Thomas Milz: Lula também pode "passar
a boiada"?
Depois da polêmica
sobre o petróleo na foz do rio Amazonas, governo Lula parece disposto a
promover o projeto da Ferrogrão, arriscando alienar Marina Silva, Sonia
Guajajara e a EU.
São dias intensos
entre o Brasil e a União Europeia em relação ao acordo entre o bloco
sul-americano com o Mercosul, pendente desde 2019. Lula tem feito ultimamente
críticas ao bloco europeu por causa de certas exigências ambientais, encaradas
pelo brasileiro como "inadmissíveis", e pela postura dos países ricos
de "exigir, mas não cumprir" acordos ambientais.
Para os dois lados,
fechar o acordo é importante: os europeus querem trazer o Mercosul e,
principalmente o Brasil, para o lado ocidental no jogo de influência com o
bloco russo-chinês. Para Lula, que atualmente preside o Mercosul, é importante
apagar a crise com o Uruguai e o Paraguai, que estão perdendo a paciência com a
lentidão dos processos dentro do Mercosul.
Justamente neste
momento no qual Lula precisa de bons argumentos na disputa com os europeus,
surge uma notícia capaz de abalar sua aura de ambientalista. Na segunda-feira
(03/07), o site UOL revelou que o governo quer tirar do papel um antigo projeto
da ferrovia EF-170, conhecida como Ferrogrão, um trajeto de 933 quilômetros
entre Sinop (MT) a Miritituba (PA), em plena Amazônia.
A construção da
ferrovia derrubaria uma área de 49 mil quilômetros quadrados de vegetação
nativa – equivalente ao estado do Rio de Janeiro – e pode custar até R$ 34
bilhões, além de emitir 75 milhões de toneladas de gás carbono, segundo a
reportagem.
Uma pesquisa do Centro
de Sensoriamento Remoto da UFMG, de novembro de 2020, concluiu que a EF-170
traria uma redução dos custos de transporte de commodities, mas, ao mesmo
tempo, causaria graves impactos ambientais e sociais para povos indígenas da
região.
Só em Mato Grosso, a
ferrovia provocaria um desmatamento de até 2.000 quilômetros quadrados, estimam
a PUC-Rio e o grupo de pesquisa Climate Policy Initiative.
O projeto ganhou
visibilidade durante o governo de Jair Messias Bolsonaro, quando se tornou um
dos projetos queridos do então ministro dos Transportes Tarcísio de Freitas.
Houve quem acusou o projeto de fazer parte da "boiada” que Bolsonaro e seu
ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, queriam fazer passar. O PSOL foi um
dos atores que entrou na briga contra o projeto.
Mas o nascimento da
Ferrogrão ocorreu antes. Mais especificamente em 15 de agosto de 2012, quando a
então presidenta Dilma Rousseff lançou o Plano de Investimentos em Logística
(PIL). Depois, grandes traders internacionais de commodities – Archer Daniels
Midland (ADM), Amaggi, Bunge, Cargill e Louis Dreyfus. custearam estudos técnicos e de diagnóstico
ambiental.
O grande entrave do
projeto sempre foi a passagem do trajeto pelo Parque Nacional do Jamanxim. Em
2021, atendendo a um pedido do PSOL, o ministro Alexandre de Moraes chegou a
determinar que o projeto fosse paralisado por causa da prevista alteração de limites
da unidade de conservação. E em maio deste ano, a Advocacia Geral da União
(AGU) se manifestou em favor do PSOL, que alega que o projeto oferece riscos ao
Meio Ambiente.
Enquanto o PSOL se
opõe ao projeto, o governo Lula tem dois motivos para apoiá-lo:
• Ele melhora a difícil relação do governo
com a bancada do agronegócio no Congresso.
• Porque Lula gosta deste tipo de projeto.
Junto com Dilma Rousseff, ele já "presenteou" a Amazônia e seus povos
indígenas com as usinas hidrelétricas de Belo Monte, Santo Antônio e Jirau. Foi
com projetos assim que a dupla forçou a saída de Marina Silva do governo Lula 2
em 2008. Outro projeto é a pavimentação da BR-319 entre Manaus a Porto Velho,
um antigo pesadelo de ambientalistas defendido por Lula.
A situação de Marina
dentro do governo já piorou nas últimas semanas com o posicionamento de Lula
sobre a exploração de petróleo na foz do Rio Amazonas – o presidente disse que
achava "difícil” que a extração causasse impacto para o meio ambiente. Houve
ainda a retirada de competências importantes do ministério de Marina pelo
Congresso.
Mas a Ferrogrão não
apenas atinge Marina, mas, também, a segunda estrela socioambiental do governo:
a titular do Ministério dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara. A política do
PSOL se opõe à redução do Parque Nacional do Jamanxim. E ela apostou na postura
ambiental de Lula ao dizer, em maio, que "a efetividade em proteção aos
povos indígenas é umas das pautas primordiais do governo".
Mas a Ferrogrão atinge
povos indígenas como os Munduruku, os Kayapó e comunidades do Xingu. Segundo a
Convenção número 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre Povos
Indígenas e Tribais, esses povos tem o direito de serem consultados, "mediante
procedimentos apropriados toda vez que sejam previstas medidas legislativas ou
administrativas suscetíveis de afetá-los diretamente”.
Já é de se esperar
protestos na Europa contra a Ferrogrão, e sua consequente piora da pegada
ambiental dos produtos agrícolas transportados por essa ferrovia. Será mais um
argumento para os europeus dificultarem a conclusão do acordo com o Mercosul e
um incentivo para redobrar a pressão em cima do governo brasileiro.
E já sabemos, também,
como será a reação da fatia ufanista da esquerda brasileira. Aldo Rebelo,
eterno nacionalista ferrenho e companheiro de Dilma dos tempos do PDT, afirmou
o seguinte sobre o estudo da UFMG que abordou os problemas ambientais da Ferrogrão:
"O Brasil está condenado a ser tutelado e comprado, inclusive as
consciências acadêmicas, por ONGs e pelo dinheiro internacional que quer
paralisar o nosso país.”
Para Rebelo, a UE e os
Estados Unidos estão querendo frear o Brasil, para "congelar"” o
poder mundial. "Já há uma grande disputa no mundo entre americanos e
chineses. Imagina se o Brasil também tiver um futuro de desenvolvimento. Isso,
os concorrentes europeus e americanos não querem, por isso, financiam ONGs e
pesquisas acadêmicas para condenar o Brasil ao imobilismo.”
• Ibama ignora parecer e segue com licença
na Foz do Amazonas
Um parecer técnico
assinado por 26 analistas ambientais do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e
dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) recomendou, pela segunda vez, o
indeferimento e o arquivamento do pedido de licença da Petrobras para perfurar
um bloco de petróleo na Bacia da Foz do Amazonas. Mesmo assim, a presidência do
instituto deu prosseguimento ao processo, solicitando novas informações à
petroleira.
O parecer técnico
trata do pedido de licenciamento para perfuração marítima no chamado Bloco
FZA-M-59. Embora esteja situado no oceano Atlântico, a aproximadamente 170
quilômetros do Amapá e a 560 quilômetros da foz do rio Amazonas, a Petrobras
precisa comprovar a inexistência de impactos socioambientais ou mostrar seu
planejamento para mitigar um acidente, como, por exemplo, vazamento de
petróleo. O documento, divulgado inicialmente pela Folha de S.Paulo, foi obtido
pela reportagem da DW.
Os técnicos do Ibama
destacaram inconsistências no Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e nas respostas
dadas a questionamentos solicitados, como nos impactos sobre populações
indígenas e na biodiversidade local. Mesmo com o parecer, o presidente do
Ibama, Rodrigo Agostinho, deu continuidade ao processo, encaminhando ofício à
Petrobras, para que ela esclareça as informações.
"Não é
ilegal", avaliou Suely Araújo, coordenadora de Políticas Públicas do
Observatório do Clima e presidente do Ibama entre 2016 e 2018. "No
entanto, o parecer está muito bem elaborado e mostra que, após várias chances,
as respostas da Petrobras às contestações são insuficientes. O órgão vai
estender até quando o pedido de complementações? Para mim está muito claro que
seria melhor rejeitar e arquivar o processo."
<><> Um
recado dos técnicos
O Bloco FZA-M-59 está
localizado na Bacia da Foz do Amazonas, uma faixa no território marítimo entre
os estados do Amapá e Pará. O processo de licenciamento teve início em 2014.
Após uma série de pedidos de informação por parte do Ibama, em 2023 um parecer
técnico assinado por dez analistas ambientais recomendou o indeferimento da
licença e o arquivamento do caso. Mas o processo continuou.
Agora, o novo parecer
tomou a mesma decisão, com a assinatura de 26 servidores. "São muitos
analistas. Não são comuns pareceres deste tipo. Tem um recado da equipe técnica
importante. Eles estão dizendo que estão unidos nesta posição", analisou
Araújo.
O tema tem gerado
controvérsias, ainda mais em momento de eventos extremos causados pelas
mudanças climáticas, onde a indústria do petróleo é uma das maiores
responsáveis pela emissão dos gases de efeito estufa. O presidente Luiz Inácio
Lula da Silva chegou a defender a exploração na chamada margem equatorial, área
que vai do Rio Grande do Norte ao Amapá, onde está localizado o Bloco FZA-M-59.
A ministra do Meio
Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, tem dado declarações de que
respeitará a análise do Ibama. "Vou repetir à exaustão: o Ibama não
facilita e nem dificulta, e o Ministério do Meio Ambiente respeita, do ponto de
vista técnico, aquilo que são os procedimentos devidamente instruídos com base
na boa gestão pública", disse durante uma audiência pública em agosto de
2023.
O Ibama, em texto
publicado no seu portal, disse que o parecer "reconheceu a significativa
redução dos tempos de resposta e atendimento à fauna na documentação
apresentada pela Petrobras".
"Apesar do avanço
dos estudos apresentados pela empresa, os técnicos do Instituto solicitaram
mais detalhamentos pontuais para a adequação integral do plano ao Manual de
Boas Práticas de Manejo de Fauna Atingida por Óleo, como a presença de veterinários
nas embarcações e quantitativo de helicópteros para atendimento de
emergências", afirma o texto.
A Petrobras considera
que houve um importante avanço no processo de licenciamento. "Remanesce
pedido de detalhamentos do Plano de Proteção à Fauna e da nova base de Fauna do
Oiapoque. A equipe técnica da Petrobras está detalhando cada questionamento
para responder ao Ibama. A Petrobras está otimista e segue trabalhando na
construção da nova unidade de fauna no Oiapoque, com o entendimento que é
possível realizar a APO para a obtenção da licença para a perfuração em águas
profundas no Amapá."
<><>
Animais e indígenas
O parecer dos
analistas ambientais destacou inconsistências nas informações da Petrobras. Uma
delas diz respeito às consequências de um acidente Tier 1, termo usado na
indústria de petróleo e gás para descrever incidentes significativos.
"[...] não foram apresentadas as empresas responsáveis pelo atendimento da
fauna no caso de um acidente Tier 1, tampouco foram detalhadas as equipes que
seriam acionadas em cada possibilidade de frente de atendimento", destacou
o parecer.
Quanto ao Plano de
Proteção à Fauna (PPAF) da Petrobras, o documento aponta que não foi
apresentada alternativa viável que mitigue, satisfatoriamente, a perda de
biodiversidade, no caso de um acidente com vazamento de óleo.
"Esta condição é
especialmente crítica tendo em vista a expressiva biodiversidade marinha e a
alta sensibilidade ambiental dos ecossistemas que viriam a ser impactados.
Desta forma, não foram identificados, nos documentos analisados, elementos
suficientes que permitissem a revisão da sugestão de indeferimento da licença
ambiental e do arquivamento deste processo de licenciamento ambiental",
escreveram.
Sobre os indígenas, o
parecer diz que a Petrobras não levou em conta alguns impactos, como o uso de
aeronaves. Também "constatou-se que a empresa adotou uma conduta com o
resultado de ampliar a geração de expectativa e potencializar conflitos no território
impactado, valendo-se, inclusive, de declarações controversas para argumentar
em prol de seu interesse".
Na análise da
coordenadora de Políticas Públicas do Observatório do Clima, o licenciamento do
bloco pode representar a abertura de uma fronteira para exploração de petróleo
na região. "Eu acho que essa pressão toda pela licença do bloco 59 é uma
espécie de tentativa de abertura de porteira para simplificar os futuros
licenciamentos na Margem Equatorial. Tornaram o bloco 59 como um símbolo. É a
porteira que vai ser aberta."
• Petrobras diz que mantém expectativa por
licença do Ibama para exploração de petróleo na Margem Equatorial
Após tomar
conhecimento da resposta do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e
Recursos Naturais Renováveis) a respeito da perfuração de poço na Margem
Equatorial, a Petrobras diz que vai responder aos questionamentos e que segue
otimista com a liberação da atividade.
Técnicos do instituto
responsáveis por analisar os estudos rejeitaram o material entregue pela
petroleira e recomendaram o arquivamento do processo.
"A Petrobras
tomou conhecimento da resposta do Ibama e considera que houve um importante
avanço no processo de licenciamento do bloco FZA-M-59, Amapá Águas
Profundas", afirmou a estatal, em nota divulgada nesta quarta-feira (30),
segundo reportagem da Folha de S.Paulo.
"A equipe técnica
da Petrobras está detalhando cada questionamento para responder ao Ibama",
disse a estatal, no comunicado.
O texto afirma que a
empresa "está otimista e segue trabalhando na construção da nova unidade
de fauna no Oiapoque, com o entendimento de que é possível realizar a APO
[avaliação pré-operacional] para a obtenção da licença para a perfuração em
águas profundas no Amapá".
Fonte: DW
Brasil/Brasil 247
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