segunda-feira, 22 de abril de 2024

Milícia facista ‘Invasão Zero’ volta a atacar camponeses em ação desesperada contra a luta pela terra

Latifundiários do Espírito Santo tentaram ameaçar camponeses acampados em uma ocupação do MST no município de São Mateus, no dia 17 de abril. Segundo os camponeses, 27 carros, tratores agrícolas e drones foram usados no cerco contra as mais de 200 famílias que estavam no acampamento.

Não houve relatos de violência física, mas as ameaças foram constantes. Os relatos afirmam que os latifundiários atravessaram mais de uma vez o terreno da ocupação com os tratores e as picapes. A Polícia Militar (PM) também foi mobilizada, mas ficou do lado dos latifundiários.

Ainda segundo os camponeses, o deputado federal Evair de Melo (PP-ES), coordenador da Frente Parlamentar (FP) Invasão Zero no estado, foi um dos responsáveis por liderar a ação. A FP Invasão Zero surgiu como parte de uma articulação entre parlamentares latifundistas e o grupo paramilitar pró-latifúndio atuante em todo o País, e que em janeiro assassinou a líder indígena Nega Pataxó durante um ataque a uma Terra Indígena.

Em entrevista ao Brasil de Fato, Invasão Zero negou ter participado da recente ação. Por outro lado, todo o modus operandi do grupo que participou do cerco ao acampamento de São Mateus tem similaridade com o empregado pelo Invasão Zero na Bahia. Primeiro, uma convocatória foi disparada pelo Whatsapp, na tentativa de mobilizar os latifundiários contra o acampamento. Depois, os latifundiários se reuniram e, intermediados pela PM, promoveram a ação. No ataque de janeiro na BA, o grupo paramilitar também atuou de forma que ficou posicionado entre a PM e os indígenas.

•                                                Latifundiários em desespero

As ameaças veladas foram na verdade uma tentativa desesperada, e que repete uma tática fracassada, de tentar desmobilizar a luta pela terra pela intimidação. O acampamento no Espírito Santo foi somente um dos novos erguidos essa semana. Entre os dias 15/4 e 17/4, 28 ocupações foram realizadas em 10 estados por cerca de 20 mil famílias mobilizadas pelo MST, em cifras que já superam os números atingidos pelo movimento nos anos de 2019, 2020 e 2021.

Esse aumento não é exclusividade do MST: na verdade, a luta pela terra está em crescente há anos no País, e voltou a tomar uma centralidade inquestionável na vida política nacional desde as grandes mobilizações camponesas em Rondônia promovidas pela Liga dos Camponeses Pobres (LCP) em 2020 e 2021. Os acampamentos feitos naqueles anos e as batalhas em defesa das terras no Norte e Sul do Estado atraíram atenção de grande parte das forças políticas do País, tanto progressistas quanto reacionárias. O então presidente ultrarreacionário, Jair Bolsonaro, chegou a criminalizar a organização em uma de suas lives presidenciais.

•                                                Criminalização e ataques sem efeito

Ocorre que, cada vez mais, os latifundiários têm refinado e aprimorado os métodos de repressão à luta camponesa na tentativa de deter essa crescente irrefreável. O próprio Invasão Zero, verdadeiro grupo paramilitar com estrutura nacional e conexões claras e abertas com o velho Estado, é expressão disso.

O próprio Ministério Público Federal (MPF) já afirmou que as ações do “Invasão Zero” são parte de um fenômeno nacional: “assiste-se hoje no Brasil a organizações paramilitares que têm contado com parcela do aparato estatal para perseguir movimentos sociais, trabalhadores rurais, povos indígenas e comunidades quilombolas. O caso de Nega Pataxó, assassinada em janeiro na Bahia, é o mais emblemático”, disse o órgão. O MPF também já afirmou que o Invasão Zero atua de forma análoga a outros grupos da extrema-direita bolsonarista que promoveram o 8/1.

•                                                Camponeses respondem na mesma medida

Até agora, o aumento da repressão latifundiária não atingiu seus objetivos de deter a luta pela terra. Pelo contrário, o ano de 2024 foi iniciado com um novos avanços importantes da luta pela terra, já registrados também nos anos anteriores.

Em estados como PE e MA, camponeses chegaram a realizar júris populares para condenar os crimes do latifúndio, enquanto em outros como a BA os camponeses acampamentos no Acampamento Mãe Bernadete realizaram o Corte Popular das terras, dividindo o latifúndio tomado em pequenos lotes para os novos posseiros.

Tudo isso ocorre concomitantemente à preparação dos camponeses para enfrentar de forma cada vez mais proporcional os bandos pistoleiros. No ano passado, a LCP chegou a convocar os camponeses a armarem-se para defenderem-se dos ataques dos latifundiários. O chamado foi reforçado esse ano, em uma nota que condenou o assassinato da liderança indígena Nega Pataxó.

•                                                Mobilizações exigem terras em ao menos 14 estados

Ao menos 28 ocupações de terra ocorreram durante o “Abril Vermelho”. As mobilizações foram registradas em 14 estados e já mobilizaram mais de 20 mil famílias, de acordo com o movimento.

As ocupações e aberturas de acampamentos ocorreram nos estados de Sergipe, Pernambuco, São Paulo, Goiás,  Rio Grande do Norte, Paraná, Pará, Distrito Federal, Ceará, Rio de Janeiro e na Bahia. Além das tomadas de terras, famílias camponesas ocuparam a sede do Incra em Campo Grande (MS) e Recife (PE), bem como a Secretaria de Educação do Ceará.

O movimento desatou a onda de ocupações no chamado “Abril Vermelho” como parte da Jornada Nacional de Lutas em Memória ao Massacre de Eldorado dos Carajás. Em entrevista ao monopólio de imprensa, o MST motivou suas ações com críticas à insuficiência das políticas de reforma agrária do governo de Luiz Inácio.

Em mais de um local, a Polícia Militar reprimiu os camponeses. Em Campinas (SP), um enorme contingente policial foi utilizado para reprimir e dispersar os camponeses. Foram destacados guardas para fazer o despejo com bombas e tiros de bala de borracha e até um pastor alemão.

As famílias marcharam até a prefeitura para protestar pelo fim da repressão e foram barradas pela Guarda Municipal de Campinas. Em Agudos (SP), ocorreu reintegração de posse contra 300 famílias após dois dias de intimidações policiais.

No estado de Goiás, a Polícia Militar retirou à força cerca de mil famílias que haviam ocupado uma área falida de oito mil hectares da usina da Companhia Bioenergética Brasileira (CBB). A área de cerca de oito mil hectares está embargada pelo cometimento de crimes ambientais, segundo o Ministério do Meio Ambiente.

No Rio de Janeiro, o Movimento relatou que policiais cercaram o assentamento Josué de Castro, em Campos dos Goytacazes, e intimidaram as famílias assentadas com o uso de drones e bloqueadores de sinal.

Já no Espírito Santo, um bando de latifundiários foi com carros, tratores e drones até a cidade de São Mateus para intimidar as famílias acampadas no município. Os grandes fazendeiros receberam cobertura da PM.

Na tentativa de desmobilizar as ocupações, o governo federal reagiu anunciando o programa “Terra da Gente”, com verba prevista de R$ 520 milhões voltada à aceleração do assentamento de terras. No entanto, a verba é muito abaixo dos recursos apontados pelos próprios movimentos da luta pela terra como os necessários para uma efetiva política de entrega de terras, que seria em torno de R$ 2 bilhões por ano. O MST afirmou que o novo projeto não resolve questões urgentes, como a situação dos acampados e a política de incentivo aos acampamentos.

Já os parlamentares voltaram a intensificar sua ofensiva contra a luta pela terra. No dia 16 de abril, a Câmara dos Deputados aprovou regime de urgência constitucional para votação do PL 895/2023, que determina sanções administrativas e restrições aplicadas aos ocupantes e “invasores” de propriedades rurais e urbanas. Também foi acelerado para votação o PL 8.262/2017 que aumenta a liberdade de ação de forças policiais para agir contra ocupantes de terras mesmo sem ordem judicial.

 

                                               Movimento camponês no alvo de Arthur Lira

 

Continua repercutindo a decisão de Artur Lira, presidente da Câmara dos Deputados, em elevar a briga com o Executivo e o Judiciário. Após Lira anunciar aos líderes dos partidos no Congresso que abrirá cinco Comissões Parlamentares de Inquérito contrárias ao governo federal, Luiz Inácio decidiu manter Padilha na negociação com os parlamentares – que seguem insaciáveis na busca por mais “emendas”.

Alexandre Padilha, ministro das Relações Institucionais, foi duramente criticado por Arthur Lira no dia 11/04, mas se manteve no posto, sendo elogiado publicamente por Luiz Inácio. A queda de braço continua.

Dentre os pedidos de CPI protocolados na Câmara, os deputados devem escolher aqueles que têm potencial de desgastar o governo de Luiz Inácio ou os ministros do STF – como aquela que pretende investigar a compra de energia da Venezuela e a que trata sobre uma suposta violação de direitos e garantias fundamentais por membros do Judiciário.

Arthur Lira também pretende instituir um novo Grupo de Trabalho para discutir o Foro Privilegiado, atendendo aos deputados (tanto da oposição como da base governista) que buscam proteger-se de investigações contra si. Com ares de presidente de fato, Lira agrada os parlamentares e busca acumular politicamente para as próximas eleições.

Em meio à briga com o governo federal, Arthur Lira se mostrou furioso com a demissão de seu primo, Wilson César Lira, da superintendência regional do Incra de Alagoas (estado de origem do presidente da Câma). A demissão foi consequência da ação de camponeses, mobilizados pelo MST, que ocuparam a sede da instituição responsável pela “reforma agrária”. Durante a luta, os camponeses alagoanos denunciaram os vínculos do primo de Lira com o latifúndio.

Wilson Lira é bolsonarista e aplicava uma política contrária aos interesses dos camponeses. O MST denunciava, há meses, que Wilson era um “inimigo da reforma agrária” e exigia a sua demissão.

A tendência, porém, é que se troque seis por meia-dúzia. O ministro Paulo Teixeira (do Desenvolvimento Agrário) garantiu que Arthur Lira terá “prerrogativa para indicar o sucessor de Wilson”. Paulo Teixeira é o mesmo que já afirmou que “o respeito à propriedade será a tônica do governo”.

Não é de se estranhar, portanto, que o conjunto das medidas destravadas nos últimos dias pelos congressistas liderados por Lira agradem a extrema-direita e os latifundiários. A principal delas é o Projeto de Lei 895/23, que foi elogiada pelo movimento “Invasão Zero”, envolvido no episódio do sul da Bahia em janeiro que resultou na morte de uma indígena.

•                                                Inimigos dos camponeses se fortalecem

No dia 16/04, os deputados aprovaram regime de urgência na tramitação do PL 895/23. Se aprovado, será permitido que latifundiários convoquem diretamente as forças policiais para a repressão contra o povo no campo e na cidade, sem a necessidade de um mandado de reintegração de posse. Trata-se de um projeto de lei que impõe duras restrições ao movimento popular através da utilização da força policial de maneira direta e imediata.

A bancada governista defendeu que o texto do PL fosse votado primeiro na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), mas saiu derrotada. O plenário da Câmara aprovou a urgência por 293 votos contra 111.

O deputado bolsonarista Messias Donato (Republicanos-ES) comemorou: “Nós dizemos: Zero Invasão!”, em referência ao movimento “Invasão Zero”. Donato apresentou, em março, um projeto de lei que visa criminalizar os brasileiros que apoiam a Resistência Nacional Palestina. Naquela ocasião, comparou o Hamas ao MST, chamando-as de “organizações terroristas”.

Os latifundiários, à revelia da lei, já promovem ataques com grupos paramilitares contra os camponeses que buscam um pedaço de terra para viver e trabalhar. O Ministério Público Federal (MPF) considera que as organizações paramilitares, tanto no campo quanto na cidade, têm liberdade para atuar e se fortalecem a partir dos vínculos com agentes estatais:

“Assiste-se hoje no Brasil a organizações paramilitares que tem contado com parcela do aparato estatal para perseguir movimentos sociais, trabalhadores rurais, povos indígenas e comunidades quilombolas. O caso de Nega Pataxó, assassinada em janeiro na Bahia, é o mais emblemático”, afirmou o MPF.

•                                                Crise institucional

O papel que Arthur Lira ocupa hoje se relaciona à sua eleição na Câmara com 464 votos. Ele foi apoiado por todos os partidos, com exceção de parlamentares sem expressão que queriam só marcar presença. Luiz Inácio, pessoalmente, se envolveu no apoio à reeleição de Arthur Lira, criando o próprio inimigo, alimentou-o com emendas parlamentares de montão.

Lira também foi alçado ao posto que está por consequência da crise política instalada no país na última década. Com origens no coronelismo de Alagoas, hoje é o rei do corporativismo parlamentar: Arthur Lira é a expressão do atraso do País.

 

Fonte: A Nova Democracia

 

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