Conselho avança contra enquanto Senado
aposta em armamento na proteção da juventude
No dia 16 de outubro,
o Senado Federal deu um passo controverso ao aprovar o Projeto de Lei
4256/2019, que permite o armamento de servidores das unidades socioeducativas.
Proposto pelo senador
Fabiano Contarato (PT-ES), o projeto justifica que esses trabalhadores
enfrentam riscos similares aos de policiais e, portanto, deveriam ter direito
ao porte de armas. O texto foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça
(CCJ). Se não houver recurso para votação no plenário da Casa, ele segue para
análise da Câmara dos Deputados
Na Câmara dos
Deputados o cenário é semelhante. No dia 29 de outubro e hoje (30) entrou em
pauta o PL 3387/2019, que altera a Lei nº 13.675, de 11 de junho de 2018, para
incluir no Sistema Único de Segurança Pública – SUSP, os agentes
socioeducativos e para reconhecer a natureza policial da atividade exercida
pelos agentes penitenciários e socioeducativos.
Embora a intenção de
proteger esses profissionais pareça, à primeira vista, legítima, essa medida
acende um sinal de alerta: armá-los e equipará-los a agentes de segurança
pública não só ameaça a segurança dos adolescentes em cumprimento de medidas
socioeducativas, mas também compromete a segurança pública de forma mais ampla.
O que deveria ser uma discussão sobre a segurança desses profissionais se
transformou em uma abertura perigosa para a agenda armamentista no Brasil.
No mesmo dia, o
Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) deu um
passo crucial em outra direção, ao aprovar uma resolução que reforça os
princípios do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e do Sistema Nacional
de Atendimento Socioeducativo (Sinase). O texto, aprovado por unanimidade e
cuja publicação está prevista para os próximos dias, estabelece diretrizes
nacionais que asseguram a segurança e proteção integral dos adolescentes no
Sistema Socioeducativo.
A nova norma visa
criar ambientes humanizados e livres de violência, garantindo a proteção física
e psicológica dos jovens em privação de liberdade. Entre os principais avanços,
destacam-se a proibição do uso de armas letais e menos letais, o treinamento
contínuo em direitos humanos e a implementação de protocolos de gestão de
crises baseados no diálogo e na mediação. A resolução também assegura o
respeito à identidade de gênero e à orientação sexual, garantindo o uso do nome
social para adolescentes transexuais e travestis, além de promover uma
abordagem pedagógica e restaurativa, proibindo o uso de algemas e de grupos
táticos. Fortalecendo o SINASE, a norma reforça o compromisso com a
reintegração social, a proteção da saúde mental e o fortalecimento dos vínculos
familiares e comunitários.
Enquanto o Congresso
Nacional opta por uma abordagem punitiva e violenta, o Conanda reafirma seu
compromisso com a proteção dos direitos da juventude. Essa contradição ilustra
como visões opostas sobre o tratamento de adolescentes no sistema socioeducativo
coexistem no Brasil.
A nova resolução do
Conanda é fruto de uma luta árdua da sociedade civil. Organizações como a
Coalizão pela Socioeducação têm sido incansáveis em garantir que o caráter
pedagógico do sistema seja priorizado. O objetivo é simples: ressocializar e
desenvolver a juventude inserida no sistema socioeducativo, não submetê-los a
um ambiente ainda mais repressivo. É uma abordagem que entende a complexidade
do cenário socioeducativo e busca soluções transformadoras.
Enquanto o Conanda
avança em prol da juventude, o Senado, ao aprovar o PL 4256/2019 e a Câmara, ao
manter o PL 3387/2019 em pauta, coloca em risco a segurança de adolescentes e
de outros grupos vulneráveis. Esses projetos vão contra estudos que mostram o
impacto devastador das armas na sociedade. Desde 2017, o número de armas em
posse de civis no Brasil aumentou em 227,3%, com 96% delas nas mãos de homens,
de acordo com o Anuário de Segurança Pública de 2024. Esse crescimento tem
consequências diretas na escalada da violência, especialmente contra crianças,
adolescentes e mulheres.
Armar agentes
socioeducativos não apenas transforma a relação deles com os adolescentes, que
já carregam um histórico de vulnerabilidade e exclusão social, como também cria
um ambiente propício à violência. A simples presença de armas em espaços
destinados à educação e reintegração altera a dinâmica, gerando medo e
insegurança, em vez de proteção e acolhimento.
O mais alarmante é que
o PL 4256/2019 inclui emendas que estendem o porte de armas para outras
categorias, como oficiais de justiça. Aprová-lo cria uma brecha perigosa para
que mais grupos reivindiquem o direito ao porte de armas.
Sob o pretexto de
proteger servidores socioeducativos, o projeto ignora que o Estado tem a
responsabilidade de criar ambientes seguros sem recorrer ao armamento. Se esses
trabalhadores enfrentam riscos, a solução está no fortalecimento de políticas
de proteção, treinamento adequado e melhores condições de trabalho, e não na
facilitação do uso de armas.
O PL 4256/2019 e o PL
3387/2019 também ignoram o princípio da não violência que deveria nortear as
instituições de acolhimento de adolescentes. Armas não resolvem o problema da
violência — ao contrário, agravam-no.
Dados da Unicef
mostram que, nos últimos três anos, mais de 15 mil crianças e adolescentes
foram mortos de forma violenta no Brasil, sendo a maioria meninos negros. Em
média, uma criança ou adolescente é vítima de disparos a cada hora no país.
Esse cenário evidencia como a proliferação de armas alimenta um ciclo de
violência que afeta os mais vulneráveis. Ao armar agentes socioeducativos, o
Estado brasileiro envia uma mensagem perigosa: de que a segurança pode ser
garantida pela força, quando na verdade apenas intensifica a violência
institucional, colocando em risco a vida de adolescentes.
De acordo com a Lei do
Sinase (Lei nº 12.594/2012), a função dos agentes socioeducativos é
essencialmente pedagógica, voltada para a ressocialização dos adolescentes.
Equipará-los a agentes de segurança pública, como propõem os PLs 4256/2019 e
3387/2019, distorce essa função e mina os princípios do sistema socioeducativo.
Nas palavras de Thaisi Bauer, secretária executiva da Coalizão pela
Socioeducação, “a militarização do ambiente socioeducativo não resolve os
problemas de segurança, apenas os agrava. Precisamos de políticas que promovam
a educação, a proteção e a inclusão, não de mais armas nas mãos de
profissionais que deveriam ser agentes de transformação social.”
Além disso, o
armamento civil afeta especialmente as mulheres. O aumento do porte de armas
está diretamente relacionado ao crescimento de feminicídios e casos de
violência doméstica. A flexibilização das regras para o porte de armas, como
prevista no PL 4256/2019, exacerba essa crise.
Enquanto o Conanda,
com sua nova resolução, reafirma seu compromisso com a juventude e com um
sistema socioeducativo mais humano e transformador, o Senado, ao aprovar o PL
4256/2019 e a Câmara, ao debater o PL 3387/2019, adota uma abordagem perigosa e
simplista, que prioriza a repressão em detrimento da educação. A aprovação
desses projetos representa um retrocesso para a segurança pública e os direitos
humanos, cujo impacto será sentido principalmente por adolescentes, mulheres e
populações vulneráveis.
A pergunta que fica é:
que tipo de país queremos construir? Um país que investe na educação, proteção
e desenvolvimento dos jovens, ou um que aposta em mais armas e mais violência?
Para o Conanda, a resposta é clara: a proteção e os direitos das crianças e
adolescentes devem ser defendidos, e o caminho para um futuro mais seguro passa
pela inclusão e educação. O Senado, ao apoiar o armamento, se afasta dessa
missão, perpetuando um ciclo de violência que o Brasil já não pode suportar.
Fonte: Marco Zero
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