palco montado exatamente no mesmo local em que Trump, ainda presidente, proferiu acusações infundadas de fraude eleitoral naquele 6 de janeiro.

O episódio desaguou em cenas dramáticas de destruição e a um saldo de feridos e mortos entre os apoiadores do então presidente que forçaram a entrada no prédio do Congresso, reunido para certificar a vitória eleitoral de Joe Biden.

Trump responde a um processo criminal sobre sua possível participação em promover - ou omissão em impedir - a invasão do Capitólio. Em outubro, 165 páginas do processo, conduzido pelo Departamento de Justiça foram tornadas públicas pela juíza do caso.

No material, os procuradores defendem que Trump não poderá contar com imunidade judicial neste caso e reportam relatos de testemunhas de que diante da informação de que seu vice-presidente estaria sob risco de morte dentro do Congresso, Trump teria respondido: “E daí?”

Há uma semana, os advogados de Trump voltaram a tentar bloquear o processo, que, cujo julgamento ficou para depois da eleição. Durante a campanha ele se referiu ao 6 de janeiro de 2021 como um “dia do amor”.

“Eles não vieram por minha causa. Eles vieram por causa da eleição. Eles achavam que a eleição era uma eleição fraudada e é por isso que eles vieram. Nada de errado foi feito. E uma ação foi tomada. Uma ação forte”, disse Trump.

“Não havia armas lá. Nós não tínhamos armas. Os outros tinham armas, mas nós não tínhamos armas. E quando eu digo nós, essas são pessoas que andaram por aí — essa foi uma pequena porcentagem do total que ninguém vê e ninguém, ninguém mostra [a multidão de apoiadores trumpistas]. Mas esse foi um dia de amor”, completou.

·        Vice de um governo impopular

Desde que assumiu a candidatura democrata à presidência no lugar de Joe Biden, Kamala imprimiu um estilo jovial e bem humorado à campanha, usando ironia e sátira para lidar com Trump, e tentando apresentar sua biografia e suas propostas ao eleitorado.

A estratégia parece ter funcionado ao longo de dois meses, em que Kamala ganhou tração nas pesquisas e arrecadou mais de um bilhão de dólares.

Nas últimas semanas, porém, ela estagnou nas sondagens, que passaram a mostrar um cenário de empate. E aí tudo mudou.

De uma espécie de palhaço não intencional, ou “um esquisito” (“weird”, na mensagem original) a campanha de Kamala passou a tentar caracterizar Trump como uma ameaça existencial aos Estados Unidos, qualificando-o como “fascista”, “inimigo” e “instável”.

“América, ele não é um candidato a presidente que pense em como melhorar a sua vida. É alguém instável, obcecado com vingança, consumido pelo ressentimento, e em busca do poder incontrolado”, discursou Kamala, sob aplausos e gritos dos apoiadores.

A mudança coincide com uma piora no desempenho de Kamala nas pesquisas. Agregados de levantamentos eleitorais como a revista britânica The Economist e o site americano FiveThirtyEight têm apontado ligeira vantagem do republicano.

Nate Silver, o criador deste último e um democrata histórico, veio a público dizer que sente no “âmago” que Trump vencerá embora hoje as chances de ambos estejam próximas aos 50%. Uma pesquisa do New York Times, corroborada por analistas políticos da CNN, sugere que Trump poderia ganhar no voto popular - a primeira vez em 20 anos que um republicano alcançaria tal feito.

Contra si, Kamala carrega o fato de ser vice-presidente do impopular governo de Joe Biden. Apesar da alta na geração de empregos e do crescimento econômico maior que o previsto nos Estados Unidos, pesa contra o governo atual o fracasso em conter a imigração na fronteira com o México, um custo de vida alto demais para a classe média que sonha em comprar a casa própria e já não pode fazê-lo e o apoio à campanha militar de Israel em Gaza - que é criticado não só por americanos de origem árabe como pela juventude democrata.

Para o estrategista democrata Anthony Coley, que trabalhou na gestão Biden, finalmente caiu a ficha do partido de que não havia sentido em comparações entre Kamala e Barack Obama, feitas no auge da empolgação dos correligionários na Convenção Nacional Democrata.

“Agora que a euforia passou, as pessoas perceberam o que Kamala Harris disse desde o início, que ela não é a favorita”, disse Coley ao site de política americana The Hill.

Com desempenho pior do que seus antecessores, Biden e Obama, entre o eleitorado negro e latino, a última aposta de Kamala para levar eleitores às urnas e tentar conquistar a vitória parece ser no fantasma autoritário que seu adversário representaria.

Para emplacar a mensagem, Kamala pode ter contado com um escorregão de Trump.

No último fim de semana, o republicano reuniu uma multidão no Madison Square Garden, em Nova York, um enclave democrata do país. O evento, no entanto, acabou associado a comentários preconceituosos feitos por comediantes e comentaristas políticos que precederam Trump no palco.

Entre outras coisas, eles chamaram Porto Rico de “ilha de lixo flutuante” e criticaram a suposta falta de controle de natalidade entre os latinos, além de fazer ataques raciais a candidata democrata, de ascendência negra e indiana.

Trump não desqualificou os comentários quando discursou para a plateia - embora sua campanha tenha dito que ele não podia ser responsabilizado nem associado a tais falas.

Ao episódio, somou-se uma entrevista dada dias antes ao jornal New York Times por seu ex-chefe de gabinete, John Kelly, citando que Trump teria expressado simpatias ao líder alemão nazista Adolf Hitler ao longo de seu mandato. Esta semana, Trump se sentiu impelido a responder em um artigo no Wall Street Journal intitulado: “Eu não sou um nazista”.

Embora tenha citado que pretende combater a inflação, facilitar a cobertura por planos de saúde para cuidados com idosos e mediar a relação entre empresas imobiliárias e os cidadãos para baixar o custo dos imóveis, o evento de Kamala em Washington se concentrava em reforçar a ideia de um risco existencial ao país na disputa.

"Vamos virar a página de Donald Trump", repetia a candidata e seus apoiadores, como se os democratas já não estivessem no poder há quase quatro anos.

Por isso mesmo, ela trouxe para o palco do evento um casal de fazendeiros da Pensilvânia, um dos Estados decisivos, recebidos com vaias ao admitir que foram republicanos a vida inteira e que já tinham votado em Trump antes. Os dois, no entanto, se diziam assustados demais com o que viam como ameaças à democracia de Trump para seguir votando nele.

Há ceticismo entre analistas políticos na possibilidade de tração desta nova estratégia democrata.

Mas, ao menos para a ex-oficial da Aeronáutica, Donna Denison, que se dizia uma eleitora independente, essa mensagem já tinha colado.

“Sinto que esta é provavelmente uma das eleições mais importantes em que eu já votei. Já votei para os dois lados [republicano e democrata], eu tento votar para alguém que seja um mediador”, explica ela.

“O 6 de Janeiro aconteceu muito perto da minha casa. E enquanto eu assistia [na TV], eu dizia à minha filha: ‘você tem que voltar para casa agora mesmo’ E ela dizia: ‘o que houve, o que houve? Acabamos de ver 15 carros de polícia correndo’ . Aquele ponto, aquele ataque à democracia, foi o dia em que Trump virou uma ameaça ao nosso país”, disse, emotiva.

Denison, porém, mora na região de Washington D.C., onde Trump jamais teve chance de vencer. Daqui a seis dias, os americanos saberão se nos sete Estados que definirão a disputa - e nos quais Trump aparece em vantagem - esta também será uma mensagem forte.

 

¨      Novas regras eleitorais ameaçam caos nas urnas dos EUA

Depois que Joe Biden derrotou Donald Trump tanto no voto popular quanto no Colégio Eleitoral no pleito presidencial de 2020, os resultados foram contestados em diversas frentes.

Numa campanha para anular a eleição, que ficou conhecida como "the big lie" (a grande mentira), Trump e alguns de seus apoiadores mais fervorosos, como o ex-prefeito de Nova York, Rudy Giuliani, impugnaram mesários, alegaram fraude eleitoral em massa e reivindicaram auditorias e recontagens de votos em estados que tiveram resultados apertados. Aí, em 6 de janeiro de 2021, houve a invasão do Capitólio em Washington, uma última tentativa de anular a eleição à força.

Agora, Trump concorre novamente à presidência pelo Partido Republicano, e muitos de seus adeptos, inclusive seu candidato a vice, JD Vance, continuam repetindo falsas alegações sobre a eleição de 2020. A equipe trumpista também se recusou a se comprometer com o resultado do atual pleito, despertando temores de novas convulsões nos EUA, caso o magnata nova-iorquino não seja declarado vencedor.

<><> Menos participação de eleitores

Uma vitória esmagadora da candidata democrata, a vice-presidente americana, Kamala Harris, tornaria menos prováveis contestações por parte de republicanos mais moderados. Contudo, a campanha para recolocar Trump na presidência, começou muito antes das pesquisas, e têm sido feitos esforços significativos para limitar quem pode participar da eleição de 2024.

Desde 2020, a organização apartidária Voting Rights Lab registrou mais de 700 novas leis eleitorais em todo o país. Algumas delas tornam o voto mais acessível. Outras – como a redução do número de locais de votação e mais exigências de identificação –, não. Também houve esforços para remover listas de votação em todo o país – muitas visando cidadãos naturalizados.

"Desde 2021, 32 estados apresentaram pelo menos 148 projetos de lei que teriam um impacto restritivo na manutenção de listas. Deste total, 11 se tornaram lei", aponta uma análise publicada em abril pelo Voting Rights Lab.

Além disso, o Comitê Nacional Republicano iniciou a iniciativa Protect the Vote (Proteja o voto). A ideia é recrutar e treinar 100 mil "observadores eleitorais" para monitorar os locais de votação. Na maioria dos lugares, eles não têm nenhuma autoridade, mas em alguns estados podem contestar a elegibilidade dos votantes.

O Voting Rights Lab se preocupa especialmente com alterações em estados-pêndulo (swing states), como Geórgia e Carolina do Norte. Na Geórgia, novas leis resultaram em contestações em massa de listas de eleitores, restrições ao voto por correspondência e um salto nas taxas de rejeição das cédulas. A Carolina do Norte tem agora as regras mais rígidas do país sobre o voto por correspondência, e os observadores partidários nas urnas receberam mais direitos, podendo agora interromper a atividade nas seções eleitorais.

Especialistas em eleições temem que líderes e cidadãos republicanos usem essas novas regulamentações para tentar anular votos ou se recusarem a certificar os resultados, se não gostarem do desfecho. E tudo isso torna a supervisão da eleição mais difícil para as autoridades regionais.

"Há certa verdade no fato de que os republicanos têm trabalhado para eleger apoiadores da 'grande mentira' de 2020 para cargos estaduais importantes. Nem todos têm sido bem-sucedidos, mas também houve tentativas de colocar esses apoiadores em cargos eleitorais menores", alerta Dan Mallinson, professor associado de políticas públicas e administração da Universidade Estadual da Pensilvânia em Harrisburg.

<><> O que vai acontecer após o pleito

Após a eleição de 5 de novembro, todos os votos serão contados – no passado, alguns locais levavam dias ou semanas para concluir as apurações. Depois, os resultados precisarão ser certificados em nível local e estadual, antes de ser enviados ao Colégio Eleitoral e, posteriormente, ao Congresso. Quanto mais próximos os resultados, maior a chance de contestações.

O presidente dos EUA é escolhido pelo Colégio Eleitoral, que reúne 538 delegados estaduais indicados pelos estados e pelo distrito federal de Washington DC. Um candidato à presidência necessita vencer num número de estados que lhe garanta 270 delegados.

"Trump já está preparando a base retórica e legal para contestar a eleição", afirma Mallinson. Mas há o outro lado da moeda: se Trump for declarado vencedor em estados importantes para o Colégio Eleitoral, os democratas poderão adotar algumas das estratégias usadas pelo ex-presidente.

"Como os republicanos usaram de retórica e litígio para questionar as eleições, fica mais fácil para os democratas fazerem o mesmo", avalia o professor de políticas públicas. Para permitir que tudo isso se desenrole, há um período de quase 11 semanas entre a eleição e a certificação dos votos do Colégio Eleitoral, em 6 de janeiro de 2025.

<><> O pior cenário possível

Se os estados atrasarem ou se recusarem a certificar a contagem, o resultado pode ser o caos, acredita Mallinson. Se um estado não certificar seus resultados a tempo para a contagem do Colégio Eleitoral, a Câmara dos Representantes dos EUA, controlada pelos republicanos, pode entrar em cena para decidir.

Uma contagem do Colégio Eleitoral dividida também iria para a Câmara, "onde cada delegação estadual dispõe de um voto para decidir em quem vota como presidente", explica Mallinson. E esse é um cenário que nunca aconteceu antes.

Por fim, a Suprema Corte poderia ter a última palavra, como fez em 2000, quando ficou ao lado de George W. Bush na disputa contra Al Gore.

O fato é que uma situação em que qualquer lado veja a eleição como injusta, ou pior, roubada, é ruim para a democracia. Isso apenas solidificará o partidarismo, dificultará o trabalho em sociedade e enfraquecerá os EUA, à medida que se aproxima o 250º aniversário da Declaração de Independência, em 2026.

 

Fonte: BBC News Brasil/DW Brasil

 

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