Elon Musk e a extrema direita S.A.
O dono do ex-Twitter,
Elon Musk, lançou nos últimos dias uma série de provocações contra o ministro
Alexandre Moraes, do STF (a quem acusou de censura), e o presidente Lula.
Ameaçou desrespeitar decisões da Justiça brasileira. Agora, sua conduta será
investigada no âmbito do inquérito que investiga a ação das milícias digitais.
Mas o que estará por trás destes fatos?
Nada nas atitudes do
bilionário é aleatório. Se de fato quisesse questionar as decisões judiciais,
poderia fazê-lo de forma genérica, citando, por exemplo, a “Justiça
brasileira”, mas ele se dirigiu diretamente àquele que é um dos alvos
principais da extrema direita no país. A suposta censura também pertence à
gramática bolsonarista, que vê o ex-presidente e seus aliados como vítimas de uma
perseguição jurídica.
O estilo provocativo
remete a outro episódio recente. O ministro das Relações Exteriores de Israel
Yisrael Katz usou o ex-Twitter para divulgar postagens direcionadas ao
presidente brasileiro, conseguindo mobilizar as redes extremistas, mas falando sozinho ao final. Além da
similaridade de postura e dos tuítes pouco sofisticados, Musk e Katz têm em
comum o fato de não terem agido sozinhos. A extrema direita é articulada
internacionalmente, com presença ostensiva nas redes sociais. As postagens
tinham como objetivo dialogar com o segmento brasileiro radicalizado,
mobilizando uma representação política que não pode abrir mão da sensação de
crise. Precisa de ruído e de inimigos.
“Está ocorrendo um
ataque político de forças de extrema direita externas ao sistema político
brasileiro. É algo orquestrado”, aponta a ex-secretária de Direitos Digitais do
ministério da Justiça e advogada Estela Aranha, em entrevista à BBC. A provocação teria
como objetivo produzir consequências que justificassem a retórica de
perseguição tão cara aos bolsonaristas. “Se o Twitter for suspenso, isso vai
corroborar a própria narrativa deles. Fazem isso para provocar uma reação mais
forte, para escalar o debate e a tensão. É algo bem orquestrado”, pontua
Aranha.
·
A aproximação de Musk
e Trump
O biógrafo de Elen
Musk diz que ele votou em Biden em 2020, mas que não o faria de novo. As
relações entre o bilionário e políticos extremistas – o trumpismo, em
particular – vêm se fortalecendo de forma crescente nos últimos anos. Em 5 de
março, Musk publicou uma postagem no X divulgando uma fake news que
circula bastante entre apoiadores de Donald Trump, a de que o presidente Joe
Biden e o Partido Democrata estariam trazendo imigrantes para conquistar votos
em novembro. “É altamente provável que se esteja preparando o terreno para algo
muito pior do que o 11 de setembro. É só uma questão de tempo”, disse, sem
prova alguma. O X não rotulou a publicação como possivelmente falsa, nem
divulgou contexto adicional sobre a desinformação.
Uma reportagem
da MSNBC do início de abril mostra, além disso, como a atuação
de Musk em sua plataforma vem estimulando a divulgação da frenologia, uma
pseudociência cada vez mais popular entre extremistas nos Estados Unidos.
Contas estimuladas pelo do dono da Tesla, apontou Garrison Heyes, no site Mother Jones,
“apresentam desinformação sobre a inteligência e a fisiologia das minorias
através de gráficos, dados e mensagens curtas mas diretas”. Para o jornalista,
“não passa de racismo puro – com um toque de Silicon Valley”.
Postagens e interações
de Musk têm a capacidade de trazer milhares de seguidores a estes perfis já
que, além de ser uma figura pública, ele também conta com um sistema especial
projetado para garantir uma ampla circulação e alcance de suas publicações. “Ele comprou a empresa, fez questão de mostrar o que
acreditava estar quebrado e manipulado na gestão anterior, depois se vira e
manipula a plataforma para forçar o engajamento de todos os usuários para ouvir
apenas a voz dele”, disse um funcionário da plataforma.
·
Negócios e amizades
Se Musk ainda não fala
abertamente sobre sua proximidade e sua relação com Trump, o ex-presidente é
menos discreto a esse respeito. Em março, ambos tiveram um encontro.
Questionado pelo apresentador Joe Kernen, da CNBC, sobre se esperava um apoio
verbal ou monetário do bilionário, Trump respondeu apenas: “Tenho sido amigo
dele ao longo dos anos. Eu o ajudei quando era presidente”, sem especificar o
tipo de ajuda. Como lembra a matéria, Musk beneficiou-se
durante anos da assistência governamental às suas empresas, o que inclui a
concessão dos chamados créditos regulatórios para a Tesla e créditos fiscais
para os clientes da montadora, além de contratos de serviços com a SpaceX.
No Brasil, a
proximidade com o governo Bolsonaro também rendeu frutos. Matéria de Paulo Motoryn de
2022 mostra que a gestão atuou junto à Agência Nacional de Telecomunicações
(Anatel) para que o processo de autorização aos satélites da empresa do
bilionário fosse acelerada. Nesta terça (9), outra apuração de
Motoryn, junto com Tatiana Dias, traz informações sobre o possível interesse de
Musk no lítio brasileiro, um mineral fundamental para a produção de carros
elétricos. Recorde-se: o bilionário já afirmou que, para obter este metal na
Bolívia, estava disposto a “dar golpe em quem quiser”…
Mas quais as ações
práticas do X – e de seu antecessor, o Twitter – para projetar a agenda da
ultradireita? Neste artigo, os pesquisadores Rafael de Paula Aguiar Araújo e
Igor Fediczko Silva apontam que, em outubro de 2021, o Twitter publicou um
estudo em uma revista acadêmica da Universidade de Cornell, Nova York,
examinando características da rede como o algoritmo e como se comportavam as
postagens dentro ao longo de uma linha do tempo. O objetivo era descobrir, por
meio da análise de centenas de milhões de postagens, se havia uma amplificação
ou priorização de determinados vieses políticos.
“O resumo, é que em
seis dos sete países (todos, menos a Alemanha), os ‘tuítes postados por contas
de políticos alinhados a ideias de direita receberam mais amplificação
algorítmica do que os tuítes de políticos alinhados à esquerda, quando
estudados como um grupo’. Esse resultado mostra que, por algum motivo, o
algoritmo aprende, através de técnicas de machine learning, que é
importante dar mais visibilidade a tuítes ligados à direita”, apontam,
contrariando o que dizia o próprio Musk antes de aquirir a plataforma,
insinuando que o favorecimento fosse a publicações à esquerda. “O estudo mostra
que políticos identificados como de direita têm uma relevância para o algoritmo
ainda maior, simplesmente por serem de direita, seja qual for o conteúdo
postado”. A análise foi realizada antes da compra realizada pelo dono da Tesla
– portanto, antes de a plataforma se tornar mais opaca.
Política e negócios
costumam andar juntos em muitos lugares, e por isso transparência nas relações
entre o público e o privado é sempre essencial. Aqui, cabe discutir regulação
do poder das grandes corporações que hoje comandam a internet, mas também os próprios
limites que deveriam ser impostos aos bilionários. Concentrar recursos e
possibilidades de influenciar politicamente em diversos locais ilustra o quanto
as democracias e a soberania nacional dos países está constantemente sob
ameaça.
Ø O agente Musk. Por Manuel Domingos Neto
Certo dia, lá se vão
50 anos, mostrei a Pierre Monbeig um relatório que encontrara no Serviço
Histórico do Exército francês indicando a interferência militar na escolha dos
jovens intelectuais enviados ao Brasil para trabalhar na USP.
Surpreso, o professor
sorriu e me perguntou: “fui um agente involuntário do Exército”?
Além de Monbeig,
Fernand Braudel, Lévi-Strauss e Roger Bastide, entre outros, participaram dessa
empreitada que repercute ainda hoje. O eurocentrismo predomina no meio
acadêmico brasileiro.
Os que disputam a
hegemonia mundial criam expedientes capazes de atuar em seu favor. Desde o
século XIX, o envio de missões religiosas, artísticas, científicas e militares
integram práticas de governos que disputam estrategicamente mercados
consumidores e fornecedores de matérias primas. O controle da imprensa e de
grandes contingentes de emigrantes integram o amplo rol de lances estratégicos
dos que dominam ou querem dominar o mundo.
Quem vasculha arquivos
históricos de grandes potências descobrirá facilmente que projetos guerreiros
abrangem mais que capacidade econômica, tecnológica e militar. A disseminação
de valores e a indução de comportamentos coletivos é fundamental. Quem pensa e
conduz a guerra procura conquistar almas.
Daí a forte ligação do
Pentágono com Hollywood, desde 1915, com Griffith, que dirigiu “The Birth of a
Nation”. Captando cedo a importância do cinema na disputa pela simpatia
internacional, os comandantes estadunidenses recrutariam John Huston, William
Wyler, John Ford, Frank Capra e George Stevens para cobrir a Segunda Guerra
Mundial. Ainda hoje o mundo assiste a hecatombe por suas lentes.
Cada potência disputou
a influência no Brasil com os instrumentos ao seu dispor. No final do século
XIX, a França, perdendo a competição tecnológica, econômica e militar para a
Alemanha, investiu em seu prestígio intelectual. Depois da primeira derrota do
Reich, conseguiu abrir as portas dos quartéis brasileiros. Modernizou o
Exército, ensinou o anticomunismo e vendeu muito material de guerra, incluindo
aviões e peças de artilharia recauchutadas.
A recente visita do
presidente francês ao Brasil e seu terno enlace com Lula despertou-me
lembranças e apreensões. Nada mais falso do que uma Defesa Nacional ancorada em
aquisições externas. O mais forte não fornece armas ao mais frágil sem
garantias de submissão. Quem compra equipamentos bélicos de potências coloniais
vende a alma ao diabo. Gasta muito por um simulacro de Defesa Nacional.
Remoo minhas anotações
enquanto leio o estridente noticiário acerca de Elon Musk, descrito como
bilionário excêntrico, rico, arrogante, bravateiro e emulador da extrema
direita mundial.
Não cabe imaginar que
um potente indutor de comportamentos coletivos cresça e atue à revelia de
detentores dos grandes cordões da política internacional. Musk não é um gênio
sul-africano que se fez sozinho. Não iria longe sem parcerias com os gestores
da estratégia de dominação estadunidense. Antes de tudo, Musk é um agente do
Pentágono.
Nenhuma potência com
aspirações de autonomia permitiria que um indivíduo ou uma instituição detenha
isoladamente influência passível de contraditar seus desígnios.
A consciência
democrática brasileira se revolta diante das tiradas aviltantes de Musk.
Aplaude Alexandre de Moraes, que promete enquadrá-lo juridicamente. Muitos
dizem que o Brasil faz bem não cerceando a mídia digital controlada por este
agente do Pentágono. Concluem que, caso Lula enfrentasse essa briga,
escorregaria numa casca de banana.
Convenhamos, há
enfrentamentos dos quais não se pode fugir. A contenda com Musk não pode ser
relegada ao Judiciário nem se restringir à regulação estabelecida pelo
Congresso, que só agirá positivamente se pressionado pela sociedade.
Trata-se de uma luta
política de fôlego e abrangência. Envolve múltiplas iniciativas concatenadas e
de alcance estratégico. Não é apenas a democracia que está em risco, mas a
autonomia nacional. Diz respeito ao poder político e só pode ser enfrentada com
medidas que assegurem ao Estado brasileiro meios para repelir o condicionamento
da sociedade por forças estrangeiras.
Musk não é um mero
empresário. É um agente a serviço de Washington. Seus apoiadores não sabem o
que seja defesa da pátria.
Fonte:
Por Glauco Faria, em Direita Assanhada/Outras Palavras
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