sábado, 20 de abril de 2024

Saúde mental no Brasil: dados e panorama

Nunca se falou tanto em saúde mental no Brasil como nos últimos anos. O assunto, que um dia foi tabu (e que permanece, apesar dos avanços), foi tendo mais notoriedade gradualmente na última década. E ganhou os holofotes em 2020, quando a pandemia afetou a estabilidade psicológica de muita gente.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o conceito de saúde mental abrange o bem-estar mental, físico e social, indo muito além da simples ausência de doença. Ela afeta todo o meio em que o indivíduo está inserido.

Assim, ações para promover a saúde mental são de extrema importância, segundo especialistas. Eles avaliam que essas iniciativas ajudam não apenas individualmente as pessoas que estão em sofrimento mental, mas também a sociedade como um todo. E podem salvar vidas.

Mas como será que é tratada a saúde mental no Brasil? E o que dizem os dados de pesquisas sobre isso? Vamos mostrar aqui o panorama completo.

Como é tratada a Saúde Mental no Brasil

Há dois modelos de assistência de saúde mental no Brasil: o público e o privado.

·        Modelo público

O modelo público de assistência de saúde mental no Brasil é feito através da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), que estabelece pontos de atenção para o atendimento de pacientes com distúrbios psiquiátricos ou problemas com drogas. Trata-se de um modelo de base comunitária, bastante presente nos municípios.

Fazendo parte do Sistema Único de Saúde, a RAPS é composta por Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), Serviços Residenciais Terapêuticos (SRT), Centros de Convivência e Cultura, Unidade de Acolhimento (UAs), e leitos de atenção integral, que podem ser em Hospitais Gerais ou nos chamados CAPS III.

Desse modo, a Rede tenta oferecer serviços de saúde mental em diferentes níveis de complexidade. E o modelo conta até mesmo com um programa que dá bolsas a pacientes que ficaram internados em hospitais psiquiátricos durante um longo período.

Apesar de ser considerada uma boa opção para quem não tem condições de pagar por tratamento psicológico e psiquiátrico, a RAPS tem alguns problemas. Como a maior parte dos serviços ofertados pelo SUS, precisa de melhorias e maiores investimentos, dizem especialistas. Pacientes reclamam de não se sentirem assistidos ou até mesmo de serem atendidos com desconfiança pelos profissionais.

·        Modelo privado

Já o modelo privado de saúde mental no Brasil atenderia melhor às expectativas dos pacientes. Mesmo assim, faltariam leitos e médicos psiquiatras que atendam planos de saúde. E como as consultas psiquiátricas levam um pouco mais de tempo, muitas vezes o convênio não aceita pagar mais.

Em alguns casos, o paciente se vê obrigado a trocar de profissional, precisando recomeçar o tratamento. Em outros, o tratamento acaba sendo descontinuado, o que pode acarretar no agravamento da doença. Isso faz com que muitos que tenham plano de saúde recorram a profissionais que atendam apenas de forma particular.

Apesar dos problemas, há um aumento na busca por tratamentos em saúde mental. Segundo o Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS), consultas com psiquiatras tiveram crescimento de 44,5% em cinco anos. O número de consultas subiu de 3,4 milhões para 4,9 milhões.

Os dados mostram que, aos poucos, as pessoas estão compreendendo, principalmente as mais jovens, que a saúde mental precisa de atenção e é necessário pedir ajuda. E essa ajuda vai fazer toda a diferença.

Porém, nem sempre foi assim.

·        História da saúde mental no Brasil

Durante muito tempo, a assistência de saúde mental no Brasil esteve ligada ao tratamento em grandes manicômios. Normalmente, os pacientes eram levados a esses locais contra a sua vontade, sendo retirados do seu espaço social e familiar. E há muitos relatos de que lá eram desrespeitados, tratados com violência e mantidos presos, sem autorização para sair.

Além disso, o foco era totalmente na doença, e não nos pacientes. Ou seja, o objetivo principal era acabar com os sintomas, não importando o custo disso para a pessoa. Para isso, a administração de medicamentos era feita de forma exagerada. E outros recursos também eram usados, como estímulos elétricos e técnicas de hidroterapia.

·        Reforma psiquiátrica

A partir da década de 1940, começaram a surgir movimentos nos EUA e Europa para mudar esse tipo de política. No Brasil, a mudança começou a ocorrer apenas nos anos de 1970, com o Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental. A partir daí, teve início uma reforma psiquiátrica.

Foram anos de encontros e discussões por uma sociedade sem manicômios e pelos direitos das pessoas com transtornos mentais. Nos anos de 1980, surgiram os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS). Esses locais passaram a prestar serviços comunitários, promovendo o atendimento personalizado. A realidade e os contextos em que o paciente está inserido também começaram a ser consideradas.

Depois de 11 anos tramitando no Congresso Nacional, finalmente a Lei da Reforma Psiquiátrica foi promulgada em 2001. A partir dela, foram garantidos os direitos dos cidadãos com transtornos mentais, com tratamento digno. Em 2011, a criação da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) consolidou esse modelo.

Observando toda a história do tratamento da saúde mental no Brasil, nota-se um grande avanço. Porém, há muito o que melhorar, segundo os profissionais da área.

·        Dados sobre saúde mental no Brasil

Mesmo antes da pandemia, o Brasil era o país com maior prevalência de ansiedade. Segundo um estudo de 2017 da OMS, 18 milhões de brasileiros sofriam com algum tipo de distúrbio relacionado ao problema. Isso equivalia a 9,3% da população. Já a depressão afetava 12 milhões de pessoas no país, sendo a maior incidência da América Latina.

E tudo indica que esses distúrbios psicológicos só se agravaram depois de 2020. A pandemia trouxe distanciamento social, medo, mortes, luto, fechamento de espaços coletivos e forte crise financeira. Tudo isso mexeu com a rotina e com os sentimentos dos brasileiros, afetando a saúde mental de muita gente, incluindo crianças e adolescentes.

De acordo com informações de uma pesquisa da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), houve aumento de 90% nos casos de depressão entre março e abril do ano passado. Já os episódios de crises de ansiedade e sintomas de estresse agudo quase dobraram no mesmo período.

Outro estudo, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), mostrou que cerca de 80% da população brasileira se tornou mais ansiosa entre maio, junho e julho de 2020. Do mesmo modo, um levantamento feito pela Associação Brasileira de Psiquiatria no primeiro semestre do ano passado afirmou que os médicos associados apontaram 82,9% no agravamento dos sintomas dos pacientes depois do início da pandemia. Já os atendimentos psiquiátricos tiveram aumento de 25%.

Em uma pesquisa do Instituto Ipsos encomendada pelo Fórum Social Mundial, mais da metade (53%) dos brasileiros afirmaram que seu bem-estar mental teve piora em 2020. A porcentagem foi maior apenas em outros quatro países.

Por fim, em sua participação no podcast do Futuro da Saúde, o psiquiatra Guilherme Polanczyk explicou o impacto do coronavírus no surgimento de transtornos mentais, como depressão e ansiedade. E também falou sobre a saúde mental na infância e adolescência. Assista abaixo.

·        “Novo normal” virou rotina

Apesar desses dados, parece que os brasileiros se acostumaram com o “novo normal” depois dos primeiros meses de pandemia. De modo geral, os números de ocorrência de transtornos mentais e de sintomas psiquiátricos, como ansiedade e depressão, não tiveram aumento significativo em 2020, apresentando estabilidade.

Foi o que mostrou uma pesquisa feita pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). A instituição avaliou 2.117 participantes do Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto. Eles são acompanhados desde 2008 e tiveram avaliações periódicas durante o ano de 2020.

O uso de tecnologia para amenizar o distanciamento social pode estar entre as razões para essa estabilidade, dizem os pesquisadores. Entretanto, mesmo assim, o estudo mostra que a ocorrência de transtornos mentais segue alta no país, afetando mais de 20% dos brasileiros.

·        Ações de saúde mental no Brasil em meio à pandemia

Em 2020, a pandemia de Covid-19 trouxe à tona a importância do cuidado em saúde mental. Mesmo agora, já no segundo semestre de 2021, as inseguranças persistem. Frente a isso, houve diversas tentativas de ações.

Por parte do Estado, o Ministério da Saúde divulgou ter reforçado e investido no atendimento em saúde mental durante a pandemia. Segundo a pasta, os Centros de Atenção Psicossocial foram ampliados, assim como outros serviços residenciais e hospitalares oferecidos pelo SUS.

O Governo Federal passou a oferecer ainda teleconsultas psicológicas e psiquiátricas através do projeto TelePsi. O objetivo é ajudar os profissionais que estão na linha de frente contra a Covid-19 e apresentam sintomas ou distúrbios como depressão, ansiedade e estresse.

Ao mesmo tempo, ações de Organizações Não-Governamentais e da iniciativa privada passaram a surgir em todo o Brasil. Uma iniciativa do Instituto Vita Alere tenta conectar as pessoas que precisam de ajuda psicológica a essas ações através de um site.

O Mapa da Saúde Mental no Brasil apresenta informações sobre projetos de atendimento em diversas cidades, além de projetos de atendimento online. Todos eles com informações para as pessoas entrarem em contato e receberem ajuda. Também, nesse contexto, o Instituto Cactus, em parceria com a AtlasIntel, empresa de tecnologia especializada em inteligência de dados, criaram o iCASM, índice que medirá trimestralmente como está a saúde mental de brasileiros acima de 16 anos. Com base nos dados encontrados, o índice mostrará um número geral de 0 a 1000, que indicará a situação da saúde mental da população naquele trimestre. O primeiro resultado, divulgado em 2023, indicou a pontuação de 635 para o primeiro trimestre de 2023

Para os especialistas, um grande desafio é dar acesso às pessoas que necessitam, mas que muitas vezes não encontram ou não querem os serviços.

Apesar das mudanças nas últimas décadas, o preconceito e os estigmas em relação à saúde mental seguem sendo um problema. Ainda hoje, há pessoas que relatam hesitar em procurar assistência psiquiátrica por medo de serem chamadas de loucas. Uma das soluções para isso poderia ser mais informações adequadas sobre a verdadeira função da psiquiatria e psicologia e o papel das duas na saúde mental.

·        Importância de prevenção e tratamento de transtornos

De acordo com pesquisas, transtornos mentais são causados por fatores psicológicos, genéticos, sociais e ambientais. Problemas financeiros também influenciam, em especial nas camadas mais vulneráveis da população.

Dados apontam que pessoas com problemas de saúde mental têm uma menor qualidade de vida, já que seu bem-estar é prejudicado. Além disso, esses indivíduos tenderiam a ter dificuldade nos relacionamentos e no mercado de trabalho. Eles ficariam mais suscetíveis até mesmo a serem vítimas de violência, por terem mais dificuldade de se defenderem.

Por isso, profissionais alertam que é importante que familiares e amigos procurem ajuda, caso a pessoa não o faça sozinha.

A Associação Brasileira de Psiquiatria estima que os transtornos mentais estão relacionados a 96,8% dos casos de suicídio no Brasil. Assim, na grande maioria dos casos, o ato extremo poderia ser evitado se a pessoa receber os cuidados necessários.

Entre os distúrbios psicológicos mais são comuns por trás do suicídio, o principal é a depressão, mostram estudos. Pacientes com transtorno Afetivo Bipolar, transtornos relacionados ao uso de substâncias químicas e álcool, esquizofrenia, ou transtornos de personalidade (principalmente antissocial e borderline) correm risco de em algum momento tentar tirar a própria vida. Desse modo, é preciso ficar muito atento.

Assim, a prevenção e o tratamento de transtornos psiquiátricos não apenas geram bem-estar e qualidade de vida aos pacientes. Também evitam que, em uma atitude extrema, eles tirem a própria vida.

 

Fonte: Futuro da Saúde

 

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