quinta-feira, 18 de abril de 2024

O dia em Israel também passou a sentir medo

O ataque iraniano procura enviar uma mensagem a Israel sem gerar uma escalada, e é tanto para consumo interno como para os seus aliados regionais. No entanto, as ações militares, destinadas a “vingar” o ataque israelense ao consulado iraniano em Damasco, ultrapassam um limiar: da guerra por procuração a um ataque direto de Estado a Estado.

Com a Operação Honest Promise, Teerã executou a sua vingança. O próprio líder supremo do Irã, o Aiatolá Ali Khamenei, reconheceu isso abertamente. Nos minutos que se seguiram ao início do ataque iraniano contra Israel, na noite de sábado, ele repetiu em sua conta na plataforma X a ameaça que havia feito alguns dias antes: “O regime maligno será punido”. Mas esta foi uma vingança cuidadosamente calibrada, estrategicamente calculada para evitar uma verdadeira escalada regional, e não destinada a infligir danos graves ao Estado israelense.

Para Teerã, o objetivo era mostrar a Israel que não aceitará mais ver os seus altos funcionários serem eliminados um após outro na Síria e no Líbano. E também mostrar aos seus aliados regionais, cansados ​​de receber duros golpes sem uma resposta iraniana, que tem capacidade para atingir o seu inimigo e fazê-lo com uma operação em grande escala. Foi também uma mensagem para a população iraniana.

O fato é que um limite foi ultrapassado. Pela primeira vez na sua história, a República Islâmica do Irã, ao lançar várias centenas de drones e mísseis, realizou um ataque direto, massivo, de Estado para Estado, contra Israel.

A face da guerra mudou assim, embora para Teerã não tenha sido mais do que uma operação de retaliação em resposta ao assassinato, em 1º de abril, na embaixada iraniana em Damasco, de dois generais e uma dúzia de outras pessoas, incluindo sete oficiais do Força Al-Quds (um dos nomes árabes para Jerusalém), um ramo da Guarda Revolucionária encarregado das operações estrangeiras da República Islâmica.

Até agora, a guerra tem sido travada nos bastidores, com o apoio de Teerã, essencialmente pelos seus líderes (os houthis iemenitas, certas milícias xiitas iraquianas etc.) e pelos seus aliados regionais: o Hezbollah libanês e, em menor medida, Damasco. O conflito está agora vindo à luz, abrindo um novo ciclo de possível guerra aberta, especialmente se Israel retaliar. Um alto responsável israelense já afirmou que haverá uma “resposta significativa”, segundo a agência Reuters, que citou um canal de Israel.

Após o ataque ao consulado de Damasco, levado a cabo em plena luz do dia por combatentes israelenses, Teerã imediatamente argumentou que se tratava de um ataque ao seu próprio território, uma vez que o enclave goza de proteção e inviolabilidade diplomática e de imunidade pessoal. No dia seguinte, o ministro das Relações Exteriores iraniano, Hossein Amir-Abdollahian, classificou o ataque israelense como uma “violação de todas as obrigações e convenções internacionais”. Os líderes iranianos acreditam que têm o direito de retaliar o território de Israel. O presidente iraniano, Ebrahim Raissi, expressou sua satisfação em comunicado publicado no domingo, 14 de abril: “O agressor foi punido”.

Segundo vários especialistas, o ataque israelense, combinado com os dos meses anteriores, afetou gravemente a cadeia de comando da força Al-Quds, especialmente no que diz respeito aos fornecimentos a grupos pró-Irã na região. Mas embora o Irã tenha abandonado o seu conceito de “paciência estratégica”, que lhe permitiu justificar a sua falta de resposta aos ataques anteriores de Israel, não parece querer entrar numa guerra declarada com Tel Aviv. “O caso pode ser considerado encerrado”, declarou a Missão Permanente da República Islâmica do Irã junto à Organização das Nações Unidas (ONU), no dia 10. “No entanto, se o regime israelense cometer outro erro, a resposta do Irã será consideravelmente mais dura. Este é um conflito entre o Irã e o regime desonesto israelense, e os Estados Unidos devem ficar fora dele”, acrescenta o comunicado. O presidente iraniano emitiu a mesma ameaça: “Se o regime sionista ou os seus aliados se comportarem de forma imprudente, receberão uma resposta decisiva e muito mais enérgica”.

Estes avisos mal escondem o receio de Teerã de ser arrastado para um conflito em que tem tudo a perder, à medida que se aproxima da sua capacidade nuclear. Segundo informações de fonte interna do regime reveladas por um especialista francês, as forças armadas iranianas só têm capacidade militar para cerca de sessenta dias contra Israel. Além disso, carecem de recursos financeiros, que são o nervo da guerra.

O comunicado da missão permanente da República Islâmica do Irã foi publicado antes de os drones e mísseis chegarem a Israel, o que atesta a mesma preocupação em ver a região arder e, consequentemente, a sua fragilidade estratégica. Da mesma forma, no mesmo texto, o receio do Irã de um confronto com os Estados Unidos torna-se ainda mais evidente, caso Washintgon se junte a Tel-Aviv em retaliação.

Um alto funcionário dos EUA disse ao site americano Axios que o presidente Joe Biden avisou Benjamin Netanyahu que o seu governo se oporia a qualquer retaliação do Estado de Israel contra o Irã. As conversações entre Washington e Teerã, em particular sobre a retirada das últimas forças dos EUA destacadas no Iraque, estão em curso em Mascate (Omã) e transcorrem há vários meses.

Finalmente, os habituais aliados e representantes do Irã não têm sido muito ativos. O Hezbollah contentou-se com algumas rajadas de foguetes lançados contra as Colinas de Golã, como tem feito todos os dias desde 8 de outubro, apesar de o seu potencial de mísseis e foguetes  mais de 100 mil, segundo estimativas de alguns especialistas  constituir a maior ameaça que Israel enfrentaria. E os foguetes lançados pelos houthis contra o sul de Israel, “em coordenação” com o Irã, foram ataques mais simbólicos do que eficazes.

A verdade é que o ataque iraniano, embora inicialmente tenha permitido a Teerã salvar a imagem, foi também uma operação espetacular, com drones sobrevoando a mesquita de Al-Aqsa, o terceiro local sagrado do Islã, em Jerusalém, que mais uma vez lhe garante a reputação no mundo árabe de ser a única potência regional capaz de confrontar Israel e o único defensor da causa palestina.

Para o regime, os benefícios da Operação Honest Promise também foram internos. A operação surge poucos dias depois do início da repressão contra as mulheres sem véu, com o destacamento maciço de milícias de “repressão ao vício” nas principais cidades, mostrando que as autoridades ainda não aceitaram que perderam esta batalha e pretendem retomar as ruas. Nas redes sociais, podem ver-se imagens de mulheres jovens a serem violentamente agredidas e detidas, algo que se tinha tornado muito mais raro nos últimos meses.

 

Ø  Irã está inclinado a ver Rússia como peça-chave na resolução do conflito no Oriente Médio

 

O presidente russo, Vladimir Putin, e o presidente iraniano, Ebrahim Raisi, discutiram a atual escalada no Oriente Médio durante conversa telefônica na última terça-feira (16), o que levanta a hipótese de que o Estado persa entende que os russos podem ser uma peça-chave para resolver o conflito.

Durante o contato, iniciado pelo lado iraniano, Putin e seu homólogo discutiram detalhadamente "a situação agravada no Oriente Médio após o ataque aéreo israelense à missão diplomática iraniana em Damasco e as medidas retaliatórias tomadas pelo Irã", segundo comunicado emitido pelo Kremlin.

Até o momento, Raisi não contactou nenhum outro líder mundial após o contra-ataque iraniano.

O professor e vice-reitor do Instituto Estatal de Relações Internacionais de Moscou, Vladimir Morozov, observa que quem inicia tais ligações geralmente está mais interessado em realizar a conversa.

Segundo ele, fazer o contato foi uma jogada lógica para o presidente iraniano, considerando a natureza amigável das relações entre Rússia e Irã.

"Acredito que o Irã considere nosso país não apenas um patrocinador formal da resolução do conflito no Oriente Médio, mas um país que pode influenciar todos os lados do conflito e tem um voto no Conselho de Segurança das Nações Unidas", disse ele, acrescentando que Teerã está perfeitamente ciente de que a questão dos ataques entre Irã e Israel está longe de ser resolvida.

Assim, ele argumentou que era importante para a liderança iraniana mostrar ao seu povo que Teerã tem amigos influentes no exterior, parceiros com os quais a república islâmica pode discutir a situação atual.

Sobre a próxima visita a Moscou do vice-ministro das Relações Exteriores do Irã, que deve participar de uma conferência sobre não proliferação esta semana, Morozov destacou que as potências ocidentais ainda não apresentaram evidências que respaldem suas alegações de que o Irã está trabalhando em uma arma nuclear.

"Todos nos lembramos da situação com o Iraque e de como Colin Powell [ex-secretário de Estado dos EUA] discursava em uma sessão do Conselho de Segurança das Nações Unidas, acusando o regime de Saddam Hussein de possuir armas de destruição em massa que, como esperado, ninguém encontrou depois que o Iraque foi invadido e o regime foi derrubado", disse ele.

Morozov sugere que, ao invés de tentar retratar o Irã como uma espécie de ameaça à segurança global, esforços deveriam ser feitos para envolver Teerã em discussões sobre segurança regional e cooperar com o país.

"A mesma coisa tem acontecido nas últimas décadas com o Irã, que está sendo acusado de estar prestes a construir uma bomba nuclear nos próximos dois meses", completa.

Ele também alertou que outros países no Oriente Médio deveriam estar atentos à encruzilhada atual em que se encontram: ou buscam negociações e esforços de paz, embora frágeis, ou a situação na região pode rapidamente se transformar em "uma escalada muito séria, até a Terceira Guerra Mundial".

¨      Pacote de sanções dos EUA contra o Irã pode colocar Biden 'em apuros', diz analista

O Congresso dos EUA anunciou planos para aprovar um novo pacote de sanções contra o Irã em punição ao ataque contra Israel. À Sputnik, analista aponta que a medida pode complicar a situação do presidente norte-americano, Joe Biden, no cenário eleitoral.

Nesta semana, membros do Congresso dos Estados Unidos anunciaram planos para introduzir novas sanções contra o Irã, com o objetivo de punir o país por sua retaliação a Israel pelo ataque ao consulado iraniano na Síria.

A secretária do Tesouro dos EUA, Janet Yellen, anunciou que seu departamento "não hesitará em trabalhar com os nossos aliados para usar a autoridade de sanções" contra o Irã, enquanto o conselheiro de Segurança Nacional da Casa Branca, Jake Sullivan, declarou que os EUA antecipam que os seus "aliados e parceiros" vão seguir o exemplo e impor suas próprias sanções contra o Teerã.

A administração Biden, no entanto, parece decidida a evitar uma escalada na região do golfo Pérsico, conforme disse à Sputnik o analista financeiro e geopolítico Tom Luongo.

"Ninguém deseja o cenário que viria se Israel e o Irã entrassem de fato em guerra. Os EUA são mais do que capazes de fazer o Irã pagar pelo fechamento do estreito de Ormuz, mas isso é algo com o qual o Pentágono não quer ter de lidar", disse Luongo.

Tendo observado que "os preços do petróleo estão em escalada, eles parecem presumir que o conflito cessará por aqui", diz Luongo, acrescentando que isso pode ser um "erro perigoso" devido à posição precária em que a liderança de Israel se encontra atualmente.

"O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, não tem outro caminho político a não ser continuar com sua postura agressiva. Caso contrário, sua carreira, no mínimo, estará encerrada", explicou Luongo.

Segundo Luongo, embora Biden esteja tentando pressionar Israel a recuar, ele também tem de enfrentar o lobby israelense no Congresso dos EUA, que deseja uma guerra com o Irã e "pode colocar Biden em apuros caso seja aprovado no Congresso americano um novo pacote de sanções contra o Irã".

"Então, para se manter no poder, Biden deve aplicar o máximo de pressão possível para vencer as eleições, enquanto Netanyahu consegue a guerra com o Irã que desejou a vida toda", afirma Luongo.

Luongo também destacou que a China tem um investimento maciço no Irã, pois o país é o ponto terminal de sua Iniciativa Cinturão e Rota.

"Eles [China] apoiarão financeiramente o Irã, se necessário, mas serão os russos que darão ao Irã o apoio militar e diplomático de que o país necessita para atravessar a situação, desde que os iranianos não pareçam o lado agressor em qualquer fase do conflito", conclui Luongo.

No dia 13, o Irã lançou um ataque massivo contra Israel em retaliação ao ataque perpetrado por Tel Aviv no dia 1º de abril contra o Consulado do Irã em Damasco, na Síria, que matou sete membros da elite do Corpo de Guardas da Revolução Islâmica (IRGC, na sigla em inglês).

EUA, Reino Unido, França e Jordânia atuaram em defesa de Israel, abatendo drones que se dirigiam ao espaço aéreo israelense. Biden, no entanto, vem pressionando Israel a não buscar uma guerra mais ampla na região.

 

Fonte: Por Jean-Pierre Perrin, no Mediapart | Tradução: Glauco Faria, em Outras Palavras/Sputnik Brasil

 

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