segunda-feira, 22 de abril de 2024

Fake news, distorção, Israel, yanomamis; o que circula nas redes de Bolsonaro

Fake news, distorção, ataques à imprensa, apoio a Israel e uma recente preocupação com os yanomamis compõem algumas das publicações feitas por contas oficiais de Jair Bolsonaro (PL) nas redes sociais, mesmo após o ex-presidente ter se tornado inelegível depois de difundir mentiras sobre o sistema eleitoral e ser condenado a indenizar jornalistas por ofensas ditas durante o seu mandato.

Em meio a postagens convidando apoiadores para manifestação a seu favor em Copacabana (RJ) no domingo (21), canais oficiais do ex-presidente repetem ataques à imprensa e se propõem a mostrar uma versão alternativa daquilo que a mídia, segundo a versão de Bolsonaro, não estaria disposta a mostrar.

No último domingo (14), uma das contas oficiais do ex-presidente publicou um vídeo no qual um homem que diz ser ex-integrante do PCC afirma ter sido instruído, assim como outros membros, a votar em Lula (PT) nas últimas eleições.

A estratégia de ligar Lula à facção, comumente utilizada por bolsonaristas, já rendeu a Bolsonaro multa de R$ 15 mil no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) por fazer a associação nas eleições de 2022. Os ministros do tribunal entenderam que foram propagadas mentiras "que buscaram abalar e ofender intencionalmente a imagem de Lula". O tribunal determinou ainda a remoção do conteúdo publicado.

Também compõe o repertório das redes de Bolsonaro referência à crise humanitária dos yanomamis, usada politicamente para criticar o governo petista. Em vídeo publicado no dia 29 passado, um homem afirma que os yanomamis relatam ter vivido "um período muito bom na gestão do Bolsonaro".

Como mostrou a coluna Painel, da Folha de S.Paulo, o ex-presidente também divulgou a aliados, no dia 28, um vídeo com supostas imagens de miséria dos indígenas. Na lista de transmissão do WhatsApp, Bolsonaro escreveu: "Yanomamis condenados. Peço repassar".

A gestão Bolsonaro foi marcada por uma crise entre os yanomamis que levou o Ministério da Saúde a decretar emergência em saúde pública.

Também politizada, a guerra entre Israel e Hamas tem rendido postagens nas redes de Bolsonaro. Uma publicação contém desinformação ao fazer circular um boato de que a organização terrorista Hamas teria queimado um bebê vivo no forno. Segundo o site boato.org, voltado à checagem de notícias, não há indícios de que isso tenha ocorrido.

A utilização política da guerra foi intensificada nas redes de Bolsonaro depois que Lula comparou, em fevereiro, a ação de Israel em Gaza a de Hitler contra os judeus. O uso político do conflito também se refletiu nas ruas e fez parte do discurso de aliados de Bolsonaro durante ato na Paulista, em fevereiro.

Em janeiro, outra desinformação circulou em conta oficial do ex-presidente. Dessa vez, a postagem fazia referência a uma acusação falsa de que o presidente Lula teria ganhado um carro zero-quilômetro da empresa chinesa de carros elétricos BYD. Conforme checou a Agência Lupa, a informação é falsa.

Na verdade, a BYD entregou um modelo Tan à Presidência da República em regime de comodato para "testes de uso e conhecimento do produto". O empréstimo sem custo ocorreu no dia 24 de janeiro e tem prazo de um ano.

Além de postagem com conteúdo falso e a repetição de estratégias que já lhe renderam multa, as redes de Bolsonaro divulgam informações distorcidas.

Exemplifica a tendência publicação de janeiro reunindo recortes de vídeos com falas do presidente Lula, por meio dos quais se busca construir a imagem de que haveria um cenário de manipulação para impedir Bolsonaro de retornar ao poder.

No conteúdo distorcido, Lula também aparece dizendo ter "consciência de que jamais a gente poderia chegar ao poder pela via do voto, pela via democrática" e insinuando que os ataques do 8 de janeiro são de responsabilidade do atual governo.

O vídeo termina com a fusão da imagem do presidente com a de uma figura de traços demoníacos, que afirma "aí nós vamos tomar o poder, que é diferente de ganhar eleição". A publicação tem a marca d'água das redes sociais da deputada estadual Ana Campagnolo (PL-SC).

Além das postagens, o ex-presidente voltou a fazer críticas infundadas contra o TSE no início de fevereiro, quando disse em entrevista que o tribunal trabalhou para "eleger Lula a qualquer preço". Em convocação para a manifestação de domingo em Copacabana, o ex-presidente também tem afirmado que o Brasil está "perto de uma ditadura" e vê ameaçada a liberdade de expressão.

Atualmente, Bolsonaro é alvo de vários eixos de investigação envolvendo, dentre outros pontos, milícias digitais, que teriam promovido ataques virtuais a opositores e às vacinas contra a Covid-19, venda de joias presenteadas por autoridades, falsificação de cartão de vacina e golpismo.

¨      Advogados de Bolsonaro pedem que STF anule a Operação Tempus Veritatis

Advogados que defendem Jair Bolsonaro apresentaram nessa quinta-feira (18/4) ao STF, em nome do partido Progressistas, uma ação para anular a Operação Tempus Veritatis, deflagrada em fevereiro por ordem do ministro Alexandre de Moraes, na qual a Polícia Federal mirou o núcleo duro do golpismo no governo Bolsonaro.

A operação da PF atingiu o próprio Bolsonaro, os ex-ministros Augusto Heleno, Walter Braga Netto, Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira e Anderson Torres, o ex-comandante da Marinha Almir Garnier, além de militares da ativa e da reserva que teriam atuado para executar um golpe de Estado após a derrota do ex-presidente na eleição de 2022.

A ação apresentada pelos advogados de Bolsonaro ao STF, sob procuração do PP, é uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF). Partidos políticos com representação no Congresso estão entre os poucos órgãos e autoridades que podem postular esse tipo de ação ao Supremo.

Antes de protocolar a ADPF, como mostrou a coluna, os defensores do ex-presidente já haviam apresentado outras duas ações semelhantes ao Supremo em nome do PP, buscando anulação de investigações contra Bolsonaro conduzidas por Moraes.

Uma delas, que pretendia anular a apuração do caso do desvio de joias do acervo presidencial, já foi rejeitada pela ministra Cármen Lúcia. A outra, que quer ver derrubadas as provas obtidas pela PF com o ex-ajudante de ordens presidencial e delator Mauro Cid, está no gabinete do ministro Dias Toffoli, ainda sem decisão dele.

Na nova ADPF apresentada ao STF, ainda sem relator definido, a equipe de advogados que inclui Paulo Amador da Cunha Bueno, Fabio Wajngarten e Daniel Bettamio Tesser, defensores de Bolsonaro, repete as mesmas alegações dos pedidos anteriores.

Eles argumentaram que a Operação Tempus Veritatis, deflagrada a partir de uma petição instaurada por Alexandre de Moraes, é um inquérito “travestido”, aberto sem que tenha havido pedido da Procuradoria-Geral da República. Assim, as investigações tramitariam sem os devidos controles previstos em lei aos inquéritos, em um quadro de desrespeito aos princípios do devido processo legal e da ampla defesa.

Embora a PGR tenha se manifestado quanto aos pedidos da PF na Tempus Veritatis, concordando com medidas cautelares e prisões preventivas contra alvos da operação, os advogados alegaram ao STF que isso não se confunde com um pedido formal de instauração de inquérito.

A ação também argumentou que Moraes não poderia conduzir a investigação, porque, enquanto ministro do STF, seria um dos responsáveis por julgar uma possível ação penal aberta a partir das apurações; que não há relação entre a Tempus Veritatis e os processos que a originaram, entre os quais a diligência sobre dados fraudados no cartão de vacinação de Bolsonaro e Mauro Cid e o inquérito das milícias digitais; e que o caso não deveria tramitar no STF, já que não há investigados com foro privilegiado.

A ADPF pediu uma decisão liminar — ou seja, provisória — para suspender o processo da Operação Tempus Veritatis. No mérito, os advogados querem que o STF declare como inconstitucional a instauração da apuração e anule todas as decisões de Moraes e as provas obtidas na operação.

 

                                               Malafaia usa a religião para por pressão  sobre o STF em investigações contra Bolsonaro

 

"Tocar em um líder religioso não é uma coisa fácil. A religião que eu sou representa 35% do povo brasileiro. Isso é um negócio muito gigante."

A mensagem dada pelo pastor Silas Malafaia, da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, em entrevista à youtuber Antonia Fontenelle no fim de fevereiro, revela uma das estratégias do aliado de Jair Bolsonaro (PL) para intimidar o STF (Supremo Tribunal Federal) nas investigações que envolvem o ex-presidente: fazer pressão blindado por seu status de líder religioso.

Depois de financiar manifestação na Paulista que admitiu ter sido planejada com essa finalidade, o pastor volta a protagonizar a organização de mais um ato a favor de Bolsonaro, desta vez em Copacabana, no Rio, neste domingo (21), e com a ameaça de subir o tom.

Para especialistas, a utilização da religião para pressionar a Justiça é sinal preocupante que testa a democracia. A estratégia anda lado a lado com a deslegitimação do STF sob o argumento de que "Supremo é o povo", pensamento expresso recorrentemente por Malafaia.

"Se você botar o povo na rua, eles vão pensar umas três vezes [antes de prendê-lo]. E, se isso acontecer, o negócio vai ser feio", disse Malafaia a Bolsonaro para convencer o político a promover a manifestação na Paulista, segundo relato feito pelo pastor em fevereiro.

A ideia, admitiu, era pressionar o STF em meio a contexto em que Bolsonaro havia sido intimado a falar sobre uma possível trama golpista para impedir a posse do presidente Lula (PT).

Na mesma entrevista, Malafaia creditou ao fato de ser líder religioso a chance de poder ter uma postura mais combativa junto ao Supremo.

Ataques ao ministro Alexandre de Moraes, que chama de ditador de toga, e a ideia de que o Judiciário deve observar a vontade do povo também estão presentes em seu discurso.

"O povo é o Supremo poder de uma nação. Nada é superior a nível de poder em uma nação do que o povo. Quando um povo se manifesta, se submeta o poder Judiciário, o Legislativo e o Executivo", afirmou.

Em outra entrevista no fim de março, desta vez para o canal Rádio+Brasil, Malafaia disse não ter medo de ser preso e ameaçou divulgar vídeos dele e de Bolsonaro em caso de prisão. "Tem um vídeo meu gravado na mão de algumas pessoas. Se me prenderem, amigo, a coisa vai ficar bonita ao contrário", afirmou. "Até Bolsonaro tem vídeos gravados. Se for preso, vai ser solto. Aí os caras vão ver o problema que eles vão arrumar."

Depois da repercussão, o pastor justificou que os vídeos aos quais fazia referência tinham a ver com sua autodefesa e não eram incentivo a "quebra-quebra, perseguição política ou golpe".

De acordo com Sérgio Feldman, professor de história da Ufes (Universidade Federal do Espírito Santo), a ideia de que o Judiciário deve observar a vontade do povo é antiga e foi marcadamente usada pelo fascismo e nazismo na Europa do século 20.

"Esse discurso já existia, mas foi retomado entre as tendências totalitárias do século 20 que surgiram no pós-Primeira Guerra", afirma. "Tendências autoritárias trabalhavam com propagandas para justificar os regimes. Nessas propagandas, elas assumiam estar no lugar do povo, representar o povo contra inimigos externos."

Para Luis Gustavo Teixeira, doutor em ciência politica com foco em laicidade estatal e professor da Unipampa (Universidade Federal do Pampa), as falas de Malafaia sobre o Supremo e a pressão que pode exercer como líder religioso exemplificam um pensamento que representa "clara violação da democracia".

"Grupos extremistas desconsideram o papel do Judiciário enquanto entidade cuja atribuição é impedir a violação dos direitos", diz.

"O que Malafaia pondera é: somos [evangélicos] muito em termos de densidade populacional e também temos um capital político enorme."

Entretanto, afirma Teixeira, é papel do Judiciário apreciar assuntos polêmicos que podem ir de encontro a valores consensuais no debate público.

De acordo com Henderson Fürst, professor de direito constitucional da PUC-Campinas, o uso da concepção de povo como poder supremo é recorrente em democracias em crise.

"É uma afirmação falaciosa, mas de fácil assimilação por quem não está familiarizado com a estrutura jurídica complexa de uma democracia. Todo poder emana do povo, isso é verdade, mas esse poder se concretiza na forma de uma Constituição", diz.

Ele afirma que a função do Supremo é ser contramajoritária. "Ainda que todo o povo queira algo, o Supremo precisará ir contra essa vontade porque sua função não é ouvir a voz da rua, é ouvir as vozes da Constituição."

Segundo Pedro Serrano, professor de direito constitucional da PUC-SP, se o STF leva em consideração a pressão religiosa na hora de tomar suas decisões, o impacto é negativo para a democracia.

"A ideia de que o Supremo deve observar o povo parte do pressuposto de que o poder político deve ser superior aos direitos. É a essência da tirania", diz.

O especialista completa que a intensidade de uma democracia se mede, entre outros aspectos, pelo grau de autonomia do direito. "Ou seja, o quanto que no plano real, na prática social, as decisões do Judiciário e da corte constitucional se dão por razões de Justiça e não por estratégias de disputa de poder."

Questionado pela Folha de S.Paulo, Malafaia afirmou que "o povo ter consciência de que é o supremo poder" não é prejudicial à democracia, mas sim àqueles que querem calar a população. O pastor também afirmou desconhecer pressão de líderes religiosos sobre o STF e disse que ele, como pastor, tem "certa influência", mas não "toda a influência".

Sobre os vídeos que ameaçou divulgar em caso de sua prisão ou de Bolsonaro, reafirmou que são uma precaução, uma vez que tem visto Moraes prender pessoas "sem nenhum motivo". "E eu garanto para você que não é para incentivar a perseguição a autoridades, para quebrar o país. Eu sou democrata. Quem gosta de quebrar é a esquerda", afirmou.

Malafaia disse também que se posiciona como cidadão e que há 40 anos conscientiza o povo evangélico. Afirmou que suas críticas a Moraes são embasadas na Constituição e que pretende trazer, novas denúncias envolvendo investigações contra Bolsonaro.

 

Fonte: FolhaPress/Metrópoles

 

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