quinta-feira, 18 de abril de 2024

Elon Musk e a extrema direita S.A.

O dono do ex-Twitter, Elon Musk, lançou nos últimos dias uma série de provocações contra o ministro Alexandre Moraes, do STF (a quem acusou de censura), e o presidente Lula. Ameaçou desrespeitar decisões da Justiça brasileira. Agora, sua conduta será investigada no âmbito do inquérito que investiga a ação das milícias digitais. Mas o que estará por trás destes fatos?

Nada nas atitudes do bilionário é aleatório. Se de fato quisesse questionar as decisões judiciais, poderia fazê-lo de forma genérica, citando, por exemplo, a “Justiça brasileira”, mas ele se dirigiu diretamente àquele que é um dos alvos principais da extrema direita no país. A suposta censura também pertence à gramática bolsonarista, que vê o ex-presidente e seus aliados como vítimas de uma perseguição jurídica.

O estilo provocativo remete a outro episódio recente. O ministro das Relações Exteriores de Israel Yisrael Katz usou o ex-Twitter para divulgar postagens direcionadas ao presidente brasileiro, conseguindo mobilizar as redes extremistas, mas falando sozinho ao final. Além da similaridade de postura e dos tuítes pouco sofisticados, Musk e Katz têm em comum o fato de não terem agido sozinhos. A extrema direita é articulada internacionalmente, com presença ostensiva nas redes sociais. As postagens tinham como objetivo dialogar com o segmento brasileiro radicalizado, mobilizando uma representação política que não pode abrir mão da sensação de crise. Precisa de ruído e de inimigos.

“Está ocorrendo um ataque político de forças de extrema direita externas ao sistema político brasileiro. É algo orquestrado”, aponta a ex-secretária de Direitos Digitais do ministério da Justiça e advogada Estela Aranha, em entrevista à BBC. A provocação teria como objetivo produzir consequências que justificassem a retórica de perseguição tão cara aos bolsonaristas. “Se o Twitter for suspenso, isso vai corroborar a própria narrativa deles. Fazem isso para provocar uma reação mais forte, para escalar o debate e a tensão. É algo bem orquestrado”, pontua Aranha.

·        A aproximação de Musk e Trump

O biógrafo de Elen Musk diz que ele votou em Biden em 2020, mas que não o faria de novo. As relações entre o bilionário e políticos extremistas – o trumpismo, em particular – vêm se fortalecendo de forma crescente nos últimos anos. Em 5 de março, Musk publicou uma postagem no X divulgando uma fake news que circula bastante entre apoiadores de Donald Trump, a de que o presidente Joe Biden e o Partido Democrata estariam trazendo imigrantes para conquistar votos em novembro. “É altamente provável que se esteja preparando o terreno para algo muito pior do que o 11 de setembro. É só uma questão de tempo”, disse, sem prova alguma. O X não rotulou a publicação como possivelmente falsa, nem divulgou contexto adicional sobre a desinformação.

Uma reportagem da MSNBC do início de abril mostra, além disso, como a atuação de Musk em sua plataforma vem estimulando a divulgação da frenologia, uma pseudociência cada vez mais popular entre extremistas nos Estados Unidos. Contas estimuladas pelo do dono da Tesla, apontou Garrison Heyes, no site Mother Jones, “apresentam desinformação sobre a inteligência e a fisiologia das minorias através de gráficos, dados e mensagens curtas mas diretas”. Para o jornalista, “não passa de racismo puro – com um toque de Silicon Valley”.

Postagens e interações de Musk têm a capacidade de trazer milhares de seguidores a estes perfis já que, além de ser uma figura pública, ele também conta com um sistema especial projetado para garantir uma ampla circulação e alcance de suas publicações. “Ele comprou a empresa, fez questão de mostrar o que acreditava estar quebrado e manipulado na gestão anterior, depois se vira e manipula a plataforma para forçar o engajamento de todos os usuários para ouvir apenas a voz dele”, disse um funcionário da plataforma.

·        Negócios e amizades

Se Musk ainda não fala abertamente sobre sua proximidade e sua relação com Trump, o ex-presidente é menos discreto a esse respeito. Em março, ambos tiveram um encontro. Questionado pelo apresentador Joe Kernen, da CNBC, sobre se esperava um apoio verbal ou monetário do bilionário, Trump respondeu apenas: “Tenho sido amigo dele ao longo dos anos. Eu o ajudei quando era presidente”, sem especificar o tipo de ajuda. Como lembra a matéria, Musk beneficiou-se durante anos da assistência governamental às suas empresas, o que inclui a concessão dos chamados créditos regulatórios para a Tesla e créditos fiscais para os clientes da montadora, além de contratos de serviços com a SpaceX.

No Brasil, a proximidade com o governo Bolsonaro também rendeu frutos. Matéria de Paulo Motoryn de 2022 mostra que a gestão atuou junto à Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) para que o processo de autorização aos satélites da empresa do bilionário fosse acelerada. Nesta terça (9), outra apuração de Motoryn, junto com Tatiana Dias, traz informações sobre o possível interesse de Musk no lítio brasileiro, um mineral fundamental para a produção de carros elétricos. Recorde-se: o bilionário já afirmou que, para obter este metal na Bolívia, estava disposto a “dar golpe em quem quiser”…

Mas quais as ações práticas do X – e de seu antecessor, o Twitter – para projetar a agenda da ultradireita? Neste artigo, os pesquisadores Rafael de Paula Aguiar Araújo e Igor Fediczko Silva apontam que, em outubro de 2021, o Twitter publicou um estudo em uma revista acadêmica da Universidade de Cornell, Nova York, examinando características da rede como o algoritmo e como se comportavam as postagens dentro ao longo de uma linha do tempo. O objetivo era descobrir, por meio da análise de centenas de milhões de postagens, se havia uma amplificação ou priorização de determinados vieses políticos.

“O resumo, é que em seis dos sete países (todos, menos a Alemanha), os ‘tuítes postados por contas de políticos alinhados a ideias de direita receberam mais amplificação algorítmica do que os tuítes de políticos alinhados à esquerda, quando estudados como um grupo’. Esse resultado mostra que, por algum motivo, o algoritmo aprende, através de técnicas de machine learning, que é importante dar mais visibilidade a tuítes ligados à direita”, apontam, contrariando o que dizia o próprio Musk antes de aquirir a plataforma, insinuando que o favorecimento fosse a publicações à esquerda. “O estudo mostra que políticos identificados como de direita têm uma relevância para o algoritmo ainda maior, simplesmente por serem de direita, seja qual for o conteúdo postado”. A análise foi realizada antes da compra realizada pelo dono da Tesla – portanto, antes de a plataforma se tornar mais opaca.

Política e negócios costumam andar juntos em muitos lugares, e por isso transparência nas relações entre o público e o privado é sempre essencial. Aqui, cabe discutir regulação do poder das grandes corporações que hoje comandam a internet, mas também os próprios limites que deveriam ser impostos aos bilionários. Concentrar recursos e possibilidades de influenciar politicamente em diversos locais ilustra o quanto as democracias e a soberania nacional dos países está constantemente sob ameaça.

 

Ø  O agente Musk. Por Manuel Domingos Neto

 

Certo dia, lá se vão 50 anos, mostrei a Pierre Monbeig um relatório que encontrara no Serviço Histórico do Exército francês indicando a interferência militar na escolha dos jovens intelectuais enviados ao Brasil para trabalhar na USP.

Surpreso, o professor sorriu e me perguntou: “fui um agente involuntário do Exército”?

Além de Monbeig, Fernand Braudel, Lévi-Strauss e Roger Bastide, entre outros, participaram dessa empreitada que repercute ainda hoje. O eurocentrismo predomina no meio acadêmico brasileiro.

Os que disputam a hegemonia mundial criam expedientes capazes de atuar em seu favor. Desde o século XIX, o envio de missões religiosas, artísticas, científicas e militares integram práticas de governos que disputam estrategicamente mercados consumidores e fornecedores de matérias primas. O controle da imprensa e de grandes contingentes de emigrantes integram o amplo rol de lances estratégicos dos que dominam ou querem dominar o mundo.

Quem vasculha arquivos históricos de grandes potências descobrirá facilmente que projetos guerreiros abrangem mais que capacidade econômica, tecnológica e militar. A disseminação de valores e a indução de comportamentos coletivos é fundamental. Quem pensa e conduz a guerra procura conquistar almas.

Daí a forte ligação do Pentágono com Hollywood, desde 1915, com Griffith, que dirigiu “The Birth of a Nation”. Captando cedo a importância do cinema na disputa pela simpatia internacional, os comandantes estadunidenses recrutariam John Huston, William Wyler, John Ford, Frank Capra e George Stevens para cobrir a Segunda Guerra Mundial. Ainda hoje o mundo assiste a hecatombe por suas lentes.

Cada potência disputou a influência no Brasil com os instrumentos ao seu dispor. No final do século XIX, a França, perdendo a competição tecnológica, econômica e militar para a Alemanha, investiu em seu prestígio intelectual. Depois da primeira derrota do Reich, conseguiu abrir as portas dos quartéis brasileiros. Modernizou o Exército, ensinou o anticomunismo e vendeu muito material de guerra, incluindo aviões e peças de artilharia recauchutadas.

A recente visita do presidente francês ao Brasil e seu terno enlace com Lula despertou-me lembranças e apreensões. Nada mais falso do que uma Defesa Nacional ancorada em aquisições externas. O mais forte não fornece armas ao mais frágil sem garantias de submissão. Quem compra equipamentos bélicos de potências coloniais vende a alma ao diabo. Gasta muito por um simulacro de Defesa Nacional.

Remoo minhas anotações enquanto leio o estridente noticiário acerca de Elon Musk, descrito como bilionário excêntrico, rico, arrogante, bravateiro e emulador da extrema direita mundial.

Não cabe imaginar que um potente indutor de comportamentos coletivos cresça e atue à revelia de detentores dos grandes cordões da política internacional. Musk não é um gênio sul-africano que se fez sozinho. Não iria longe sem parcerias com os gestores da estratégia de dominação estadunidense. Antes de tudo, Musk é um agente do Pentágono.

Nenhuma potência com aspirações de autonomia permitiria que um indivíduo ou uma instituição detenha isoladamente influência passível de contraditar seus desígnios.

A consciência democrática brasileira se revolta diante das tiradas aviltantes de Musk. Aplaude Alexandre de Moraes, que promete enquadrá-lo juridicamente. Muitos dizem que o Brasil faz bem não cerceando a mídia digital controlada por este agente do Pentágono. Concluem que, caso Lula enfrentasse essa briga, escorregaria numa casca de banana.

Convenhamos, há enfrentamentos dos quais não se pode fugir. A contenda com Musk não pode ser relegada ao Judiciário nem se restringir à regulação estabelecida pelo Congresso, que só agirá positivamente se pressionado pela sociedade.

Trata-se de uma luta política de fôlego e abrangência. Envolve múltiplas iniciativas concatenadas e de alcance estratégico. Não é apenas a democracia que está em risco, mas a autonomia nacional. Diz respeito ao poder político e só pode ser enfrentada com medidas que assegurem ao Estado brasileiro meios para repelir o condicionamento da sociedade por forças estrangeiras.

Musk não é um mero empresário. É um agente a serviço de Washington. Seus apoiadores não sabem o que seja defesa da pátria.

 

Fonte: Por Glauco Faria, em Direita Assanhada/Outras Palavras

 

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