25 de
abril: 50 anos da Revolução dos Cravos
Já
se disse que as revoluções tardias são as mais radicais. No 25 de Abril de
1974, ruiu a ditadura mais antiga do continente europeu. A rebelião militar
organizada pelo MFA, uma conspiração dirigida pela oficialidade média das
Forças Armadas que evoluiu, em poucos meses, de uma articulação corporativa
para a insurreição, foi fulminante. Abatida militarmente por uma guerra sem
fim, exausta politicamente pela ausência de base social interna, esgotada
economicamente por uma pobreza que contrastava com o padrão europeu, e cansada
culturalmente pelo atraso obscurantista que impôs durante décadas, poucas horas
foram suficientes para uma rendição incondicional. Foi nesse momento que o
processo revolucionário que comoveu Portugal se iniciou. A insurreição militar
precipitou a revolução, e não o contrário.
Toda
revolução tem o seu pitoresco. Nunca saberemos ao certo da veracidade maior ou
menor dos pequenos episódios. Ma si non é vero, é bene trovato. Nas
primeiras horas da manhã, quando uma coluna de carros militares descia a
Avenida da Liberdade em direção ao Terreiro do Paço, respeitando o semáforo, as
floristas do Parque Mayer lhes perguntam o que estava acontecendo, e os
soldados respondem que vieram derrubar a ditadura. Elas, mulheres do povo mais
sofrido, na sua alegria, de tão felizes lhes oferecem cravos vermelhos e assim,
sem o saber, batizaram a revolução com o nome de uma flor.
·
A revolução tardia
Apesar
de seus longos 48 anos, a queda do regime encabeçado por Marcelo Caetano foi,
paradoxalmente, uma surpresa, sobretudo depois do fracasso do levante de Caldas
da Rainha, em 16 de março, um mês antes do triunfo inesperado, mas quase
instantâneo da insurreição de 25 de abril. Os governos de Londres, Paris ou
Berlim sabiam que o pequeno país ibérico vivia há décadas uma situação
anacrônica: último Estado europeu enterrado em uma guerra colonial em três
frentes sem perspectiva de solução militar: um “Vietnã africano” condenado até
por resolução da ONU, que não seria possível sem a anuência de Washington, que
se distanciava do nacional-imperialismo português.
A
ditadura, já senil de tão decadente, ainda impunha um regime implacável na
metrópole. Mantinha uma polícia de dois mil facínoras profissionais – a
PIDE/DGS – que se apoiava em dezenas ou, talvez, até centenas de milhares de
informantes, conhecidos como os “bufos”, e garantia uma atmosfera social de
asfixiante repressão, prisão dos ativistas, com especial perseguição de
militantes do Partido Comunista, e as lideranças da oposição no exílio.
Controlava através da censura qualquer opinião crítica ao governo, proibia as
atividades sindicais, reprimia o direito de greve, mantinha um exército de
alistamento obrigatório de altíssimo custo econômico e, socialmente,
insustentável depois de 13 anos de uma guerra colonial “sem fim”. No entanto,
nem mesmo Washington, tinha previsto o perigo de uma revolução.A explicação
histórica mais estrutural da estabilidade do regime salazarista remete à
sobrevivência tardia, uma geração depois do final da Segunda Guerra Mundial, de
um imenso Império na África e na Ásia, formado no alvorecer da época moderna.
O
regime salazarista era um anacronismo histórico, uma aberração social e uma
monstruosidade política. Em 28 de maio de 1926, um golpe de Estado
protofascista derruba a primeira república portuguesa, instalando uma ditadura
militar liderada pelo general Gomes da Costa, sucedido pelo general Carmona. Os
chefes militares convidam Antonio de Oliveira Salazar, até então um professor
de economia em Coimbra, para ser ministro das Finanças, cargo que só assumirá
em 1928, quando tinha 39 anos. Assumirá a posição de primeiro-ministro em 1932.
Conhecido como Estado Novo, o regime não parecia muito excepcional nos anos
trinta, quando uma fração da classe dominante europeia abraçou um discurso
nacionalista exaltado, e recorria em larga escala, mesmo em sociedades mais
urbanizadas e, economicamente, mais desenvolvidas, aos métodos da
contrarrevolução para evitar revoluções sociais como o Outubro russo. A
ditadura em Portugal espantaria, no entanto, pela sua longevidade.
O
fascismo “defensivo” deste Império desproporcional e semi-autárquico
sobreviverá a Salazar, impedido por razões de saúde desde 1966, permanecendo
incríveis 48 anos no poder. A burguesia deste pequeno país resistirá à vaga de
descolonização dos anos 1950 por um quarto de século. Encontrará forças para
enfrentar, a partir dos anos 1960, uma guerra de guerrilhas em África, na
Guiné-Bissau, Angola e Moçambique, mesmo se, na maior parte desses longos anos,
mais uma guerra de movimentos que uma guerra de posições, ainda assim, sem
solução militar possível. Mas a guerra sem fim acabou destruindo a unidade das
Forças Armadas. Quis a ironia da história que tenha sido o mesmo exército que
deu origem à ditadura que destruiu a Primeira República, que tenha derrubado o
salazarismo para garantir o fim da guerra.
A
reforma pelo alto, por deslocamentos internos do próprio salazarismo, a
transição negociada, a democratização pactuada, tantas vezes esperada, não
veio. Os deslocamentos da oficialidade média expressavam o desespero das
classes médias com a obtusidade da ditadura. O obscurantismo sufocava a nação.
Depois da insurreição militar abriu-se uma janela de oportunidade histórica, e
o que as classes proprietárias evitaram fazer por reformas, as massas populares
se lançaram à conquista pela revolução. O salazarismo obsoleto de Caetano
acabou acendendo a faísca do mais profundo processo revolucionário na Europa
Ocidental, depois da Guerra Civil Espanhola, em 1939.
·
A revolução colonial
Em
1972, o general Antônio Spínola publicou o livro Portugal e o Futuro.
O Governo de Marcelo Caetano autorizou a publicação do livro. O parecer
favorável foi feito por ninguém menos que o general Costa Gomes. A guerra
nas colônias mergulhou Portugal em uma crise crônica. Um país de dez milhões de
habitantes, acentuadamente defasado da prosperidade europeia dos anos 1960,
sangrando pela emigração da juventude que fugia do serviço militar e da
pobreza, não podia continuar mantendo um exército de ocupação de dezenas de
milhares de homens, indefinidamente, em uma guerra africana. O que não se
sabia, então, era que o livro de Spínola era somente a ponta de um iceberg e
que, clandestinamente, na oficialidade média, já estava se articulando o
Movimento das Forças Armadas, o MFA. A fraqueza do governo Marcelo Caetano era
tão grande que cairia como uma fruta podre, em horas. A nação estava exaurida
pela guerra. Pela porta aberta pela revolução anti-imperialista nas colônias,
iria entrar a revolução política e social na metrópole.
O
serviço militar obrigatório era de assombrosos quatro anos, dos quais pelo
menos dois eram cumpridos no ultramar. Mais de dez mil mortos, sem contar os
feridos e mutilados, na escala de dezenas de milhares. Foi do interior desse
exército de alistamento obrigatório que surgiu um dos sujeitos políticos
decisivos do processo revolucionário, o MFA. Respondendo à radicalização das
classes médias da metrópole e, também, à pressão da classe trabalhadora na qual
uma parcela dessa oficialidade média tinha sua origem de classe, cansados da
guerra, e ansiosos por liberdades, rompiam com o regime. Estas pressões sociais
explicam, também, os limites políticos do próprio MFA, e ajudam a compreender
por que, depois de derrubar Caetano, entregaram o poder a Spínola. O próprio
Otelo, defensor, a partir do 11 de março, do projeto de transformar o MFA em
movimento de libertação nacional, à maneira de movimentos militares em países
da periferia, como no Peru do início dos anos 1970, fez o balanço com uma
franqueza desconcertante: “Este sentimento arraigado de subordinação à
hierarquia, da necessidade de um chefe que, por cima de nós, nos orientasse no
“bom” caminho, nos perseguiria até o final”.
Esta
confissão permanece uma das chaves de interpretação do que ficou conhecido como
o PREC (processo revolucionário em curso), ou seja, os doze meses em que Vasco
Gonçalves esteve à frente do II, III, IV e V governos provisórios.
Ironicamente, assim como muitos capitães se inclinavam a depositar excessiva
confiança nos generais, uma parcela da esquerda entregava aos capitães, ou à
fórmula unidade do povo com o MFA, defendida pelo PCP, a liderança do processo.
Diz-se que, em situações revolucionárias, os seres humanos excedem-se ou se
elevam, entregando-se na melhor medida de si próprios. Aparece, então, o que
têm de melhor e pior. Spínola, enérgico e perspicaz, era um reacionário
pomposo, com poses de general germanófilo, com seu incrível monóculo do século
XIX. Costa Gomes, sutil e astuto, era, como um camaleão, um homem da
oportunidade. Do MFA surgiram as lideranças de Salgueiro Maia ou Dinis de
Almeida, valentes e honrados, mas sem educação política; de Otelo, o chefe do
COPCON, uma personalidade entre um Chávez e um Capitão Lamarca, ou seja, entre
o heroísmo da organização do levante, e o disparatado das posteriores relações
com a Líbia e as FP-25 de abril; de Vasco Lourenço, de origem social popular,
como Otelo, atrevido e arrogante, mas tortuoso; de Melo Antunes, instruído e
sinuoso, o homem chave do grupo dos nove, o feiticeiro que termina prisioneiro
de suas manipulações; de Varela Gomes, o homem da esquerda militar, discreto e
digno; de Vasco Gonçalves, menos trágico que Allende, mas, também, menos bufão
que Daniel Ortega. Foi da tropa, também, que surgiu o “Bonaparte”, Ramalho
Eanes, sinistro, que enterrou o MFA.
·
Três etapas em
processo
A
queda do regime foi o ato inaugural de uma etapa política de radicalização
popular mais profunda — uma situação pré-revolucionária — em que foram sendo
construídas as experiências de auto-organização. Podemos dividir o processo em
três conjunturas sempre mais radicalizadas à esquerda:
(a)
de abril de 1974 até 11 de março de 1975: abriu-se uma situação
pré-revolucionária semelhante à do Fevereiro russo em que se garantiram as
liberdades democráticas e o cessar-fogo em África derrotando dois golpes e o
projeto spinolista de consolidação de um regime presidencialista;
(b)
entre 11 de março e julho de 1975: uma situação revolucionária semelhante à que
precedeu o Outubro russo, com a grande fuga burguesa, a nacionalização de parte
das maiores empresas, o reconhecimento das independências — menos Angola — e a
generalização da auto-organização de massas, sobretudo no Exército, mas sem que
o duplo poder encontrasse centralização;
(c)
finalmente, a crise revolucionária, entre julho e novembro de 1975, com a cisão
do MFA, a independência de Angola, a radicalização anticapitalista,
desgarramentos de bases de massas da influência do Partido Socialista (PS) e do
Partido Comunista Português (PCP), formação dos Soldados Unidos Venceremos
(SUV), auto-organização de soldados e marinheiros, e manifestações armadas, uma
antessala de uma revolução social na qual um deslocamento do Estado ou um golpe
contrarrevolucionário tornavam-se inadiáveis.
·
A burguesia prepara o
golpe
A
primeira tentativa de golpe fracassou em 28 de setembro, um chamado público de
Spínola à “maioria silenciosa”. Cento e cinquenta conspiradores foram presos
durante o dia. Obrigado a renunciar, mas ileso, Spínola entregou a presidência
para o general Costa Gomes. Este assumiu o III Governo Provisório, mas Vasco
Gonçalves permaneceu primeiro-ministro. As energias do projeto de
neocolonialismo à “inglesa” não tinham, todavia, se esgotado. Buscariam
novamente o putsch “korniloviano” em 11 de março, com a tentativa
de bombardeio de Lisboa. Mais uma vez, as barricadas levaram muitos milhares às
ruas. No dia seguinte, diante do pânico burguês, a estatização dos principais
bancos. O segundo golpe foi a última e desesperada tentativa da fração burguesa
que se opunha à independência imediata das colônias e contou com a participação
da Guarda Nacional Republicana (GNR), equivalente às PMs no Brasil. O Regimento
de Artilharia Ligeira (Rali) de Lisboa foi bombardeado e cercado por unidades
de paraquedistas. Um soldado morreu, mas o golpe foi desbaratado.
Spínola
e outros oficiais cúmplices fugiram para Espanha, onde Franco os protegeu.
Muitos vieram, depois, para o Brasil, onde Geisel os hospedou. Na sequência, os
trabalhadores bancários entraram em greve política e assumiram o controle do
sistema financeiro. O MFA criou o Conselho da Revolução e decretou a
nacionalização dos sete grupos bancários portugueses mais importantes. Outras
vieram, nos seguros, siderurgia, cimentos, etc… Muitas empresas foram ocupadas
pelos trabalhadores. Grande parte da burguesia entrou em pânico e, diante do
imponderável, abandonou o país.
O
IV Governo Provisório instalou-se em 26 de março. A África estava perdida. A
burguesia passou a temer o pior, também, na metrópole. Reorientou-se,
apressadamente, para o projeto europeu. A reconstrução da autoridade do Estado,
a começar pelas Forças Armadas, ainda permanecia a prioridade. O mais complexo,
contudo, continuava sem solução: tinha que improvisar uma representação
política, atrair a maioria das classes médias e derrotar os trabalhadores. Não
tendo mais Spínola como carta na manga – e debilitados o Partido Popular
Democrático (PPD) e Centro Democrático Social (CDS) pelas ligações com Spínola
–, a burguesia não tinha instrumentos diretos – a não ser parte da imprensa e o
peso sobre a alta hierarquia das Forças Armadas – e precisava recorrer à pressão
da burguesia europeia e estadunidense sobre a social-democracia e sobre a União
Soviética para que enquadrassem o Partido Socialista (PS) e, sobretudo, o
Partido Comunista Português (PCP).
·
A hora da vertigem
Depois
de 11 de março veio a segunda primavera das utopias. Lisboa era a capital mais
livre do mundo. Os trabalhadores exigiam a independência das colônias, o
retorno dos soldados, as liberdades nas empresas, salários, trabalho, terra,
educação, saúde, previdência. Aprendiam no calor da luta que sem expropriações
não poderiam conquistá-las. Começava a etapa do que foi denunciado como
“assembleísmo”, ou seja, a dualidade de poderes. Em vagas de lutas sucessivas,
surgiram comissões de trabalhadores em todas as grandes e médias corporações
como a Companhia União Fabril (CUF) – só ela, 186 fábricas – a
maioria concentrada no Barreiro, cidade industrial do outro lado do Tejo.
Champalimaud, um dos líderes mais influentes da burguesia reagiu declarando “os
operários são atualmente demasiado livres”.
O
muralismo político – painéis à mexicana, grafites à americana, “dazibaos” à
chinesa, além de simples pichações – fazia das ruas de Lisboa uma
expressão estético-cultural desse “universo diverso’ da revolução. Havia de
tudo, do mais solene ao mais irreverente. A porta do cemitério, o
impagável,“Abaixo os mortos, a terra para quem nela trabalha”. Nas grandes
avenidas, o dramático, “Nem mais um só soldado para
as colônias”. Na região das Avenidas novas – bairros privilegiados – “Os
ricos que paguem pela crise”, assinado pela União Democrático Popular (UDP) e,
ao lado, “A UDP que pague pela crise”, assinado “Os ricos”. A Igreja não
escapou à fúria do processo revolucionário. Em Lisboa, as Igrejas ficaram
desertas de jovens. Associada durante décadas ao salazarismo – quando o Cardeal
Cerejeira foi o braço direito do regime a Igreja encontrava-se flagrantemente
desautorizada, em especial no Sul do País, diante de amplos setores sociais. As
ocupações estendiam-se aos meios de comunicação. No dia 27 de maio, os trabalhadores
da Rádio Renascença ocuparam os estúdios e o centro transmissor. Foi abandonada
a designação de “Emissora Católica”. A emissora passou a transmitir uma
programação de apoio às lutas dos trabalhadores.
Os
operários da Lisnave deram o exemplo – foram a “Putilov” da revolução
portuguesa – organizando piquetes para ocupar o seu sindicato. Na Amadora – a
“Vyborg” ou o “ABC” de Lisboa, uma das grandes concentrações operárias –, a
Sorefame, uma das maiores indústrias metalúrgicas do país entrou em greve,
assim como a Toyota, a Firestone, a Renault, a Carris (motoristas de ônibus), a
TAP e a CP (ferroviários), mas também pelo interior, como entre os têxteis da
Covilhã, ou nas minas da Panasqueira. A onda de auto-organização – formação nas
empresas de comissões de trabalhadores – que aprofundou a dinâmica
revolucionária da situação, produziu reações. “Os sindicalistas do PCP
queixam-se amargurados: ‘Os grevistas fazem tábua rasa das formas tradicionais
de luta, nem tentam negociar e por vezes decidem parar mesmo antes de redigirem
o caderno reivindicativo. Em muitos casos, os trabalhadores não se limitam a
exigir mais dinheiro, passam à ação direta, tentam tomar o poder de decisão e
instituir a cogestão sem estarem preparados para isso”’.
Ainda
quando o PCP depositava toda a sua imensa autoridade no intuito de frear as
greves, as invasões de latifúndios no Alentejo se generalizaram, ao mesmo tempo
em que as ocupações de casas desabitadas em Lisboa e Porto se alastravam; os
“saneamentos” – o eufemismo para expulsão dos fascistas – realizavam depurações
na maior parte das empresas, a começar pelo serviço público, e a pressão
estudantil nas Universidades impunha assembleias deliberativas. Toda a antiga
ordem parecia desabar. “A criação do salário-mínimo nacional abrange mais de
50% dos assalariados não agrícolas. São os trabalhadores menos qualificados, as
mulheres, os mais oprimidos, que constituem a vanguarda da conquista do poder
de compra e dos direitos sociais. O poder de compra dos assalariados aumenta
25,4% em 1974 e 75; os salários que, em 1974, já são 48% do rendimento
nacional, passam a 56,9% em 1975. A estrutura da propriedade modifica-se: 117
empresas são nacionalizadas, 219 outras têm mais de 50% de participação do
Estado, 206 são intervencionadas, abrangendo 55 mil operários; 700 empresas
entram em autogestão, com 30 mil operários”.
Cada
revolução tem o seu vocabulário. Como o pêndulo da política inclinou-se para a
extrema-esquerda, o discurso da direita girou para o centro, e o do centro para
a esquerda. O travestismo político – o descompasso entre as palavras e os atos
– fez o discurso dos partidos eleitorais tornar-se irreconhecível. Mas, em
Portugal, as forças burguesas superaram o inimaginável. Desde o PPD de Sá
Carneiro, hoje o PSD de Durão Barroso, até o Partido Popular Monárquico (PPM),
todos reivindicavam alguma forma de socialismo, o que explica a retórica da
Constituição que até hoje produz espanto.
·
As eleições para a
Constituinte
A
situação aberta pela queda de Spínola trazia maiores e mais perigosos desafios.
A burguesia exigia ordem e, sobretudo, respeito à propriedade privada. Diante
das pressões, o PS e o PCP as únicas forças políticas – e, de longe,
majoritárias – com autoridade na direção dos Governos Provisórios – além do
MFA, dividiram-se e provocaram uma cisão irremediável entre os trabalhadores. Um
ano depois do 25 de Abril, as eleições para a Constituinte surpreenderam. O PS
foi o grande vencedor com espetaculares 37,87%. O PCP decepcionou com somente
12,53%. Revelou-se um abismo entre sua força de mobilização social e a
eleitoral. O PPD, hoje conhecido como PSD, de Sá Carneiro, um líder liberal
dentro das estruturas do regime salazarista, ficou em segundo lugar com 26,38%.
O CDS (na extrema-direita, dirigido por Freitas do Amaral), o Movimento
Democrático Português (MDP) – uma colateral do PCP que vinha do tempo das
eleições sob Caetano – e a UDP de inspiração “albanesa”, conseguiram, também,
representação parlamentar.
Três
projetos e três legitimidades entraram em conflito. Essa divisão atravessou,
também, o MFA. Surgiram três campos: o do governo de Vasco Gonçalves com o PCP,
que se apoiava na maioria do MFA; o de Soares, que reivindicava a autoridade da
votação nas umas e tinha o apoio dos Estados Unidos e da Europa; e o mais
frágil, subjetivamente, porém, o mais temido, porque anticapitalista, aquele
que nascia dos embriões de poder popular.
No
dia 25 de novembro de 1975 explodiu uma rebelião militar no quartel dos
paraquedistas que não aceitaram uma provocação do VI Governo provisório,
liderado pelo almirante Pinheiro de Azevedo, que tinha substituído o coronel
Vasco Gonçalves em agosto, e imposto a dissolução de sua unidade militar. Foi o
sinal para um contragolpe militar chefiado por Ramalho Eanes, com o apoio de
todas as forças reacionárias e contrarrevolucionárias. Em abril de 1976, com o
apoio do PS de Soares, Eanes foi eleito presidente da República. A situação
revolucionária estava encerrada.
Fonte:
Por Valerio Arcary, em A Terra é Redonda
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