quinta-feira, 18 de abril de 2024

'Uniu muito mais rápido a região': o que crise entre México e Equador traz para a América Latina?

A disputa diplomática entre o México e o Equador pode ter servido à região para retomar mecanismos de integração regional que estavam inativos, segundo analistas políticos consultados pela Sputnik. No entanto, o fenômeno pode se limitar a "algo pontual" diante de governos que desconfiam das relações entre vizinhos.

A crise diplomática entre o México e o Equador por conta da invasão da embaixada mexicana em Quito poderia, como contrapartida, reviver alguns mecanismos de integração latino-americana que, após muito tempo, geraram importantes consensos.

O primeiro foi a Organização dos Estados Americanos (OEA), que aprovou uma declaração condenando a ação do governo do Equador, com o voto de 29 de seus membros. Enquanto El Salvador se absteve, a representação equatoriana foi a única a votar contra.

O caso foi então levado pela Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC), presidida pela mandatária hondurenha Xiomara Castro, que convocou primeiro os ministros das Relações Exteriores e depois os presidentes para uma cúpula virtual. Na ocasião, também houve a condenação do Equador e o apoio à decisão do México de levar o caso à Corte Internacional de Justiça (CIJ).

Em entrevista à Sputnik, a cientista política e analista internacional mexicana Ana Vanessa Cárdenas considerou que o que ocorreu em Quito pode se tornar "uma oportunidade muito boa" para reavivar a integração latino-americana, especialmente porque "é uma causa muito fácil de defender".

"Nenhum país que tenha uma embaixada quer passar por uma situação dessas. Não são apenas os países de esquerda da América Latina, mas também países como a Argentina de Milei", afirmou Cárdenas.

Apesar disso, a especialista apontou ressalvas no processo: além de observar que entre os países que reagiram ao episódio houve declarações "mais tímidas do que outras", acredita que a mobilização regional gerada pela invasão à sede diplomática mexicana poderia se limitar a "algo pontual" que não resulte em um efeito "prolongado".

Nesse sentido, a especialista apontou que os países da CELAC apoiaram a denúncia internacional feita pelo México, mas dificilmente "darão um passo adiante", tanto pelos "matizes" entre os próprios governos de esquerda da região quanto pela falta de institucionalidade e orçamento da CELAC. "Acredito que será um bom momento de união, mas será uma lua de mel curta", previu a analista mexicana.

Também consultado pela Sputnik, o cientista político argentino e coordenador operacional do Grupo de Puebla (fórum político e acadêmico composto por representantes da esquerda), Matías Capeluto, avaliou que a América Latina "atravessa o momento de maior desintegração" dos últimos anos, já que "não há organismos sólidos e estruturados que forneçam respostas como os que poderiam ter havido no início do século XXI". Com isso, Capeluto destacou os questionamentos que a OEA recebe, especialmente pela postura diante do golpe de Estado na Bolívia em 2019, além da estagnação da Unasul e a falta de institucionalidade da própria CELAC.

Apesar disso, analista pontua que, nesse contexto de desintegração, o episódio "gerou uma reação internacional imediata, não apenas do ponto de vista diplomático, mas também do político", e considerou que "as reações institucionais foram boas ou muito boas e o governo do Equador ficou sozinho na arena internacional".

"O que o presidente Daniel Noboa fez uniu muito mais rápido a região do que estava antes e concedeu-lhe um dinamismo e um grau de interlocução que não tinha. Infelizmente, teve que acontecer algo assim para que voltem a se mover muitos âmbitos regionais que não estavam funcionando como se desejaria",

·        Oportunidade para López Obrador?

O analista internacional colombiano Mauricio Jaramillo disse à Sputnik que o episódio pode ser útil para o México, que "era um dos países mais frios nessas medidas, já que Andrés Manuel López Obrador não viaja muito para fora do país". Com o episódio, considerou o especialista, o presidente mexicano "se vê obrigado a sair e ter uma agenda externa menos tímida".

Jaramillo considerou ainda que o presidente mexicano estava até agora "em uma posição muito confortável" em relação à integração latino-americana, deixando de lado um papel "assumido mais pelo Brasil, Colômbia ou a Argentina de Alberto Fernández". Agora, por outro lado, o país poderá "contar com o apoio dos demais para exercer sua liderança e ter um papel agressivo no bom sentido", complementou.

Cárdenas concordou que o que aconteceu em Quito pode marcar "um bom momento" para Obrador, que, devido ao seu menor interesse nos temas de política externa, "em alguns momentos ficou a dever a liderança regional que se esperava ele que tivesse quando assumiu o cargo".

Já a analista mexicana acrescentou que o presidente passou a ter maior protagonismo a partir de 2020, quando assumiu a presidência da CELAC. A crise com o Equador permitiu a López Obrador garantir o apoio, que já era esperado, de países com governos afins como Nicarágua, Honduras ou Venezuela, mas também de outros importantes como Brasil, Chile ou mesmo de outros signos políticos, incluindo o dos Estados Unidos.

·        Fissuras não desaparecem

Para Jaramillo, é difícil imaginar que a crise entre o México e o Equador desencadeie algum tipo de "fissura" entre os países da região. "Não é um tema que gere polêmica; até mesmo os governos de direita vão condenar porque não é do interesse de ninguém que comecem a se desintegrar códigos diplomáticos que funcionaram até mesmo entre países que pensam de forma muito diferente", observou.

Mesmo assim, e embora tenham condenado o Equador na OEA, países como Argentina, Costa Rica, Paraguai, Peru e Uruguai desistiram de participar da cúpula de presidentes da CELAC convocada por Xiomara Castro, alegando que não se cumpria o requisito de "consenso" necessário para convocar o encontro.

Para Capeluto, uma possível explicação é que "os novos governos de direita que existem na região não acreditam na integração, não reconhecem a região como um espaço para se desenvolver e só veem os EUA como único parceiro comercial e político". Cárdenas identificou ainda que na região existem, atualmente, "certas tentações autoritárias" que poderiam facilitar esse tipo de episódio e dificultar o cumprimento de acordos entre países.

"Sinto que hoje os mecanismos multilaterais de resolução pacífica de controvérsias não têm sido úteis, estão esquecidos, e que a diplomacia está se rompendo. É importante voltar à diplomacia e não buscá-la quando os conflitos já escalaram", apontou.

¨       Celac racha em crise México-Equador

Principal organização de coordenação política na América Latina, a Celac sofreu nesta terça-feira (16) um boicote em uma reunião sobre o conflito diplomático entre México e Equador que agravou a crise de integração que afeta os países da região.

O resultado direto desse racha é que o presidente Lula (PT) participou de uma cúpula virtual esvaziada da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos, marcada pela ausência de importantes governos latino-americanos e outros que não foram representados por seus líderes.

Presidente de turno da Celac, a líder hondurenha Xiomara Castro atendeu a um pedido do México e convocou o encontro remoto com o objetivo de ampliar o isolamento diplomático do Equador e mostrar um repúdio coordenado contra a invasão da missão diplomática mexicana em Quito, no começo do mês.

Na ocasião, forças policiais equatorianas entraram na embaixada para capturar o ex-vice-presidente Jorge Glas, acusado de corrupção e asilado na representação mexicana.

No total, apenas dez presidentes entre os 33 membros da Celac participaram da cúpula desta terça. Outros cinco foram representados por chanceleres, em mais um sinal de que os governos da região estão questionando a legitimidade do fórum para tratar da crise entre Equador e México. Os demais acompanharam com funcionários de menor nível hierárquico.

Além de Lula e Xiomara, estiveram na cúpula virtual os presidentes de México, São Vicente e Granadinas, Guiana, Bolívia, Colômbia, Venezuela, Guatemala e Cuba. Escalaram seus chanceleres os governos de Chile, Belize, Panamá, Equador e República Dominicana.

"O que aconteceu em Quito é simplesmente inaceitável e não afeta só o México. Diz respeito a todos nós. Um pedido formal de desculpas por parte do Equador é um primeiro passo na direção correta", disse Lula.

O presidente da Guiana, Irfaan Ali, fez um rápido pronunciamento em nome dos 15 membros da Caricom (Comunidade do Caribe), mas num tom muito abaixo dos discursos inflamados do mexicano Andrés Manuel López Obrador, e do ditador da Venezuela, Nicolás Maduro --este anunciou o fechamento da sua embaixada e de seus consulados no Equador "até que o direito internacional seja expressamente restaurado",

Antes mesmo do início da reunião desta terça, os governos de Argentina, Costa Rica, Uruguai, Paraguai e Peru já tinham informado interlocutores que boicotariam a transmissão. Em linhas gerais, esses governos consideram que a reprimenda contra o Equador já foi contemplada em reunião da OEA (Organização dos Estados Americanos).

Na semana passada, o órgão sediado em Washington condenou "energicamente" a ação de Quito e instou as duas partes a iniciar um diálogo "para resolver esse grave assunto de forma construtiva". Todos os países do continente votaram a favor da resolução da OEA, com exceção do Equador, que foi contra, e El Salvador, que se absteve.

Mas Obrador quis que a Celac adotasse medidas adicionais contra o governo equatoriano do presidente Daniel Noboa. O principal pleito era que os integrantes da Celac endossassem a denúncia apresentada contra o Equador na Corte Internacional de Justiça, em Haia. Obrador queria ainda apoio no seu plano de levar o caso contra Quito à Assembleia-Geral da ONU.

O esvaziamento da cúpula da Celac é também reflexo das críticas contra a presidência rotativa de Honduras. A condução do órgão por Xiomara Castro, uma líder de esquerda, já foi publicamente questionada em uma dura nota conjunta subscrita por dez países: Argentina, Chile, Costa Rica, Equador, Guatemala, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana e Uruguai.

Em meados de março, esses países publicaram um comunicado criticando a hondurenha por manifestar opiniões em nome da Celac que não tinham sido previamente consensuadas.

"A mensagem emitida pela presidente Castro, no seu perfil da rede social X, sobre as felicitações estendidas ao presidente Vladimir Putin deve ser entendida exclusivamente como uma declaração realizada na sua condição de presidente de Honduras, e não na condição de representante da presidência pro tempore da Celac, atualmente exercida por seu país, uma vez que não foram realizadas as consultas prévias com os Estados-membros", queixaram-se os países signatários.

Eles também disseram que declarações de Xiomara sobre a guerra Israel-Hamas e sobre a situação no Haiti não tinham sido acordadas com os demais integrantes do bloco.

O boicote à Celac deve aprofundar um dos principais problemas de Lula no seu relacionamento com vizinhos, as dificuldades na agenda de integração na América Latina.

É ainda um desafio adicional para Lula organizar respostas aos atritos políticos na região. Nesta quarta-feira (17), ele faz uma visita ao presidente da Colômbia, Gustavo Petro, em que ambos devem discutir a principal crise sul-americana, a deriva autoritária na Venezuela.

Integrantes da diplomacia brasileira admitem o racha na América Latina, mas dizem que ele não vem de hoje e tem motivos diversos. O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) chegou a retirar o Brasil da Celac.

Em outros momentos, os países também passavam por polarização, mas ainda assim havia diálogo, segundo um integrante do governo. Ele relembra quando a Unasul foi criada sob os governos de Hugo Chávez (Venezuela) e Álvaro Uribe (Colômbia), de campos ideologicamente opostos.

A avaliação é a de que é injustificável o ato do Equador e, por isso, não é compreensível o motivo de alguns países terem evitado participar do encontro da Celac. Até mesmo o Equador esteve presente, ainda que representado por seu chanceler, diz esse membro do governo sob anonimato.

 

Fonte: Sputnik Brasil/FolhaPress

 

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