sábado, 20 de abril de 2024

Por que ONU não reconhece Palestina como país?

Na quinta-feira (18/4), o Conselho de Segurança das Nações Unidas fez uma votação sobre a candidatura palestina à adesão plena à organização.

Os Estados Unidos vetaram a resolução, mas 12 membros do conselho votaram a favor, incluindo três aliados dos EUA – França, Japão e Coreia do Sul. O Reino Unido e a Suíça se abstiveram.

Mahmoud Abbas, presidente da Autoridade Palestina (o principal órgão governante dos palestinos), disse que o veto dos EUA foi "antiético", mas Israel elogiou a medida, descrevendo a resolução como vergonhosa.

·        Sobre o que foi a votação da ONU?

O conselho votou um pedido palestino para adesão plena à ONU.

O conselho de 15 membros foi convidado a votar um projeto de resolução, apresentado pela Argélia, que recomendava à Assembleia Geral da ONU, de 193 membros, que "o Estado da Palestina seja admitido como membro das Nações Unidas".

Cinco nações estão permanentemente representadas no Conselho de Segurança, e cada uma tem direito de veto. Elas trabalham ao lado de 10 países membros não permanentes.

Se o Conselho de Segurança tivesse aprovado esta resolução, a Assembleia Geral teria votado e teria sido necessária uma maioria de dois terços para que a Palestina fosse admitida.

Os EUA, um aliado de longa data de Israel, vetaram a medida no Conselho de Segurança. As resoluções do Conselho de Segurança da ONU só poderão ser aprovadas se não houver veto de nenhum dos cinco membros permanentes – EUA, Reino Unido, França, Rússia ou China.

Após a votação, o vice-embaixador dos EUA na ONU, Robert Wood, disse ao conselho: "Os Estados Unidos continuam apoiando fortemente uma solução de dois Estados. Esta votação não reflete a oposição à criação de um Estado palestino, mas é um reconhecimento de que só virá de negociações diretas entre as partes."

·        Qual é o status dos territórios palestinos na ONU?

Os palestinos detêm o status de Estado observador não membro, assim como a Santa Sé.

Em 2011, a Palestina apresentou um pedido para se tornar um Estado-membro de pleno direito da ONU, mas essa candidatura falhou devido à falta de apoio no Conselho de Segurança e nunca foi votada.

Mas em 2012, a Assembleia Geral votou a favor da elevação do status dos palestinos ao de "Estado observador não membro", o que lhes permite participar nos debates da assembleia, embora não possam votar em resoluções.

A decisão de 2012 – que foi bem recebida na Cisjordânia e na Faixa de Gaza, mas criticada pelos EUA e por Israel – também permitiu que os palestinos se juntassem a outras organizações internacionais, incluindo o tribunal superior da ONU, o Tribunal Penal Internacional, o que fizeram em 2015.

"Tornar-se membro de pleno direito da ONU daria aos palestinos mais influência diplomática, incluindo a capacidade de promover resoluções diretamente, de votar na Assembleia Geral [o que, como Estado 'não membro', não é possível] e eventualmente, um possível assento/votação no Conselho de Segurança", explica Khaled Elgindy, diretor do programa sobre Palestina e assuntos palestino-israelenses no centro de estudos do Instituto do Oriente Médio, em Washington.

"Mas nenhuma dessas coisas resultará numa solução de dois Estados – o que só pode acontecer com o fim da ocupação de Israel", acrescenta.

Mesmo que a votação de quinta-feira tivesse corrido bem, "a Autoridade Palestina não conseguiria muito mais", diz Gilbert Achcar, professor de estudos de desenvolvimento e relações internacionais na Escola de Estudos Orientais e Africanos em Londres.

"Seria em grande parte uma vitória simbólica: o reconhecimento de um 'Estado da Palestina' fictício versus a realidade de uma 'Autoridade Palestina' impotente numa pequena porção dos territórios ocupados em 1967 e totalmente dependente de Israel", diz ele, acrescentando que a concretização de um Estado palestino "independente e soberano" está a anos-luz de distância.

·        Quem reconhece a Palestina como um Estado?

Cerca de 140 países reconhecem a condição de Estado palestino, incluindo membros do Grupo Árabe nas Nações Unidas, da Organização de Cooperação Islâmica e membros do Movimento dos Não-Alinhados.

Mas muitos outros países – incluindo os EUA, o Reino Unido, a França, a Alemanha e a Austrália – não reconhecem.

Na semana passada, porém, a Austrália disse que poderia reconhecer a criação de um Estado palestino, para estimular o "impulso rumo a uma solução de dois Estados" negociada com Israel.

E no mês passado, os líderes de Espanha, Irlanda, Malta e Eslovênia emitiram uma declaração afirmando que trabalhariam no sentido do reconhecimento de um Estado palestino quando "as circunstâncias fossem adequadas".

"No entanto, isto continua sendo uma questão", afirma Hugh Lovatt, pesquisador de política do programa do Oriente Médio e Norte de África no Conselho Europeu de Relações Externas.

"Se a rota da ONU foi agora bloqueada pelos EUA, será que alguns membros, especialmente os europeus, avançarão numa base bilateral para reconhecer a Palestina?", questiona.

·        Por que alguns países não reconhecem a Palestina como um Estado?

Os países que não reconhecem a Palestina como um Estado geralmente não o fazem porque não existe um acordo negociado com Israel.

“Embora defendam da boca para fora a necessidade de estabelecer um Estado palestino, os EUA insistem em negociações diretas entre Israel e a Palestina, o que significa efetivamente conceder a Israel um veto sobre as aspirações palestinas de autodeterminação”, diz Fawaz Gerges, professor de relações internacionais. e política do Oriente Médio na Escola de Economia de Londres.

As negociações de paz começaram na década de 1990 e mais tarde estabeleceram o objetivo de uma solução de dois Estados, onde israelenses e palestinos pudessem viver lado a lado em países separados.

No entanto, o processo de paz começou a perder força no início da década de 2000, mesmo antes de 2014, quando o diálogo entre israelenses e palestinos em Washington fracassou.

As questões mais espinhosas permanecem por resolver, incluindo as fronteiras e a natureza de um futuro Estado palestino, o status de Jerusalém e o destino dos refugiados palestinos da guerra de 1948-49 que se seguiu à declaração da criação de Israel.

Israel se opõe fortemente à candidatura palestina à adesão à ONU. O embaixador de Israel na ONU, Gilad Erdan, disse no início de abril que o fato de a discussão estar ocorrendo "já era uma vitória para o terror genocida", segundo a AFP.

Na ocasião, Erdan defendeu que uma campanha bem-sucedida teria representado uma recompensa para o terror após o ataques do Hamas contra Israel em 7 de outubro.

Os países que pretendem manter relações cordiais com Israel estarão cientes de que reconhecer um Estado palestino irá irritar o seu aliado.

Alguns, incluindo os apoiadores de Israel, argumentam que os palestinos não se enquadram nos critérios-chave para a condição de Estado definidos na Convenção de Montevidéu de 1993 - uma população permanente, um território definido, um governo e a capacidade de estabelecer relações com outros Estados.

Mas outros aceitam uma definição mais flexível, com mais ênfase no reconhecimento por outros Estados.

 

Ø  China é mais enfática sobre Palestina do que Brasil e não precisa de guerra, diz analista

 

Diplomacia chinesa está bem posicionada para mediar conflito no Oriente Médio e cumpre agenda frenética de contatos entre Israel, Irã e Arábia Saudita. Com posição contundente em relação à Palestina, Pequim surpreende analistas ouvidos pela Sputnik Brasil.

Nesta semana, a diplomacia da China atuou de forma intensa para evitar a escalada da violência no Oriente Médio, após os ataques retaliatórios do Irã contra o território israelense. Ao reconhecer o direito iraniano à legítima defesa, Pequim destoa do coro ocidental e se posiciona como ator alternativo, acreditam especialistas ouvidos pela Sputnik Brasil.

Nesta segunda-feira (15), o ministro das Relações Exteriores chinês, Wang Yi, realizou conversa telefônica com os seus homólogos iraniano, Hossein Amir-Abdollahian, e saudita, o príncipe Faisal bin Farhan Al Saud. Já o enviado especial do governo chinês para assuntos do Oriente Médio, Zhai Jun, reuniu-se presencialmente com o embaixador de Israel em Pequim, Irit Ben-Abba Vitale.

Nas conversas, a China reiterou a sua condenação aos ataques de Israel a instalações diplomáticas do Irã na Síria, classificando-os de "extremamente cruéis". Segundo o representante da China nas Nações Unidas, Dai Bing, a ação de Israel é "uma grave violação da Carta da ONU, do direito internacional e da soberania tanto da Síria, quanto do Irã".

Apesar de a diplomacia chinesa considerar os ataques do Irã contra Israel retaliatórios e limitados, Pequim sugeriu que a ação teria sido suficiente para encerrar as hostilidades.

"Os países e o povo do Oriente Médio não desejam uma guerra, nem podem arcar com um conflito de larga escala", disse o representante chinês na ONU, Dai Bing.

Em função de seus interesses políticos, econômicos e energéticos na região, a China não tem interesse na eclosão de um conflito de larga escala, apontaram especialistas ouvidos pela Sputnik Brasil.

"A China é pragmática, não tem uma política externa messiânica baseada em valores como a dos EUA", declarou à Sputnik Brasil o coordenador do curso de pós-graduação em Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Bruno Hendler. "A China busca a ordem."

Processos de transição hegemônica, no qual uma grande potência declina em favor de outra, normalmente estão associados a grandes conflitos. No entanto, a transição de poder dos EUA para a China apresenta características diferentes das antecessoras.

"Acadêmicos defendem que nas transições hegemônicas do passado, a potência em ascensão era a interessada na destruição da ordem. Mas, curiosamente, na atual transição de poder de EUA para a China, vemos o contrário: a potência desestabilizadora são os EUA", apontou Hendler. "Mas esse debate segue em aberto."

Nesse sentido, a China busca se posicionar como um potencial mediador no Oriente Médio, contrastando com a imagem dos EUA na região, associada a intervenções militares e a alinhamento com Israel.

"A China busca ocupar espaços deixados pelos EUA no Oriente Médio, como o de mediador. A China se coloca como um ator mais neutro e menos contaminado do que os EUA", disse Hendler. "Mas essa postura chinesa não deixa de atender aos seus interesses econômicos, políticos e de segurança."

As credenciais diplomáticas chinesas no Oriente Médio são relevantes: a China mediou a reaproximação entre Irã e Arábia Saudita, encerrando décadas de rivalidade que geraram conflitos na região.

"Essa reaproximação protagonizada pela China foi um dos feitos diplomáticos mais importantes da última década", disse o historiador e doutor em psicologia social pela USP, Marco Fernandes, à Sputnik Brasil. "Sabemos que a Rússia também trabalhou muito nos bastidores por esse acordo, que levou anos para ser costurado."

Fernandes, que é especialista em assuntos chineses e reside em Pequim, nota que a entrada de Irã e Arábia Saudita no BRICS e na Organização para Cooperação de Xangai (OCX) tiveram como objetivo consolidar a nova correlação de forças no Oriente Médio.

"A China quer aumentar sua influência geopolítica na região e tem interesses estratégicos. Mas não esqueçamos que o que ela mais quer é fazer negócios com o Oriente Médio", disse Fernandes. "A China precisa da região estável para que os negócios sigam o seu fluxo."

Pequim atrai cada vez mais capital de fundos de investimentos das monarquias do Golfo, conforme os investimentos de EUA e Europa na economia chinesa retraem. Além disso, a China é o principal parceiro comercial do Irã, absorvendo cerca de 90% das suas exportações de petróleo.

Os laços econômicos com Israel também estão em ascensão: Pequim é o segundo parceiro comercial de Tel Aviv, com fluxo de comércio de US$ 18 bilhões (cerca de R$ 94 bilhões) em 2021.

"As relações com Israel são estreitas. Não só no âmbito comercial, mas também nas esferas de defesa e inteligência", disse Fernandes. "A China, no seu pragmatismo geopolítico, confia em Israel para cooperar em setores tecnológicos sensíveis."

·        Defesa da Palestina

Os interesses econômicos e estratégicos não impedem a China de defender a causa palestina em termos mais incisivos do que muitos de seus pares no Sul Global.

Para a diplomacia chinesa, a causa essencial dos conflitos no Oriente Médio é a questão palestina, que deve ser resolvida pela solução de dois Estados.

"Se permitirmos que as chamas do conflito de Gaza continuem a irradiar, as repercussões adversas vão se alastrar ainda mais, tornando a região ainda mais instável", disse o representante da China na ONU, Dai Bing. "Não há alternativa à implementação total da solução de dois Estados. É a única forma de encerrar esse ciclo vicioso de uma vez por todas."

A China deu um passo além e defendeu a legalidade do recurso à luta armada pelos palestinos, durante consulta pública da Corte Internacional de Justiça, realizada em fevereiro.

"Na minha opinião, essa é a maior surpresa na posição chinesa referente ao conflito israelo-palestino", disse Fernandes. "A China considerou a Palestina um território que está sendo colonizado e, portanto, de acordo com preceitos internacionais reconhecidos, tem direito à resistência armada."

De fato, o conselheiro jurídico do Ministério das Relações Exteriores da China, Ma Xinmin, declarou perante a mais alta corte da ONU que "o uso da força pelo povo palestino para resistir à opressão externa e alcançar o estabelecimento de um Estado independente é um direito inalienável". Segundo ele, "neste caso, luta armada não é a mesma coisa que terrorismo".

Essa interpretação foi reiterada pelo representante da China na ONU, Zhang Jun, que afirmou: "A batalha dos povos pela sua liberação, pelo seu direito à autodeterminação, inclusive a luta armada contra o colonialismo, ocupação, agressão e dominação por parte de forças estrangeiras, não deveria ser considerada atos de terrorismo".

"A posição é forte e vai contra a ideia de que a China age de forma tímida em assuntos do Oriente Médio", disse Fernandes. "E difere da posição do Brasil, já que abre caminho para a China questionar se os ataques do Hamas em Israel [no dia 7 de outubro de 2023] seriam, de fato, terrorismo."

O tom enfático adotado por Pequim, porém, não a distancia do seu objetivo principal de manter canais diplomáticos abertos e evitar um conflito generalizado no Oriente Médio.

"A China está em um momento de avanço diplomático e econômico inédito na região. Um conflito armado somente imporia obstáculos a esse avanço. A guerra generalizada agora pode interessar outros atores. Mas à China, com certeza não", concluiu o especialista.

 

Fonte: BBC News Mundo/Sputnik Brasil 

 

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