“No Brasil a única causa natural dos
incêndios são os raios. Nas demais o homem está envolvido”, afirma professor
Os biomas brasileiros
e sua biodiversidade são as vítimas diretas das queimadas que escalaram em
número no país a partir de meados de julho. De acordo com dados do Programa Queimadas do Instituto Nacional de Pesquisas
Espaciais (Inpe), considerando os períodos entre janeiro e
setembro das últimas duas décadas, o ano de 2024 é o segundo com mais área
queimada no país (mais de 381 mil km²), atrás somente de 2010 (cerca de 420 mil
km²).
Nem todo fogo no
Brasil é ilegal — sob condições, queimadas ainda são autorizadas para
agricultura e, bem mais raramente, para manutenção de ecossistemas específicos.
Segundo a terminologia da área, ligada à agricultura tradicional, a queima
controlada, autorizada ou não, é a que segue critérios técnicos, os incêndios
são problemáticos porque não há controle, e os focos de calor são pontos com
temperatura acima de 47ºC captada por satélites, logo indicativos de presença
do fogo.
Os números de focos de
calor deste ano, porém, chamam atenção para condutas ilegais, visto que o fogo
tem ameaçado unidades de conservação. O que, na prática, ocorre todos os anos
no país, nem sempre em escala tão grande, mas sempre causando perdas. Muitas
delas — caso da Área de Preservação Ambiental Triunfo do Xingu, no Pará, que
fica na sensível Terra do Meio da Amazônia Legal — já são territórios
pressionados por pecuária e mineração em qualquer época do ano.
Para o professor
Alexandre França Tetto, coordenador do Laboratório de Incêndios Florestais
(Firelab) e do Laboratório de Unidades de Conservação (Lucs) no Setor de
Ciências Agrárias da Universidade Federal do Paraná (UFPR), o fato de áreas
protegidas virarem cinza anualmente é o aspecto mais grave da descontinuidade
de políticas de prevenção a incêndios florestais.
“Quando eventos
extremos acontecem há, geralmente, uma comoção por parte da população, que leva
políticos a se posicionarem rapidamente”, avalia. “Quando o fato deixa de ser
notícia, não há um monitoramento desses encaminhamentos por parte da mídia ou
da população, fazendo com que em cinco, dez anos, a história seja semelhante”.
Há 24 anos no ramo de
prevenção e combate a incêndios florestais, Tetto conhece por dentro o
funcionamento de governos, empresas e de corporações militares e civis em torno
do tema. Foi um dos condecorados no ano passado pelo
Corpo de Bombeiros Militar do Paraná, pelo
trabalho na capacitação desses profissionais. Antes disso, foi servidor na
pasta estadual de Agricultura, supervisor do Serviço Nacional de Aprendizagem
Rural do Paraná (Senar-PR) e consultor na área ambiental.
Ao alertar para as
consequências da falta de prioridade pública, Tetto pondera que os incêndios
florestais são ocorrências periódicas com certo grau de previsibilidade. Na
avaliação dele, obedecem a ciclos em que condições meteorológicas se somam a
determinadas condutas de exploração do solo. É para essas horas que a atuação
política deveria ser enfatizada a fim de garantir prevenção e respostas
rápidas.
“O que podemos fazer é
tentar prevenir e combater [os incêndios] da forma mais eficiente possível.
Além disso, embora isso esteja contido da prevenção, trabalhar para deixar os
ambientes cada vez mais resilientes”, diz.
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Confira a entrevista que Tetto concedeu à Ciência UFPR por
e-mail:
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Segundo o Perfil dos Municípios Brasileiros
2020, o mais recente do IBGE, o número de
municípios com queimadas aumentou 42,9% em quatro anos (2017-2020). O estudo
apresentou um quadro em que as queimadas são o principal problema ambiental
reportado pelos municípios, seguidas das condições climáticas extremas, como
secas e enxurradas. O aumento expressivo já era um alerta para a volumização de
um problema? Se possível, comente sobre como funcionam essas notificações: os
municípios são obrigados a isso?
Alexandre
França Tetto | É preciso diferenciar a queima controlada
dos incêndios florestais. Isso está na Lei nº 14.944, de 31 de julho de 2024 [que instituiu a Política Nacional de Manejo Integrado do
Fogo].
Os incêndios, como os
demais eventos extremos, são cíclicos. Para enfrentarmos, precisamos estar
preparados, o que exige planejamento, ações de prevenção, mitigação e
adaptação.
As informações sobre
os incêndios florestais são anotadas no Registro de Ocorrência de Incêndios
[ROI], sobretudo em unidades de conservação e empresas florestais, que são
utilizadas para trabalhos de prevenção e combate aos incêndios.
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O monitoramento do
Inpe aponta que o número de focos de calor que indicam queimadas no país dobrou
em um ano, desde 2023. Discute-se o impacto da ação humana (incêndios
criminosos para grilagem de terras, “dias do fogo” e etc.) e da crise
climática. Qual é o principal culpado, na sua opinião?
AFT | O fogo, para ocorrer, depende do que denominamos triângulo
do fogo: calor, material combustível e oxigênio. Sem um ou mais desses
elementos, o fogo não existe. Toda a atividade de prevenção ou de combate
utiliza como base esse princípio.
Por exemplo, na
prevenção, quando se aumenta a fiscalização em uma área, está se retirando de
lá a possibilidade de ignição (calor), uma vez que a presença de um vigilante,
de um guarda, acaba por inibir a ação de um incendiário.
No combate, quando se
utiliza um abafador, está se retirando o oxigênio do triângulo do fogo. O mesmo
raciocínio pode ser aplicado para todas as demais ferramentas e equipamentos.
No Brasil a única
causa natural dos incêndios são os raios, para todas as demais o homem está
envolvido.
Há, certamente, várias
causas dos incêndios que ocorreram recentemente, sendo alguns provocados por
incendiários, com algum interesse na área. Por isso a importância de se
determinar a causa e se punir, quando for o caso, os responsáveis.
Na minha opinião há um
conjunto de fatores, reconhecidos na literatura, que resultam em uma maior
ocorrência e propagação dos incêndios. No caso atual não é diferente. Estão
ocorrendo temperatura mais elevada, baixa umidade relativa, ventos mais
intensos, períodos de maior estiagem, ocorrência de geadas — que predispõe o
material a queimar.
Também temos questões
do uso da terra, uma vez que algumas atividades, se não adequadamente
manejadas, podem disponibilizar mais material combustível no ambiente.
Essas condições se
repetem, de forma cíclica, a cada quatro ou cinco anos no Paraná. Isso mostra a
importância de se trabalhar a prevenção, bem como o treinamento e a capacitação
de brigadistas, de forma constante para anos de maior número de incêndios.
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O estudo do IBGE já
apontava decréscimo do investimento público em meio ambiente nos orçamentos
estaduais, mesmo com os problemas ambientais se convertendo em crises públicas
de repercussão. Parece que em público se fala muito das queimadas, de meio ambiente,
em geral, mas isso não aparece nas prioridades orçamentárias. Por que isso
acontece, no seu entendimento?
AFT | Quando eventos extremos acontecem há, geralmente, uma
comoção por parte da população, que leva políticos a se posicionarem
rapidamente, tentando por meio de leis, ações pontuais e promessas mostrar que
medidas estão sendo tomadas.
Como o fato deixa de
ser notícia rapidamente, não há um monitoramento desses encaminhamentos por
parte da mídia ou população, fazendo com que em cinco, dez anos a história seja
semelhante.
Exemplo triste desse
não comprometimento, não priorização e falta de planejamento governamental são
os milhares de hectares queimados anualmente, sobretudo em unidades de
conservação, os parques, as reservas biológicas, as estações ecológicas. Áreas
cujo objetivo principal é proteger a biodiversidade.
·
A dinâmica de
contratar brigadistas em caráter emergencial é suficiente para combater as
queimadas? O que esse profissional precisa ter em termos de conhecimento
técnico? Lembrando que infelizmente houve registros de morte este ano, isso é
frequente?
AFT | Trabalhar com pessoas não é fácil, é um desafio constante
para se entender a mente humana, suas reações, medos, anseios. O
estabelecimento de parâmetros nessas contratações também se faz necessário para
se avaliar e aprimorar procedimentos ao longo do tempo.
Dito isso, a
contratação emergencial é o que deve ser feito nesse momento de crise, uma vez
que não se fez o que deveria no devido tempo.
Aqui no Paraná,
estamos incluindo os incêndios florestais nos planos de contingência da Defesa
Civil, o que facilita a organização das ações nos diversos níveis, como
funções, contatos, disponibilidade de equipamentos, pontos de apoio, entre
outros. Esse é um importante passo para unirmos forças, agindo de forma
conjunta e com efetividade.
Além de um bom
condicionamento físico, o brigadista precisa ser capacitado e constantemente
treinado para enfrentar um incêndio florestal. São vários conhecimentos
relacionados às questões das variáveis meteorológicas, condições do terreno,
características da vegetação, que influenciarão no comportamento do fogo, além
do uso de equipamentos, ferramentas, estabelecimento de funções, procedimentos
de segurança, que precisam ser conhecidos, minimizando o risco à vida humana.
Em alguns casos,
quando não há o devido treinamento, por imprudência ou outro motivo de força
maior, há risco de morte. Por isso, os incêndios devem ser combatidos por
pessoas preparadas.
Aqueles que não
estiverem nessas condições, devem notificar o bombeiro o mais rápido possível,
no telefone 193, para que eles possam rapidamente combatê-lo.
Um dos princípios dos
incêndios diz que ‘todo o incêndio começa pequeno’. Se detectarmos e nos
deslocarmos até ele rapidamente, fica muito mais fácil o combate.
·
Que ferramentas e
técnicas existem para aplacar incêndios em área florestal? É possível agir com
celeridade, localizando rapidamente os focos, antes que grande área seja
comprometida? Existe algum ponto crítico em que nada é possível fazer?
AFT
| Dependendo da intensidade do fogo, que vai
possibilitar ou não a aproximação do fogo, são utilizados equipamentos manuais
(abafadores, bombas-costais, enxadas) ou pesados (tratores, caminhões-bombeiro,
helicópteros, aviões).
O modo mais econômico
e menos trabalhoso de se combater o fogo é com a prevenção. Um incêndio que foi
prevenido não precisa ser combatido e não gera gastos. Nem todos os incêndios
podem ser prevenidos, neste caso eles precisam ser combatidos com rapidez. Com
isso, o objetivo do combate é sempre detectar o incêndio o mais rapidamente
possível, mobilizando e deslocando a equipe de brigadistas até o local para
início do combate.
Um outro princípio dos
incêndios diz que ‘não existe no mundo tecnologia capaz de apagar incêndios de
altíssima intensidade’.
Nesse caso é preciso
aguardar uma mudança no material combustível que está queimando ou nas
condições meteorológicas, que permitam o combate.
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Uma de suas últimas
publicações científicas foi sobre como a técnica do zoneamento de risco de
incêndio florestal poderia ajudar na prevenção desse problema na Região
Metropolitana de Curitiba. Por que as divisas entre os municípios são
consideradas áreas de extremo risco, tem a ver com menor controle
governamental? E que medidas preventivas (políticas públicas) poderiam ser
elencadas a partir dessa análise?
AFT | É importante para o planejamento das ações de prevenção e
combate saber onde, quando e por que os incêndios ocorrem, para se concentrar
esforços em determinadas áreas, períodos e causas. Sem esse histórico, reduz-se
a efetividade das ações.
O zoneamento de risco
de incêndios florestais indica esses locais de maior preocupação. Um deles tem
sido as regiões de interface urbano-rural, onde a malha urbana se encontra com
o meio rural. Nesses locais há, de forma geral, uma maior ocorrência de incêndios,
embora com pequena área atingida, e que merecem a nossa atenção.
Em termos de política
pública, creio que ‘bastaria’ priorizar as questões ambientais de forma geral,
desde a conservação pelo uso, os pagamentos por serviços ambientais, ações de
silvicultura preventiva, sendo o mais importante: tornar as pessoas — tanto do
meio rural como urbano — parceiros na conservação, nunca tendo como primeira
opção a autuação ou aplicação da legislação.
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Por que se entende que
florestas têm uma climatologia e uma meteorologia próprias?
AFT | Aqui é preciso falar em escala. Em um primeiro momento,
quem define a vegetação que vai se estabelecer em determinado local é o clima.
Basta observar um mapa de vegetação e analisar o gradiente de variação da
vegetação do Equador, que é onde se recebe mais radiação, para os Polos, que
têm menores temperaturas.
Após essa vegetação se
estabelecer, ela irá influenciar no microclima, que vai de alguns metros a dez
quilômetros de distância, fazendo com que tenhamos uma série de benefícios,
entre eles os relacionados às variáveis meteorológicas: maior umidade relativa,
menor amplitude térmica e temperaturas mais amenas durante o dia, quando se
compara uma área de floresta a um gramado, por exemplo.
Cabe um destaque para
a arborização urbana e para as unidades de conservação municipais, que atuam
nesse sentido.
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Quais os impactos das
queimadas para as áreas de preservação de floresta? Elas são mesmo mais
resilientes do que as plantações, como um meme que se tornou viral, comparando
as raízes das plantas, dá a entender? E as queimadas sucessivas, o que fazem
com essas áreas reservadas, simplesmente são banidas do mapa? Quais as
limitações dos planos de regeneração?
AFT | Os incêndios florestais possuem vários efeitos sobre o
ambiente: solo, vegetação, fauna silvestre, ar atmosférico, entre outros. Há
ambientes que se desenvolveram com a presença do fogo, adaptando-se a ele, como
o caso do Cerrado, que são denominados “dependentes do fogo”.
Nesses ambientes, o
fogo vem sendo aplicado em unidades de conservação em áreas previamente
delimitadas, em determinadas condições meteorológicas, com objetivo de
conservação da natureza, que é o que se chama de queima controlada.
Por outro lado, há
ambientes classificados como “sensíveis ao fogo”, como a Floresta Atlântica,
que desenvolveu, ao longo do tempo, condições para dificultar a ocorrência e a
propagação do fogo: ambiente mais úmido, com menor quantidade de radiação solar,
menor velocidade do vento.
Nesses locais, quando
ocorre um incêndio os impactos são maiores, pois a fauna e flora não possuem
estruturas de adaptação, sendo que o reestabelecimento dessa área demora por
não possuírem proteção para tal.
O uso da queima
controlada, que pode ser utilizado na silvicultura, prevenção e combate aos
incêndios florestais, manejo de pastagens, manejo da fauna silvestre, controle
de pragas e doenças, limpeza do terreno para plantio agrícola ou florestal,
entre outros, deve ser utilizado dentro de determinados padrões, para se
minimizar impactos negativos. Para isso, observa-se muito sobretudo duas
variáveis: intensidade do fogo e frequência com que ele será utilizado.
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“Provocar incêndio em
mata ou floresta” é crime, com pena de reclusão de dois a quatro anos, e multa.
Se for não intencional, a pena é de detenção de seis meses a um ano e multa. Em
termos das consequências do crime, seria suficiente? E qual o papel do agronegócio
nisso?
AFT | O que falta não é legislação a respeito do uso do fogo.
Falta perito e apuração do eventual crime.
As evidências de um
incêndio para se apurar a causa e correspondente responsável é comprometida
rapidamente e nesse sentido é que temos uma oportunidade de melhoria.
Pessoalmente acredito
que o agronegócio tem conservado e preservado várias áreas de remanescentes
florestais, em harmonia com as suas áreas produtivas, além de possuírem
brigadas de incêndios treinadas para atender essas ocorrências, já que para
eles aquele ativo é importante: é dele que depende o funcionamento da empresa.
Por outro lado, há
outros interesses que precisam ser apurados rapidamente por peritos e
encaminhados judicialmente.
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Quais pesquisas e
atividades com governos o Firelab tem realizado nos últimos anos? Houve alguma
mudança de foco?
AFT | O Laboratório de Incêndios Florestais da UFPR tem
elaborado zoneamento de risco de incêndios florestais, planos de prevenção e
combate, laudos de incêndios e treinado brigadas pelo Brasil. Nos últimos três
anos, a UFPR tem participado de uma campanha de prevenção e combate aos
incêndios florestais coordenada pela Associação Paranaense de Empresas de Base
Florestal e que tem disponibilizado material de educação ambiental e organizado
ações pelo Estado.
Embora muitos aspectos
relacionados a prevenção e combate aos incêndios florestais tenham sido
sistematicamente introduzidos, destacados e apresentados, desde a década de 80,
pelos professores Ronaldo Viana Soares e Antonio Carlos Batista antes de mim, alguns
começam a ser — finalmente — implementados, como a Lei nº 14.944, de 31 de
julho de 2024, que trata do manejo integrado do fogo, a queima controlada
Fonte: Entrevista com
Alexandre Tetto, por Camille Bropp, em Ciência UFPR
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