sábado, 2 de novembro de 2024

Condenação de executores de Marielle é espetáculo para ocultar o mandante

Foram condenados os executores confessos de Marielle Franco e Anderson Gomes, seu motorista, após mais de 6 anos de impunidade e sabotagens das próprias “autoridades” às investigações. Ronnie Lessa foi condenado a 78 anos e 9 meses, e Élcio de Queiroz, que conduziu o veículo na execução, foi condenado a 59 anos e 8 meses. Os crimes foram duplo homicídio triplamente qualificado (motivo torpe, emboscada e sem defesa à vítima), tentativa de homicídio de Fernanda Chaves, assessora que sobreviveu; e receptação do veículo, clonado, usado na ação.

No entanto, o julgamento, verdadeiro espetáculo, foi montado para saciar o desejo de justiça sem tê-lo ainda atendido. Élcio de Queiroz e Ronnie Lessa, executores confessos, obviamente cumpriram ordens: isso, eles mesmos relatam e apontam os irmãos Brazão como mandantes. Mas nenhum elemento concreto liga os executores a Brazão: os supostos encontros, por exemplo, não foram comprovados; nenhuma câmera, nenhuma informação de localização de celular, nada colocou os supostos mandantes, delatados pelos executores, nas cenas do crime ou de seus preparativos. Em março deste ano, a própria Polícia Federal, que investiga os Brazão, admitiu não ter provas. A única coisa contra os Brazão é a delação — que, a julgar pelos delatores, paramilitares de extrema-direita sem escrúpulos, não guardam nenhuma credibilidade, embora a ficha corrida dos irmãos Brazão os credenciem a qualquer crime.

Mas, o fato é o fato: executores, confessos, condenados, sem que se tenha algum caminho concreto dos mandantes. O “show midiático” de louvor à “justiça”, que “tarda mais não falha”, prepara o caminho para manter encoberto o mandante — pois, sim, ele não é da família Brazão.

Há muitas questões e pontos a investigar, que ligariam o senhor Jair Bolsonaro e outros golpistas aos executores, e que ninguém sequer menciona.

Por exemplo: por que Rivaldo Barbosa, um dos investigados por ser um facilitador do crime, foi indicado para a chefia da Polícia Civil, em plena intervenção militar no Rio (2018), um dia antes da execução de Marielle Franco, em que pese a inteligência da instituição ter contraindicado tal medida por não considerá-lo honrado ao cargo? O que motivou os generais, então responsáveis, Braga Netto e Richard Nunes, a tomar tal atitude?

Outra questão: por que, durante a intervenção militar, houve tanta interferência explícita nas investigações, destruição de provas, sumiço de inquérito, trocas de responsáveis etc., e os generais interventores não tomaram providências?

E há mais: por que não se investiga a fundo o assassinato de Adriano da Nóbrega, membro do “Escritório do Crime”, em 2020 (governo Bolsonaro), durante uma estranha operação policial na Bahia, denunciada como operação de “queima de arquivo” por sua esposa? Por que não esclarecer o motivo da execução de Adriano, ocorrida justamente quando ele passou a ser investigado por envolvimento na morte de Marielle, e apontado, pelos executores, como intermediário do mandante? Por que ninguém menciona que Adriano da Nóbrega, quando investigado, foi gravado em telefonema citando “o homem da casa de vidro” (referência ao Palácio da Alvorada?) e dizendo que “se fode” por ser “amigo do presidente”? Por que ninguém diz que os membros do “Escritório do Crime” procuraram, inclusive, segundo as gravações, uma interlocução com Bolsonaro, quando Adriano estava sendo investigado? Será isso irrelevante para a investigação?! E mais: por que não se investiga as relações que Adriano da Nóbrega possuía com Flávio Bolsonaro, chegando a ter sua esposa e mãe empregadas no gabinete do filho de Bolsonaro? Por que ninguém diz que o próprio Bolsonaro havia visitado Adriano da Nóbrega quando este foi preso em 2004-2005? Por que, apesar desses escandalosos pontos de intersecção entre Bolsonaro e o caso Marielle, ainda assim, o ministro do governo Luiz Inácio, Ricardo Lewandowsky, ainda assim, considera o caso concluído?! A quem todos eles estão querendo acoitar, ou melhor, por quê?!

E, por fim: por que não se retomou o depoimento do porteiro do condomínio Vivendas da Barra, segundo o qual, no dia 14 de março de 2018 (o dia da execução de Marielle!), Élcio de Queiroz, o motorista na noite do crime, entrou no condomínio, constando seu nome no livro de visitantes, tendo se dirigido à casa 58, cujo proprietário é Jair Bolsonaro? Ou seja, por que a investigação não apurou se Élcio de Queiroz foi à casa de Bolsonaro no dia do atentado, como afirmou o porteiro do condomínio!? O porteiro, que disse isso em 2019, quando Bolsonaro era presidente, foi pressionado e voltou atrás em suas afirmações. Mas, por que as investigações não retornaram a esse depoimento, buscando apurar essas informações? Por quê?

O STF julgará o caso do mandante do assassinato de Marielle e Anderson; os únicos acusados são os irmãos Brazão. Está se desenhando, a olhos vistos, a maior falcatrua jurídica da história recente e, sem dúvidas, o mais escandaloso caso de acobertamento de um assassinato político, de uma então vereadora, em plena intervenção militar. Se alguém quer uma prova maior de que não existe justiça para o povo nesse sistema e de que a velha democracia está morta, aqui está a maior de todas.

A questão que não quer calar, já nem é mais “quem mandou matar”, porque os elementos para resolver essa questão estão bem à nossa frente. A questão é: por que estão acobertando o mandante da execução de Marielle Franco?

 

•        Assassinos de Marielle e Anderson são condenados. Para a família, luta continue até a condenação dos mandantes

Os ex-sargentos da Polícia Militar do Rio de Janeiro Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz foram condenados, nesta quinta-feira (31) a 78 anos e nove meses e 59 anos e oito meses de prisão, respectivamente.

A decisão é do júri popular que teve início na última quarta-feira (30), que condenou os ex-sargentos por crime de duplo homicídio triplamente qualificado (motivo torpe, emboscada e dificuldade em garantir a defesa da vítima), além da tentativa de homicídio contra Fernanda Chaves, assessora de Marielle que sobreviveu ao atentado.

Além da condenação, a  juíza Lúcia Glioche manteve a prisão preventiva dos executores confessos e negou o direito de recurso em liberdade para os réus.

Lessa e Queiroz deverão, ainda, pagar uma pensão ao filho do motorista Anderson Gomes, até que ele complete 24 anos.

A Justiça determinou ainda uma indenização paga em conjunto a todas as vítimas: Arthur, filho de Anderson; Ágatha Arnaus, viúva de Anderson; Luyara Franco, filha de Marielle; Mônica Benício, viúva de Marielle; e Marinete Silva, mãe de Marielle.

<><> Julgamento

Os réus acompanharam o julgamento remotamente. Lessa está no  Complexo Penitenciário de Tremembé, em São Paulo. Queiroz assistiu aos depoimentos do Complexo da Papuda, presídio federal em Brasília.

“Fiquei cego; minha parte eram R$ 25 milhões. Podia falar assim: era o papa, que eu ia matar o papa, porque fiquei cego e reconheço. Vou cumprir o meu papel até o final, e tenho certeza absoluta de que a Justiça será feita”, disse Lessa em depoimento, garantindo que a sua motivação para executar Marielle foi financeira.

O ex-sargento também pediu perdão para as famílias das vítimas.

“Na época, o que me foi dito por algumas pessoas é que ela atrapalharia, que ela entraria no caminho. Então, a questão era: dois loteamentos no bairro do Tanque; um loteamento seria para quem matasse Marielle, e o outro seria para os mandantes”, afirmou o ex-sargento.

Além dos réus, também prestaram depoimento

•        Fernanda Chaves, assessora de Marielle;

•        Marinete Silva, mãe de Marielle;

•        Mônica Benício, viúva de Marielle;

•        Ágatha Arnaus, viúva de Anderson;

•        Carlos Alberto Paúra Júnior, investigador;

•        Luismar Cortelettili, agente da Polícia Civil do Rio;

•        Carolina Rodrigues Linhares, perita criminal;

•        Guilhermo Catramby, delegado da PF;

•        Marcelo Pasqualetti, policial federal.

<><> Condenação

Ao ler a sentença, a juíza Lúcia Glioche, do 4º Tribunal do Júri do Rio de Janeiro, afirmou que a Justiça é lenta, além de ressaltar as dificuldades de se investigar o crime ao longo dos últimos seis anos.

<><> Leia a sentença na íntegra:

“O júri é uma democracia. Democracia esta que Marielle Franco defendia.

Aqui prevalece a vontade do povo em maioria. Aqueles que atuam como os jurados nada recebem; prestam um serviço voluntário, gratuito, representando a vontade do povo no ato de julgar o semelhante, que é acusado de ter praticado um crime tão grave que é querer tirar a vida da outra pessoa.

Portanto, senhores jurados, obrigada em nome do Poder Judiciário. Obrigada em nome da população da cidade do Rio de Janeiro.

A sentença que será lida, agora, talvez não traga aquilo que se espera da Justiça. Talvez justiça que tanto se falou aqui fosse que o dia de hoje jamais tivesse ocorrido. Talvez justiça fosse Marielle e Anderson presentes. Como se justiça tivesse o condão de trazer o morto de volta.

Então dizemos que vítimas do crime de homicídio são aqueles que ficam vivos, precisando sobreviver no esgoto que é o vazio de permanecer vivo sem a vida daquele que foi arrancado do seu cotidiano.

A sentença não serve para tranquilizar as vítimas, que são Marinete, mãe de Marielle; Anielle, irmã de Marielle; Mônica, esposa de Marielle; Luyara, filha de Marielle; Ágatha, esposa de Anderson, e Arthur, filho de Anderson.

Homicídio é um crime traumatizante — finca no peito uma dor que sangra todo dia, uns dias mais, uns dias menos, mas todos os dias.

A pessoa que é assassinada deixa uma falta, uma carência, um vácuo. Que palavra nenhuma descreve. Toda a minha solidariedade e do Poder Judiciário às vítimas.

A sentença que será dada agora talvez também não responda à pergunta que ecoou pelas ruas da cidade do Rio de Janeiro, do Brasil e do mundo: Quem matou Marielle e Anderson?

Talvez ela não responda aos questionamentos dos 46.502 eleitores cariocas que fizeram de Marielle Franco a 5ª vereadora mais votada na cidade do Rio de Janeiro nas eleições municipais de 2016 — e que tiveram seu direito de representação ceifado no dia 14 de março de 2018.

Todavia, a sentença que será lida agora se dirige aos acusados aqui presentes. E mais: ela se dirige aos vários Ronnies e vários Élcios que existem na cidade do Rio de Janeiro — livres por aí.

Eu digo sempre que nesses 31 anos que eu sirvo ao sistema de Justiça, nenhum de nós do povo nunca saberá o que se passou no dia de um crime. Quem não estava na cena do crime, não participou dele, nunca sabe o que aconteceu.

Mesmo assim, o Poder Judiciário e hoje os jurados precisam julgar o crime com as provas que o processo apresenta, e trazer às provas para o processo, para os jurados é árduo.

Porém, com todas as dificuldades e todas as mazelas de investigar um crime, o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro denunciou os acusados. Eles foram processados e tiveram garantido o seu direito de defesa — e foram julgados.

Por anos exercendo a plenitude do direito constitucional de autodefesa, os acusados juraram inocência, pondo a todo o tempo em dúvida a prova trazida contra eles. Até que um dia, no ano passado, 2023, por motivos que de verdade a gente jamais vai saber, o acusado Élcio fez a colaboração premiada. Depois o acusado Ronnie a fez também.

Os acusados confessaram a execução e a participação no assassinato da vereadora Marielle Franco.

Por isso, fica aqui para os acusados presentes e serve para os vários Ronnies e vários Élcios que existem por aí, soltos, a seguinte mensagem:

A Justiça por vezes é lenta, é cega, é burra, é injusta, é errada, é torta, mas ela chega.

A Justiça chega mesmo para aqueles que, como os acusados, acham que jamais vão ser atingidos pela Justiça. Com toda dificuldade de ser interpretada e vivida pelas vítimas, a Justiça chega aos culpados e tira deles o bem mais importante depois da vida, que é a liberdade.

A Justiça chegou para os senhores Ronnie Lessa e Elcio de Queiroz. Os senhores foram condenados pelos jurados do 4º tribunal do júri da capital:

a 78 anos e 9 meses de reclusão e 30 dias-multa para o acusado Ronnie;

a 59 anos de prisão e 8 meses de reclusão e 10 dias-multa para o acusado Élcio.

Saem os 2 condenados a pagar até os 24 anos do filho de Anderson, Arthur, uma pensão.

Ficam os 2 condenados a pagar, juntos, R$ 706 mil de indenização por dano moral para cada uma das vítimas — Arthur, Ághata, Luyara, Mônica e Marinete.

Condeno os acusados a pagarem as custas do processo e mantenho a prisão preventiva deles, negando o direito de recorrer em liberdade.

Agradeço as partes, a Defensoria Pública, às defesas dos 2 acusados. Agradeço aos serventuários da Justiça, aos policiais militares. Renovo o agradecimento aos jurados.

Encerro a sessão de julgamento e quebro a incomunicabilidade.

Tenham todos uma boa noite”.

<><> Famílias

Emocionadas, as famílias das vítimas se abraçaram após a leitura da sentença e não conseguiram conter as lágrimas. “A gente contava com esse dia. Essa condenação precisava ser feita. Vamos continuar lutando, a cada dia é uma vitória”, desabafa Marinete, mãe de Marielle.

A viúva de Anderson Gomes ressaltou o orgulho por não desistir da busca pela Justiça.

“Na fala deles [os condenados] tem uma frieza, como se fosse muito tranquilo e fácil acabar com a vida de uma pessoa. É muito difícil a gente não ver nenhum arrependimento, mas tenho orgulho da gente não ter desistido, como disse a Ágatha”, completa Luyara Franco, filha da vereadora.

Os familiares das vítimas agora anseiam pelo julgamento dos acusados de serem mandantes do crime: os irmãos Chiquinho e Domingos Brazão e Rivaldo Barbosa, ex-chefe da Polícia Civil do Rio de Janeiro.

Marielle e Anderson foram executados em 14 de março de 2018, quando voltavam de uma agenda da vereadora do PSOL. Ela foi morta com três tiros na cabeça e um no pescoço. O motorista não resistiu a três tiros nas costas.

¨      Imprensa europeia repercute condenação de assassinos de Marielle Franco

O jornal francês Le Monde, o britânico The Guardian e o espanhol El País destacam a condenação de Ronnie Lessa e Élcio Queiroz, acusados de serem os executores do assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ) e de seu motorista, Anderson Gomes. Eles foram condenados, nesta quinta-feira (31), a 78 e 59 anos de prisão, após dois dias de julgamento.

O Le Monde destaca a declaração da juíza Lúcia Glioche ao fim do julgamento. "A justiça por vezes é lenta, cega, burra, mas chega", disse a magistrada após receber a decisão do júri popular, que ouviu na véspera vários depoimentos, entre eles os dos assassinos confessos.

Após ouvirem a sentença, familiares de Marielle e Anderson se abraçaram e choraram na sala do tribunal, no Rio de Janeiro. "A gente segue a luta para derrotar o que assassinou a Marielle, que é essa violência do Rio de Janeiro. Que é essa violência política, pelo fato de ser uma mulher negra, favelada. Os seus assassinos acharam que seu corpo era descartável", declarou Mônica Benício, viúva de Marielle e hoje vereadora.

O crime teve um enorme impacto no Brasil e no exterior e trouxe à tona o poder do crime organizado e das milícias no Rio, lembra o Le Monde. “Os grupos paramilitares semeiam o terror e monopolizam as terras para aumentar ilegalmente seu patrimônio imobiliário. Marielle Franco se posicionou contra a ação das milícias e fez campanha contra a violência policial”, diz o jornal.

O Ministério Público havia pedido a pena máxima, de 84 anos, para os ex-policiais militares Lessa e Queiroz. Lessa, que admitiu ter metralhado Marielle de dentro de um veículo dirigido por Queiroz, foi condenado a 78 anos e 9 meses, e seu cúmplice, a 59 anos e 8 meses. Lessa cumprirá 13 anos de prisão e Queiroz, sete, que se somam aos já cumpridos desde 2019.

<><> "Consolo para a família e apoiadores"

“O veredito de quinta-feira é um consolo para sua família e apoiadores, mas marcou apenas o primeiro passo em direção à justiça: um segundo julgamento ainda está por vir para os homens acusados de ordenar a morte de Franco”, lembra o britânico The Guardian, que também deu destaque à notícia.

O caso contra os supostos autores intelectuais – dois políticos influentes do Rio, Domingos e Chiquinho Brazão, e Rivaldo Barbosa, ex-chefe de polícia – está em andamento no Supremo Tribunal Federal e ainda não há data para o julgamento.  

Durante seu depoimento de ontem, que aconteceu por videoconferência da prisão, Lessa disse que ficou "cego" e "louco" com a oferta milionária que recebeu para executar o assassinato, supostamente motivado pela luta da vereadora contra o crime organizado no Rio de Janeiro.

Para as famílias das vítimas, o julgamento dos executores é apenas o começo da batalha para que a justiça seja feita e os responsáveis sejam punidos, diz o El País.

O próximo passo será que os irmãos Brazão, que estiveram na mira da polícia desde o início, sejam julgados e condenados. A Human Rights Watch enfatizou em nota que essa dupla condenação pelo crime "é muito importante para garantir a justiça. É fundamental que o Ministério Público reúna provas para condenar também os mandantes."   

 

Fonte: A Nova Democracia/Jornal GGN/Brasi 247

 

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