Por que
algumas pessoas acham tão difícil receber elogios?
A
expressão holandesa "101 manieren om een kind te prijzen" é repleta
de inspiração. Impressa em um pôster educativo, a frase significa "101
formas de elogiar uma criança". O poster contém sugestões, como "você
faz isso bem" e "muito bom!"
Mas
Eddie Brummelman, professor de psicologia do desenvolvimento da Universidade de
Amsterdã, na Holanda, não acha essa ideia muito positiva.
Essas
mensagens podem parecer inocentes, talvez até úteis. Mas Brummelman afirma que
são um tipo de elogio excessivo.
Suas
pesquisas indicam que esse elogio excessivo pode, na verdade, aprofundar um
ciclo de baixa autoestima, mesmo se a intenção for totalmente oposta.
Não
são apenas os elogios exagerados que podem causar desconforto.
A
mulher alemã que rejeita o "elogio" de um colega sobre a sua
aparência ou o menino japonês que responde "não, não" quando um
parente o chama de talentoso, em algumas culturas, podem ser considerados mal
agradecidos. E, de fato, a internet está repleta de conselhos sobre como
receber melhor os elogios.
Ainda
assim, as pesquisas psicológicas indicam que minimizar os elogios não é
necessariamente um defeito.
Esta
é uma boa notícia para muitas pessoas que se sentem incapazes de dizer qualquer
coisa quando recebem elogios e depois se lamentam pela sua reação aparentemente
inadequada.
• Elogios
que criam estereótipos
Nem
sempre é necessário aprender a receber melhor os elogios. Alguns deles são
inconscientemente ofensivos.
Quando
os negros americanos são chamados de "articulados" ou americanos de
origem asiática são elogiados pelo seu inglês fluente, esses elogios revelam o
viés de quem fala: neste caso, por ficar surpreso por uma minoria racial se
expressar bem.
Elogios
paternalistas baseados na identidade de um grupo (como "você mostrou boa
liderança, para uma mulher") podem gerar raiva e desejo de confronto.
Quando
o elogio segue normas de gênero, como frequentemente acontece, elogios
inadequados podem fortalecer estereótipos.
Abusos
sexuais podem ser disfarçados por bajulações, o que costuma colocar sobre as
mulheres o "dever" de aceitar elegantemente o abuso. Isso permite que
os homens continuem com os abusos, tratando as mulheres como se fossem objetos.
De
forma geral, as mulheres recebem mais elogios do que os homens. Os homens
costumam ser principalmente elogiados pelas suas capacidades, enquanto os
cumprimentos baseados na aparência são dirigidos com muito mais frequência às
mulheres. E esses elogios causam efeitos distintos.
"Elogios
pela aparência geram foco na aparência e no controle do corpo", afirma a
professora de psicologia social Rotem Kahalon, da Universidade Bar-Ilan em
Ramat Gan, em Israel.
Pesquisas
neurocientíficas indicam que as palavras que indicam o corpo, incluindo os
elogios voltados ao corpo, são processadas com mais rapidez e precisão no
cérebro do que as que são menos relacionadas ao corpo, como
"simpático".
Uma
possível consequência, na verdade, é a desaceleração do pensamento da pessoa
elogiada.
Kahalon
é uma das autoras de um estudo realizado entre estudantes universitários
israelenses. Ela concluiu que homens e mulheres que receberam elogios baseados
na aparência se saíram muito pior em provas de matemática realizadas em
seguida.
A
professora interpretou este resultado como indicando que os elogios, por mais
que possam fazer as pessoas se sentirem bem, podem distrair a autoconsciência
da pessoa elogiada, prejudicando seu desempenho cognitivo.
"Este
acompanhamento do corpo de uma pessoa é um estado mental que traz esgotamento
cognitivo", explica Kahalon.
• Elogios
diferentes em diferentes culturas
As
pesquisas sobre as reações aos elogios são dominadas pelas chamadas sociedades
"Ocidentais, Educadas, Industrializadas, Ricas e Democráticas" –
palavras que, em inglês, formam a sigla WEIRD, que significa
"esquisito", em português.
Além
disso, os estudantes costumam representar o maior número dos participantes das
pesquisas. Mas, mesmo com essas limitações, estudos entre diversas culturas
demonstram que não existe uma forma universalmente adequada para lidar com
elogios.
Em
algumas sociedades, as pessoas não recebem elogios como algo positivo. Eles
podem ser considerados ameaçadores, por exemplo, em comunidades com fortes
crenças sobre a inveja e a bruxaria.
Mesmo
nas sociedades em que os elogios são principalmente percebidos como positivos,
pesquisadores documentaram diferentes níveis de aceitação dos elogios –
frequentemente sinalizada dizendo apenas "obrigado".
Um
estudo entre nigerianos falantes de inglês concluiu que 94% dos elogios
coletados foram aceitos, em comparação com 88% em um estudo entre
sul-africanos, 66% em um estudo entre norte-americanos e 61% entre
neozelandeses.
Mas
existem muitas outras formas de reagir a um elogio, além da simples aceitação
ou rejeição.
Uma
análise de conversação alemã concluiu que, embora a ampla maioria dos
participantes do estudo aceitasse os elogios recebidos, eles não costumavam
expressar sua aceitação dizendo "obrigado". Eles, às vezes,
comentavam sobre o próprio elogio – quando ouviam que "foi agradável o
jantar aqui na sua casa", por exemplo, eles poderiam responder "isso
é bom".
Este
tipo de reação talvez seja parte da cultura e da cortesia alemã, segundo a qual
os elogios são menos frequentes, mas mais sinceros, por exemplo, do que nos
Estados Unidos.
Muitos
pesquisadores documentaram um conflito interno quando alguém recebe um elogio e
deseja concordar para manter o fluxo da conversa, mas também se sente obrigado
a evitar fazer elogios a si próprio. E este conflito pode ser especialmente
forte em certas culturas.
No
Japão, a pressão para repudiar os elogios recebidos é frequente. Em um estudo
realizado no país, 45% dos elogios identificados geraram reação negativa.
Mas
os falantes de japonês têm uma série de estratégias para reconhecer um elogio
sem endossá-lo, nem rejeitá-lo diretamente. Uma delas é fazer uma série de
reverências ou brincar, indicando que o comportamento elogiado, na verdade, é
algo sinistro.
Para
alguém que cresceu em uma cultura em que o feedback tende a se concentrar em
como melhorar e não no que você faz bem, às vezes pode ser desconfortável
receber elogios.
As
crianças chinesas "são treinadas para se concentrar nas suas dificuldades,
sem se orgulhar das suas conquistas", afirma a professora Florrie Fey-Yin
Ng, do Departamento de Psicologia Educacional da Universidade Chinesa de Hong
Kong.
"Deste
ponto de vista, não surpreende que as crianças chinesas possam se sentir
desconfortáveis quando recebem elogios", afirma ela.
Elogios
exagerados podem prejudicar a autoestima de uma pessoa.
A
ocidentalização da cultura chinesa tem feito com que a aceitação dos elogios
venha aumentando na China. O mesmo acontece em outros países, como o Irã.
Mas
Ng afirma que as crianças chinesas ainda observam como os adultos reagem aos
elogios para formar seu próprio comportamento. Elas podem observar, por
exemplo, que, quando seus parentes os elogiam em frente aos seus pais, eles
evitam o elogio, segundo ela.
É
claro que um tipo de criação de filhos não é inerentemente melhor do que outro.
Afinal, elogiar constantemente os filhos sobre seu bom desempenho pode se
tornar algo vazio e ineficiente. Mas deixar de fazer elogios também pode
prejudicar o seu ajuste emocional.
"A
possibilidade de que esse comportamento seja associado a resultados positivos
para a criança depende do grau em que ele é aceitável no mundo social da
criança", afirma Ng.
Também
para alguns adultos, a crítica construtiva pode ser mais estimulante do que o
elogio. Os especialistas, por exemplo, costumam ser mais motivados por feedback
negativo do que os novatos.
• Quando
os elogios não ajudam
É
claro que também existem fatores de personalidade que afetam como as pessoas
reagem aos elogios.
Os
elogios podem causar ansiedade em pessoas com baixa autoestima, pois eles
questionam suas visões de si próprias e fazem com que elas se sintam mal
interpretadas.
E o
medo de receber avaliações negativas também é maior em pessoas que sofrem de
distúrbios de ansiedade social.
Mas,
mesmo para outras pessoas, um elogio inesperado pode ser desestabilizador.
"Essencialmente,
o elogio é uma avaliação", afirma Brummelman. E, mesmo quando for
positivo, "as pessoas nem sempre gostam de serem avaliadas... aquilo tira
você do momento. Faz você se preocupar mais com o que as outras pessoas pensam
de você."
Além
de fazer despertar subitamente uma desagradável sensação de estar sendo
julgado, o elogio também pode tornar você mais consciente de uma diferença de
poder. Afinal, segundo Brummelman, "é muito comum que os professores
elogiem os alunos, mas não é muito comum que os alunos elogiem os professores.
Acho que você vê o mesmo no ambiente de trabalho."
As
observações de Brummelman junto às crianças indicam que elas podem ser muito
sensíveis à forma como são elogiadas.
Elogios
excessivos dos professores, por exemplo, podem indicar que eles têm baixas
expectativas de certos alunos, como os que vêm de ambientes socioeconômicos
inferiores. Eles então elogiam esses alunos abertamente como forma de
compensação.
"Os
estudantes interpretam os elogios excessivos com prova de que eles não são
muito inteligentes", explica Brummelman.
Em
um estudo entre crianças cantoras na Holanda, Brummelman e seus colegas também
concluíram que elogios desproporcionais fizeram com que crianças com ansiedade
social ficassem coradas.
"Corar,
na verdade, é um sinal de que as outras pessoas podem avaliar você
negativamente", explica Brummelman. "Ocorre com frequência quando
somos o centro das atenções."
Neste
caso, embora a ansiedade social fosse um fator que deixasse as crianças
desconfortáveis, outro motivo foi o nível do elogio. Dizer às crianças que
simplesmente aceitassem o excesso de elogios sem que ficassem vermelhas
simplesmente não teria efeito.
Elogios
costumam ser oferecidos para ajudar as pessoas, mas seus efeitos podem ser
prejudiciais.
As
crianças demonstram essa consciência dos graus de elogio desde muito novas.
"As
crianças em idade pré-escolar, quando observam os professores elogiando
abertamente... independentemente da qualidade do seu trabalho, começam a
confiar menos nos elogios dos seus professores", afirma Brummelman. Em
outras palavras, o valor do elogio diminui se for indiscriminado.
De
fato, elogios excessivos podem trazer mais prejuízos do que benefícios.
Para
Brummelman, "os pais são mais propensos a elogiar as crianças que têm
baixa autoestima. Isso porque eles pensam que essas crianças precisam de
elogios para se sentirem bem sobre si próprias. Mas não é verdade."
A
pesquisa de Brummelman e seus colegas demonstra que, quando as crianças com
baixa autoestima recebem elogios mais inflados, sua autoestima, na verdade,
piora ao longo do tempo. Os elogios inflados formam expectativas que são
impossíveis de acompanhar, além de sinalizar às crianças que seu valor próprio
deve estar ligado aos elogios externos.
Brummelman
defende romper o círculo vicioso com mais critério e objetividade em relação
aos elogios. Os pais podem, às vezes, elogiar para mostrar interesse, mas
existem outras formas de fazer isso.
Em
vez de elogiar o desenho de uma criança de forma automática e efusiva, por
exemplo, o pai pode simplesmente se sentar e falar sobre o desenho, expressando
entusiasmo.
"As
crianças desejam calor e afeição, mais do que suas avaliações positivas",
acredita Brummelman. "Acho que realmente superestimamos o quanto as
pessoas gostam de ser elogiadas."
• Como
reduzir a pressão
É
importante não demonizar as pessoas que fazem elogios – afinal, sua intenção
normalmente é fazer com que a pessoa elogiada se sinta bem. Mas é preciso
observar os elogios com mais atenção.
As
pessoas que recebem os elogios podem evitar essa situação se nem sempre tiverem
a energia necessária para aceitar o elogio de forma elegante.
Isso
pode estar relacionado a uma característica de personalidade ou a um fator
cultural. E mudar esses fatores nem sempre é fácil ou necessário.
Em
outros casos, um elogio específico pode simplesmente revelar mais sobre os
objetivos de quem o faz do que sobre as necessidades de quem o recebe.
"Existem
todos esses motivos diferentes por que o elogio pode fazer você se sentir
mal", conclui Brummelman.
"Certamente
acredito que não é responsabilidade de alguém aprender como receber um elogio.
Mas o que pode ajudar é simplesmente praticar a sua resposta padrão, sem se
preocupar muito, se você se sentir desconfortável."
Fonte:
BBC Future
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