As lições das escolas do Reino Unido que
baniram celulares: 'crianças deixaram de ser zumbis'
"As crianças
ficam grudadas em seus telefones celulares e
nem sequer percebem nada ao seu redor. Elas mais parecem zumbis."
Quem diz isso é o
diretor de uma escola em Sheffield, cidade no norte da Inglaterra, que
recentemente proibiu o uso de smartphones,
smartwatches (relógios com acesso à internet) ou fones de ouvido em suas
dependências.
Qualquer aluno pego
usando algum desses aparelhos precisa entregá-los à direção da escola. Os
gadgets ficam na escola e só são devolvidos no dia seguinte.
Os alunos da escola, a
Forge Valley School, disseram que demoraram um pouco para se acostumar com a
ideia — mas que passaram a interagir muito mais com os demais colegas na
ausência dos telefones.
O diretor da escola,
Dale Barrowclough, disse estar confiante que a nova política vai dar certo e
que ela veio para ficar.
Um novo ano escolar
começou no mês passado no Reino Unido e diversos alunos e pais estão sendo
surpreendidos com escolas que passaram a banir telefones celulares. A proibição
não é uma política nacional — ela tem partido das próprias escolas, que reclamam
do impacto negativo que
diversos aparelhos têm no desenvolvimento acadêmico e no convívio social dos
alunos.
No início deste ano, o
Departamento de Educação emitiu orientações sobre como limitar o uso de
celulares durante o turno escolar e para "minimizar a interrupção e
melhorar o comportamento nas salas de aula".
Cada vez mais escolas
estão criando políticas próprias desse tipo.
No norte de Londres,
60 escolas estão revisando suas políticas sobre uso de telefones na escola após
uma campanha da Smartphone Free Childhood (SFC), uma entidade que faz campanha
para reduzir o uso de celulares entre crianças.
A entidade está
pedindo aos pais quem adiem a compra de smartphones até que seus filhos tenham
pelo menos 14 anos. E também pede que acesso a mídias sociais só seja dado após
os 16 anos.
A SFC também estimula
que os pais comprem outros tipos de telefones que não são smartphones, e que só
permitem chamadas e mensagens de texto. Alguns modelos têm jogos básicos (como
Tetris) e têm acesso a podcasts e músicas, mas não à internet e redes sociais.
Segundo a SFC, em todo
o Reino Unido, centenas de milhares de pais estão aderindo ao movimento. Só no
norte de Londres, mais de 2,5 mil pais de quase 200 escolas apoiam a causa.
·
'Ainda não' em vez de
'nunca'
A líder regional da
SFC para o norte de Londres, Nova Eden, disse que o objetivo da campanha é
fazer as crianças aprenderem a priorizar melhor sua curta infância, por exemplo
passando tempo com a família ou aprendendo novas habilidades.
"O que estamos
defendendo não é 'nunca', mas simplesmente 'ainda não'", ela disse.
"Enquanto os
cérebros das crianças ainda estão se desenvolvendo, é muito mais saudável para
elas aproveitarem a infância brincando, em vez de ficarem grudadas em
smartphones e mídias sociais", diz a ativista.
"Nossa campanha
não está sugerindo que as crianças não tenham telefone algum. Em vez disso,
estamos sugerindo um telefone antigo que permite chamadas e mensagens, mas sem
os perigos de ter a internet no bolso de uma criança por 12 horas por dia, onde
estranhos podem entrar em contato com elas."
"As crianças não
precisam de smartphones, as crianças precisam de uma infância."
Na escola Boston
Grammar School, que proibiu smartphones, o vice-diretor disse que "onde
antes você via alunos olhando para seus celulares, agora você vê
interações".
"Nós queríamos
remover essa toxicidade do nosso turno escolar. O que descobrimos foi uma
redução significativa na quantidade de incidentes normais que teriam sido
piorados por celulares."
A diretora de uma
escola em Devon (sudoeste da Inglaterra) que proibiu o uso de celulares há
cinco anos diz que os professores notaram melhorias no desempenho escolar e na
vida social.
A UTC Plymouth permite
que os alunos levem seus celulares para a escola, mas eles têm que entregá-los
à direção no início do dia. A diretora Jo Ware disse que a política ajudou a
elevar os padrões da escola.
Phoebe, uma aluna da
Sacred Heart Catholic Academy em Liverpool, disse que a política de sua escola
para smartphones ajuda os alunos a se concentrarem no trabalho.
"Se a regra não
existisse, acho que as crianças usariam muito mais seus celulares", disse
ela. "Isso ensina disciplina para as crianças não usarem seus celulares e
realmente se concentrarem nas aulas."
·
50 mensagens e
notificações por dia
Na escola Fulham Boys
School’s, no oeste de Londres, o diretor da escola, David Smith, fez uma
pesquisa com alunos para entender o impacto dos smartphones nas suas vidas.
Ele descobriu que 97%
dos alunos estimaram receber mais de 50 notificações e mensagens por dia — e
que 38% dos alunos podiam usar seu telefone sem nenhuma restrição.
A decisão de proibir
smartphones foi comunicada aos pais por carta em maio. A reação dos pais não
foi unânime.
Alguns pais disseram
que a escola estava tentando enfrentrar uma causa perdida.
Mas outros foram mais
receptivos — em especial os pais de crianças mais jovens que disseram que a
política da escola aliviou a pressão que eles sentem para comprar smartphones
aos filhos que ainda não têm os aparelhos.
Smith fez um apelo aos
pais para que não cedam nos seus princípios e não comprem smartphones para
crianças muito jovens.
E se elas já têm um
smartphone, ele pede aos pais que acompanhem a frequência do uso e que tenham
uma diálogo aberto sobre isso.
Smith usou a mesma
expressão do diretor da escola de Sheffield: ele diz que as crianças estão
virando "zumbis" por causa dos algoritmos de mídia social. Ele também
se preocupa com a influência de personalidades como o youtuber Andrew Tate, que
promovem a chamada "masculinidade tóxica".
"Minha opinião
contundente é que precisamos educar os jovens sobre sexo antes que eles façam
sexo: é realmente importante que os eduquemos antes que eles se envolvam em
atividade sexual. Mas estamos tendo que educar os jovens e os pais sobre
telefones quando as crianças já têm um telefone."
A proibição de
telefones celulares está sendo adotada em diversos lugares neste ano.
Uma das maiores
associações de escolas da Inglaterra, que administra 42 escolas públicas em
todo o país, está começando a restringir o acesso a smartphones para cerca de
35 mil alunos em seus estabelecimentos.
Uma das mais
tradicionais escolas do Reino Unido, a Eton College, por onde passaram diversos
ex-primeiros-ministros britânicos, passou a fornecer telefones sem internet
para seus alunos desde o mês passado, quando as aulas recomeçaram.
Os dispositivos, que
só podem enviar e receber mensagens de texto e chamadas foram dados aos alunos
de 13 anos.
·
Críticas de alguns
pais
Mas nem todos
concordam com as políticas das escolas.
Muitos pais reclamaram
de políticas de proibição total, argumentando que celulares são parte
importante da vida moderna.
“A proibição total é
perigosa e irresponsável", afirma Joe Mayatt, de Hastings. Ele diz que
seus filhos dependem de smartphones para checar os horários de ônibus e para
pagar por compras.
“Eu preferiria que
eles pudessem entrar em contato comigo a qualquer momento. Concordo que eles
não devem ser usados durante o turno escolar, mas a escola está negligenciando o bem-estar deles antes e
depois."
A deputada Helena
Dollimore levantou o assunto no Parlamento britânico, dizendo que os pais
apoiavam a proibição do uso do telefone na escola, mas estão preocupados com a
segurança das crianças na ida e na volta para casa.
Stacey Holohan tem um
filho de 11 anos na escola Queen's Park Community School, de Londres. Ela conta
que seu filho tem um smartphone que usa para fazer chamadas, mas não tem acesso
à mídia social.
A escola não permite
smartphones. Ela concorda com a política para crianças mais jovens, mas diz que
uma criança não deve esperar até os 14 anos.
Stacey disse:
"Eles vão para a escola e vêm de muito longe. Como eles vão se comunicar
com os pais se algo acontecer? Se houver um acidente e eles estiverem
atrasados? É mais paz de espírito para os pais."
·
O que o governo diz?
Após três anos
manifestando preocupação com celulares em escolas, o governo britânico publicou
orientações para escolas em fevereiro deste ano.
A orientação
estabelece uma série de exemplos para ilustrar como um ambiente sem telefones
pode ser alcançado, incluindo uma proibição total de smartphones nas
dependências das escolas ou regras que exigem que os aparelhos sejam entregues
no início do dia.
O documento do governo
também diz que as escolas podem permitir que os alunos mantenham seus
telefones, mas "apenas na estrita condição de que eles nunca sejam usados,
vistos ou ouvidos" durante o dia.
A orientação afirma
que as escolas devem "desenvolver e implementar uma política... que
reflita os contextos e necessidades individuais de cada escola".
E acrescenta que as
escolas têm o dever legal de garantir o bem-estar dos alunos e que interromper
o uso do telefone durante o dia é "essencial" para garantir que os
professores possam dar aula.
Os diretores têm
permissão para revistar os alunos em busca de itens proibidos pelas regras das
escolas e são amparados legalmente contra processos por perda ou dano a itens
confiscados.
O governo também citou
uma pesquisa com alunos do ensino médio na qual 29% dos entrevistados relataram
que smartphones estavam sendo usados quando não deveriam estar na maioria ou em todas as
aulas.
O sindicato de
trabalhadores em escolas, a Association of School and College Leaders (ASCL),
criticou a orientação dada pelo governo e disse que ela provavelmente não terá
qualquer efeito perceptível.
Para a associação, o
problema não é regular o uso de celulares em escolas — mas sim regular o
conteúdo que está disponível às crianças na internet.
"A maioria das
escolas já proíbe o uso de celulares durante o turno escolar, ou permite seu
uso apenas em circunstâncias limitadas", disse o secretário-geral Geoff
Barton.
"Perdemos a conta
do número de vezes que os políticos anunciaram uma repressão aos celulares nas
escolas. É uma não-política para um não-problema."
"O governo faria
muito melhor se colocasse suas energias em restringir as plataformas online por
meio das quais as crianças conseguem acessar conteúdo perturbador e
extremo."
Fonte: BBC News Brasil
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