O dia em Israel também passou a sentir medo
O ataque iraniano
procura enviar uma mensagem a Israel sem gerar uma escalada, e é
tanto para consumo interno como para os seus aliados regionais. No entanto, as
ações militares, destinadas a “vingar” o ataque israelense ao consulado
iraniano em Damasco, ultrapassam um limiar: da guerra por procuração a um
ataque direto de Estado a Estado.
Com a Operação Honest
Promise, Teerã executou a sua vingança. O próprio líder supremo do Irã, o
Aiatolá Ali Khamenei, reconheceu isso abertamente. Nos minutos que se seguiram
ao início do ataque iraniano contra Israel, na noite de sábado, ele repetiu
em sua conta na plataforma X a
ameaça que havia feito alguns dias antes: “O regime maligno será punido”. Mas
esta foi uma vingança cuidadosamente calibrada, estrategicamente calculada para
evitar uma verdadeira escalada regional, e não destinada a infligir danos
graves ao Estado israelense.
Para Teerã, o objetivo
era mostrar a Israel que não aceitará mais ver os seus altos funcionários serem
eliminados um após outro na Síria e no Líbano. E também mostrar aos seus
aliados regionais, cansados de receber duros golpes sem uma resposta
iraniana, que tem capacidade para atingir o seu inimigo e fazê-lo com uma operação em grande escala. Foi também uma mensagem para a população iraniana.
O fato é que um limite
foi ultrapassado. Pela primeira vez na sua história, a República Islâmica do
Irã, ao lançar várias centenas de drones e mísseis, realizou um ataque direto,
massivo, de Estado para Estado, contra Israel.
A face da guerra mudou
assim, embora para Teerã não tenha sido mais do que uma operação de retaliação
em resposta ao assassinato, em 1º de abril, na embaixada iraniana em Damasco,
de dois generais e uma dúzia de outras pessoas, incluindo sete oficiais do
Força Al-Quds (um dos nomes árabes para Jerusalém), um ramo da Guarda
Revolucionária encarregado das operações estrangeiras da República Islâmica.
Até agora, a guerra
tem sido travada nos bastidores, com o apoio de Teerã, essencialmente pelos
seus líderes (os houthis iemenitas, certas milícias xiitas iraquianas
etc.) e pelos seus aliados regionais: o Hezbollah libanês e, em menor medida, Damasco.
O conflito está agora vindo à luz, abrindo um novo ciclo de possível guerra
aberta, especialmente se Israel retaliar. Um alto responsável israelense já
afirmou que haverá uma “resposta significativa”, segundo a agência
Reuters, que citou um canal de Israel.
Após o ataque ao
consulado de Damasco, levado a cabo em plena luz do dia por combatentes
israelenses, Teerã imediatamente argumentou que se tratava de um ataque ao seu
próprio território, uma vez que o enclave goza de proteção e inviolabilidade
diplomática e de imunidade pessoal. No dia seguinte, o ministro das Relações
Exteriores iraniano, Hossein Amir-Abdollahian, classificou o ataque israelense
como uma “violação de todas as obrigações e convenções internacionais”. Os
líderes iranianos acreditam que têm o direito de retaliar o território de
Israel. O presidente iraniano, Ebrahim Raissi, expressou sua satisfação em
comunicado publicado no domingo, 14 de abril: “O agressor foi punido”.
Segundo vários
especialistas, o ataque israelense, combinado com os dos meses anteriores,
afetou gravemente a cadeia de comando da força Al-Quds, especialmente no que
diz respeito aos fornecimentos a grupos pró-Irã na região. Mas embora o Irã
tenha abandonado o seu conceito de “paciência estratégica”, que lhe permitiu
justificar a sua falta de resposta aos ataques anteriores de Israel, não parece
querer entrar numa guerra declarada com Tel Aviv. “O caso pode ser considerado
encerrado”, declarou a Missão Permanente da República Islâmica do Irã junto à
Organização das Nações Unidas (ONU), no dia 10. “No entanto, se o regime
israelense cometer outro erro, a resposta do Irã será consideravelmente mais
dura. Este é um conflito entre o Irã e o regime desonesto israelense, e os
Estados Unidos devem ficar fora dele”, acrescenta o comunicado. O presidente
iraniano emitiu a mesma ameaça: “Se o regime sionista ou os seus aliados se
comportarem de forma imprudente, receberão uma resposta decisiva e muito mais
enérgica”.
Estes avisos mal
escondem o receio de Teerã de ser arrastado para um conflito em que tem tudo a
perder, à medida que se aproxima da sua capacidade nuclear. Segundo informações
de fonte interna do regime reveladas por um especialista francês, as forças armadas
iranianas só têm capacidade militar para cerca de sessenta dias contra Israel.
Além disso, carecem de recursos financeiros, que são o nervo da guerra.
O comunicado da missão
permanente da República Islâmica do Irã foi publicado antes de os drones e
mísseis chegarem a Israel, o que atesta a mesma preocupação em ver a região
arder e, consequentemente, a sua fragilidade estratégica. Da mesma forma, no
mesmo texto, o receio do Irã de um confronto com os Estados Unidos torna-se
ainda mais evidente, caso Washintgon se junte a Tel-Aviv em retaliação.
Um alto funcionário
dos EUA disse ao site americano Axios que o presidente Joe
Biden avisou Benjamin Netanyahu que o seu governo se oporia a qualquer
retaliação do Estado de Israel contra o Irã. As conversações entre Washington e
Teerã, em particular sobre a retirada das últimas forças dos EUA destacadas no
Iraque, estão em curso em Mascate (Omã) e transcorrem há vários meses.
Finalmente, os
habituais aliados e representantes do Irã não têm sido muito ativos.
O Hezbollah contentou-se com algumas rajadas de foguetes lançados contra as
Colinas de Golã, como tem feito todos os dias desde 8 de outubro, apesar de o
seu potencial de mísseis e foguetes — mais de 100 mil, segundo
estimativas de alguns especialistas — constituir a maior
ameaça que Israel enfrentaria. E os foguetes lançados pelos houthis contra o
sul de Israel, “em coordenação” com o Irã, foram ataques mais simbólicos do que
eficazes.
A verdade é que o
ataque iraniano, embora inicialmente tenha permitido a Teerã salvar a imagem,
foi também uma operação espetacular, com drones sobrevoando a mesquita de
Al-Aqsa, o terceiro local sagrado do Islã, em Jerusalém, que mais uma vez lhe
garante a reputação no mundo árabe de ser a única potência regional capaz de
confrontar Israel e o único defensor da causa palestina.
Para o regime, os
benefícios da Operação Honest Promise também foram internos. A
operação surge poucos dias depois do início da repressão contra as mulheres sem
véu, com o destacamento maciço de milícias de “repressão ao vício” nas
principais cidades, mostrando que as autoridades ainda não aceitaram que
perderam esta batalha e pretendem retomar as ruas. Nas redes sociais, podem
ver-se imagens de mulheres jovens a serem violentamente agredidas e detidas,
algo que se tinha tornado muito mais raro nos últimos meses.
Ø
Irã está inclinado a ver Rússia como
peça-chave na resolução do conflito no Oriente Médio
O presidente russo,
Vladimir Putin, e o presidente iraniano, Ebrahim Raisi, discutiram a atual
escalada no Oriente Médio durante conversa telefônica na última terça-feira
(16), o que levanta a hipótese de que o Estado persa entende que os russos
podem ser uma peça-chave para resolver o conflito.
Durante o contato,
iniciado pelo lado iraniano, Putin e seu homólogo discutiram detalhadamente
"a situação agravada no Oriente Médio após o ataque aéreo israelense à
missão diplomática iraniana em Damasco e as medidas retaliatórias tomadas pelo
Irã", segundo comunicado emitido pelo Kremlin.
Até o momento, Raisi
não contactou nenhum outro líder mundial após o contra-ataque iraniano.
O professor e
vice-reitor do Instituto Estatal de Relações Internacionais de Moscou, Vladimir
Morozov, observa que quem inicia tais ligações geralmente está mais interessado
em realizar a conversa.
Segundo ele, fazer o
contato foi uma jogada lógica para o presidente iraniano, considerando a
natureza amigável das relações entre Rússia e Irã.
"Acredito que o
Irã considere nosso país não apenas um patrocinador formal da resolução do
conflito no Oriente Médio, mas um país que pode influenciar todos os lados do
conflito e tem um voto no Conselho de Segurança das Nações Unidas", disse
ele, acrescentando que Teerã está perfeitamente ciente de que a questão dos
ataques entre Irã e Israel está longe de ser resolvida.
Assim, ele argumentou
que era importante para a liderança iraniana mostrar ao seu povo que Teerã tem
amigos influentes no exterior, parceiros com os quais a república islâmica pode
discutir a situação atual.
Sobre a próxima visita
a Moscou do vice-ministro das Relações Exteriores do Irã, que deve participar
de uma conferência sobre não proliferação esta semana, Morozov destacou que as
potências ocidentais ainda não apresentaram evidências que respaldem suas alegações
de que o Irã está trabalhando em uma arma nuclear.
"Todos nos
lembramos da situação com o Iraque e de como Colin Powell [ex-secretário de
Estado dos EUA] discursava em uma sessão do Conselho de Segurança das Nações
Unidas, acusando o regime de Saddam Hussein de possuir armas de destruição em
massa que, como esperado, ninguém encontrou depois que o Iraque foi invadido e
o regime foi derrubado", disse ele.
Morozov sugere que, ao
invés de tentar retratar o Irã como uma espécie de ameaça à segurança global,
esforços deveriam ser feitos para envolver Teerã em discussões sobre segurança
regional e cooperar com o país.
"A mesma coisa
tem acontecido nas últimas décadas com o Irã, que está sendo acusado de estar
prestes a construir uma bomba nuclear nos próximos dois meses", completa.
Ele também alertou que
outros países no Oriente Médio deveriam estar atentos à encruzilhada atual em
que se encontram: ou buscam negociações e esforços de paz, embora frágeis, ou a
situação na região pode rapidamente se transformar em "uma escalada muito
séria, até a Terceira Guerra Mundial".
¨ Pacote de sanções dos EUA contra o Irã pode colocar Biden 'em
apuros', diz analista
O Congresso dos EUA
anunciou planos para aprovar um novo pacote de sanções contra o Irã em punição
ao ataque contra Israel. À Sputnik, analista aponta que a medida pode complicar
a situação do presidente norte-americano, Joe Biden, no cenário eleitoral.
Nesta semana, membros
do Congresso dos Estados Unidos anunciaram planos para introduzir novas sanções
contra o Irã, com o objetivo de punir o país por sua retaliação a Israel pelo
ataque ao consulado iraniano na Síria.
A secretária do
Tesouro dos EUA, Janet Yellen, anunciou que seu departamento "não hesitará
em trabalhar com os nossos aliados para usar a autoridade de sanções"
contra o Irã, enquanto o conselheiro de Segurança Nacional da Casa Branca, Jake
Sullivan, declarou que os EUA antecipam que os seus "aliados e
parceiros" vão seguir o exemplo e impor suas próprias sanções contra o
Teerã.
A administração Biden,
no entanto, parece decidida a evitar uma escalada na região do golfo Pérsico,
conforme disse à Sputnik o analista financeiro e geopolítico Tom Luongo.
"Ninguém deseja o
cenário que viria se Israel e o Irã entrassem de fato em guerra. Os EUA são
mais do que capazes de fazer o Irã pagar pelo fechamento do estreito de Ormuz,
mas isso é algo com o qual o Pentágono não quer ter de lidar", disse Luongo.
Tendo observado que
"os preços do petróleo estão em escalada, eles parecem presumir que o
conflito cessará por aqui", diz Luongo, acrescentando que isso pode ser um
"erro perigoso" devido à posição precária em que a liderança de Israel
se encontra atualmente.
"O
primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, não tem outro caminho
político a não ser continuar com sua postura agressiva. Caso contrário, sua
carreira, no mínimo, estará encerrada", explicou Luongo.
Segundo Luongo, embora
Biden esteja tentando pressionar Israel a recuar, ele também tem de enfrentar o
lobby israelense no Congresso dos EUA, que deseja uma guerra com o Irã e
"pode colocar Biden em apuros caso seja aprovado no Congresso americano um
novo pacote de sanções contra o Irã".
"Então, para se
manter no poder, Biden deve aplicar o máximo de pressão possível para vencer as
eleições, enquanto Netanyahu consegue a guerra com o Irã que desejou a vida
toda", afirma Luongo.
Luongo também destacou
que a China tem um investimento maciço no Irã, pois o país é o ponto terminal
de sua Iniciativa Cinturão e Rota.
"Eles [China]
apoiarão financeiramente o Irã, se necessário, mas serão os russos que darão ao
Irã o apoio militar e diplomático de que o país necessita para atravessar a
situação, desde que os iranianos não pareçam o lado agressor em qualquer fase do
conflito", conclui Luongo.
No dia 13, o Irã
lançou um ataque massivo contra Israel em retaliação ao ataque perpetrado por
Tel Aviv no dia 1º de abril contra o Consulado do Irã em Damasco, na Síria, que
matou sete membros da elite do Corpo de Guardas da Revolução Islâmica (IRGC, na
sigla em inglês).
EUA, Reino Unido,
França e Jordânia atuaram em defesa de Israel, abatendo drones que se dirigiam
ao espaço aéreo israelense. Biden, no entanto, vem pressionando Israel a não
buscar uma guerra mais ampla na região.
Fonte: Por Jean-Pierre
Perrin, no Mediapart | Tradução: Glauco Faria, em Outras Palavras/Sputnik
Brasil
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