segunda-feira, 22 de abril de 2024

Em um mundo que envelhece, genética e imunização podem ser protagonistas de uma longevidade mais saudável

O envelhecimento populacional já se configura como um dos principais desafios para as próximas décadas. Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), o número de pessoas acima de 60 anos no mundo deve sair de 12% em 2015 para 22% em 2050, superando a quantidade de crianças menores de 5 anos.¹ No Brasil, o cenário não é diferente.² Se por um lado o aumento de idosos no planeta indica aumento da expectativa da vida, por outro, viver esses anos a mais com qualidade demanda um esforço multissetorial no sentido da prevenção. E, neste campo, duas áreas devem ganhar cada vez mais destaque: uma é a genética, que avança a passos largos com apoio da tecnologia, e outra é a imunização, que precisa ser vista com outro olhar.3

São áreas de atuação que, em conjunto com a promoção de um estilo de vida saudável e o avanço das soluções de saúde – além da abordagem da infraestrutura das cidades, fortalecimento de laços comunitários e até novos modelos sociais e econômicos – devem ditar as políticas públicas mundo afora.4

“Como sociedade que está envelhecendo, vamos ter de discutir questões relacionadas a esse envelhecimento saudável, como políticas públicas não apenas de saúde, mas também de outros âmbitos”, aponta Mayana Zatz, professora de Genética do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP) e coordenadora do Centro de Pesquisas do Genoma Humano e células-tronco (CEGH-CEL) e Instituto Nacional de Células-Tronco (INCT) em doenças genéticas. “Nós já temos mais pessoas com mais de 60 anos do que abaixo de 15 no mundo, e essas necessidades vão se tornar cada vez mais evidentes.”

A própria OMS criou a “Década do Envelhecimento Saudável: 2021-2030”, um plano que propõe ações que consideram todo o curso de vida. O documento sugere quatro áreas principais de atuação: mudar a forma como a idade e o envelhecimento é pensado e sentido; garantir que comunidades promovam as capacidades das pessoas idosas; entregar serviços de cuidados integrados e de atenção primária à saúde centrados na pessoa e adequados à pessoa idosa; e propiciar o acesso a cuidados de longo prazo às pessoas idosas que necessitem.4

Primeiro banco genético de idosos na América Latina

Dentro do conceito de mudar como o envelhecimento é visto e entendido, a genética está ampliando os horizontes. “Enquanto se é jovem, o ambiente tem um papel de 80% e a genética 20% na contribuição para um envelhecimento saudável. O que é esse ambiente? São os hábitos de vida como ter uma alimentação saudável, fazer exercício físico, dormir bem, não exagerar nas bebidas alcoólicas. Mas quanto mais a pessoa vai envelhecendo, maior vai ser o papel da genética na sua condição de saúde”, revela Zatz.

A cientista foi uma das principais vozes no incentivo à pesquisa de células-tronco no Brasil ainda no início dos anos 2000. Hoje, após décadas de trabalho na área da genética, ela voltou sua atenção para o estudo da genética de pessoas que alcançaram 100 anos com bom funcionamento físico e cognitivo. Esse foi o pano de fundo para a criação do projeto que ela conduz: “Se eu estudo o genoma de uma pessoa mais jovem, eu não sei se ela tem risco aumentado de ter hipertensão, diabetes, aquele grupo de doenças que aparecem mais tarde. É assim que surge o projeto 80mais, que coleta material genético de pessoas com mais de 80 anos.”

Segundo a geneticista, aprofundar esse olhar sobre os genes da população mais velha traz aprendizados valiosos para a compreensão não apenas das doenças propriamente genéticas, mas também sobre as doenças crônicas não transmitidas (DCNT), como cânceres, hipertensão, condições cardiovasculares, grupo que tem como um dos principais fatores de risco o envelhecimento – e cuja incidência tem disparado nas últimas décadas.5,6

O sequenciamento genético foi feito com voluntários do projeto SABE (Saúde, bem-estar e envelhecimento), coordenado pela Organização Panamericana de Saúde (OPAS) em conjunto com a USP desde 2000 na cidade de São Paulo com o objetivo de mapear condições clínicas da população idosa do município. “É uma amostra muito representativa da cidade de São Paulo e, pela sua miscigenação, do Brasil. Foram sequenciados mais de mil genomas e ainda é o maior estudo coorte da América Latina. Identificamos duas milhões de variantes que não estavam nos bancos internacionais de genética, porque a maioria desses bancos só tinham pessoas de origem europeia. E assim partimos para estudar os 90 mais, os centenários.”

Pesquisas como essa são particularmente interessantes pelo potencial de descoberta no material genético de variantes como os genes protetores, capazes de, como o próprio nome sugere, proteger contra determinadas doenças. Alguns estudos já identificaram mutações genéticas protetoras contra o Alzheimer, ligadas à proteína beta-amiloide (APP) e, mais recentemente, contra a doença de Parkinson.7,8 Os achados contribuem para o desenvolvimento de novos tratamentos para essas e outras doenças, principalmente pelo movimento aquecido em torno das chamadas terapias gênicas.

“Entre os centenários que entrevistamos, metade nunca teve o hábito de fazer exercícios, fumou durante boa parte da vida. Então como é que a gente explica um bom estado de saúde nessas pessoas? Elas nasceram com os chamados genes protetores, que protegem contra influências negativas do ambiente. Nós observamos isso durante a pandemia, quando alguns idosos foram expostos ao vírus da covid-19 e não adoeceram ou permaneceram assintomáticos”, explica Zatz.

·        Genética e imunização

Embora a ciência tenha evoluído muito nas últimas décadas, hoje ainda há um universo a ser explorado para o papel de cada uma das variáveis para a longevidade – do estilo de vida à imunização4. “Hoje a gente tem uma tecnologia onde é possível, a partir do sangue, explorar qualquer linhagem no laboratório. Então, eu consigo replicar neurônios, células musculares, cardíacas, e tantas outras, iguais ao do organismo do qual o sangue é derivado. Isso vai nos permitir estudar esses centenários e ver todas essas conexões e, a partir disso, tentar compreender o papel de cada uma delas nesse processo de envelhecimento”, defende Zatz.

Nesse contexto, a imunização é amplamente reconhecida como uma das intervenções de saúde pública mais eficazes e eficientes, não apenas para a prevenção de doenças infecciosas, mas também como uma ferramenta vital para fortalecer a capacidade de saúde individual ao longo da vida3. Por isso, o cronograma de vacinação é atualmente uma das principais estratégias de saúde pensando nessa evolução da pirâmide etária3. Dentro da já citada Década do Envelhecimento Saudável – em conjunto com outras diretrizes –, a OMS orienta que um programa adequado de imunização ao longo da vida deve ser implantado pelos países.4

E são vários os motivos para isso. Pesquisadores da Universidade de Bolonha, na Itália, em estudo publicado em 2022 no periódico Vaccines, afirmaram que adotar a vacinação em políticas de prevenção, em conjunto com fatores como alimentação, atividades físicas e fim do tabagismo, é uma forma de fazer um ataque duplo: as vacinas atuam tanto para prevenir doenças infecciosas como no sentido de treinar a plasticidade e resiliência do sistema imune.3

Além dos benefícios diretos à saúde, a vacinação em adultos traria ainda impactos econômicos, segundo artigo de Michael Hodin, CEO da Coalizão Global sobre Envelhecimento, publicado no portal Behind the Science Magazine, da GSK9: “As doenças evitáveis por vacinação impõem custos médicos e econômicos significativos – só os Estados Unidos gastam até US$ 9 bilhões por ano em custos médicos diretos relacionados com o tratamento e para cobrir as perdas de produtividade resultantes de doenças evitáveis por vacinação e suas complicações.”

Futuro depende de olhar para a velhice

Dentro de todo esse contexto, para que o futuro seja marcado pela qualidade de vida, é preciso investir hoje em iniciativas que entendam com mais profundidade os processos relacionados ao envelhecimento. E esse movimento já começou. Graças aos avanços tecnológicos, pesquisas nas áreas de genômica, novas abordagens para desenvolvimento de vacinas, neurociência, terapias celulares e monitoramento remoto e passivo têm sido impulsionadas e vêm abrindo novos caminhos de potenciais contribuições para uma longevidade saudável.10

Em 2021, um artigo publicado na Nature Aging destacou o aumento de estudos multidisciplinares sobre o envelhecimento e os benefícios que tal tendência apresenta para o desenvolvimento da própria ciência. O mesmo texto destaca, contudo, que é preciso observar, ao longo das investigações, o impacto das desigualdades sociais na expectativa de vida dos países em desenvolvimento e como os determinantes sociais – tema também aquecido nas mesas de discussão sobre saúde – refletem na qualidade desse envelhecimento.10

Zatz resume a importância de se olhar para o futuro a partir dos mais velhos ao lembrar de uma troca de correspondência com uma pessoa que se deparou com seu artigo sobre o porquê estudar a genética de pessoas idosas. “Se quer saber sobre o seu genoma, guarde o DNA dos seus avós, das pessoas mais velhas da sua família. Eles podem ser muito úteis para algumas respostas.”

 

Fonte: Futuro da Saúde

 

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