Por que
cada vez mais homens têm o pênis amputado no Brasil?
Uma
verruga no pênis fez João*, de 63 anos, procurar ajuda médica pela primeira
vez, em 2018.
"Comecei
a ir em clínicas médicas conveniadas para saber o que era aquilo, mas todos os
médicos me falavam que era por conta de excesso de pele e me receitavam medicamentos", diz.
Apesar
de se medicar, o aposentado notava que a verruga continuava a crescer.
Ele
voltou a procurar especialistas, que passavam mais medicamentos e pediam novas
biópsias – em que amostras do tecido de um órgão são retirados para análise.
"Era
incrível, os exames não davam nada de grave, e os médicos voltavam a me
receitar mais medicamentos. Nada resolvia."
Ele
só descobriu o que tinha em 2023, quando foi atendido em um hospital público de
São Paulo e encaminhado para o Instituto do Câncer do Estado de São Paulo
(Icesp), onde fez uma nova biópsia.
O
resultado: câncer de pênis.
"Para
todos em casa, foi uma surpresa muito desagradável, ainda mais porque tive que
amputar parte do pênis. Eu me sinto decapitado", diz João.
"É
um tipo de câncer que você não pode falar para as pessoas, porque pode virar
gozação."
·
Dez amputações por
semana
Um
levantamento da Sociedade Brasileira de Urologia (SBU), com base em estatísticas
do Ministério da Saúde, mostra que o número de casos assim têm crescido no
Brasil.
Entre
2013 e 2022, cerca de19,9 mil homens tiveram o diagnóstico de câncer de pênis,
sendo que, desse total, 5,6 mil tiveram que ter o órgão amputado pela gravidade
da doença. Uma média de pouco mais de dez amputações por semana.
Segundo
a SBU, quase todos os casos de amputações de pênis que são registrados no país
são por conta de câncer, sendo raro casos de amputações por outras causas, como
acidentes.
Desde
2008, o número de amputações de pênis por câncer tem crescido no Brasil.
Foram
411 naquele ano, e houve 573 de janeiro a novembro do ano passado, quase 40% a
mais.
"Infelizmente,
por vergonha ou falta de acesso aos serviços de saúde, é muito comum o homem
recorrer a tratamentos indicados por conhecidos ou aquelas 'pomadinhas' do
balconista da farmácia", afirma Diogo Abreu, médico da seção de Urologia
do Instituto Nacional do Câncer (Inca).
"Isso
atrasa o diagnóstico precoce e prejudica o resultado do tratamento."
A
demora no diagnóstico aumenta as chances de ser necessário amputar o pênis,
porque o passar do tempo sem o tratamento adequado aumenta a gravidade do
quadro.
Isso
também eleva as chances de morte pela doença – que é, em média, de 0,29 casos
para cada 100 mil habitantes.
No
mundo, o Brasil é o terceiro país onde mais homens morrem de câncer de pênis.
Para
se ter uma ideia, o levantamento global de mortes pela doença mais recente da
SBU, feito em 2020, mostra o Brasil (539 mortes) atrás apenas de Índia (4.760
mortes) e China (1.565 mortes).
Questionado
sobre a alta incidência de câncer de pênis, em relação a outros países do
mundo, o Ministério da Saúde disse que trabalha com campanhas de
conscientização sobre a doença.
A
pasta também afirmou que a atual gestão retomou investimentos em políticas de
saúde e de cuidado aos pacientes com câncer por meio do Plano de Expansão da
Radioterapia.
"Na
primeira etapa, foram previstas 92 soluções de radioterapia - que compreendem
além da obra, os aceleradores lineares – com um investimento de R$ 575
milhões", disse o ministério.
"A
segunda etapa, prevista no Novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC),
conta com um investimento total de R$ 605 milhões, sendo R$ 205 milhões para
conclusão de obras da primeira fase e R$ 400 milhões para a viabilização de 40
novas soluções de radioterapia."
A
pasta ressaltou ainda que o Sistema Único de Saúde (SUS) oferece gratuitamente
tratamento integral aos pacientes com câncer (leia mais abaixo).
·
Como se prevenir
Especialistas
ouvidos pela BBC News Brasil ressaltam que diferente, de outros tipos de câncer, o
de pênis é um dos que mais podem ser prevenidos.
Isso
porque a doença tem relação direta com a pobreza e com a ausência de boas
condições socioeconômicas.
"Enquanto
se trata de doença rara em países ricos e desenvolvidos, o câncer de pênis
apresenta uma incidência (casos novos) alta em países pobres", diz Abreu,
do Inca.
No
Brasil, estudos mostram que as regiões Norte e Nordeste, onde os índices de
pobreza são mais altos, concentram a maior incidência da doença, enquanto o
Sul, mais rico, tem índices quase semelhantes aos de países desenvolvidos, com
poucos casos.
"Infelizmente,
o Brasil ainda é um país com uma enorme deficiência em educação de qualidade, e
isso cria uma grande dificuldade de acesso à informação, incluindo os hábitos
de higiene", apontou Maurício Cordeiro, coordenador do Departamento de Uro-oncologia
da SBU.
"A
higiene correta ajuda a evitar o câncer de pênis, e o diagnóstico precoce da
doença é essencial para o tratamento sem a necessidade de procedimentos mais
radicais, como a amputação", completou.
Como
exemplo, Marcus Vinicius Baptista Queiroz, professor de Urologia na
Universidade Federal do Pará (UFPA) cita uma pesquisa feita por quatro
universidades e centros de pesquisa do Brasil, publicada em 2018.
O
estudo apontou o Maranhão - Estado mais pobre do Brasil - como lugar que
concentra a maior quantidade proporcional de tumores de pênis no mundo: cerca
6,1 casos a cada 100 mil habitantes.
"Por
isso a importância do homem ter acesso à orientação e à correção de fatores que
podem levar a doença, como a fimose não tratada", diz Queiroz.
A
fimose caracteriza-se pelo excesso de pele que recobre o pênis fazendo com que
a cabeça, também conhecida como glande, não seja exposta.
É
uma condição mais comum quando ainda se é bebê, mas pode se desenvolver também
na fase adulta, provocada por um quadro de infecção ou traumatismo no local.
Em
regra, homens que possuem fimose apresentam maior dificuldade de realizar a
higiene do pênis por conta do prepúcio – excesso de pele.
Essa
dificuldade de limpeza do pênis, visto que o órgão fica mais úmido e quente,
favorece o surgimento de fungos que a longo prazo aumentam as chances de
surgimento de câncer de pênis.
·
Sinais de atenção e
tratamento
No
Brasil, o câncer de pênis acomete principalmente, homens acima dos 50 anos.
"Qualquer
ferimento no pênis que não cicatriza precisa ser avaliado por profissional de
saúde e, de preferência, urologista", recomenda Diogo Abreu.
Entre
os sinais de alerta, o médico do Inca cita:
- Alterações na cor do pênis;
- Espessamento da pele;
- Nódulos ou úlceras que não cicatrizam;
- Feridas com mau odor ou secreções.
Especialistas
ouvidos pela BBC News Brasil apontam que algumas atitudes simples podem ajudar
na prevenção da doença.
A
lavagem diária do pênis, com água e sabonete expondo a glande completamente, no
caso de homens não circuncidados e, sempre, após o contato sexual ajudam a
diminuir as chances de ter a doença, diz Abreu.
Uma
das principais causas de infecções que podem levar ao câncer peniano é o
papilomavírus humano, o HPV.
Abreu
diz que "é importante utilizar sempre o preservativo em qualquer tipo de
contato sexual para prevenir o HPV e as outras infecções sexualmente
transmissíveis", ressalta o médico, que ainda recomenda parar de fumar.
Maurício
Cordeiro, coordenador do Departamento de Uro-oncologia da SBU, também destaca a
importância da vacinação contra o HPV (disponível no SUS para a população de 9
a 14 anos e imunossuprimidos até os 45 anos) como uma importante ferramenta de
prevenção da doença.
"Atualmente,
temos dois tipos de vacinas contra o HPV: a quadrilavente (HPV4), que é a
disponibilizada pelo SUS e que cobre a maior parte dos tipos oncogênicos, os
que predispõem ao câncer, e a nonavalente (HPV9), que dá cobertura para mais
subtipos, já disponível na rede privada".
"Ambas
são compostas por partículas do vírus preparadas pela técnica de DNA
recombinante, que cria uma das proteínas que compõem o capsídeo do HPV. Essas
partículas são capazes de induzir a formação de anticorpos neutralizantes em
títulos altos, que são suficientes para proteger quem recebe a vacina",
explicou Cordeiro.
Uma
vez diagnosticado o câncer de pênis, o tratamento consiste na remoção da lesão
ou a retirada total do órgão, assim como a remoção de gânglios (linfonodos) da
pelve, virilha ou de dentro do abdômen, de acordo com o Ministério da Saúde.
Também
podem ser recomendadas radioterapia e quimioterapia para reduzir o tumor ou em
casos que não são considerados cirúrgicos.
Quando
diagnosticado em estágio inicial, o câncer de pênis tem alta taxa de cura,
ressaltou a pasta.
"Em
fases iniciais, conseguimos tratar com a remoção somente da pele, evitando uma
retirada do pênis", afirma Roni de Carvalho Fernandes, diretor da Escola
Superior de Urologia.
No
entanto, segundo o Ministério da Saúde, mais da metade dos pacientes demora até
um ano após as primeiras lesões para buscar ajuda médica, o que pode provocar
complicações da doença, permitindo que ela se espalhe para outras partes do
corpo.
·
As principais dúvidas
sobre câncer de pênis
O
câncer de pênis representa 2% de todos os tipos de câncer que atingem homens.
A
pedido da BBC News Brasil, a médica urologista e diretora de Comunicação da
Sociedade Brasileira de Urologia, Karin Anzolch, esclareceu as principais
dúvidas de homens em relação as formas de prevenção do câncer de pênis.
·
Quantas vezes lavar o
pênis por dia e qual o jeito certo?
Depende
um pouco do local, se é quente ou frio, úmido ou seco, da idade, do tipo de
atividade física, se é alguém que sua muito ou urina muitas vezes, se tem
prepúcio ou não, se usa roupas pouco ventiladas e até se já teve infecções
locais no passado.
Mas,
geralmente, deve ser feita pelo menos uma vez ao dia uma lavagem completa com
água e sabonete, puxando a pele do prepúcio para trás e removendo os resíduos
de esmegma, que é uma secreção espessa e esbranquiçada produzida pelo pênis.
A
água não deve ser muito quente e devem-se evitar substâncias abrasivas e
sabonetes contra germes. Prefira sempre os neutros, como glicerina.
Além
disso, os meninos devem ser ensinados desde cedo a fazer a limpeza de forma
correta para incorporar isso em seus hábitos.
·
Por que é importante
deixar a área do pênis seca após o banho?
A
umidade, associada ao calor do corpo ou do ambiente, aumenta a chance da
proliferação de fungos e bactérias.
·
Após urinar, basta
balançar o pênis?
Ao
apenas sacudir ou espremer o pênis, gotas de urina acabam ficando, sobretudo
nos homens que têm prepúcio, o que gera mau odor e aumenta o risco de
contaminações, irritações e infecções.
O
ideal é, após urinar, lavar ou secar com papel higiênico.
·
Na hora do sexo, o que
fazer em relação à limpeza do pênis?
Além
de usar preservativo, é importante realizar uma higiene adequada, removendo as
secreções e eventuais resíduos de produtos químicos.
·
Sangue na urina é um
indicativo de câncer de pênis?
A
menos que o tumor esteja avançado, já invadindo uretra ou aparelho urinário,
não é sintoma comum.
Mas
isso sempre deve ser investigado, porque pode sinalizar outras doenças graves,
como câncer de bexiga e rins.
·
O que mais pode causar
câncer de pênis?
O
câncer de pênis também está relacionado com o hábito do fumo, com a infecção
pelo HIV e à presença de fimose, que dificulta a higiene e a remoção do
esmegma, o que facilita a infecção por fungos e bactérias.
Entretanto,
uma das principais causas também é a infecção pelo papilomavírus humano (HPV).
Dados
do Cancer Research UK demonstram que cerca de 60% dos casos desse tipo de
câncer estão relacionados à infecção por HPV.
*O nome do entrevistado foi alterado para proteger sua
identidade.
Fonte:
BBC News Brasil
Nenhum comentário:
Postar um comentário