sexta-feira, 1 de novembro de 2024

Alípio de Sousa Filho: ‘Eleições e lutas por reconhecimento’

Campanhas eleitorais que reconheçam a importância das lutas por reconhecimento demonstram compromisso verdadeiro com a democracia, com a justiça social

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Lutas de mulheres, gays, lésbicas, transexuais, negros, indígenas e outros grupos por reconhecimento (de suas identidades e de seus direitos) têm sido chamadas de “lutas identitárias” e, às vezes, pejorativamente, de “identitarismo”. Muitos ataques são dirigidos aos movimentos que empreendem essas lutas, sobressaindo aqueles da direita conservadora e da extrema direita.

Porém, ataques são também realizados, surpreendentemente, por intelectuais e militantes de esquerda. Nos últimos dias, após o resultado das eleições municipais, apareceram avaliações críticas formuladas por estes últimos que sugerem que as lutas identitárias “interferem negativamente” para votos em candidaturas da esquerda e seria uma das causas de um desempenho eleitoral considerado “pífio” dessas candidaturas em muitas cidades do país. Seriam lutas cuja “pauta moral” – e se diz isso em sentido pejorativo! – não é bem recebida por amplos setores da sociedade.

Ainda que não seja o caso de compreender essas críticas como oposições às lutas por reconhecimento (contra seus princípios, teses, ideais, objetivos) – pois, considerando o que expressam alguns de seus formuladores, elas são, ao que parece, antes críticas ao modo de sua comunicação pública, por parte de alguns de seus militantes e representantes, do que oposição às concepções, objetivos e ideais dessas lutas –, considerá-las como uma das causas que teriam impedido a vitória de candidaturas de esquerda é não apenas simplificar a avalição de evento multifacetado e multicausal mas também contribuir com a reificação de valores morais conservadores praticados na sociedade brasileira.

Tais críticas revelam uma visão simplória dos processos eleitorais, minimizando a complexidade de fatores que participam de processos e períodos eleições, como políticas econômicas, problemas sociais, valores morais correntes e os próprios acertos e desacertos das chamadas “estratégias“ eleitorais de candidatos e partidos.

É bem verdade que o modo como às vezes as lutas de mulheres, gays, lésbicas, transexuais, travestis e negros por reconhecimento (dignidade, respeito, direitos) têm sido comunicadas, assumidas e performadas promove exasperações e tensões sociais desnecessárias, e até mesmo criam divisões contraproducentes, tanto quanto muitas vezes é modo que sequer exprime os sentidos mais profundos dessas lutas. Tão pior para o caso de uma sociedade despedaçada por desigualdades que são causas de mazelas que não podem mais perdurar.

Todavia, não se torna o caso de confundir modos de comunicação pública equivocados, performances e proferimentos insensatos de alguns dos integrantes dessas lutas com os próprios movimentos sociais maduros, sérios, profundos, em seus conceitos, teorias e objetivos, sem cujas conquistas, na atualidade, não permitiria que falássemos de democracia nas nossas sociedades. As lutas por reconhecimento são sumamente importantes para tornar nossas sociedades sempre mais democráticas. Lutas essenciais para a inclusão de excluídos morais, sociais, econômicos, e, pois, para a existência de justiça social.

Passados tantos anos de uma discussão que já rendeu centenas de livros, análises e reflexões no campo progressista e crítico – e poderia evocar aqui diversos autores e autoras dos campos da filosofia e ciências sociais –, alguns intelectuais e militantes voltam ao argumento segundo o qual “a ênfase em questões identitárias fragmenta a base de apoio da esquerda”, que seria uma idealizada “classe trabalhadora”, pois seriam questões que desviam o foco das questões econômicas que a afetariam.

A sugestão de alguns do necessário retorno – trata-se de um retrocesso! – à primazia dos “interesses de classe” de operários, trabalhadores, tem a estranheza não apenas de uma fantasia em relação aos trabalhadores atuais, cuja configuração como categoria conhece muitas transformações, como também parece abrigar a espantosa crença de que esses mesmos trabalhadores não seriam afetados pelos preconceitos e discriminações da misoginia, homofobia, racismo, menosprezo por status de classe etc.

O que seria mesmo, então? A classe trabalhadora não tem sexo, gênero, sexualidade, cor de pele? Não sofre com as violências dos preconceitos e das discriminações por eleições do que os seus integrantes desejam ser, almejam ou realizam? Alguns estão quase a pedir que, principalmente, gays, lésbicas e trans calem-se! Voltem para o armário! A evidência gay afasta votos! As mulheres e negros não entram no argumento, seriam mais fáceis de acomodar nos objetivos eleitorais.

Aqui, repete-se o que se torna possível observar até mesmo para certos assuntos da comportada “pauta econômica” e da conciliatória “pauta política”: harmonizar com o conservadorismo social. Tudo em nome da elegibilidade e, depois, da governabilidade.

Atribuir, ainda que não exclusivamente, às lutas por reconhecimento a causa do insucesso eleitoral de algumas candidaturas de esquerda só contribui para reforçar discursos conservadores que buscam deslegitimar essas lutas como relevantes. Além disso, esse entendimento desfoca as injustiças que os movimentos por reconhecimento e direitos denunciam e buscam combater e superar.

Em todos os países, a consideração contemporânea da importância das lutas por reconhecimento e igualdade social não só enriqueceu a agenda de partidos e movimentos de esquerda e progressistas, mas, igualmente, ampliou a base social de apoio desses partidos e movimentos. Portanto, simplificar o debate sobre o resultado eleitoral é empobrecer a compreensão do cenário social brasileiro e da política nele e arriscar perder percepções e contribuições críticas e progressistas para a construção de uma nova imaginação política para muitos e diversos assuntos e problemas, assim como construção de novas instituições e relações sociais na sociedade.

Ao ser confrontada a abordar questões como racismo, preconceitos com identidades de gênero, preferências sexuais, status de classe, e tudo o que deriva daí como produção de inferiorizações, discriminações, exclusões, violências, por força das lutas daqueles que as sofrem, desafiando estruturas de poder, a ideologia, a sociedade é levada a pensar suas contradições, incoerências, podendo progredir moralmente.

As lutas por reconhecimento são também educação da sociedade para valorizar e respeitar a diversidade social, as diferenças e as aproximações e misturas de gentes, povos, culturas, indivíduos, sexos, grupos étnicos. O que fortalece o sentido de cidadania plena e democracia, todos podendo participar da vida social em igualdade e podendo influenciar as decisões que afetam a vida de cada um e de todos.

Uma sociedade que não acolhe e apoia as lutas de mulheres, gays, lésbicas, trans, pessoas discriminadas pela cor de sua pele, status de classe, ou comunidades de origens étnicas diversas, entre outros grupos de pessoas, tende a perpetuar a violência dos preconceitos e da discriminação. E tende a negar a participação igualitária dessas pessoas na vida social e pública. Pessoas e grupos que frequentemente enfrentam desafios específicos que, se ignorados, podem se transformar em normas sociais que não há mais qualquer dúvida que são a eles prejudiciais.

Sem a mobilização e a voz dessas pessoas e grupos violentados pelos preconceitos e discriminações, as desigualdades se mantêm e aprofundam-se. As lutas por reconhecimento são essenciais para trazer à tona essas questões, questionar estruturas de poder e desconstruir discursos ideológicos que buscam naturalizar e normalizar desigualdades e injustiças. Lutas que buscam promover mudanças que visam a igualdade e a consideração de todos como merecedores de respeito e vida digna.

Uma sociedade verdadeiramente democrática deve assegurar a participação igualitária de todos, sem que preconceitos e discriminações estorvem a liberdade de ninguém nem seus direitos, por opções, preferências, escolhas no âmbito de identificações do que chamamos de “gênero” ou “sexualidade”, pela cor da pele com a qual se nasce (transformada em “raça” pelo racismo!) ou por pertencimentos a categorias ou classes sociais.

É não apenas politicamente equivocado mas também moralmente indefensável negar espaço às “lutas identitárias” em campanhas eleitorais apenas para “não perder votos” – conclusão, aliás, absolutamente subjetiva e impressionista. Tal entendimento pode parecer uma estratégia pragmática no curto prazo, mas representa também o abandono do ideal de justiça social e de participação igualitária ou paridade participativa que inclua a todos (um tema que a filósofa Nancy Fraser desenvolveu em suas obras).

Campanhas eleitorais – mas não apenas eleitorais, mas continuadas na ação política – que reconheçam a importância das lutas por reconhecimento demonstram compromisso verdadeiro com a democracia, com a justiça social, e também criam autênticas conexões com aqueles que estão submetidos ao sofrimento evitável dos preconceitos e discriminações. Portanto, é vital que candidatos e partidos considerem essas questões de forma séria e integrada em suas propostas e não apenas também por “estratégias eleitorais”.

 

¨      Reação a que? Por Marga Ferré

O crescimento da extrema direita na última década é uma reação e, além disso, uma reação global. Mas uma reação a quê?

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Há anos que leio análises sobre a extrema direita sem encontrar uma resposta que explique por que razão tem tanto apoio. Até que nos últimos meses, um estudo do jornal Financial Times, um antigo livro feminista e um artigo de história desencadearam uma resposta que, decantada, pretendo argumentar convosco.

A ascensão da extrema direita não é uma expressão de descontentamento político, nem uma patologia social, muito menos uma expressão antissistema. O crescimento da extrema direita na última década é uma reação e, além disso, uma reação global. Mas uma reação a quê?

Para um deslocamento.

<><> A história mudou

Um sector da academia historiográfica, que me deslumbrou, propõe que a mudança mais profunda que emerge como consequência da aceleração da globalização é a transformação do próprio conceito de história e isso tem muito a ver com a ascensão da extrema direita.

O que defendem é que, comumente, a história universal tem sido estudada e aprendida como uma história linear, uma série de etapas (que até têm nome e data de início e de fim) pelas quais a humanidade caminha para frente, em direção ao “progresso”. Para o bem dos impérios europeus, a História foi concebida como história ocidental, uma árvore ascendente em cuja copa estão as nações desenvolvidas (as potências, os impérios) lideradas por homens brancos de elite que possuem a tecnologia e a visão do progresso (civilização) e, mais abaixo, as nações a caminho desse modelo de desenvolvimento e todos os outros grupos subalternos.

Hoje, grupos subalternos sub-representados ou invisibilizados na história contemporânea entram em cena levantando novas exigências.

O que propõem estes novos historiadores, cujo pensamento está descrito no artigo de Hugo e Daniela Fazio, é que este conceito de História é hoje insustentável. Não é apenas a ascensão da Ásia, especialmente da China, como desconstrutora desta ideia de história ocidental, mas a emergência do feminismo e do anti-racismo, com a sua proposta decolonial, que mudou esta visão da história para uma muito mais global e diversificado.

Batizaram-na como história global, a partir do prisma da seguinte verdade preciosa, que, sem cegueira de gênero ou de classe, é evidente: hoje, grupos subalternos sub-representados ou invisibilizados na história contemporânea irromperam em cena levantando novas exigências com novas lideranças e epistemologias, pois há um deslocamento do mito do Ocidente para um mundo muito mais diversificado.

Esse deslocamento gera ressentimento em quem os vê perder sua posição de privilégio num mundo que não os vê mais como autoridade e que, por isso, disputa sua posição de poder. A extrema direita é isso, uma reação de quem está perdendo privilégios ou teme perdê-los e, por isso, o sentimento de manipular é o ressentimento.

Não é nem raiva, nem desencanto político, mas sim uma vitimização ressentida, o apelo ao narcisismo ferido de alguém que sente que perdeu o seu papel de liderança na história, em casa ou no trabalho. O aumento do militarismo e da guerra fazem parte desta reação violenta a um mundo que os está a deslocar.

<><> A quarta onda

Reação, a guerra não declarada contra as mulheres modernas é um livro feminista que teve enorme impacto na década de 1990. Nele, Susan Faludi denunciou a reação conservadora contra o avanço das mulheres naqueles anos e destacou, lucidamente, que essa reação não ocorreu porque as mulheres haviam alcançado a igualdade plena, mas porque “era possível para elas alcançá-la”. O livro de Susan Faludi me ajuda a compreender que a ascensão da extrema direita é uma reação, antes de tudo (embora não só), à quarta onda do feminismo e garanto que os dados são irrefutáveis.

As mulheres jovens são muito mais progressistas e os homens mais conservadores e mais propensos a apoiar a extrema direita.

Em 25 de janeiro deste ano, o jornal Financial Times publicou um estudo que fez explodir a mente de muitos analistas de extrema direita. Mostra o voto de homens e mulheres jovens na Coreia do Sul, nos EUA, na Alemanha e no Reino Unido, concluindo que existe uma enorme lacuna na sua atitude política: as mulheres jovens são muito mais progressistas e os homens jovens são mais conservadores e mais inclinados a apoiar a extrema direita.

O que choca mais de um é que se trata de um fenômeno global que ocorre em todo o planeta.

Li, espantado, as explicações mais bizarras para este fenômeno que vão desde o fato de as mulheres serem mais moderadas até ao fato de termos menos contacto com migrações e disparates desse calibre. É óbvio, sem a cegueira de gênero que permeia a academia, que é a consequência da quarta onda que assolou o mundo. Quando surgiu, há quase uma década, fê-lo numa base global, como um movimento de massas, articulado por meio de redes sociais e com uma forte componente intergeracional.

É também uma onda feminista mais anticapitalista do que as anteriores, um feminismo que desmantela o papel histórico do patriarcado e que venceu a batalha pela igualdade como aspiração. A extrema direita é uma reação violenta a este deslocamento, a este destronamento do paterfamilias, do homem dominante, do criador da história.

Observo que muitas análises reduzem o machismo e o racismo a atitudes morais e culturais, recusando-se a assumir que ambas as construções são usadas no capitalismo para nos explorar ainda mais. O fato óbvio de que as mulheres e os migrantes constituem uma mão-de-obra mais barata em todo o planeta não parece ter impacto nas suas análises. Devemos fazer todos os esforços para negar os dados e continuar a insistir que as mulheres e os migrantes são minorias e que nos tratam como tal quando a realidade é exatamente o oposto. Quase admiro sua teimosia.

Posso estar errada, mas também percebo que a cegueira analítica não está apenas relacionada com o gênero. Detecto uma resistência obstinada em aceitar que não existe uma relação direta entre a desigualdade econômica e o crescimento da extrema direita; Ou seja, a ortodoxia econômica não é útil para analisar o fenômeno. Se assim fosse, não haveria como explicar o que ocorre nos países escandinavos (os menos desiguais do mundo) nem que no país onde a desigualdade é mais grave, a África do Sul, onde a extrema direita não é relevante. É claro que a situação econômica pode ser um gatilho para o crescimento da extrema direita, mas não é a sua causa.

Suponho que a fria métrica econômica não compreende o ressentimento e é o sentimento que impulsiona a reação. Para entender melhor sugiro o magnífico estudo de Tereza Capela et al. sobre jovens coreanos de extrema direita que conclui decisivamente que as suas atitudes são construídas exclusivamente sobre o ressentimento e a vitimização.

<><> Sussurros reacionários

Sinto cheiro, de certa tendência política (da qual nem mesmo a esquerda europeia está livre) que tende a contemporizar com alguns postulados da extrema direita quando se sente ameaçada pela sua ascensão; e este também é um fenômeno global. Estou começando a ouvir, sutil como um sussurro, que talvez nós, feministas, tenhamos ido longe demais, que devemos atender às demandas dos jovens que estão se movendo para a direita, que a imigração é um problema, que o que aconteceu na Palestina é não é um genocídio, que temos que comprar mais armas, que a ecologia não é uma contradição fundamental…

Defendo a tese oposta: a antítese da extrema direita e do seu inimigo é defender o feminismo, especialmente as mulheres jovens e as suas reivindicações, o conceito de classe versus o de nação, a paz, a diversidade, a igualdade, a justiça social, a solidariedade, a ecologia e uma mundo comum e fazê-lo, além disso, com uma visão que vai além da visão estreita e hierárquica do mundo do Ocidente.

Afirmo que a extrema direita é uma reação ao impulso com que nós, subalternos, começamos a mudar o mundo. Mas aviso, voltando ao alerta de Suzan Faludi, que a reação não é apenas a uma mudança produzida, mas à possibilidade da mesma existir; Na verdade, eles reagem violentamente às mudanças para evitar que elas ocorram. Essa é a extrema direita: pura reação.

NOTA: *Marga Ferré, ex-deputada na Espanha, é copresidente da Transform Europe.

 

Fonte: A Terra é Redonda

 

Vagas fantasmas: O que são? Por que empresas utilizam? Como identificá-las?

Já passou pela experiência de se candidatar a uma vaga de emprego, passar por várias etapas do processo seletivo e só receber uma promessa de que seu nome será colocado em um "banco de talentos" da empresa?

Ou percebeu que uma vaga bem do seu perfil está aberta há meses nas plataformas de recrutamento, com centenas de candidatos inscritos, sem nunca ser preenchida? Ou então aquelas que são reabertas por diversas vezes pela mesma empresa?

Se sua resposta foi sim, atenção! Você provavelmente já se deparou com uma vaga fantasma.

👻 São "oportunidades de emprego" que, na verdade, não existem. São vagas de mentira, oferecidas pelas empresas por estratégia de marketing ou apenas para se aproveitar dos candidatos.

<><> Elas surgem por motivos, como:

•        Passar a impressão de que a empresa está em ascensão;

•        Fazer os funcionários sobrecarregados acreditarem que o alívio está a caminho;

•        Conseguir trabalho gratuito, disfarçando problemas internos como testes práticos durante os processos seletivos.

Encontrar candidatos excepcionais e manter um banco de interessados para lidar com a rotatividade de funcionários são outros motivos apontados por uma pesquisa da Clarify Capital, empresa americana de empréstimos, feita com 1.045 empresas em 2022.

A estratégia (nada inocente) atrapalha a vida de quem já tem a missão inglória de se recolocar no mercado de trabalho.

Além de tempo desperdiçado no preenchimento de dados, participantes gastam energia — e até dinheiro com deslocamentos — para realizar testes e entrevistas que não levam a lugar nenhum. Para quem procura um emprego, passar por um processo seletivo de vaga fantasma pode até abalar a autoestima e confiança do profissional.

Damares Maris, desenvolvedora de sistemas, conta que passou por situações como essa por inúmeras vezes, e que a busca prolongada por trabalho já afetou sua saúde mental, ao sentir aumento da ansiedade e síndrome do impostor.

"É uma ansiedade tão grande que a gente chega a chorar (...) tava dependendo da ajuda do meu namorado. Era aos trancos e barrancos", lamenta.

Empresas que utilizam dessa estratégia acabam prejudicando não só os candidatos, mas também a própria reputação no mercado, explica a especialista em carreiras Adriana Rodrigues Gomes.

"É estranho uma empresa que sempre volta abrir a mesma vaga. As pessoas podem pensar: o que há de errado com ela? Fora que essa estratégia é extremamente desonesta com os candidatos."

Para combater essa prática, plataformas de recrutamento como Gupy e LinkedIn têm políticas internas que proíbem essas ações. (entenda mais abaixo)

A Gupy, por exemplo, possui canais para que candidatos possam denunciar vagas suspeitas, e uma equipe dedicada a investigar e contatar as empresas envolvidas, afirma Guilherme Dias, fundador e diretor de marketing da plataforma.

Mas não são só as plataformas que podem agir. Você mesmo pode identificar as vagas fantasmas e otimizar a sua busca por emprego.

Confira abaixo quatro dicas para filtrar as oportunidades. O g1 mostra ainda como as empresas enganam os candidatos, os problemas que surgem dessas práticas e o que dizem as plataformas de recrutamento.

🔎 Como identificar

Adriana Gomes, especialista em carreiras, afirma que é possível se prevenir das vagas fantasmas a partir dos seguintes cuidados:

•        Data da publicação: uma vaga que permanece aberta por um longo período, como seis meses, é motivo de desconfiança. Empresas genuínas geralmente preenchem suas posições mais rapidamente.

•        Ofertas tentadoras: salários altos para posições que não justificam a remuneração são um sinal de alerta. Ofertas absurdamente tentadoras podem ser iscas para atrair candidatos.

•        Reputação da empresa: pesquise sobre a empresa. Utilize plataformas como Reclame Aqui para verificar se há reclamações contra ela, confira o CNPJ e analise o site da empresa para ver se é bem construído e profissional, e busque referências.

•        Processos seletivos longos e testes práticos: algumas empresas de má-fé solicitam estudos de caso ou projetos detalhados, utilizando o trabalho dos candidatos sem remunerá-los ou contratá-los. Se for solicitado um teste prático, forneça apenas uma visão geral do projeto, sem entrar em detalhes que possam ser explorados sem a devida compensação.

⚠️ Empresas legítimas de recrutamento e seleção não cobram dos candidatos. Quem remunera esses serviços é a empresa contratante. Se uma empresa pedir qualquer tipo de pagamento, desconfie imediatamente, orienta a especialista em carreiras.

🚨 Por que são um problema?

A falta de retorno após processos seletivos longos e exigentes gera ansiedade e desmotivação em quem busca por uma oportunidade. Damares, por exemplo, afirma que a busca prolongada e a participação em processos seletivos sem retorno afetaram sua autoestima e geraram síndrome do impostor.

A analista conta que já participou de processos com mais de cinco etapas, e apenas na última foi informada de que se tratava de um banco de talentos. Ainda segundo ela, é comum que empresas usem falsas promessas de emprego para resolver problemas reais sem pagar pela mão de obra.

"Era desgastante. Tem horas que pensava em desistir (…) muitas vezes, esses processos só servem para tirar cases [ideias] e trabalho de graça. Já passei por testes que até um iniciante saberia fazer. Eles só não queriam contratar alguém para isso", denuncia.

Por outro lado, as vagas fantasmas também podem prejudicar as empresas praticantes, explica Adriana Gomes.

Algumas instituições deixam vagas de alto nível, como diretores, abertas por meses para aparentar expansão. Mas isso pode levantar suspeitas sobre a dificuldade de preencher a posição, prejudicando a reputação da empresa e afastando candidatos qualificados.

Além disso, a prática de manter um banco de reservas pode gerar mal-estar entre funcionários que já ocupam esses mesmos cargos.

👩‍💻 O que dizem as plataformas de recrutamento?

Para evitar a expansão das vagas fantasmas, plataformas de recrutamento estabelecem políticas que visam garantir a legitimidade dos anúncios.

Ao g1, o LinkedIn informou que oferece ferramentas e dicas para ajudar a comunidade a procurar empregos com segurança e incentiva os usuários a relatar qualquer irregularidade para investigação.

A Gupy adota uma abordagem semelhante: as empresas passam por um processo de validação antes de anunciar vagas na plataforma.

"Antes de uma empresa anunciar vagas na Gupy, ela passa por um processo de validação para garantir que é uma empresa legítima e séria", ressalta o fundador da plataforma.

LinkedIn e Gupy são algumas das plataformas que tentam combater as 'vagas fantasmas' — Foto: Arquivo Pessoal

Sobre as vagas fantasmas, Dias explica que a Gupy possui uma equipe dedicada a investigar denúncias e verificar a validade das vagas com as empresas. Além disso, a plataforma implementou várias medidas com base nas denúncias de seus usuários, como:

•        Permitir que o usuário veja há quanto tempo a vaga está aberta;

•        Criação do "selo feedback", concedido a empresas que fornecem retorno a mais de 90% dos candidatos.

Em relação às críticas sobre o uso de inteligência artificial na triagem de currículos, o fundador e diretor esclareceu que a IA é utilizada para ordenar candidatos por compatibilidade com a vaga, mas não para aprovar ou reprovar automaticamente as candidaturas.

 

Fonte: g1

 

Falta de um tratado internacional de enfrentamento a pandemias expõe impasse para resposta global mais eficiente

Somente este ano, notícias sobre novos vírus têm ganhado destaque na mídia. Um dos mais recentes é o surto da doença causada pelo vírus Marburg, uma febre hemorrágica com alta taxa de mortalidade, identificada em Ruanda, no centro-leste da África. Com uma mortalidade de até 88%, a doença preocupa autoridades, especialmente pela falta de vacinas ou tratamentos antivirais aprovados. Embora diversos fármacos estejam em fase de testes, os novos casos aumentam a atenção das autoridades de saúde. Em 14 de agosto, houve a declaração da Organização Mundial da Saúde (OMS), que classificou a Mpox como uma emergência de saúde pública de preocupação internacional. O aumento de doenças infecciosas levantou questionamentos sobre a capacidade dos países em enfrentar futuras pandemias. Neste ano, esforços foram feitos para criar um tratado para novas pandemias para evitar erros semelhantes aos da Covid-19. Contudo, o acordo da OMS enfrenta desafios significativos, com países divergindo sobre a forma de avançar. Entre os principais obstáculos estão questões de acesso à propriedade intelectual, tecnologia, know-how e a distribuição equitativa de terapias e vacinas.

“Continuamos com a dificuldade de ter a vacina distribuída nos países mais pobres”, analisa Alberto Chebabo, presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI). “O surto acontece na África porque ela é esquecida; então, a maior parte das empresas e dos países não têm interesse em resolver a situação lá. No entanto, isso acaba, obviamente, saindo da África e indo para outros continentes, inclusive para os países desenvolvidos. Não teremos um mundo mais saudável enquanto não houver equidade na área de saúde.”

Ele explicou que o Brasil, como país de desenvolvimento intermediário – nem rico nem pobre – tem algumas vantagens em relação, por exemplo, à África, mas muitas desvantagens em comparação com os países do hemisfério Norte, os países ricos.

Apesar disso, a colaboração internacional para enfrentar futuras pandemias é considerada essencial por especialistas. Um artigo publicado na revista “Journal of Infection and Public Health” chama a atenção para a gestão de pandemias que deve ocorrer em múltiplos níveis, enfatizando a importância de uma liderança eficaz, comunicação clara e coordenação adequada entre medidas, dados e planos: “A OMS recomenda e descreve abordagens médicas e de emergências de saúde pública durante pandemias. Entretanto, essas recomendações precisam ser implementadas por cada nação por meio de seus níveis estratégico, tático e operacional. A estrutura organizacional, as abordagens e as prioridades de cada nação podem diferir fortemente, resultando em grandes dificuldades na sincronização de uma abordagem multinacional”, sinaliza o artigo.

Embora a preparação para futuras pandemias tenha ganhado destaque após a OMS classificar a Mpox como uma emergência de saúde pública de preocupação internacional – um anúncio considerado preciso pelos especialistas ouvidos pela reportagem – é necessário ir além das ações da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) e da OMS para que haja equidade e solidariedade em ações concretas para enfrentar futuras pandemias.

“Os patógenos não respeitam fronteiras geográficas e a cooperação internacional é fundamental para a prevenção e o controle de potenciais pandemias”, afirma Luis Eugenio Portela, coordenador do Comitê de Relações Internacionais da Abrasco, ex-presidente da Federação Mundial das Associações de Saúde Pública. Ele ressalta que o ‘nacionalismo’ sanitário permanece forte, como evidenciado pela aquisição, por países ricos, da maior parte das vacinas contra a influenza H5N1, que está afetando aves e bovinos nos Estados Unidos: “O maior desafio para prevenir e enfrentar pandemias é distribuir de modo equitativo a riqueza socialmente produzida”.

•        Articulação dos países para enfrentamento de novas pandemias

O que deixa o cenário em alerta, é que após dois anos de negociações, o Órgão Intergovernamental de Negociação (INB) da OMS ainda não conseguiu alcançar um consenso para apresentar um acordo sobre pandemias à Assembleia Mundial da Saúde deste ano. A principal disputa gira em torno do sistema de Acesso a Patógenos e Repartição de Benefícios (PABS). A proposta discutida prevê que todos os países compartilhem patógenos identificados como possíveis causadores de pandemias e também tecnologias de prevenção ou tratamento.

No entanto, o coordenador do Comitê de Relações Internacionais da Abrasco, aponta que países ricos obstruíram o acordo ao recusarem a repartição dos benefícios, ou seja, o compartilhamento de tecnologias derivadas da pesquisa sobre novos patógeno: “A OMS e seus países membros, no melhor interesse de todos os países do mundo, deveriam estar investindo mais no apoio aos países que são hoje focos da doença. Contudo, são conhecidas as limitações financeiras da OMS e a insuficiência do apoio dos países ricos, impedindo uma atuação internacional mais vigorosa nas regiões acometidas pela Mpox”, esclarece. Em sua opinião, as ajudas que os EUA e a União Europeia estão oferecendo são consideradas ‘gotas no oceano’.

Opinião compartilhada por Mellanie Fontes-Dutra, biomédica, professora da escola de saúde da Unisinos, pesquisadora e divulgadora científica, membro da rede Todos Pelas Vacinas. Para ela, é preciso engajar países, especialmente aqueles com recursos limitados, na preparação e prevenção de pandemias: “Ampliar redes de colaboração internacionais e o compartilhamento rápido de informações sobre patógenos é imprescindível para respostas mais assertivas daqui em diante”, aponta.

Por isso defende tornar visíveis os problemas dessas regiões para evitar que suas doenças sejam negligenciadas, para garantir que soluções cheguem até elas. Segundo ela, isso inclui fornecer acesso e doação de medicamentos e vacinas, apoiar tecnologias que aumentem a produção local e capacitar profissionais de saúde em prevenção e diagnóstico: “Não podemos esperar que essas áreas se engajem sem o devido suporte em recursos”, sinaliza.

Desde 2022, surtos globais de Mpox têm sido registrados, com o vírus se espalhando por 116 países, principalmente do clado IIb, responsável pela disseminação mundial. Recentemente, um novo clado, o clado I, surgiu, afetando a República Democrática do Congo e outros países africanos como Burundi, Quênia, Ruanda e Uganda, além de ter sido detectado na Suécia e na Tailândia. Países como China e Tailândia estão reforçando medidas de controle, especialmente em portos, aeroportos e outros pontos de entrada, para conter a disseminação do vírus.

Diante do clado Ib, que pode estar associado a uma maior transmissibilidade, a biomédica destaca que ainda faltam dados para determinar se essa variante apresenta um risco elevado de causar formas mais graves da doença. A rápida disseminação em países vizinhos à República Democrática do Congo, que enfrentam condições precárias de acesso à saúde e têm pouca ou nenhuma disponibilidade de imunizantes e medicamentos, é motivo de preocupação. “Por isso, é tão importante haver uma coordenação global para auxiliar as regiões mais afetadas por este surto, mitigando os impactos nessas populações e reduzindo o risco de dispersão para outras localidades, dentro e fora do continente africano”, ressalta.

•        O Brasil está preparado para novas pandemias?

“A decretação de emergência pela OMS serve principalmente como um alerta”, afirma José Cerbino Neto, infectologista e pesquisador do Instituto Nacional de Infectologia (INI/Fiocruz) e consultor científico do Richet/Rede D’Or. “Ao declarar uma emergência de saúde pública de interesse internacional, a OMS convoca todos os países a adotar medidas para prevenir a disseminação do vírus. Isso inclui preparar a estrutura para diagnóstico e tratamento, além de garantir a logística necessária. O sinal de alerta da OMS facilita a implementação dessas ações”, explica.

Conforme o infectologista, a decretação amplia a capacidade diagnóstica na região, aprimora a vigilância para identificar todos os casos e viabiliza estudos sobre os mecanismos de transmissão e fatores de risco para formas graves da doença. Também permite avaliar se o padrão de transmissão impacta os testes diagnósticos, facilitando ajustes nas estratégias de controle.

No Brasil, o Ministério da Saúde publicou uma Nota Técnica/ 29/2024-DATHI/SVSA/MS com recomendações gerais para lidar com a Mpox. No dia 15 de agosto, instalou um Centro de Operações de Emergência em Saúde para coordenar as ações de resposta à Mpox. Em nota,  a pasta respondeu que “desde 2023 tem intensificado o enfrentamento da Mpox com várias ações. Destacam-se a ampliação da capacidade de diagnóstico, incluindo a implementação de testes moleculares em todos os 27 Laboratórios Centrais de Saúde Pública (Lacens) e 3 laboratórios de referência nacional. Além disso, foram realizadas oficinas sobre o sistema de informação e tratamento de pessoas com HIV/aids, cinco webinários nacionais e a produção de publicações sobre a doença, disponíveis no portal do Ministério da Saúde, como o plano de contingência, boletins epidemiológicos, protocolos e notas informativas”, diz a nota.

Já no dia da declaração da OMS, a Anvisa publicou a Nota técnica nº14/2024, tratando de medidas de intensificação da vigilância em portos, aeroportos e pontos de entrada no país. Entre outras ações, o documento recomenda a “ampla divulgação de sinais e sintomas relativos a essa doença e medidas para manejo de casos” e que “os planos de contingência locais devem contemplar protocolos para atendimento de eventos de saúde pública relacionados a Mpox”.

O anúncio também permitiu reflexões sobre o Brasil estar preparado para lidar com uma futura pandemia. “Estamos mais preparados no Brasil do que estávamos antes da Covid-19. Mas dizer que estamos preparados para uma nova pandemia é muito difícil. Eu acho que não”, afirma Alberto Chebabo, da SBI.

Para ele, há muito a ser feito. O sistema de vigilância permanece fraco e a rede de laboratórios é pequena e mal estruturada. Além disso, o sistema de saúde continua fragilizado e sobrecarregado, o que agrava a dificuldade de atendimento em caso de aumento na demanda. De acordo com Chebabo, o país ainda enfrenta problemas semelhantes aos vividos durante a pandemia, como a falta de equipamentos de proteção individual e materiais essenciais. A baixa produção de produtos de saúde, como luvas e medicamentos, é uma preocupação, especialmente devido à dependência de importações da Índia e da China para insumos e até medicamentos prontos. “Esse talvez seja o maior desafio para nós: estruturar uma indústria nacional capaz de oferecer uma resposta rápida no país. Isso não é uma tarefa simples nem rápida, e envolve tanto a área de medicamentos quanto a de insumos de saúde”, diz o presidente da SBI.

Como resposta, o Complexo Econômico-Industrial da Saúde visa expandir a produção nacional de itens prioritários para o SUS e reduzir a dependência do Brasil de insumos, medicamentos, vacinas e outros produtos de saúde importados, mas o seu desenvolvimento pode levar anos.

Sobre o Brasil estar preparado para uma crise sanitária global, Luis Eugenio Portela, da Abrasco, é mais cauteloso: “A maior preocupação é que as lições mais importantes não foram aprendidas”. Para ele, as pandemias geralmente surgem de zoonoses, em que patógenos – principalmente vírus – são transmitidos de animais para seres humanos. Porém, a sociedade continua a adotar as mesmas práticas prejudiciais, como a degradação de habitats naturais e a criação intensiva de animais para a comercialização de proteínas. “Os surtos recentes de Mpox e gripe aviária, ambos com potencial de se tornarem pandemias, são um lembrete claro dessa problemática”, justifica.

As mudanças climáticas têm sido um ponto importante na discussão sobre saúde pública, pois agravam os cenários ao alterar os padrões de precipitação e temperatura, explica Mellanie Fontes-Dutra. Segundo ela, essas mudanças afetam o ciclo reprodutivo e a distribuição geográfica de vetores, como insetos que transmitem arboviroses. Além disso, eventos extremos, como inundações, elevam o risco de doenças transmitidas pela água e podem modificar rotas migratórias de animais, expondo as populações a novos patógenos.

“Já estamos vendo a dengue, por exemplo, passar a ser mais presente em países historicamente mais frios, entre outras arboviroses e doenças conhecidamente tropicais”. Por isso, ela acredita que é crucial que países, lideranças e grandes empresas responsáveis por significativas emissões de gases de efeito estufa e impactos ambientais se comprometam com ações de mitigação eficazes para conter o avanço acelerado da crise climática.

•        OPAS e o preparo para pandemias

Nesse contexto, foi lançado em julho o projeto PROTECT, uma parceria entre a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) e o Banco Mundial, para fortalecer a resposta a pandemias na América do Sul. Sebastián Oliel, da OPAS, revelou ao Futuro da Saúde que o projeto visa aprimorar a liderança regional, desenvolver capacidades para emergências de saúde pública e coordenar atividades de campo. “Embora o projeto esteja em seus estágios iniciais, já foram identificados vários desafios”, afirmou. Ele acrescentou que a OPAS adota uma abordagem de planejamento participativo, permitindo que as iniciativas sejam lideradas pela comunidade e respeitem os contextos locais.

O projeto prevê a doação de quase 17 milhões de dólares do Fundo Pandêmico, que será distribuído entre os sete países (Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, Paraguai e Uruguai). Para isso, a OPAS utilizará seus relacionamentos estabelecidos com os Ministérios da Saúde e Agricultura desses países, por meio de seus escritórios regionais que irão desempenhar um papel importante no aprimoramento da coordenação em níveis nacional e local.

O projeto busca melhorar os sistemas de vigilância precoce para doenças zoonóticas ao integrar a vigilância comunitária com os sistemas nacionais, aumentando a rapidez e a sensibilidade na detecção. Com isso, a comunidade poderá relatar casos suspeitos de doenças zoonóticas, permitindo que as autoridades locais e nacionais avaliem e respondam de forma eficaz. Além disso, pretende expandir o acesso a redes de laboratórios, incluindo os especializados em vigilância genômica, aprimorando a detecção e a caracterização de doenças zoonóticas e novos patógenos.

“Isso envolverá líderes comunitários, profissionais de saúde locais e outras partes interessadas na vigilância baseada em eventos comunitários para conduzir este processo. Forças-tarefa multissetoriais serão criadas em níveis subnacional, nacional e regional para aprimorar a colaboração e a coordenação nos esforços de vigilância baseada em eventos comunitários”, explica Sebastián Oliel.

Especialistas consideram essas ações cruciais. Mellanie Fontes-Dutra destaca a importância de melhorar continuamente a qualidade do ar interno em ambientes comuns, o que ajuda a reduzir os riscos de patógenos respiratórios. Ela também enfatiza a necessidade de investir em pesquisas sobre vacinas e medicamentos, e reforça a importância de integrar o conceito de Saúde Única, que abrange a saúde humana, a preservação ambiental e a saúde animal.

O alerta é mundial. A atual epidemia de Mpox não é a única que ameaça se tornar uma pandemia. Há também a gripe aviária. O vírus H5N1 já está em circulação em quase todo o mundo, afetando não só aves silvestres e domésticas, mas expandindo a contaminação para outras espécies. Entre 2020 e 2024, o número de espécies de mamíferos infectadas pelo vírus aumentou quase cinco vezes, atingindo 64 espécies em quatro anos. “A preocupação, agora, é evitar que seres humanos sejam contaminados”, diz  Luis Eugenio Portela, da Abrasco.

 

Fonte: Futuro da Saúde

 

César Fonseca: ‘Crise Brasil-Venezuela fragiliza BRICS e favorece objetivo de Washington’

O aprofundamento da crise diplomática entre Brasil e Venezuela não poderia ser mais conveniente para os Estados Unidos neste momento: não interessa a Washington a união entre os dois países maiores produtores de petróleo da América do Sul.

Juntos, sintonizados com o mesmo objetivo, qual seja, a integração econômica latino-americana, somariam forças capazes de fortalecer o BRICS, de um lado, e, de outro, contrariar o império americano, para fragilizar a Doutrina Monroe, vigente desde 1823, consubstanciada na pregação da América para os americanos do norte.

Rachados, cada um para seu lado, fica mais fácil para a estratégia imperialista de mantê-los divididos para reinar.

Washington, por meio do seu mais importante representante militar no continente sul-americano, a general Laura Richardson, chefe do Comando Sul dos EUA, sediado na Flórida, alertou, ao longo de 2023 e 2024, contra o que considerou perigo para os interesses americanos: a aproximação crescente da América do Sul dos BRICS, especialmente, China e Rússia.

Richardson conseguiu com sua retórica convencer a Argentina, sob governo da ultradireita fascista de Javier Miley, a não participar do BRICS, na tentativa de isolar o Brasil.

UNIÃO RÚSSIA-CHINA X EUA-OTAN

Não se entende, plenamente, o conflito Brasil-Venezuela fora da questão, essencialmente, geopolítica, tensionando as relações internacionais, porque a emergência do BRICS abre-se ao mundo multipolar contra a geopolítica unipolar, comandada pelos Estados Unidos, envolvendo o ocidente anglo-saxão.

Russos e chineses se aproximaram, por meio de pacto militar e comercial, desde o início da intervenção preventiva russa na Ucrânia, armada pela Otan-Estados Unidos, para tentar promover uma mudança de regime na Rússia.

Os tratados assinados por Moscou e Pequim visam fortalecer o comércio bilateral China-Rússia e as relações militares entre ambos, fato que refletiu, diretamente, na construção do bloco comercial dos BRICS.

O fortalecimento dos BRICS ganhou dimensão geopolítica capaz de abalar a geopolítica ocidental anglo-saxônica e colocou os aliados integrantes dele no dilema de se juntarem ou não frente à geopolítica de Washington para ganharem musculatura contra o império.

Inicialmente, cinco países formaram o BRICS, ampliado para 13, na reunião recente, em Kazan, Rússia, enquanto há outros 33 países interessados em entrar no bloco, entre estes a Venezuela.

A América do Sul, segundo Laura Richardson, não deveria se transformar em aliada dos BRICS, para não ferir os interesses dos Estados Unidos, que, de acordo com a Doutrina Monroe, têm o continente sul-americano como seu espaço de influência exclusiva.

A Venezuela, nesse contexto geopolítico de confronto crescente entre as potências, buscou acelerar aproximação comercial e militar com os dois principais integrantes do BRICS, Rússia e China.

A iniciativa venezuelana levou Washington a intensificar sanções comerciais contra o governo de Nicolás Maduro, dominado pelo viés ideológico socialista, sob comando do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV), há 26 anos no poder.

VITÓRIA CONTESTADA PELA CASA BRANCA

A eleição de Nicolás Maduro, para mais um mandato de 6 anos (2025-2031), em 28 de julho de 2024, contestada por Washington, criou o ambiente de confronto que acabou arrastando o Brasil e outros países latino-americanos e europeus ao rechaço à vitória do presidente chavista, considerada fraudulenta.

O Brasil, assim como o governo Joe Biden, considerou insatisfatórios os argumentos do governo, vítima do que considerou ataques cibernéticos em seu processo eleitoral, para não apresentar o que exigia: atas comprobatórias que demonstrassem a vitória do candidato do PSUV.

Teria ou não os ataques cibernéticos suprimidos as provas da vitória?

O Brasil pediu novas eleições e a Venezuela, que disse ter apurado mais de 70% do total de votos, antes do ataque cibernético, proclamou por meio do Conselho Nacional Eleitoral (CNE), a vitória eleitoral de Nicolás Maduro.

 A insistência brasileira quanto às atas eleitorais e à defesa de novas eleições azedaram as relações Brasil-Venezuela, desde então, estendendo-se, agora, na decisão brasileira de vetar a entrada do país de Nicolás Maduro no BRICS, na reunião de Kazan, Rússia.

NEGAÇÃO À AUTODETERMINAÇÃO DOS POVOS

O governo venezuelano, sobretudo, considerou ingerência do governo brasileiro em assuntos de soberania, violando autodeterminação dos povos, na condução dos seus interesses nacionais.

Agora, Nicolás Maduro considera que o governo brasileiro está a serviço de Washington, agindo como a Casa Branca, interferindo nas questões internas soberanas da Venezuela.

Ao contrário do Brasil, China e Rússia reconheceram, imediatamente, a vitória de Nicolás Maduro, considerando-a legítima, o que o presidente Vladimir Putin reiterou em Kazan, apelando para que ambos os países se entendessem, para não trincar as relações dentro do próprio BRICS, afetado, agora, pelo aprofundamento da crise diplomática entre eles.

O fato é que a divisão que se aprofunda vai de encontro ao que a general Laura Richardson defende: quebra da unidade latino-americana em relação ao BRICS.

Como, no próximo ano, o bloco será presidido pelo Brasil, certamente, o diversionismo consagra o desejo de Washington, radicalmente, adversário do BRICS, cuja força econômica supera o G7 e caminha para ser uma nova potência mundial.

Os efeitos do fortalecimento internacional do BRICS, a se configurar ao longo dos próximos anos, são maléficos para a hegemonia americana, passível de ser rompida com a desdolarização econômica diante da pregação do avanço das relações comerciais realizadas com moedas nacionais, como norte essencial do novo bloco.

 

¨      O BRICS faz história – será possível manter o ímpeto? Por Pepe Escobar

Kazan não mudou o mundo – ainda. Mas a cúpula deve ser vista como a estação de partida de uma viagem em trem de alta-velocidade rumo à nova ordem multinodal que vem surgindo. A metáfora foi também espacial: a “estação” dos pavilhões do centro de exposições de Kazan  onde a cúpula foi realizada conectava-se simultaneamente  ao aeroporto e ao aerotrem expresso que leva à cidade.

Os efeitos deixados na esteira do BRICS 2024, em Kazan, serão sentidos por semanas, meses e anos. Comecemos com as grandes mudanças. 

<><> O Manifesto de Kazan 

1. A Declaração de Kazan. Trata-se de nada menos que um manifesto diplomático detalhado. Mas como os BRICS não são um agente revolucionário – já que seus membros não têm uma ideologia em comum – seria possível afirmar que a segunda melhor estratégia seria propor reformas reais, desde a Agenda de 2030 da ONU até o FMI, o Banco Mundial, a OIT, a OMS e o G-20 (cuja cúpula acontecerá no próximo mês, no Rio).

O cerne da Declaração de Kazan  – debatido durante meses – é avançar na prática rumo a profundas mudanças institucionais e rejeitar a Hegemonia. A Declaração será apresentada ao Conselho de Segurança da ONU. O Hegêmona, sem dúvida alguma, irá rejeitá-la.

Este parágrafo resume a iniciativa das reformas: “Condenamos as tentativas de sujeitar o desenvolvimento a práticas discriminatórias com motivação política, incluindo, embora não se limitando a medidas coercitivas unilaterais  incompatíveis com os cinco princípios da Carta das Nações Unidas, e condicionalidades explícita ou implicitamente impostas à ajuda ao desenvolvimento com o fim de comprometer a multiplicidade dos fornecedores de ajuda internacional ao desenvolvimento”. 

2. A sessão de Expansão dos BRICS, que foi um Bandung 1955 turbinado a esteróides: um microcosmo de como o novo mundo descolonizado e não-unilateral vem nascendo.

O Presidente Putin abriu a sessão e passou a palavra aos líderes e chefes de delegação de outras 35 nações, a maioria deles  de primeiro escalão, inclusive o representante da Palestina, como também ao Secretário-Geral das Nações Unidas. Diversas dessas falas foram  nada menos que épicas. A sessão teve duração de três horas e vinte e cinco minutos. Sua transcrição irá circular por toda a Maioria Global por anos a fio.

A sessão foi concluída com o anúncio dos 13 novos parceiros dos BRICS: Argélia, Belarus, Bolívia, Cuba, Indonésia, Cazaquistão, Malásia, Nigéria, Tailândia, Turquia, Uganda, Uzbequistão e Vietnã. Um tour de force estratégico incluindo quatro potências do Sudeste Asiático, os dois principais “istãos” da Ásia Central, três africanas, duas latino-americanas e a Turquia, membro da OTAN. 

3.   A própria presidência russa dos BRICS. Pode-se dizer que nenhum outro país teria sido capaz de montar uma cúpula tão complexa e impecavelmente bem-organizada, realizada após mais de 200 reuniões relacionadas aos BRICS por toda a Rússia e durante todo o ano, conduzidas por sherpas anônimos, integrantes de grupos de trabalho e do Conselho Empresarial dos BRICS. A segurança foi maciça  - por razões óbvias, considerando os riscos de uma falsa bandeira ou ataque terrorista. 

4. Os corredores de conectividade. Esse é o principal tema geoeconômico da integração eurasiana, e também da integração afro-eurasiana.  Putin, mais de uma vez, citou explicitamente os novos motores do crescimento de um futuro próximo: o Sudeste Asiático e a África. Ambos são parceiros importantes de diversos projetos da Iniciativa Cinturão e Rota (ICR) chinesa. Além disso, Putin citou os dois principais corredores de conectividade do futuro: a Rota Marítima do Norte  – que os chineses descrevem como a Rota da Seda do Ártico – e o Corredor Internacional de Transporte Norte-Sul (CITNS) no qual os três principais motores são os membros dos BRICS Rússia, Irã e Índia.
Isso se traduz, portanto, com a China dos BRICS cruzando a Eurásia de leste a oeste, enquanto Rússia/Irã/Índia, também dos BRICS, a cruzam de norte a sul, com ramificações em todas as latitudes. E com todos os acréscimos de energia, com o Irã se posicionando como um nó energético de importância crucial, abrindo a finalmente factível possibilidade de construção do gasoduto 
Irã-Paquistão-Índia (IPI), uma das sagas inacabadas daquilo que descrevi em inícios dos anos 2000 como o Gasodutistão.

<><> A Volta do Triângulo Primakov  

Toda a Maioria Global tinha imensas expectativas de que Kazan viesse a representar um espetacular divisor de águas quanto a sistemas de pagamento alternativos.  Especialistas em tecnologia financeira russos e chineses foram mais realistas, comentando que “não esperavam absolutamente nada exceto uma outra rodada de iniciativas sobre trocas de grãos, trocas de metais preciosos e sobre uma plataforma de investimento. O BRICS Clear vem sendo desenvolvido, mas o restante não irá funcionar sem uma infraestrutura soberana adequada”.  
O que nos traz de volta ao projeto 
UNIT – uma forma de “dinheiro apolítico” ancorado em ouro e nas moedas dos BRICS+. O projeto foi exaustivamente discutido pelos grupos de trabalho, tendo chegado ao Ministério das Finanças russo. O passo seguinte é um teste de desempenho conduzido por um grande conglomerado empresarial, que pode vir a acontecer em um futuro próximo e, caso tenha êxito, sirva de estímulo para que outras grandes empresas dos países BRICS  sigam pelo mesmo caminho.

Quanto à plataforma de investimentos digitais dos BRICS, ela já está pronta para entrar em funcionamento.  Juntamente com o NDB – o Banco dos  BRICS, presidido pela ex-presidente do Brasil Dilma Rousseff, cujo mandato  o Presidente Putin  quer ver renovado – essa plataforma irá facilitar o acesso do Sul Global a financiamentos sem as tão temidas condicionalidades  de “ajustes estruturais” impostas pelo FMI/Banco Mundial. As trocas de grãos dos BRICS, estabelecendo regras claras e transparentes, serão essenciais para assegurar a segurança alimentar  do Sul Global. 

Os BRICS deixaram claro que o complexo ímpeto rumo  uma nova infraestrutura de pagamentos e liquidação é inevitável, sendo, entretanto, um trabalho em andamento, em especial por que o G-7 – que, para todos os fins práticos vem sequestrando a agenda do G20 a ser realizado no próximo mês, no Rio – quer financiar ao menos 20 bilhões de um pacote de 50 bilhões com os rendimentos dos ativos russos roubados. 

O que nos leva ao problema mais flagrante dos BRICS. Chegar a um consenso em questões espinhosas é extremamente difícil  – podendo levar, no longo prazo, a que os BRICS adotem um mecanismo de maioria absoluta para chegar a alguma resolução. 

O caso brasileiro – que vetou a Venezuela como parceira dos  BRICS – não foi de modo algum bem visto entre os países do Sul Global. O atual governo Lula talvez esteja sob pressões tremendas partindo do establishment do Partido Democrata do Hegêmona, mas isso, em si, não explica a decisão. 

Há um maciço lobby anti-BRICS no do primeiro escalão  do governo brasileiro, “facilitado”, como de costume, por ONGs americanas, e também da Comissão Europeia, fortemente infiltradas nas proverbiais elites compradoras. Brasília, este ano, privilegiou o G-20 em detrimento dos BRICS. O que faz antever problemas  para o ano que vem, quando o Brasil assumirá a presidência dos BRICS. 

As perspectivas não são exatamente brilhantes. A cúpula dos BRICS do próximo ano está marcada para julho – e a decisão parece ser final. Isso não faz nenhum sentido – fazer um apanhado geral de uma agenda de trabalhos em meados do ano. A desculpa oficial é que o Brasil precisa também organizar a conferência Cop-30, marcada para novembro. Uma sugestão será apresentada pelo importantíssimo economista brasileiro  Paulo Nogueira Batista Jr., no sentido de realizar uma sessão dos BRICS paralela no decorrer da cúpula do G-20 em 2025, a ter lugar na África do Sul, onde seriam apresentadas as recomendações finais. 

O Presidente Putin vem sendo extremamente maleável – chegando mesmo a propor que Dilma Rousseff permaneça no comando do Banco dos BRICS. No entanto, tecnicamente, a presidência russa do Banco começaria no próximo ano. Um candidato mais adequado para a presidência do NDB seria Aleksei Mozhin, até recentemente o representante russo no FMI. 

Há uma grande lição a ser extraída de tudo o que foi dito acima. Kazan provou que a força motriz dos BRICS é, na verdade, o famoso Triângulo de Primakov – ou RIC (Rússia, Índia, China). Hoje seria possível acrescentar o Irã, o que transformaria a sigla em RIIC. Tudo o que tenha alguma substância nos processos interconectados da integração dos BRICS e da integração afro-eurasiana depende do RIIC.

A Arábia Saudita permanece como uma possibilidade em aberto. Nem sequer Putin respondeu se Riad está dentro, fora ou em cima do muro. Fontes diplomáticas insinuam que MbS está esperando pelo resultado das eleições presidenciais dos Estados Unidos. Se muito da riqueza saudita está investida na esfera anglo-americana – podendo ser surrupiada de uma hora para outra – as relações de alto-nível com a parceria estratégica Rússia-China são excelentes.

O RIC marcou um gol de placa logo antes da cúpula de Kazan, quando Pequim e Nova Delhi anunciaram a normalização de sua questão  de Ladakh. Esse resultado foi alcançado com a mediação da Rússia. Então, há a Turquia. Erdogan foi peremptório em sua declaração de entusiasmo pelos BRICS  nas poucas horas que passou em Kazan. Mais tarde, em Istambul, analistas confirmaram que ele vê com a maior seriedade a condição da Turquia como parceira e sua possível admissão como membro pleno.

Na linguagem dos símbolos, os minaretes da mesquita de  Kul Sharif, no Kremlin de Kazan, foram a real marca registrada da cúpula: a ilustração gráfica da multipolaridade em funcionamento. As terras do Islã captaram a mensagem – com sérias e auspiciosas repercussões futuras. No momento em que o trem multinodal de alta velocidade deixa a estação, toda a atenção dos condutores deve estar focada nos RIICs. Que todo o Sul Global tenha uma boa viagem.

 

Fonte: Brasil 247