Só
reacionários ganham com a opacidade do STF
O
sigilo dos amplos e intermináveis inquéritos que correm no Supremo Tribunal
Federal (STF) para investigar a disseminação de fake news e a atuação das
chamadas “milícias digitais” faz muito mal à democracia. À sociedade, afinal, é
dado conhecer:
(i) quem,
supostamente, ameaça as instituições democráticas e seus integrantes;
(ii) como
são articuladas essas ameaças; e
(iii) os
propósitos a que se prestam.
Como
se isso não bastasse, a obscuridade das decisões monocráticas tomadas pelo
ministro relator Alexandre de Moraes no âmbito daqueles inquéritos ainda tisna
a aura de credibilidade do próprio STF. Deveria ser ocioso lembrar que a crença
na Justiça decorre da fundamentação de suas decisões, que, salvo raríssimas
exceções, deve ser conhecida por todos. Infensa à transparência, a Corte só
alimenta o discurso dos reacionários que estão longe de querer seu
aperfeiçoamento, e sim seu descrédito perante a opinião pública, como forma de
deslegitimá-la.
A
bem da verdade, a crise de credibilidade do STF decorre primordialmente dos
ataques à Corte insuflados por Jair Bolsonaro nos últimos anos – e sustentados
até hoje por seus apoiadores radicais. Contudo, em boa medida, alguns ministros
do Supremo também contribuem para que, aos olhos de uma parcela expressiva da
população, suas decisões sejam recebidas como manifestações políticas.
Ministros
que falam a torto e a direito fora dos autos, participam de colóquios políticos
e eventos corporativos custeados por lobistas, viram do avesso a jurisprudência
da própria Corte e decretam sigilos sobre suas decisões como regra, e não como
exceção, podem ser tão ou mais nocivos ao Poder Judiciário do que um punhado de
postagens feitas pelos detratores do STF nas redes sociais.
Essa
crise fabricada extrapolou as fronteiras do País e chegou à Comissão de Justiça
da Câmara dos Representantes dos EUA. A pretexto de resguardar os interesses de
empresas americanas – X e Meta, dona do Instagram – e defender a “liberdade de
expressão”, a ala radical do Partido Republicano no colegiado, majoritária e
dominada por Donald Trump, divulgou um relatório contendo os ofícios do STF
enviados àquelas empresas para determinar a suspensão de contas, sem maiores
explicações.
Claramente
articulados com a trupe de deputados bolsonaristas que recentemente foram ao
Capitólio denunciar a “ditadura do Poder Judiciário no Brasil”, os republicanos
da Comissão de Justiça fizeram o estardalhaço típico dessa turma, afirmando que
o tal relatório é a prova cabal da “censura do governo brasileiro” à plataforma
de Elon Musk, o X, entre outras. Que Musk seja um oportunista que não dá a
mínima para a liberdade de expressão, preocupado que está apenas com seus
negócios mundo afora, parece não ter a menor importância para esses
parlamentares, brasileiros e americanos. O objetivo principal é aumentar a
nuvem de suspeição que hoje paira sobre as decisões do ministro Alexandre de
Moraes.
O
STF parece ter sentido o baque. Em nota oficial, a título de resposta à
divulgação do relatório pelos deputados americanos, a Corte informou que “todas
as decisões tomadas pelo STF são fundamentadas, como prevê a Constituição, e as
partes, as pessoas afetadas, têm acesso à fundamentação”. A questão é que já
não basta que apenas as “pessoas afetadas” conheçam os fundamentos das
draconianas decisões do sr. Moraes. Toda a sociedade brasileira precisa
conhecê-los – até para poder concluir que, de fato, o ministro cumpriu
exatamente o papel que lhe é atribuído pela Constituição e, portanto, suas
decisões não violaram os direitos e garantias fundamentais de ninguém.
Lá
se vão quase cinco anos de tramitação desses inquéritos no STF. O sigilo sobre
eles, que já era um problema na origem das investigações, só tem aprofundado as
incertezas quanto à justiça das decisões do ministro Alexandre de Moraes. O
melhor antídoto contra o discurso dos reacionários que querem desmoralizar o
Judiciário para seus propósitos autoritários é a luz do dia, e não as sombras.
Contestação
a Moraes aumenta, e políticos, STF e governo querem nova postura
O
acúmulo de atritos envolvendo o ministro Alexandre de Moraes ampliou o alcance
dos questionamentos sobre os limites da atuação do magistrado no STF (Supremo
Tribunal Federal).
Integrantes
do Congresso, do governo e da corte que costumam oferecer respaldo às ações de
Moraes agora admitem reparos e reconhecem, nos bastidores, a necessidade de
ajustes.
Essas
autoridades mantêm apoio ao ministro e destacam a relevância de sua atuação na
defesa das instituições. Elas afirmam, no entanto, que uma mudança calculada e
gradual de postura seria importante para baixar a temperatura de recentes
embates protagonizados por Moraes.
A
avaliação é feita, em graus diversos, por políticos e magistrados em postos
relevantes dos três Poderes. Alguns pregam recuos concretos, enquanto outros somente
apontam que Moraes tende a atenuar os focos de tensão no curso natural de seu
trabalho.
Essa
percepção se acumulou nos últimos meses e ficou mais abrangente depois de
embates recentes no Parlamento e a partir das críticas às decisões de Moraes
envolvendo o bloqueio de páginas na plataforma X (antigo Twitter). Este último
caso teve a atuação do empresário Elon Musk e de integrantes do Congresso dos
EUA.
O
ministro vive o momento de maior contestação ao seu trabalho desde que começou
a relatar inquéritos no STF que miram o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), seus
aliados e integrantes de uma articulação que, segundo investigações da Polícia
Federal, teria como objetivo impedir a posse de Lula (PT).
Mesmo
dentro do Supremo, que costuma respaldar suas decisões por ampla maioria, há
ministros que demonstram ressalvas à atuação de Moraes, em conversas
reservadas.
Um
ministro alinhado a Moraes já fez a avaliação de que críticas antes
direcionadas ao ministro passaram a se voltar contra a corte como instituição.
Isso, segundo integrantes do Judiciário, teve como consequência o avanço de
projetos no Senado que miram o STF.
O
trabalho do ministro é considerado importante para defender o STF. No entanto,
há uma avaliação de que alguns casos acabam por expor o tribunal mais do que
blindá-lo.
Por
isso, políticos e ministros de tribunais superiores defendem que o ministro
atue, inclusive, para concluir os inquéritos polêmicos que relata, como o das
fake news e o das milícias digitais, abertos há mais de quatro anos.
Um
recuo abrupto, no entanto, é considerado não apenas improvável como
contraindicado, uma vez que daria a impressão de que o tribunal estaria na
defensiva ou que foi derrotado por Musk. A Folha de S.Paulo ouviu esta
avaliação de um ministro do STF alinhado a Moraes e de um integrante da cúpula
do Legislativo.
O
desfecho das investigações, ainda assim, é considerado próximo pelo fato de as
apurações estarem maduras. É visto também como uma medida que pode melhorar a
relação com parlamentares.
Magistrados
e senadores temem, porém, que aliados de Bolsonaro procurem outras crises para
se contrapor a Moraes.
Um
cardeal do Senado diz que um gesto prático e imediato para diminuir a tensão
com o Congresso poderia ser a rejeição da ação que pede a cassação do mandato
do senador Jorge Seif (PL-SC) por suposto abuso de poder econômico na campanha
de 2022.
A
avaliação de que o Supremo deve enviar sinais aos parlamentares passa por um
temor de integrantes do Judiciário de que a próxima legislatura abra pedidos de
impeachment contra ministros do STF.
O
PL, de Bolsonaro, está empenhado em eleger uma maioria robusta de senadores, o
que assusta aliados de Lula e membros do Supremo. O presidente do Senado,
Rodrigo Pacheco (PSD-MG), tem descartado essa hipótese.
Parlamentares
dizem que um sinal de que Moraes enfrenta o cenário mais desfavorável desde a
abertura do inquérito das fake news, em 2019, é que o próprio ministro iniciou
um movimento para se fortalecer diante do aumento das críticas.
Primeiro,
articulou com outros integrantes do Supremo um jantar com o presidente Lula.
Segundo
relatos colhidos pela reportagem, o tom da conversa foi de avaliação do
contexto político atual. Ministros expressaram preocupação com o avanço das
reclamações e principalmente com a constatação de que não há uma base ampla do
governo com força para blindar o tribunal.
No
dia seguinte ao jantar com Lula, o ministro teve uma reunião com o presidente
da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que é pressionado por bolsonaristas para abrir
uma CPI a fim de investigar supostos abusos de Moraes. Ele também esteve com
Pacheco.
O
ex-presidente Michel Temer (MDB), que costuma ser chamado a atuar em momentos
de crise por interlocutores diversos, mandou uma mensagem a Moraes para elogiar
o gesto.
Essas
movimentações, porém, ainda não mudaram o clima hostil entre Moraes e parte do
Congresso.
A
aposta da maioria do STF nos bastidores, por exemplo, é que não haveria
qualquer risco de a prisão do deputado Chiquinho Brazão (sem partido-RJ),
determinada por Moraes sob acusação de se tratar de um dos mandantes da morte
da vereadora Marielle Franco, ser derrubada pela Câmara em condições normais.
Em
um caso de grande comoção pública, nenhum parlamentar toparia se expor apenas
para dar um recado à corte, segundo essa avaliação.
O
cenário, porém, não foi tão tranquilo. Ao final, foram 277 votos para deixar o
deputado na prisão, apenas 20 a mais que o necessário, 129 contrários, 28
abstenções e 78 ausências.
A
insatisfação do Congresso com Moraes começou ainda no governo Bolsonaro. O
clima se acirrou na época, principalmente, após Moraes mandar prender o então
deputado Daniel Silveira por ter publicado um vídeo com xingamentos a membros
do Supremo.
Após
a troca de governo, Moraes se aproximou de Lula, teve influência decisiva na
escolha de Paulo Gonet para a PGR (Procuradoria-Geral da República) e de Flávio
Dino para o Supremo.
A
expectativa de integrantes do tribunal era a de que a aproximação com o novo
governo pudesse fortalecer o STF e amenizar o clima ruim para a corte no
Legislativo, o que não prosperou devido à vitória eleitoral de muitos
bolsonaristas e a fragilidade da gestão petista na relação com o Parlamento.
Além
disso, a própria atuação de Moraes contribuiu para a deterioração na relação. O
alinhamento dele com a PGR, por exemplo, aumentou, mas mesmo após emplacar um
aliado no órgão ele teria seguido com os atropelos à instituição. O ministro já
proferiu ao menos quatro decisões importantes com pareceres contrários aos da
Procuradoria de Gonet.
Fonte:
Agencia Estado/FolhaPress
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