sexta-feira, 1 de novembro de 2024

Thomas Milz: Lula também pode "passar a boiada"?

Depois da polêmica sobre o petróleo na foz do rio Amazonas, governo Lula parece disposto a promover o projeto da Ferrogrão, arriscando alienar Marina Silva, Sonia Guajajara e a EU.

São dias intensos entre o Brasil e a União Europeia em relação ao acordo entre o bloco sul-americano com o Mercosul, pendente desde 2019. Lula tem feito ultimamente críticas ao bloco europeu por causa de certas exigências ambientais, encaradas pelo brasileiro como "inadmissíveis", e pela postura dos países ricos de "exigir, mas não cumprir" acordos ambientais.

Para os dois lados, fechar o acordo é importante: os europeus querem trazer o Mercosul e, principalmente o Brasil, para o lado ocidental no jogo de influência com o bloco russo-chinês. Para Lula, que atualmente preside o Mercosul, é importante apagar a crise com o Uruguai e o Paraguai, que estão perdendo a paciência com a lentidão dos processos dentro do Mercosul.

Justamente neste momento no qual Lula precisa de bons argumentos na disputa com os europeus, surge uma notícia capaz de abalar sua aura de ambientalista. Na segunda-feira (03/07), o site UOL revelou que o governo quer tirar do papel um antigo projeto da ferrovia EF-170, conhecida como Ferrogrão, um trajeto de 933 quilômetros entre Sinop (MT) a Miritituba (PA), em plena Amazônia.

A construção da ferrovia derrubaria uma área de 49 mil quilômetros quadrados de vegetação nativa – equivalente ao estado do Rio de Janeiro – e pode custar até R$ 34 bilhões, além de emitir 75 milhões de toneladas de gás carbono, segundo a reportagem.

Uma pesquisa do Centro de Sensoriamento Remoto da UFMG, de novembro de 2020, concluiu que a EF-170 traria uma redução dos custos de transporte de commodities, mas, ao mesmo tempo, causaria graves impactos ambientais e sociais para povos indígenas da região.

Só em Mato Grosso, a ferrovia provocaria um desmatamento de até 2.000 quilômetros quadrados, estimam a PUC-Rio e o grupo de pesquisa Climate Policy Initiative.

O projeto ganhou visibilidade durante o governo de Jair Messias Bolsonaro, quando se tornou um dos projetos queridos do então ministro dos Transportes Tarcísio de Freitas. Houve quem acusou o projeto de fazer parte da "boiada” que Bolsonaro e seu ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, queriam fazer passar. O PSOL foi um dos atores que entrou na briga contra o projeto.

Mas o nascimento da Ferrogrão ocorreu antes. Mais especificamente em 15 de agosto de 2012, quando a então presidenta Dilma Rousseff lançou o Plano de Investimentos em Logística (PIL). Depois, grandes traders internacionais de commodities – Archer Daniels Midland (ADM), Amaggi, Bunge, Cargill e Louis Dreyfus.  custearam estudos técnicos e de diagnóstico ambiental.

O grande entrave do projeto sempre foi a passagem do trajeto pelo Parque Nacional do Jamanxim. Em 2021, atendendo a um pedido do PSOL, o ministro Alexandre de Moraes chegou a determinar que o projeto fosse paralisado por causa da prevista alteração de limites da unidade de conservação. E em maio deste ano, a Advocacia Geral da União (AGU) se manifestou em favor do PSOL, que alega que o projeto oferece riscos ao Meio Ambiente.

Enquanto o PSOL se opõe ao projeto, o governo Lula tem dois motivos para apoiá-lo:

•        Ele melhora a difícil relação do governo com a bancada do agronegócio no Congresso.

•        Porque Lula gosta deste tipo de projeto. Junto com Dilma Rousseff, ele já "presenteou" a Amazônia e seus povos indígenas com as usinas hidrelétricas de Belo Monte, Santo Antônio e Jirau. Foi com projetos assim que a dupla forçou a saída de Marina Silva do governo Lula 2 em 2008. Outro projeto é a pavimentação da BR-319 entre Manaus a Porto Velho, um antigo pesadelo de ambientalistas defendido por Lula.

A situação de Marina dentro do governo já piorou nas últimas semanas com o posicionamento de Lula sobre a exploração de petróleo na foz do Rio Amazonas – o presidente disse que achava "difícil” que a extração causasse impacto para o meio ambiente. Houve ainda a retirada de competências importantes do ministério de Marina pelo Congresso.

Mas a Ferrogrão não apenas atinge Marina, mas, também, a segunda estrela socioambiental do governo: a titular do Ministério dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara. A política do PSOL se opõe à redução do Parque Nacional do Jamanxim. E ela apostou na postura ambiental de Lula ao dizer, em maio, que "a efetividade em proteção aos povos indígenas é umas das pautas primordiais do governo".

Mas a Ferrogrão atinge povos indígenas como os Munduruku, os Kayapó e comunidades do Xingu. Segundo a Convenção número 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre Povos Indígenas e Tribais, esses povos tem o direito de serem consultados, "mediante procedimentos apropriados toda vez que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-los diretamente”.

Já é de se esperar protestos na Europa contra a Ferrogrão, e sua consequente piora da pegada ambiental dos produtos agrícolas transportados por essa ferrovia. Será mais um argumento para os europeus dificultarem a conclusão do acordo com o Mercosul e um incentivo para redobrar a pressão em cima do governo brasileiro.

E já sabemos, também, como será a reação da fatia ufanista da esquerda brasileira. Aldo Rebelo, eterno nacionalista ferrenho e companheiro de Dilma dos tempos do PDT, afirmou o seguinte sobre o estudo da UFMG que abordou os problemas ambientais da Ferrogrão: "O Brasil está condenado a ser tutelado e comprado, inclusive as consciências acadêmicas, por ONGs e pelo dinheiro internacional que quer paralisar o nosso país.”

Para Rebelo, a UE e os Estados Unidos estão querendo frear o Brasil, para "congelar"” o poder mundial. "Já há uma grande disputa no mundo entre americanos e chineses. Imagina se o Brasil também tiver um futuro de desenvolvimento. Isso, os concorrentes europeus e americanos não querem, por isso, financiam ONGs e pesquisas acadêmicas para condenar o Brasil ao imobilismo.”

•        Ibama ignora parecer e segue com licença na Foz do Amazonas

Um parecer técnico assinado por 26 analistas ambientais do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) recomendou, pela segunda vez, o indeferimento e o arquivamento do pedido de licença da Petrobras para perfurar um bloco de petróleo na Bacia da Foz do Amazonas. Mesmo assim, a presidência do instituto deu prosseguimento ao processo, solicitando novas informações à petroleira.

O parecer técnico trata do pedido de licenciamento para perfuração marítima no chamado Bloco FZA-M-59. Embora esteja situado no oceano Atlântico, a aproximadamente 170 quilômetros do Amapá e a 560 quilômetros da foz do rio Amazonas, a Petrobras precisa comprovar a inexistência de impactos socioambientais ou mostrar seu planejamento para mitigar um acidente, como, por exemplo, vazamento de petróleo. O documento, divulgado inicialmente pela Folha de S.Paulo, foi obtido pela reportagem da DW.

Os técnicos do Ibama destacaram inconsistências no Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e nas respostas dadas a questionamentos solicitados, como nos impactos sobre populações indígenas e na biodiversidade local. Mesmo com o parecer, o presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, deu continuidade ao processo, encaminhando ofício à Petrobras, para que ela esclareça as informações.

"Não é ilegal", avaliou Suely Araújo, coordenadora de Políticas Públicas do Observatório do Clima e presidente do Ibama entre 2016 e 2018. "No entanto, o parecer está muito bem elaborado e mostra que, após várias chances, as respostas da Petrobras às contestações são insuficientes. O órgão vai estender até quando o pedido de complementações? Para mim está muito claro que seria melhor rejeitar e arquivar o processo."

<><> Um recado dos técnicos

O Bloco FZA-M-59 está localizado na Bacia da Foz do Amazonas, uma faixa no território marítimo entre os estados do Amapá e Pará. O processo de licenciamento teve início em 2014. Após uma série de pedidos de informação por parte do Ibama, em 2023 um parecer técnico assinado por dez analistas ambientais recomendou o indeferimento da licença e o arquivamento do caso. Mas o processo continuou.

Agora, o novo parecer tomou a mesma decisão, com a assinatura de 26 servidores. "São muitos analistas. Não são comuns pareceres deste tipo. Tem um recado da equipe técnica importante. Eles estão dizendo que estão unidos nesta posição", analisou Araújo.

O tema tem gerado controvérsias, ainda mais em momento de eventos extremos causados pelas mudanças climáticas, onde a indústria do petróleo é uma das maiores responsáveis pela emissão dos gases de efeito estufa. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva chegou a defender a exploração na chamada margem equatorial, área que vai do Rio Grande do Norte ao Amapá, onde está localizado o Bloco FZA-M-59.

A ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, tem dado declarações de que respeitará a análise do Ibama. "Vou repetir à exaustão: o Ibama não facilita e nem dificulta, e o Ministério do Meio Ambiente respeita, do ponto de vista técnico, aquilo que são os procedimentos devidamente instruídos com base na boa gestão pública", disse durante uma audiência pública em agosto de 2023.

O Ibama, em texto publicado no seu portal, disse que o parecer "reconheceu a significativa redução dos tempos de resposta e atendimento à fauna na documentação apresentada pela Petrobras".

"Apesar do avanço dos estudos apresentados pela empresa, os técnicos do Instituto solicitaram mais detalhamentos pontuais para a adequação integral do plano ao Manual de Boas Práticas de Manejo de Fauna Atingida por Óleo, como a presença de veterinários nas embarcações e quantitativo de helicópteros para atendimento de emergências", afirma o texto.

A Petrobras considera que houve um importante avanço no processo de licenciamento. "Remanesce pedido de detalhamentos do Plano de Proteção à Fauna e da nova base de Fauna do Oiapoque. A equipe técnica da Petrobras está detalhando cada questionamento para responder ao Ibama. A Petrobras está otimista e segue trabalhando na construção da nova unidade de fauna no Oiapoque, com o entendimento que é possível realizar a APO para a obtenção da licença para a perfuração em águas profundas no Amapá."

<><> Animais e indígenas

O parecer dos analistas ambientais destacou inconsistências nas informações da Petrobras. Uma delas diz respeito às consequências de um acidente Tier 1, termo usado na indústria de petróleo e gás para descrever incidentes significativos. "[...] não foram apresentadas as empresas responsáveis pelo atendimento da fauna no caso de um acidente Tier 1, tampouco foram detalhadas as equipes que seriam acionadas em cada possibilidade de frente de atendimento", destacou o parecer.

Quanto ao Plano de Proteção à Fauna (PPAF) da Petrobras, o documento aponta que não foi apresentada alternativa viável que mitigue, satisfatoriamente, a perda de biodiversidade, no caso de um acidente com vazamento de óleo.

"Esta condição é especialmente crítica tendo em vista a expressiva biodiversidade marinha e a alta sensibilidade ambiental dos ecossistemas que viriam a ser impactados. Desta forma, não foram identificados, nos documentos analisados, elementos suficientes que permitissem a revisão da sugestão de indeferimento da licença ambiental e do arquivamento deste processo de licenciamento ambiental", escreveram.

Sobre os indígenas, o parecer diz que a Petrobras não levou em conta alguns impactos, como o uso de aeronaves. Também "constatou-se que a empresa adotou uma conduta com o resultado de ampliar a geração de expectativa e potencializar conflitos no território impactado, valendo-se, inclusive, de declarações controversas para argumentar em prol de seu interesse".

Na análise da coordenadora de Políticas Públicas do Observatório do Clima, o licenciamento do bloco pode representar a abertura de uma fronteira para exploração de petróleo na região. "Eu acho que essa pressão toda pela licença do bloco 59 é uma espécie de tentativa de abertura de porteira para simplificar os futuros licenciamentos na Margem Equatorial. Tornaram o bloco 59 como um símbolo. É a porteira que vai ser aberta."

•        Petrobras diz que mantém expectativa por licença do Ibama para exploração de petróleo na Margem Equatorial

Após tomar conhecimento da resposta do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis) a respeito da perfuração de poço na Margem Equatorial, a Petrobras diz que vai responder aos questionamentos e que segue otimista com a liberação da atividade.

Técnicos do instituto responsáveis por analisar os estudos rejeitaram o material entregue pela petroleira e recomendaram o arquivamento do processo.

"A Petrobras tomou conhecimento da resposta do Ibama e considera que houve um importante avanço no processo de licenciamento do bloco FZA-M-59, Amapá Águas Profundas", afirmou a estatal, em nota divulgada nesta quarta-feira (30), segundo reportagem da Folha de S.Paulo.

"A equipe técnica da Petrobras está detalhando cada questionamento para responder ao Ibama", disse a estatal, no comunicado.

O texto afirma que a empresa "está otimista e segue trabalhando na construção da nova unidade de fauna no Oiapoque, com o entendimento de que é possível realizar a APO [avaliação pré-operacional] para a obtenção da licença para a perfuração em águas profundas no Amapá".

 

Fonte: DW Brasil/Brasil 247

 

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