COP 29: “Tão longe e tão perto” do fim da
era dos combustíveis fósseis
É certo afirmar que o
que foi definido na última Conferência das Partes (COP) como o “início do fim”
da era dos combustíveis fósseis ainda está distante de estabelecer um mecanismo
claro e eficaz para a substituição dessa matriz energética. Mas os caminhos
para o evento deste ano, que ocorrerá no Azerbaijão entre os dias 11 e 22 de
novembro, parecem seguir uma fórmula semelhante.
Assim como na COP28,
presidida pelo sultão Al Jaber – chefe da petrolífera estatal Abu Dhabi
National Oil Company (Adnoc) – a COP29 de Baku tem como presidente-designado
Mukhtar Babayev, que por duas décadas ocupou cargos de liderança na Companhia
Estatal de Petróleo da República do Azerbaijão (SOCAR). Esse cenário poderia
representar um obstáculo à agenda de transição energética da Convenção-Quadro
das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC)?
Ao analisar a
legislação do Azerbaijão, constata-se que a transição ainda não se tornou uma
prioridade política. Até 2019 a participação de fontes alternativas na geração
total de energia do país consistia em apenas 7,3%, enquanto 92,7% correspondiam
à utilização de recursos não renováveis. Apesar disso, o Estado azerbaijano
possui um potencial significativo – e pouco explorado – para o proveito de
fontes energéticas limpas, com uma capacidade estimada em 23 bilhões gigawatts
de energia solar, 3 bilhões gigawatts de energia eólica e 380 milhões megawatts
de biomassa.
Em sua última, e
ambiciosa, Contribuição Nacional (NDC), apresentada ao secretariado da
Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), o
Azerbaijão se comprometeu com a descarbonização de todos os setores da
economia. Além disso, com relação ao seu arcabouço legislativo, um número
considerável de atos normativos e projetos foram adotados a partir de 2020,
para fazer com que, pelo menos, 30% do seu consumo de energia doméstico (1,5
milhão megawatt) provenha de fontes sustentáveis até 2030.
Para a mesma data, no
que se refere à redução de emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE), a
Companhia Estatal de Petróleo do Azerbaijão (SOCAR), também se comprometeu com
a quantidade de 95 milhões de metros cúbicos ao ano, enquanto, para 2050, outra
política de mitigação proposta pelo governo envolve zerar as emissões de GEE
nos territórios recém-retomados de Nagorno-Karabakh. Logo, existem expectativas
para que Baku estimule a adoção de fontes renováveis a partir da flexibilização
de regulação tarifária para as matrizes alternativas, bem como do
fortalecimento de suas políticas de pesquisa e desenvolvimento para novas
tecnologias neste campo.
Contudo, há um
contraste entre os compromissos assumidos pelo Azerbaijão junto ao Acordo de
Paris de 2015 e o que efetivamente tem se desenvolvido em sua política
doméstica. Apesar da adoção de uma série de leis, programas estatais para a
aquisição tecnológica e atos regulatórios com interface à Convenção do clima –
a própria criação do Ministério da Ecologia e dos Recursos Naturais, do qual
Babayev é encarregado – setores nacionais altamente emissores como o de
petróleo e gás, produção energética, transporte e agricultura seguem sem uma
estrutura definida para suas políticas climáticas. Algo também evidenciado nas
frequentes mudanças de status e jurisdição do órgão regulador para a transição
energética do país.
• Baku no centro do ‘Corredor Leste-Oeste’
É claro que como um
tradicional produtor de hidrocarbonetos, o Azerbaijão possui reservas
suficientes para exportar e atender às suas necessidades internas de
abastecimento. Desde a independência da União das Repúblicas Socialistas
Soviéticas (URSS), em 1991, o seu sistema de fornecimento e geração de energia
vem atraindo a atenção mundial, especialmente após um consórcio de empresas
ocidentais, liderado pela British Petroleum (BP), ter assinado com o país um
acordo para a exploração de suas reservas offshore.
Sob o consórcio com a
SOCAR, muitas corporações, como a Royal Dutch Shell, Nobel Brothers Petroleum
Company, INPEX, Chevron e ExxonMobil, investiram na indústria petrolífera
azerbaijana e em sua infraestrutura de escoamento, como no Oleoduto
Baku-Tbilisi-Ceyhan (BTC) e no Gasoduto do Sul do Cáucaso (SCP). Tais projetos
complementam as tradicionais rotas rumo à Europa via Baku-Novorossiysk (Rússia)
e Baku-Supsa (Geórgia) por intermédio do Corredor Meridional (SGC). Sua conexão
com o SCP, na cidade turca de Erzurum, é responsável pelo transporte de cerca
de 10 milhões de metros cúbicos de gás para a Grécia, Albânia e Itália, via
sistemas Trans-Anatólia (TANAP) e Trans-Adriático (TAP).
Nesse sentido, não é
de se surpreender que a tímida transição energética do Azerbaijão esteja
intimamente condicionada à geopolítica do Cáspio e ao seu ambiente estratégico
circundante. Um cenário que tem moldado a crescente aproximação econômica – e
militar, no contexto de Nagorno-Karabakh – entre Ancara e Baku. A Turquia
aproveita essas relações favoráveis para promover os corredores de transporte
já implementados, como o SGC, e apoiar projetos em fase de planejamento, como o
Gasoduto Nabucco (entre Turquia, Bulgária, Romênia, Hungria e Áustria), um
potencial concorrente do russo South Stream.
De todo modo, os
turcos não estão sozinhos. A localização estratégica do Azerbaijão como um hub
logístico Leste-Oeste, integrado à Nova Rota da Seda, fortalece a construção
desses megaprojetos de escoamento, essenciais para conectar a produção
azerbaijana à União Europeia (UE), e posicionam o país enquanto peça central
das aspirações ocidentais no Cáucaso.
• Relações Azerbaijão-UE: ‘para longe dos
combustíveis fósseis’… russos
Não coincidentemente
no contexto das escaramuças com a Rússia, em 2022, Azerbaijão e UE firmaram um
Memorando de Entendimento (MoU) para uma parceria estratégica no campo
energético. Na prática, foi estabelecido um acordo para duplicar a produção de
combustíveis fósseis e a capacidade do SGC, visando entregar pelo menos 20
bilhões de metros cúbicos de gás natural anualmente à Europa até 2027.
A UE, que busca
instrumentalizar o SGC para também adquirir o gás do Turcomenistão, vem
demonstrando na prática que, pelo menos no Cáucaso e na Ásia Central, o
objetivo de “move away from Russian fossil fuels”, como destacado por Ursula
Von der Leyen, Presidente da Comissão Europeia, na ocasião do Memorando. Um
posicionamento simbólico e que parece ter mais lastro do que qualquer caminho
efetivo “para longe da era dos combustíveis fósseis”. Simultaneamente, estes
contratos representam um influxo significativo de Investimento Direto Externo
(IDE) para o Azerbaijão, que busca atrair e diversificar os IDEs em sua
economia, após os choques exógenos de 2008 e, novamente, de 2015 e 2016.
Existem claras
manifestações de que Baku pretende utilizar de sua relação amistosa com o bloco
europeu para alçar o status de economia mundial e adentrar o espaço
Euro-atlântico, principalmente se levarmos em consideração o fato do Azerbaijão
ser uma das poucas nações do Leste Europeu que não integra a Organização
Mundial do Comércio (OMC), que possui uma frágil integração no contexto das
Parcerias Orientais da UE e logra um dos piores índices de convergência
política com o grupo, dentre os demais países da região.
No contexto da
transição energética e das agendas de mitigação, essas divergências políticas
ficam mais evidentes quando comparadas às progressivas regulações e
certificações de carbono que se aplicam ao comércio europeu. Contudo, qual será
o futuro das parcerias Azerbaijão-UE no setor energético a partir do momento em
que a energia limpa e a convergência política tornar-se o ponto central das
relações bilaterais?
É fundamental para o
país avançar na diversificação de sua matriz energética, reduzindo a
dependência de combustíveis fósseis e explorando o potencial das fontes
renováveis. Paralelamente, o Azerbaijão visa garantir uma fonte estável de
receitas por meio das exportações de gás natural para o mercado europeu. Nesse
contexto, e considerando a recente queda nos fluxos de IDEs, o governo busca
promover uma “transição energética” para atender seu consumo doméstico,
enquanto aumenta as exportações de via SCP.
Considerar uma
transição verde requer grandes esforços para a diversificação energética no
Azerbaijão, e para a redução de sua dependência econômica às indústrias do
petróleo e gás, um objetivo que ainda está longe de se concretizar. Enquanto o
país não aprimorar o desenvolvimento de recursos energéticos renováveis ou
políticas de governança mais assertivas quanto aos impactos das mudanças
climáticas, é provável que num futuro não muito distante esteja vulnerável a
choques externos frente aos processos regulatórios de descarbonização da UE.
• Ambições globais, controvérsias
domésticas: o que esperar da COP29?
A realização de mais
uma conferência hospedada por um petro-estado levanta preocupações válidas
quanto à implementação do Consenso dos Emirados Árabes Unidos, alcançado em
2023. A COP29 em Baku já apresenta um prato farto de controvérsias domésticas
que colocam em questão as expectativas por ambições progressivas aos acordos
finais negociados sob os auspícios da UNFCCC. Se por um lado, o país conquistou
uma vitória diplomática ao ser designado à presidência da Conferência das
Partes, por outro, terá de manejar bem os custos políticos dessa escolha para
que não se torne uma vitória de pirro. Sobretudo, aos holofotes e escrutínios
da forte influência do lobby fóssil na política azerbaijana.
Ainda este ano,
durante o 60° encontro do SBI e do SBSTA (SB60) realizado em Bonn, as
principais discussões tiveram como enfoque a agenda da Nova Meta Coletiva
Quantificada (NCQG) para o financiamento climático. Neste campo, a COP de Baku
já é tida como a “COP do financiamento” onde as expectativas concentram-se num
acordo final com provisões claras à atualização da meta.
No plano de trabalho
da presidência da COP29, constam múltiplas disposições para esta agenda,
incluindo a proposta do Climate Finance Action Fund (CFAF), capitalizado a
partir de contribuições voluntárias das economias e companhias fósseis
vinculados ao quantitativo de suas produções, almejando sua alocação pública e
privada nos setores de mitigação, adaptação e R&D. Essa e outras medidas se
inserem na controversa manutenção ao uso desses hidrocarbonetos como
“combustíveis de transição”. No entanto, esta é a extensão máxima em que a
pauta dos combustíveis fósseis é sequer mencionada.
Também foram
levantadas preocupações da comunidade internacional e manifestações de
organizações como a Anistia Internacional, Global Witness e Human Rights Watch
quanto ao cenário de aprisionamento de opositores ao regime azeri e aos
contínuos acordos de comércio no setor de petróleo e gás. É notório saber que no ano preparativo à
COP29, o regime do presidente Ilham Aliyev prendeu lideranças e pesquisadores
críticos à política climática azerbaijana sob circunstâncias duvidosas, que até
o momento seguem em regime de encarceramento ou liberdade condicional. Em junho
deste ano, a Global Witness apresentou uma queixa formal contra o Ministro
Mukhtar Babayev, sob a alegação de violações à Carta da ONU no exercício de
suas capacidades e seu descaso à detenção do economista político, o Dr. Gubad
Ibadoghlu.
Como em toda COP, os
cenários sempre podem mudar de forma muito rápida e surpreender os
investigadores e policy-makers por retrocessos lastimáveis, como no fracasso da
COP15 em Copenhague, ou até mesmo em vitórias modestas como na ocasião do
“Consenso dos Emirados Árabes Unidos” na COP28. De todo modo, é evidente que um
resultado positivo à Conferência, e ao futuro da Convenção-quadro, só será
alcançado frente a um pacto coletivo capaz de endereçar objetivamente as
truculências da economia fóssil e seus vetores de obstrução climática. Por
hora, esta parece uma linguagem que lentamente começa a ser mobilizada, mas que
ainda está muito distante dos arranjos de clima.
Fonte: Guilherme de
Lima Souza e Guilherme Geremias da Conceição, no Le Monde
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