segunda-feira, 22 de abril de 2024

Marcelo Zero: O escorpião bolsonarista e o “relatório” da extrema direita dos EUA

1. Antes de tudo, é preciso afirmar que o texto do “relatório” do Committee on the Judiciary and the Select Subcommittee on the Weaponization of the Federal Government é de uma pobreza intelectual abissal.

O “relatório” em si tem apenas umas 8 páginas, o resto (mais de 530 páginas) é mera transcrição de decisões da justiça brasileira, algumas com traduções para o inglês, mas a maioria apenas em português, o que indica que o público-alvo prioritário parece ser o brasileiro. Uma tentativa clara de interferir na política interna brasileira.

2. A parte, assim digamos, “analítica” do “relatório” é fortemente baseada no artigo de Jack Nicas e André Spigariol, intitulado “To Defend Democracy, Is Brazil’s Top Court Going Too Far?”, que foi publicado, em setembro de 2022, no The New York Times.

3. Não há, portanto, nada de novo, original ou de significativo no “relatório” da extrema-direita parlamentar dos EUA, um somatório confuso e pobre de acusações mentirosas e ofensivas ao Brasil, ao seu poder judiciário e à sua democracia.

4. Não há sequer a compreensão de que, no Brasil, há separação e independência dos poderes. Na ficção fascistóide produzida, o ministro Alexandre de Moraes é classificado como um “animal político”, com intenções de se tornar presidente da República, e que estaria em conluio com Lula. Ignorância, mentira e preconceito. Nada de novo, no reino parvo e fraudulento da extrema-direita.

5. O que chama a atenção no “relatório” é, em primeiro lugar, a pretensão imperial da extrema-direita dos EUA de considerar que a Primeira Emenda da Constituição dos EUA, com a interpretação dada por Trump e aliados, é “universal” e tem de ser imposta a outros países.

6. Assim, lê-se no “relatório” que:

essas violações da Primeira Emenda e os ataques aos princípios norte-americanos mais fundamentais a liberdade civil – liberdade de expressão – são profundamente preocupantes. Mas muitas vezes eles empalidecem em comparação com como alguns governos estrangeiros estão a corroer valores democráticos básicos e a sufocar o debate nos seus países. Na promoção de sua supervisão legislativa, o Subcomitê Selecionado recebeu testemunho sobre como os governos de outros países, incluindo Canadá, França e Brasil, procuraram censurar o discurso online. Estes exemplos de governos estrangeiros reprimindo a liberdade de discurso no exterior serve como um alerta severo aos americanos sobre as ameaças representadas pelo governo censura aqui em casa. Eles também ajudam a informar os membros do Comitê e do Subcomitê Selecionado trabalho legislativo para combater a censura governamental e promover a liberdade de expressão.

7. Por conseguinte, eles julgam que governos estrangeiros estariam, de alguma forma convoluta, sob sua “supervisão legislativa”, o que é um total absurdo e uma clara agressão à soberania do Brasil e de outros países.

8. Saliente-se que muitos países democráticos têm uma legislação concernente à liberdade de expressão que difere da norte-americana, ou ainda, da distorcida interpretação da extrema-direita dos EUA sobre ela.

9. Na Alemanha, por exemplo, a negação do Holocausto ou qualquer tipo de apoio e elogio ao nazismo são punidos com cadeia.

A União Europeia aprovou, em 2023, uma forte legislação sobre as redes sociais e as plataformas digitais, a Digital Services Act (DSA)-Lei de Serviços Digitais- a qual pune, com rigor, a propagação de fake news e de discurso de ódio.

Aliás, o X, o covil digital da extrema-direita apoiada por Elon Musk, está sendo processado, na UE, com base nessa legislação. Ao que se saiba, não há agressões de Elon Musk a juízes e procuradores de Bruxelas.

10. Quem defende uma liberdade de expressão “absoluta,” está, na realidade, defendendo a liberdade para suprimir a liberdade dos outros. A liberdade para mentir, difamar e atacar, com violência, aqueles de quem se discorda. A liberdade para anular ou destruir o outro. Era assim que o nazismo funcionava, com o binômio Goebbels- Sturmabteilung (SA).

11. Outra coisa que desperta a atenção no caso do “relatório” tange ao fato da divulgação de muitos documentos oficiais sigilosos, o que é, evidentemente, um crime.

12. Observamos que a lei estadunidense pune, com rigor, a difusão pública de documentos sob sigilo. Tal difusão pode ser punida com até 10 anos de cadeia.

Porém, a punição pode ser bem maior, caso a difusão seja feita para autoridades estrangeiras. Basta ver o que aconteceu com Chelsea Manning e Julian Assange, processados com base na Lei de Espionagem de 1917. Edward Snowden teve de fugir para a Rússia.

13. Muito embora as informações divulgadas no “relatório” da extrema-direita não sejam sensíveis, sua propagação intencional por parlamentares dos EUA não deixa de ser uma agressão ao Brasil, particularmente ao seu poder judiciário.

14. Algumas das informações veiculadas não dizem respeito a decisões do Ministro Alexandre de Moraes no STF, mas a trinta e sete decisões do Tribunal Superior Eleitoral, que condenaram perfis e pessoas que divulgaram informações sabidamente falsas sobre urnas eletrônicas e o sistema eleitoral do Brasil, que difamaram candidatos, que atacaram a Ordem dos Advogados do Brasil e que até mesmo fingiram ser das FARC para expor uma suposta conexão com candidatos do PT.

Um festival dantesco de mentiras e de ódio, destinado a veicular a ideia de que as eleições estavam sendo fraudadas, com o conluio do STF e do TSE, e que, portanto, o golpe se justificava.

15. Agora, imaginem se fosse o contrário? Se parlamentares brasileiros tivessem divulgado um “relatório” acusando juízes da Suprema Corte estadunidense de “censura” e “ditadura”, com base em mentiras, informações propositalmente truncadas, e sustentado em documentos sigilosos dos EUA? Não seria isso considerado escandaloso, naquele país? Não haveria consequências?

16. Aqui, no entanto, a extrema direita bolsonarista aplaude essas agressões que os parlamentares trumpistas e Elon Musk, um confesso defensor de golpes de Estado, estão cometendo contra as instituições democráticas do Brasil.

17. Afinal, a intenção dessa turma “libertária” é a de impor sanções contra o Brasil, com a alegação disparatada de que o nosso país seria uma “ditadura”. Uma acusação curiosa e cínica, vinda de quem, há muito pouco tempo, tentou dar um golpe no Brasil.

Até mesmo viajam, com dinheiro público, para defender essa traição no exterior. O objetivo último, obviamente, é intentar, de novo, o golpe fracassado. Não desistem e nunca desistirão dos golpes e da ditadura.

18. Não tem jeito. O golpismo, a devoção a ditaduras militares, o elogio à tortura, o ódio, a intenção de destruir os discordantes e o uso desavergonhado das mentiras estão no DNA do bolsonarismo, que nunca escondeu sua aversão à democracia e às suas instituições civis.

19. De onde se espera, daí é que sai tudo mesmo. Como na famosa fábula, o escorpião bolsonarista sempre envenenará e intentará matar a rã da democracia que o carrega nas costas.

 

                                               Milícia digital se reorganizou e tenta ganhar aderência da comunidade internacional, diz PF

 

A Polícia Federal (PF) avalia que investigados no inquérito das milícias digitais estão se reorganizando, após terem os perfis bloqueados nas redes sociais. O alerta foi enviado ao Supremo Tribunal Federal (STF).

O delegado Fábio Alvarez Shor afirma que o grupo montou estrutura fora do Brasil, para escapar de novos reveses na Justiça, e vem tentando “obter a aderência de parcela da comunidade internacional com afinidade ideológica”.

O objetivo, segundo a Polícia Federal, é “impulsionar o extremismo do discurso de polarização e antagonismo aos poderes constituídos”.

“Os investigados intensificaram a utilização da estrutura da milícia digital fora do território brasileiro com os objetivos de se furtar ao cumprimento das ordens judiciais e tentar difundir informações falsas”, afirma a Polícia Federal.

As informações fazem parte de um relatório enviado ao STF na investigação que se debruça sobre as ameaças do empresa Elon Musk, dono de rede social X, de reativar perfis bloqueados por ordem judicial.

Segundo a PF, a plataforma vem permitindo que contas suspensas por determinação do STF façam transmissões ao vivo.

“Os investigados nunca cessaram suas condutas criminosas. No entanto, nesse momento, vislumbra-se uma reorganização da milícia digital dentro dos limites da jurisdição brasileira, com a reativação dos perfis na plataforma X, por meio da disponibilização aos usuários brasileiros de links para acompanharem lives transmitidas fora do País pelos investigados”, diz a Polícia Federal.

Os investigadores destacaram que o modo de agir do grupo é o mesmo do “gabinete do ódio” – impulsionamento de notícias falsas e ataques virtuais coordenados nas redes sociais para manter apoiadores mobilizados.

Essas campanhas seriam organizadas às custas de “espantalhos”, ou seja, de alvos pré-determinados. A PF cita como exemplos os casos da subprocuradora Deborah Duprat, que se opôs ao homeschooling, do ex-ministro Carlos Alberto Santos Cruz, que contrariou a ala ideológica do governo Jair Bolsonaro, e do ex-governador João Doria e do ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia por críticas ao ex-presidente na gestão da pandemia.

“Fica evidenciado a utilização do mecanismo que tem pré-determinado seu elemento subjetivo, qual seja, a ‘destruição’ de reputações e a disseminação de notícias falsas para atingimento de um propósito.”

A PF concluiu que a influência dos investigados nas milícias digitais não pode ser considerada “meramente secundária ou coadjuvante” para “induzir ou instigar a prática de infrações penais por terceiros”.

“Os investigados, ao escolherem os alvos, estão acionando a ignição de um mecanismo que já tem pré-determinado seu elemento subjetivo, qual seja, a ‘destruição’ de reputações e a disseminação de notícias falsas para atingimento de um propósito, dentre eles: a) ataques virtuais a opositores; b) ataques às instituições (STF, TSE), ao sistema eletrônico de votação e à higidez do processo eleitoral; c) tentativa de Golpe de Estado e de Abolição violenta do Estado Democrático de Direito.”

•                                                Lindbergh diz que ofensiva de Elon Musk faz parte do 'golpismo remanescente no Brasil' e manda recado a Eduardo Bolsonaro

O deputado federal Lindbergh Farias (PT-RJ) afirmou na rede social Bluesky que os ataques de Elon Musk ao Supremo Tribunal Federal fazem parte de um "golpismo remanescente no Brasil". "São uma ameaça à nossa democracia!", escreveu o parlamentar.

O petista aproveitou para fazer um alerta sobre as articulações de políticos bolsonaristas com autoridades norte-americanas, com o intuito de prejudicar a imagem do ministro Alexandre de Moraes (STF) e do campo progressista (esquerda) no Brasil.

O parlamentar criticou o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que foi aos Estados Unidos no mês passado, onde concedeu uma entrevista coletiva em frente ao Capitólio (Legislativo dos EUA), para atacar a Justiça brasileira.

"Nunca foram patriotas. Sempre foram traidores. Ir ao exterior buscar sanções ao próprio país é criminoso e inaceitável. Quem queria uma ditadura de extrema direita aqui eram esses canalhas. Sem anistia pra golpista!", afirmou Lindbergh.

Críticas ao Judiciário são uma estratégia do norte-americano Steve Bannon, 69 anos, que tentou na última década fazer partidos de direita chegarem ao poder nos Estados Unidos e em outros países. Em janeiro de 2021, quando Donald Trump (Partido Republicano) perdeu a eleição, vários apoiadores invadiram o Legislativo (Capitólio) e acusaram o sistema eleitoral de ser fraudulento.

Durante o seu governo, Jair Bolsonaro (PL) tentou passar para a população a mensagem de que o Judiciário atrapalhava a gestão. Ex-mandatário defendeu a participação das Forças Armadas na apuração do resultado das eleições.

Bannon, que foi estrategista de Trump, teve um encontro com o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) nos EUA após o segundo turno da eleição de 2022 no Brasil e aconselhou o parlamentar a questionar o resultado.

Em 2023, o Tribunal Superior Eleitoral tornou Jair Bolsonaro inelegível por fazer ataques verbais contra o sistema eleitoral brasileiro ao acusar as urnas eletrônicas de não ter segurança contra fraudes.

Atualmente, policiais federais investigam um plano golpista apoiado por aliados do ex-mandatário. A tentativa de golpe previa a prisão dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes, além do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Entre os alvos da operação estão Braga Netto, Augusto Heleno e Paulo Sérgio Nogueira, todos generais e antigos assessores de Jair Bolsonaro.

 

Fonte: Viomundo/CNN Brasil/Brasil 247

 

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