“Eles
queriam reuniões às escondidas”: diz advogado que presenciou encontros da Lava
Jato com agentes americanos
Dezembro
de 2014. A Lava Jato, cuja primeira fase ostensiva fora deflagrada em março
daquele ano, estava a todo vapor. A delação do doleiro Alberto Youssef caíra
como uma bomba sobre o governo de Dilma Roussef, ameaçando sua reeleição. O
advogado André de Almeida – com experiência de quatro anos trabalhando em
organizações internacionais – decide encampar na justiça dos Estados Unidos uma
batalha em torno de uma class action (ação coletiva) para obrigar a Petrobras a
indenizar seus acionistas americanos pelos prejuízos acarretados pelo escândalo
revelado no âmbito da Lava Jato.
Em
entrevista exclusiva ao programa TV GGN Justiça, no canal do GGN no Youtube,
André de Almeida revela que foi chamado pelos procuradores de Curitiba, então
liderados por Deltan Dallagnol, para explicar a ação que a Petrobras
enfrentaria nos Estados Unidos, na condição de “culpada” pela corrupção, em
reunião mantida sob sigilo. Mais do que isso: Almeida também testemunhou
encontros “secretos” dos membros do Ministério Público Federal com agentes
americanos que desembarcaram no Brasil com a missão de levar a Petrobras ao
banco dos réus em Nova York por desrespeito à FPCA, a lei anticorrupção
americana.
“Estive
em reuniões onde tinham representantes do governo estrangeiro, não
identificados. Tinham representantes do Ministério Público Federal de várias
localidades diferentes. Minha intuição me dizia que eu tinha que me afastar,
que dali não sairia nada bom“, relatou o advogado.
“Eu
insisti muito para que os convites fossem formais, que as reuniões tivessem
objetivo, pauta, datas, participantes. Mas era o oposto do que a turma do
Ministério Público Federal em Curitiba queria fazer. Eles queriam reuniões às
escuras, às escondidas, para conversar sobre a class action, para então pensar
se isso era bom ou ruim para os objetivos deles no Brasil. Eu percebi
claramente essa expectativa de manipulação”, acrescentou Almeida ao GGN.
O
desfecho dessa história já é conhecido: a Petrobras fechou acordo com o DOJ
(departamento de justiça dos EUA) e a SEC (comissão de valores mobiliários dos
EUA) e pagou multa de 2,95 bilhões de dólares para encerrar o imbróglio. O
acordo tinha cláusulas leoninas, como a obrigação da Petrobras em responder
qualquer demanda dos EUA, inclusive sobre seus negócios estratégicos, revelado
em primeira mão no GGN.
Mas
a parte que mais chamou atenção da grande mídia e do Judiciário brasileiro diz
respeito à devolução de 80% do valor – negociada pelos americanos com Deltan
Dallagnol – em benefício das “autoridades estrangeiras”, ou seja, à União.
No
entanto, a turma de Deltan Dallagnol – que municiou os americanos e fez
cooperação internacional com autoridades estrangeira à margem das leis – tinha
outros planos para os bilhões que retornariam ao Brasil. Ele elaborou um
segundo acordo com a Petrobras, que daria vida a uma “fundação privada” – que
Almeida chamou de “excrecência jurídica” – sob a batuta do MPF, que poderia
decidir onde aplicar os 80% da multa paga aos EUA – montante que representaria
cerca de 5 bilhões de reais em valores atualizados.
Esse
segundo acordo inconstitucional foi homologado indevidamente pela juíza
Gabriela Hardt, em período de titularidade plena na 13ª Vara Federal de
Curitiba, em 2019. A fundação só não saiu do papel por decisão do Supremo
Tribunal Federal. Hardt agora está às voltas com o Conselho Nacional de
Justiça, cuja Corregedoria promoveu uma correição na 13ª Vara e levantou
indícios de que, sob Sergio Moro, a Lava Jato criou uma operação de “cash back”
para conseguir administrar, a seu bem entender, a bolada fruto de multas
aplicadas às empresas investigadas na Lava Jato.
Segundo
relatório da correição obtido pela reportagem, a fundação privada idealizada
por Deltan Dallagnol era parte do sistema de “recirculação de valores” criado
pelos próprios agentes da Lava Jato, ainda na época de Sergio Moro, para
atender aos interesses particulares dos expoentes da operação. A atuação de
Deltan Dallagnol se sobressai justamente por seu ativismo e conluio com os
agentes americanos.
Esse
plano da Lava Jato para colocar as mãos nas verbas bilionárias decorrentes das
multas de acordos de leniência e delação pode explicar, em parte, o motivo da
operação ter sido marcada por uma gigantesca contradição: enquanto era tratada
como culpada nos EUA, no Brasil, a Lava Jato foi considerada “vítima” dos
esquemas de corrupção, o que possibilitou à Lava Jato criar o esquema de
devolução de dinheiro para a petroleira – para que ela, ao final, fizesse
frente à tentativa de criação da fundação privada.
É
nesse contexto que o jornalista Luis Nassif entrevista o advogado André de
Almeida, que comenta as razões que levaram a Petrobras a ser processada nos EUA
e a situação da ação coletiva similar que propôs no Brasil em benefício dos
acionistas brasileiros. Além das reuniões secretas, Almeida também avalia a
tentativa de criação da Fundação Lava Jato e comenta a indústria do compliance
que se formou na esteira das sentenças proferidas na Lava Jato.
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Confira, abaixo, os principais trechos da entrevista com o advogado André de
Almeida:
• O
início das class action e os encontros secretos
“Eu
iniciei a ação judicial em dezembro de 2014. Havia muita duvida no Ministério
Público Federal se a class action era boa ou ruim para os objetivos deles.
Então vários membros do Ministério Público me chamaram a Curitiba para
conversar acerca do que eu estava fazendo, para compreender.
No
início, eu insisti muito para que os convites fossem formais, que as reuniões
tivessem objetivo, pauta, datas, participantes. Mas era o oposto do que a turma
do Ministério Público Federal em Curitiba queria fazer. Eles queriam reuniões
às escuras, às escondidas, para conversar sobre a class action, para então
pensar se isso era bom ou ruim para os objetivos deles no Brasil. Eu percebi
claramente essa expectativa de manipulação
Estive
em reuniões onde tinham representantes do governo estrangeiro, não
identificados. Tinham representantes do Ministério Público Federal de várias
localidades diferentes. Minha intuição me dizia que eu tinha que me afastar,
que dali não sairia nada bom. Toquei minha vida, levei adiante o processo em
Nova York, fiz o acordo de 3 bilhões de dólares, auxiliei o DOJ (departamento
de justiça dos EUA) e a SEC (a comissão de valores mobiliários) com informações
para que pudessem receber o dinheiro da Petrobras. Escrevi o livro sobre o
assunto e está aí a história.”
• A
relação da Lava Jato com os EUA
“A
minha ação judicial era de mercado de capitais e eu buscava indenização
econômica. Eu fiz de tudo para ficar de fora das práticas para se obter
delações. Aquilo lá não cheirava bem e acho que o governo americano tem muita
experiência nesse assunto, dividiu experiências com o MPF, e o resultado não
foi dos melhores.
Nos
meandros da Lava Jato, em 2014, 2015, 2016, havia uma intensa relação informal
e até mesmo ilícita entre o MPF e agentes americanos. Troca de informação por
canais que não são os oficiais.”
• A
fundação privada
“Por
exemplo, anteontem a juíza Gabriela Hardt teve uma punição administrativa em
virtude de ter homologado a repartição da indenização entre DOJ e MPF, como se
MPF fosse ente do Poder Executivo, levando adiante condutas de educação,
anticorrupção. Ou seja, aquela tal Fundação Lava Jato, que é uma excrecência
jurídica, agora está sendo desnudada. As punições administrativos virão. É
gravíssimo o MP fazer negócios. O MP é fiscal da lei. Daí a virar uma fundação
com dinheiro para educar a sociedade, é um completo atropelo de competências.
Foi
uma operação casada [a criação da fundação]. Os procuradores da República
chegaram a propor – segundo aqueles vazamentos de Telegram – um monumento para
a Lava Jato em Curitiba. A vaidade tomou conta do MP naquele momento. O juiz
virou quase um sócio naquele processo. E a Polícia Federal formava o tripé. Era
o trio da acusação: polícia, MP e juiz mandando prender, sequestrar valores,
aceitando e negociando delações, e obviamente fazendo trabalho de qualidade
jurídica ruins que, ao final, foram anulados pelo Supremo.
Agora
temos que discutir essas empresas que foram pagando indenização nesses
processos anulados. Temos que discutir como o Estado devolve o dinheiro que
recebeu.”
• Indústria
do compliance
“A
advocacia brasileira é excepcional no seu nível técnico. Não vejo motivo
jurídico, econômico ou estratégico para que empresas brasileiras contratem
escritórios estrangeiros para defendê-las no Brasil. A Eletrobras, por exemplo,
gastou valores milionários com um escritório americano.
Kissinger
falava que o Estado americano está presente em tudo. Hoje em dia, em época de
violações de privacidades nas mídias sociais, tempos de guerra, tempos de
desinformação, é complicado deixarmos empresas brasileiras valiosas sendo
representadas por empresas estrangeiras que têm profundas conexões com seus
respectivos Estados estrangeiros.
Como
pode o Estado brasileiro, acionista majoritário da Petrobras contratar
escritórios estrangeiros em temas sensíveis ao Brasil, quando existem no Brasil
escritórios com absoluta competência técnica para fazer o trabalho? Acho um
erro.
Acho
um erro estratégico. Não acho que uma empresa chinesa estratégica para a China
deva contratar escritório americano para verificar suas práticas. Da mesma
forma que não acho que uma empresa francesa deva contratar escritório americano
para se auto-auditar. Não vejo nenhuma coerência, explicação ou base lógica na
contratação de escritórios estrangeiros.
O
que aconteceu no país entre 2014 e 2018 gerou medo absoluto. Eu via aquelas
contratações, de um lado, como erro estratégico, e de outro, como uma tentativa
de blindagem política na qual o Executivo contrata uma marca forte para, um dia
se for acusado de ter sido leniente [com corrupção], ele argumenta que
contratou alguém com marca e reputação forte.”
• Moro,
Dallagnol e a porta-giratória
“A
Lava Jato teve seus méritos de trazer discussões acerca de compliance e
práticas corporativas que deveriam existir. Agora, o comportamento do MPF foi
vergonhoso. Trazer a Petrobras para a qualidade de assistente de acusação foi
erro brutal.
Um
deles depois vira deputado federal [Deltan Dallagnol] e, agora, ao que parece,
está indo para o caminho de fundar uma igreja ou uma seita evangélica. (…)
Imagina a confusão intelectual que habita a mente de um ser humano desse.
Alguns
outros foram mais espertos, fizeram o que fizeram, e pediram aposentadoria do
Ministério Público e sumiram.
A
história do Moro é uma pornochanchada. Um sujeito que é juiz, que leva adiante
seu processo judicial com toda a característica incisiva dele. Comete uma série
de violações, prisões [indevidas], quase que com tortura. Participa do processo
eleitoral brasileiro ao divulgar material processual sigiloso. E meses depois,
ele é ministro do presidente que ele ajudou a eleger. Briga com o presidente,
vira senador e hoje é quase cassado. E nesse meio termo, ele vai trabalhar na
Alvarez & Marsal, que é a empresa que prestava consultoria na recuperação
judicial da Odebrecht. São muitas idas e vindas que demonstram – como o
ministro Gilmar Mendes falou recentemente – que naquele momento de ruptura
institucional brasileira, em 2013, havia clamor de moralidade. A Lava Jato
entregou o tal clamor. E a imprensa elegeu o Moro [herói], e ele acreditou
nisso.“
“A
Lava Jato, na minha visão, começa em 2013, naqueles protestos de ruas pelo
Brasil. Havia um clamor popular. A resposta brasileira ao clamor de 2013 foi a
Lava Jato.
Tenho
com relação ao senador Moro as mais profundas reservas. Acho que ele cometeu
erros judicantes indesculpáveis. Acho que cometeu injustiças absolutas.
Prendeu, torturou e condenou ilicitamente dezenas de pessoas. Quebrou grandes
grupos empresariais brasileiros. E as homenagens que ele recebeu mundo afora
são sinais de que talvez ele estivesse pensando muito mais nele do que nos
processos. A história dele está para ser contada ainda. Não está nem na metade,
muito mais vai se descobrir dele.”
• O
fim do lavajatismo?
“Eu
acho que o Ministério Público Federal baixou a bola, mas vai voltar em breve.
Eu volto no tempo para falar que, antes da Lava Jato, existiram operações
gravíssimas como a Satiagraha; antes dela, a Castelo de Areia e outras. O afã
do MPF pelo protagonismo é muito grande. E aí volto nas palavras do ministro
Sepúlveda Pertence, em 1988, quando, ministro do STF, viu o texto final da
Constituição Federal brasileira e falou assim: ‘pelo que estou vendo, eu espero
que o Ministério Público tenha boas relações no futuro com a República
Federativa do Brasil’.”
Fonte:
Jornal GGN
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