Fake news,
distorção, Israel, yanomamis; o que circula nas redes de Bolsonaro
Fake
news, distorção, ataques à imprensa, apoio a Israel e uma recente preocupação
com os yanomamis compõem algumas das publicações feitas por contas oficiais de
Jair Bolsonaro (PL) nas redes sociais, mesmo após o ex-presidente ter se
tornado inelegível depois de difundir mentiras sobre o sistema eleitoral e ser
condenado a indenizar jornalistas por ofensas ditas durante o seu mandato.
Em
meio a postagens convidando apoiadores para manifestação a seu favor em
Copacabana (RJ) no domingo (21), canais oficiais do ex-presidente repetem
ataques à imprensa e se propõem a mostrar uma versão alternativa daquilo que a
mídia, segundo a versão de Bolsonaro, não estaria disposta a mostrar.
No
último domingo (14), uma das contas oficiais do ex-presidente publicou um vídeo
no qual um homem que diz ser ex-integrante do PCC afirma ter sido instruído,
assim como outros membros, a votar em Lula (PT) nas últimas eleições.
A
estratégia de ligar Lula à facção, comumente utilizada por bolsonaristas, já
rendeu a Bolsonaro multa de R$ 15 mil no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) por
fazer a associação nas eleições de 2022. Os ministros do tribunal entenderam
que foram propagadas mentiras "que buscaram abalar e ofender
intencionalmente a imagem de Lula". O tribunal determinou ainda a remoção
do conteúdo publicado.
Também
compõe o repertório das redes de Bolsonaro referência à crise humanitária dos
yanomamis, usada politicamente para criticar o governo petista. Em vídeo
publicado no dia 29 passado, um homem afirma que os yanomamis relatam ter
vivido "um período muito bom na gestão do Bolsonaro".
Como
mostrou a coluna Painel, da Folha de S.Paulo, o ex-presidente também divulgou a
aliados, no dia 28, um vídeo com supostas imagens de miséria dos indígenas. Na
lista de transmissão do WhatsApp, Bolsonaro escreveu: "Yanomamis
condenados. Peço repassar".
A
gestão Bolsonaro foi marcada por uma crise entre os yanomamis que levou o
Ministério da Saúde a decretar emergência em saúde pública.
Também
politizada, a guerra entre Israel e Hamas tem rendido postagens nas redes de
Bolsonaro. Uma publicação contém desinformação ao fazer circular um boato de
que a organização terrorista Hamas teria queimado um bebê vivo no forno.
Segundo o site boato.org, voltado à checagem de notícias, não há indícios de
que isso tenha ocorrido.
A
utilização política da guerra foi intensificada nas redes de Bolsonaro depois
que Lula comparou, em fevereiro, a ação de Israel em Gaza a de Hitler contra os
judeus. O uso político do conflito também se refletiu nas ruas e fez parte do
discurso de aliados de Bolsonaro durante ato na Paulista, em fevereiro.
Em
janeiro, outra desinformação circulou em conta oficial do ex-presidente. Dessa
vez, a postagem fazia referência a uma acusação falsa de que o presidente Lula
teria ganhado um carro zero-quilômetro da empresa chinesa de carros elétricos
BYD. Conforme checou a Agência Lupa, a informação é falsa.
Na
verdade, a BYD entregou um modelo Tan à Presidência da República em regime de
comodato para "testes de uso e conhecimento do produto". O empréstimo
sem custo ocorreu no dia 24 de janeiro e tem prazo de um ano.
Além
de postagem com conteúdo falso e a repetição de estratégias que já lhe renderam
multa, as redes de Bolsonaro divulgam informações distorcidas.
Exemplifica
a tendência publicação de janeiro reunindo recortes de vídeos com falas do
presidente Lula, por meio dos quais se busca construir a imagem de que haveria
um cenário de manipulação para impedir Bolsonaro de retornar ao poder.
No
conteúdo distorcido, Lula também aparece dizendo ter "consciência de que
jamais a gente poderia chegar ao poder pela via do voto, pela via
democrática" e insinuando que os ataques do 8 de janeiro são de
responsabilidade do atual governo.
O
vídeo termina com a fusão da imagem do presidente com a de uma figura de traços
demoníacos, que afirma "aí nós vamos tomar o poder, que é diferente de
ganhar eleição". A publicação tem a marca d'água das redes sociais da
deputada estadual Ana Campagnolo (PL-SC).
Além
das postagens, o ex-presidente voltou a fazer críticas infundadas contra o TSE
no início de fevereiro, quando disse em entrevista que o tribunal trabalhou
para "eleger Lula a qualquer preço". Em convocação para a
manifestação de domingo em Copacabana, o ex-presidente também tem afirmado que
o Brasil está "perto de uma ditadura" e vê ameaçada a liberdade de
expressão.
Atualmente,
Bolsonaro é alvo de vários eixos de investigação envolvendo, dentre outros
pontos, milícias digitais, que teriam promovido ataques virtuais a opositores e
às vacinas contra a Covid-19, venda de joias presenteadas por autoridades,
falsificação de cartão de vacina e golpismo.
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Advogados de Bolsonaro
pedem que STF anule a Operação Tempus Veritatis
Advogados
que defendem Jair Bolsonaro apresentaram nessa quinta-feira (18/4) ao STF, em nome do
partido Progressistas, uma ação
para anular a Operação Tempus Veritatis, deflagrada em fevereiro por ordem do ministro Alexandre de Moraes, na qual
a Polícia Federal mirou o núcleo duro do golpismo no governo Bolsonaro.
A
operação da PF atingiu o próprio Bolsonaro, os ex-ministros Augusto Heleno,
Walter Braga Netto, Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira e Anderson Torres, o
ex-comandante da Marinha Almir Garnier, além de militares da ativa e da reserva
que teriam atuado para executar um golpe de Estado após a derrota do
ex-presidente na eleição de 2022.
A
ação apresentada pelos advogados de Bolsonaro ao STF, sob procuração do PP, é
uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF). Partidos
políticos com representação no Congresso estão entre os poucos órgãos e
autoridades que podem postular esse tipo de ação ao Supremo.
Antes
de protocolar a ADPF, como mostrou a coluna, os defensores do ex-presidente já
haviam apresentado outras duas ações semelhantes ao Supremo em nome do PP,
buscando anulação de investigações contra Bolsonaro conduzidas por Moraes.
Uma
delas, que pretendia anular a apuração do caso do
desvio de joias do acervo presidencial, já foi
rejeitada pela ministra Cármen Lúcia. A outra, que quer ver derrubadas as provas obtidas pela PF com o
ex-ajudante de ordens presidencial e delator Mauro Cid, está no gabinete do ministro Dias Toffoli, ainda sem decisão
dele.
Na
nova ADPF apresentada ao STF, ainda sem relator definido, a equipe de advogados
que inclui Paulo Amador da Cunha Bueno, Fabio Wajngarten e Daniel Bettamio
Tesser, defensores de Bolsonaro, repete as mesmas alegações dos pedidos
anteriores.
Eles
argumentaram que a Operação Tempus Veritatis, deflagrada a partir de uma
petição instaurada por Alexandre de Moraes, é um inquérito “travestido”, aberto
sem que tenha havido pedido da Procuradoria-Geral da República. Assim, as
investigações tramitariam sem os devidos controles previstos em lei aos
inquéritos, em um quadro de desrespeito aos princípios do devido processo legal
e da ampla defesa.
Embora
a PGR tenha se manifestado quanto aos pedidos da PF na Tempus Veritatis,
concordando com medidas cautelares e prisões preventivas contra alvos da
operação, os advogados alegaram ao STF que isso não se confunde com um pedido
formal de instauração de inquérito.
A
ação também argumentou que Moraes não poderia conduzir a investigação, porque,
enquanto ministro do STF, seria um dos responsáveis por julgar uma possível
ação penal aberta a partir das apurações; que não há relação entre a Tempus
Veritatis e os processos que a originaram, entre os quais a diligência sobre
dados fraudados no cartão de vacinação de Bolsonaro e Mauro Cid e o inquérito
das milícias digitais; e que o caso não deveria tramitar no STF, já que não há
investigados com foro privilegiado.
A
ADPF pediu uma decisão liminar — ou seja, provisória — para suspender o
processo da Operação Tempus Veritatis. No mérito, os advogados querem que o STF
declare como inconstitucional a instauração da apuração e anule todas as
decisões de Moraes e as provas obtidas na operação.
Malafaia
usa a religião para por pressão sobre o
STF em investigações contra Bolsonaro
"Tocar
em um líder religioso não é uma coisa fácil. A religião que eu sou representa
35% do povo brasileiro. Isso é um negócio muito gigante."
A
mensagem dada pelo pastor Silas Malafaia, da Assembleia de Deus Vitória em
Cristo, em entrevista à youtuber Antonia Fontenelle no fim de fevereiro, revela
uma das estratégias do aliado de Jair Bolsonaro (PL) para intimidar o STF
(Supremo Tribunal Federal) nas investigações que envolvem o ex-presidente:
fazer pressão blindado por seu status de líder religioso.
Depois
de financiar manifestação na Paulista que admitiu ter sido planejada com essa
finalidade, o pastor volta a protagonizar a organização de mais um ato a favor
de Bolsonaro, desta vez em Copacabana, no Rio, neste domingo (21), e com a
ameaça de subir o tom.
Para
especialistas, a utilização da religião para pressionar a Justiça é sinal
preocupante que testa a democracia. A estratégia anda lado a lado com a
deslegitimação do STF sob o argumento de que "Supremo é o povo",
pensamento expresso recorrentemente por Malafaia.
"Se
você botar o povo na rua, eles vão pensar umas três vezes [antes de prendê-lo].
E, se isso acontecer, o negócio vai ser feio", disse Malafaia a Bolsonaro
para convencer o político a promover a manifestação na Paulista, segundo relato
feito pelo pastor em fevereiro.
A
ideia, admitiu, era pressionar o STF em meio a contexto em que Bolsonaro havia
sido intimado a falar sobre uma possível trama golpista para impedir a posse do
presidente Lula (PT).
Na
mesma entrevista, Malafaia creditou ao fato de ser líder religioso a chance de
poder ter uma postura mais combativa junto ao Supremo.
Ataques
ao ministro Alexandre de Moraes, que chama de ditador de toga, e a ideia de que
o Judiciário deve observar a vontade do povo também estão presentes em seu
discurso.
"O
povo é o Supremo poder de uma nação. Nada é superior a nível de poder em uma
nação do que o povo. Quando um povo se manifesta, se submeta o poder
Judiciário, o Legislativo e o Executivo", afirmou.
Em
outra entrevista no fim de março, desta vez para o canal Rádio+Brasil, Malafaia
disse não ter medo de ser preso e ameaçou divulgar vídeos dele e de Bolsonaro
em caso de prisão. "Tem um vídeo meu gravado na mão de algumas pessoas. Se
me prenderem, amigo, a coisa vai ficar bonita ao contrário", afirmou.
"Até Bolsonaro tem vídeos gravados. Se for preso, vai ser solto. Aí os
caras vão ver o problema que eles vão arrumar."
Depois
da repercussão, o pastor justificou que os vídeos aos quais fazia referência
tinham a ver com sua autodefesa e não eram incentivo a "quebra-quebra,
perseguição política ou golpe".
De
acordo com Sérgio Feldman, professor de história da Ufes (Universidade Federal
do Espírito Santo), a ideia de que o Judiciário deve observar a vontade do povo
é antiga e foi marcadamente usada pelo fascismo e nazismo na Europa do século
20.
"Esse
discurso já existia, mas foi retomado entre as tendências totalitárias do
século 20 que surgiram no pós-Primeira Guerra", afirma. "Tendências
autoritárias trabalhavam com propagandas para justificar os regimes. Nessas
propagandas, elas assumiam estar no lugar do povo, representar o povo contra
inimigos externos."
Para
Luis Gustavo Teixeira, doutor em ciência politica com foco em laicidade estatal
e professor da Unipampa (Universidade Federal do Pampa), as falas de Malafaia
sobre o Supremo e a pressão que pode exercer como líder religioso exemplificam
um pensamento que representa "clara violação da democracia".
"Grupos
extremistas desconsideram o papel do Judiciário enquanto entidade cuja
atribuição é impedir a violação dos direitos", diz.
"O
que Malafaia pondera é: somos [evangélicos] muito em termos de densidade
populacional e também temos um capital político enorme."
Entretanto,
afirma Teixeira, é papel do Judiciário apreciar assuntos polêmicos que podem ir
de encontro a valores consensuais no debate público.
De
acordo com Henderson Fürst, professor de direito constitucional da
PUC-Campinas, o uso da concepção de povo como poder supremo é recorrente em
democracias em crise.
"É
uma afirmação falaciosa, mas de fácil assimilação por quem não está
familiarizado com a estrutura jurídica complexa de uma democracia. Todo poder
emana do povo, isso é verdade, mas esse poder se concretiza na forma de uma
Constituição", diz.
Ele
afirma que a função do Supremo é ser contramajoritária. "Ainda que todo o
povo queira algo, o Supremo precisará ir contra essa vontade porque sua função
não é ouvir a voz da rua, é ouvir as vozes da Constituição."
Segundo
Pedro Serrano, professor de direito constitucional da PUC-SP, se o STF leva em
consideração a pressão religiosa na hora de tomar suas decisões, o impacto é
negativo para a democracia.
"A
ideia de que o Supremo deve observar o povo parte do pressuposto de que o poder
político deve ser superior aos direitos. É a essência da tirania", diz.
O
especialista completa que a intensidade de uma democracia se mede, entre outros
aspectos, pelo grau de autonomia do direito. "Ou seja, o quanto que no
plano real, na prática social, as decisões do Judiciário e da corte
constitucional se dão por razões de Justiça e não por estratégias de disputa de
poder."
Questionado
pela Folha de S.Paulo, Malafaia afirmou que "o povo ter consciência de que
é o supremo poder" não é prejudicial à democracia, mas sim àqueles que
querem calar a população. O pastor também afirmou desconhecer pressão de
líderes religiosos sobre o STF e disse que ele, como pastor, tem "certa
influência", mas não "toda a influência".
Sobre
os vídeos que ameaçou divulgar em caso de sua prisão ou de Bolsonaro, reafirmou
que são uma precaução, uma vez que tem visto Moraes prender pessoas "sem
nenhum motivo". "E eu garanto para você que não é para incentivar a
perseguição a autoridades, para quebrar o país. Eu sou democrata. Quem gosta de
quebrar é a esquerda", afirmou.
Malafaia
disse também que se posiciona como cidadão e que há 40 anos conscientiza o povo
evangélico. Afirmou que suas críticas a Moraes são embasadas na Constituição e
que pretende trazer, novas denúncias envolvendo investigações contra Bolsonaro.
Fonte:
FolhaPress/Metrópoles
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