Saúde mental no Brasil: dados e panorama
Nunca
se falou tanto em saúde mental no Brasil como nos últimos anos. O assunto, que
um dia foi tabu (e que permanece, apesar dos avanços), foi tendo mais
notoriedade gradualmente na última década. E ganhou os holofotes em 2020,
quando a pandemia afetou a estabilidade psicológica de muita gente.
Segundo
a Organização Mundial da Saúde (OMS), o conceito de saúde mental abrange o
bem-estar mental, físico e social, indo muito além da simples ausência de
doença. Ela afeta todo o meio em que o indivíduo está inserido.
Assim,
ações para promover a saúde mental são de extrema importância, segundo
especialistas. Eles avaliam que essas iniciativas ajudam não apenas
individualmente as pessoas que estão em sofrimento mental, mas também a
sociedade como um todo. E podem salvar vidas.
Mas
como será que é tratada a saúde mental no Brasil? E o que dizem os dados de
pesquisas sobre isso? Vamos mostrar aqui o panorama completo.
Como
é tratada a Saúde Mental no Brasil
Há
dois modelos de assistência de saúde mental no Brasil: o público e o privado.
·
Modelo público
O
modelo público de assistência de saúde mental no Brasil é feito através da Rede
de Atenção Psicossocial (RAPS), que estabelece pontos de atenção para o
atendimento de pacientes com distúrbios psiquiátricos ou problemas com drogas.
Trata-se de um modelo de base comunitária, bastante presente nos municípios.
Fazendo
parte do Sistema Único de Saúde, a RAPS é composta por Centros de Atenção
Psicossocial (CAPS), Serviços Residenciais Terapêuticos (SRT), Centros de
Convivência e Cultura, Unidade de Acolhimento (UAs), e leitos de atenção
integral, que podem ser em Hospitais Gerais ou nos chamados CAPS III.
Desse
modo, a Rede tenta oferecer serviços de saúde mental em diferentes níveis de
complexidade. E o modelo conta até mesmo com um programa que dá bolsas a
pacientes que ficaram internados em hospitais psiquiátricos durante um longo
período.
Apesar
de ser considerada uma boa opção para quem não tem condições de pagar por
tratamento psicológico e psiquiátrico, a RAPS tem alguns problemas. Como a
maior parte dos serviços ofertados pelo SUS, precisa de melhorias e maiores
investimentos, dizem especialistas. Pacientes reclamam de não se sentirem
assistidos ou até mesmo de serem atendidos com desconfiança pelos
profissionais.
·
Modelo privado
Já
o modelo privado de saúde mental no Brasil atenderia melhor às expectativas dos
pacientes. Mesmo assim, faltariam leitos e médicos psiquiatras que atendam
planos de saúde. E como as consultas psiquiátricas levam um pouco mais de
tempo, muitas vezes o convênio não aceita pagar mais.
Em
alguns casos, o paciente se vê obrigado a trocar de profissional, precisando
recomeçar o tratamento. Em outros, o tratamento acaba sendo descontinuado, o
que pode acarretar no agravamento da doença. Isso faz com que muitos que tenham
plano de saúde recorram a profissionais que atendam apenas de forma particular.
Apesar
dos problemas, há um aumento na busca por tratamentos em saúde mental. Segundo
o Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS), consultas com psiquiatras
tiveram crescimento de 44,5% em cinco anos. O número de consultas subiu de 3,4
milhões para 4,9 milhões.
Os
dados mostram que, aos poucos, as pessoas estão compreendendo, principalmente
as mais jovens, que a saúde mental precisa de atenção e é necessário pedir
ajuda. E essa ajuda vai fazer toda a diferença.
Porém,
nem sempre foi assim.
·
História da saúde mental no Brasil
Durante
muito tempo, a assistência de saúde mental no Brasil esteve ligada ao
tratamento em grandes manicômios. Normalmente, os pacientes eram levados a
esses locais contra a sua vontade, sendo retirados do seu espaço social e
familiar. E há muitos relatos de que lá eram desrespeitados, tratados com
violência e mantidos presos, sem autorização para sair.
Além
disso, o foco era totalmente na doença, e não nos pacientes. Ou seja, o
objetivo principal era acabar com os sintomas, não importando o custo disso
para a pessoa. Para isso, a administração de medicamentos era feita de forma
exagerada. E outros recursos também eram usados, como estímulos elétricos e
técnicas de hidroterapia.
·
Reforma psiquiátrica
A
partir da década de 1940, começaram a surgir movimentos nos EUA e Europa para
mudar esse tipo de política. No Brasil, a mudança começou a ocorrer apenas nos
anos de 1970, com o Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental. A partir daí,
teve início uma reforma psiquiátrica.
Foram
anos de encontros e discussões por uma sociedade sem manicômios e pelos
direitos das pessoas com transtornos mentais. Nos anos de 1980, surgiram os
Centros de Atenção Psicossocial (CAPS). Esses locais passaram a prestar
serviços comunitários, promovendo o atendimento personalizado. A realidade e os
contextos em que o paciente está inserido também começaram a ser consideradas.
Depois
de 11 anos tramitando no Congresso Nacional, finalmente a Lei da Reforma
Psiquiátrica foi promulgada em 2001. A partir dela, foram garantidos os
direitos dos cidadãos com transtornos mentais, com tratamento digno. Em 2011, a
criação da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) consolidou esse modelo.
Observando
toda a história do tratamento da saúde mental no Brasil, nota-se um grande
avanço. Porém, há muito o que melhorar, segundo os profissionais da área.
·
Dados sobre saúde mental no Brasil
Mesmo
antes da pandemia, o Brasil era o país com maior prevalência de ansiedade.
Segundo um estudo de 2017 da OMS, 18 milhões de brasileiros sofriam com algum
tipo de distúrbio relacionado ao problema. Isso equivalia a 9,3% da população.
Já a depressão afetava 12 milhões de pessoas no país, sendo a maior incidência
da América Latina.
E
tudo indica que esses distúrbios psicológicos só se agravaram depois de 2020. A
pandemia trouxe distanciamento social, medo, mortes, luto, fechamento de
espaços coletivos e forte crise financeira. Tudo isso mexeu com a rotina e com
os sentimentos dos brasileiros, afetando a saúde mental de muita gente,
incluindo crianças e adolescentes.
De
acordo com informações de uma pesquisa da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro (UERJ), houve aumento de 90% nos casos de depressão entre março e abril
do ano passado. Já os episódios de crises de ansiedade e sintomas de estresse
agudo quase dobraram no mesmo período.
Outro
estudo, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), mostrou que cerca
de 80% da população brasileira se tornou mais ansiosa entre maio, junho e julho
de 2020. Do mesmo modo, um levantamento feito pela Associação Brasileira de
Psiquiatria no primeiro semestre do ano passado afirmou que os médicos
associados apontaram 82,9% no agravamento dos sintomas dos pacientes depois do
início da pandemia. Já os atendimentos psiquiátricos tiveram aumento de 25%.
Em
uma pesquisa do Instituto Ipsos encomendada pelo Fórum Social Mundial, mais da
metade (53%) dos brasileiros afirmaram que seu bem-estar mental teve piora em
2020. A porcentagem foi maior apenas em outros quatro países.
Por
fim, em sua participação no podcast do Futuro da Saúde, o psiquiatra Guilherme
Polanczyk explicou o impacto do coronavírus no surgimento de transtornos
mentais, como depressão e ansiedade. E também falou sobre a saúde mental na
infância e adolescência. Assista abaixo.
·
“Novo normal” virou rotina
Apesar
desses dados, parece que os brasileiros se acostumaram com o “novo normal”
depois dos primeiros meses de pandemia. De modo geral, os números de ocorrência
de transtornos mentais e de sintomas psiquiátricos, como ansiedade e depressão,
não tiveram aumento significativo em 2020, apresentando estabilidade.
Foi
o que mostrou uma pesquisa feita pela Faculdade de Medicina da Universidade de
São Paulo (FMUSP). A instituição avaliou 2.117 participantes do Estudo
Longitudinal de Saúde do Adulto. Eles são acompanhados desde 2008 e tiveram
avaliações periódicas durante o ano de 2020.
O
uso de tecnologia para amenizar o distanciamento social pode estar entre as
razões para essa estabilidade, dizem os pesquisadores. Entretanto, mesmo assim,
o estudo mostra que a ocorrência de transtornos mentais segue alta no país,
afetando mais de 20% dos brasileiros.
·
Ações de saúde mental no Brasil em meio à
pandemia
Em
2020, a pandemia de Covid-19 trouxe à tona a importância do cuidado em saúde
mental. Mesmo agora, já no segundo semestre de 2021, as inseguranças persistem.
Frente a isso, houve diversas tentativas de ações.
Por
parte do Estado, o Ministério da Saúde divulgou ter reforçado e investido no
atendimento em saúde mental durante a pandemia. Segundo a pasta, os Centros de
Atenção Psicossocial foram ampliados, assim como outros serviços residenciais e
hospitalares oferecidos pelo SUS.
O
Governo Federal passou a oferecer ainda teleconsultas psicológicas e
psiquiátricas através do projeto TelePsi. O objetivo é ajudar os profissionais
que estão na linha de frente contra a Covid-19 e apresentam sintomas ou
distúrbios como depressão, ansiedade e estresse.
Ao
mesmo tempo, ações de Organizações Não-Governamentais e da iniciativa privada
passaram a surgir em todo o Brasil. Uma iniciativa do Instituto Vita Alere
tenta conectar as pessoas que precisam de ajuda psicológica a essas ações
através de um site.
O
Mapa da Saúde Mental no Brasil apresenta informações sobre projetos de
atendimento em diversas cidades, além de projetos de atendimento online. Todos
eles com informações para as pessoas entrarem em contato e receberem ajuda.
Também, nesse contexto, o Instituto Cactus, em parceria com a AtlasIntel,
empresa de tecnologia especializada em inteligência de dados, criaram o iCASM,
índice que medirá trimestralmente como está a saúde mental de brasileiros acima
de 16 anos. Com base nos dados encontrados, o índice mostrará um número geral
de 0 a 1000, que indicará a situação da saúde mental da população naquele
trimestre. O primeiro resultado, divulgado em 2023, indicou a pontuação de 635
para o primeiro trimestre de 2023
Para
os especialistas, um grande desafio é dar acesso às pessoas que necessitam, mas
que muitas vezes não encontram ou não querem os serviços.
Apesar
das mudanças nas últimas décadas, o preconceito e os estigmas em relação à
saúde mental seguem sendo um problema. Ainda hoje, há pessoas que relatam
hesitar em procurar assistência psiquiátrica por medo de serem chamadas de
loucas. Uma das soluções para isso poderia ser mais informações adequadas sobre
a verdadeira função da psiquiatria e psicologia e o papel das duas na saúde
mental.
·
Importância de prevenção e tratamento de
transtornos
De
acordo com pesquisas, transtornos mentais são causados por fatores
psicológicos, genéticos, sociais e ambientais. Problemas financeiros também
influenciam, em especial nas camadas mais vulneráveis da população.
Dados
apontam que pessoas com problemas de saúde mental têm uma menor qualidade de
vida, já que seu bem-estar é prejudicado. Além disso, esses indivíduos
tenderiam a ter dificuldade nos relacionamentos e no mercado de trabalho. Eles
ficariam mais suscetíveis até mesmo a serem vítimas de violência, por terem
mais dificuldade de se defenderem.
Por
isso, profissionais alertam que é importante que familiares e amigos procurem
ajuda, caso a pessoa não o faça sozinha.
A
Associação Brasileira de Psiquiatria estima que os transtornos mentais estão
relacionados a 96,8% dos casos de suicídio no Brasil. Assim, na grande maioria
dos casos, o ato extremo poderia ser evitado se a pessoa receber os cuidados
necessários.
Entre
os distúrbios psicológicos mais são comuns por trás do suicídio, o principal é
a depressão, mostram estudos. Pacientes com transtorno Afetivo Bipolar,
transtornos relacionados ao uso de substâncias químicas e álcool,
esquizofrenia, ou transtornos de personalidade (principalmente antissocial e
borderline) correm risco de em algum momento tentar tirar a própria vida. Desse
modo, é preciso ficar muito atento.
Assim,
a prevenção e o tratamento de transtornos psiquiátricos não apenas geram
bem-estar e qualidade de vida aos pacientes. Também evitam que, em uma atitude
extrema, eles tirem a própria vida.
Fonte:
Futuro da Saúde
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