Dependência de tecnologia estrangeira em
drones traz riscos à soberania do Brasil, dizem analistas
O Brasil firmou
contrato de R$ 86 milhões com uma empresa israelense para manutenção de dois
drones usados em operações da Polícia Federal. Em entrevista à Sputnik Brasil,
analistas apontam que a dependência estrangeira da tecnologia compromete a
soberania do país, além de trazer um gasto desnecessário.
No início de março, a
Força Aérea Brasileira (FAB) fechou um contrato de R$ 86 milhões para
manutenção de duas aeronaves remotamente pilotadas, do modelo Heron-I,
desenvolvido pela Israel Aerospace Industries, a serem usadas em operações da
Polícia Federal (PF).
O contrato foi firmado
sem licitação, e anunciado pelo Ministério da Defesa, em publicação no Diário
Oficial da União.
Em entrevista à
Sputnik Brasil, especialistas analisam por que o Brasil ainda precisa recorrer
a empresas estrangeiras para a compra e manutenção de equipamentos usados em
operações de segurança nacional e como isso afeta a soberania brasileira.
·
Por que o uso de drones ganhou espaço na
defesa nacional?
Danilo Bragança,
coordenador adjunto do Laboratório de Estudos sobre a Política Externa
Brasileira (LEPEB), da Universidade Federal Fluminense (UFF), explica que o uso
de drones em operações de defesa tem sido uma "tendência nos exércitos do
planeta inteiro", e afirma que a tecnologia reduz os custos das operações
e aumenta a eficiência do serviço prestado.
No caso do Brasil, ele
diz que o uso de drones é importante por conta das características do
território brasileiro.
"O Brasil tem
características geográficas que favorecem o uso de drones, como é o caso, por
exemplo, da floresta amazônica, dos nossos biomas, da proteção de
fronteiras."
Ele acrescenta que o
uso de drones representaria "uma mudança de perfil da Força Aérea
Brasileira".
"É uma forma de
modernização das nossas forças, uma forma de reduzir os custos, embora você
tenha que continuar produzindo caças, tenha que continuar produzindo aviões
Super Tucanos."
Vinicius Modolo
Teixeira, professor de geopolítica da Universidade do Estado de Mato Grosso
(UNEMAT) e coordenador do Laboratório de Desenvolvimento Territorial e
Geopolítica (DTG-LAB), destaca que as proporções continentais do Brasil tornam
necessário o uso de drones e outros sistemas de vigilância compatíveis com o
tamanho do país.
"Nós temos uma
capacidade aumentada com a utilização de drones para vigiar espaços que antes
poderiam ser utilizados ali por criminalidade. No entanto, nós temos poucos
drones no momento ainda para fazer essa vigilância de uma maneira bastante
efetiva."
Recorrer à tecnologia
estrangeira afeta a soberania nacional?
Alcides Peron,
especialista em relações internacionais e professor da Fundação Escola de
Comércio Álvares Penteado (FECAP), sublinha que ao firmar qualquer tipo de
parceria ligada ao setor militar, principalmente para o suprimento de material
militar, material bélico, o Brasil "está constituindo parcerias que estão
no limite também político".
"Porque você vai
construir uma dependência econômica, você vai construir uma dependência
tecnológica por manutenção, por infraestrutura, por aprimoramento desse objeto
tecnológico que você está adquirindo e, portanto, de certa maneira, há uma
perda, sim, de soberania, posto que é possível fazer uma compra nacional e ter
maior autonomia para atendimento da demanda interna."
A opinião é
compartilhada por Teixeira, que afirma que depender de equipamentos de defesa
provenientes de outros países compromete a soberania porque pode trazer perda
da capacidade operativa desses sistemas em caso de atrito diplomático.
"Recentemente o
Brasil criou um atrito com Israel por conta dos entendimentos sobre a guerra
que acontece agora em Gaza, e isso acaba levando, sim, ao comprometimento,
possivelmente, de uma manutenção ou fornecimento de peças sobressalentes",
explica.
Ele lembra que,
recentemente, a Alemanha impediu que o Brasil fornecesse blindados para as
Filipinas, que eram fabricados no Brasil, mas dotados de equipamentos alemães,
por conta das visões diferentes que os governos brasileiro e alemão têm em
relação ao conflito ucraniano.
"Quando nós
compramos equipamentos de fora, nós estamos sujeitos também a essas relações
diplomáticas. Então temos que ter em mente que sempre que compramos
equipamentos de uma empresa estrangeira, o Brasil deve manter um
comprometimento com a sua diplomacia ativa, sempre em contato com esse país. Em
caso de rompimento dessas relações, nós sofremos, certamente, embargos e
diminuição da oferta das peças da manutenção, então é sempre um risco realmente
comprar de empresas de fora", adverte Teixeira.
Bragança, por sua vez,
destaca que o Brasil tem capacidade de desenvolver uma Base Industrial de
Defesa (BID) "que possa contemplar não só o Brasil, mas também as forças
armadas dos nossos países vizinhos".
"Entendendo aqui
que o Brasil é líder de um complexo de segurança específico daqui da região,
por ser o país mais populoso, mais rico, mais poderoso, então isso poderia
favorecer toda uma indústria de defesa que também aqui na região poderia ser
utilizada como mercado para isso. Fortaleceríamos nós com os nossos parceiros
bilaterais, fortaleceríamos nós com esse complexo de segurança mais unificado
em torno de si, e a gente conseguiria vender esse tipo de tecnologia. Seria
importante para um país como o Brasil ter ativos tecnológicos, ter técnicos,
engenheiros, gente gabaritada para produzir drone", diz Bragança.
Porém, ele destaca que
quando o Brasil recorre a um país, "isolado cada vez mais no sistema
internacional, que é Israel, coloca algumas coisas em xeque que não precisavam
ser colocadas, inclusive a nível político".
"Uma dessas
coisas é, por exemplo, o fato de que a gente está comprando de uma área em
desenvolvimento que a gente também poderia desenvolver, que já poderia estar
sendo desenvolvida e que, na verdade, já tem alguns polos no país inteiro que
já possuem algum tipo de tecnologia que precisa, basicamente, só de maior
incentivo e maior estrutura", afirma o especialista.
Empresas brasileiras
poderiam suprir a demanda?
Questionado se
empresas brasileiras que produzem drones teriam capacidade de suprir a demanda
da Força Aérea Brasileira, Bragança explica que isso ajudaria a reduzir os
gastos com contratos firmados com outros países, mas ressalta que atualmente
elas têm dificuldade para suprir essa demanda.
"Primeiro porque
os contratos não são firmados com elas, ou seja, a gente acaba repassando
contratos com bastante dinheiro para outros grupos, grupos, por exemplo, como
esses de Israel, mas não somente. Então, o desenvolvimento dessa tecnologia no
Brasil poderia amenizar ou poderia mitigar uma parte desses problemas, que é
gastar dinheiro com contratos externos", diz o especialista.
"Nessa condição
atual, a gente não tem possibilidade de suprir toda essa demanda, embora num
espaço de cinco anos a gente tenha evoluído muito, por exemplo, no que se
refere à tecnologia de placas solares, placas fotovoltaicas. A gente investiu
nessa indústria, a indústria prosperou e agora a gente consegue fazer isso
inclusive de maneira democratizada", complementa.
Peron afirma que é
evidentemente importante que empresas nacionais sejam colocadas como
protagonistas desse tipo de tecnologia, sobretudo "porque a produção
tecnológica, essas inovações, têm grande possibilidade de produzir
transbordamentos em diversos outros setores da economia".
"Principalmente
no que diz respeito a fornecedores, porque você capacita fornecedores para
fornecer certas tecnologias e equipamentos e você consegue, de uma certa
maneira, dinamizar econômica e tecnologicamente um país. Portanto, seria
fundamental manter empresas nacionais tocando esse tipo de demanda
nacional", explica.
Teixeira concorda que
o Brasil teria condições de fabricar seus próprios drones. Mas, segundo ele, o
grande gap que impede isso "não está na fabricação da aeronave em si, mas
na operacionalização".
"A fabricação de
uma aeronave remotamente tripulada ou não tripulada, como a gente pode chamar,
uma aeronave autônoma, ela não tem grandes segredos para sua operação. O
Brasil, sendo um país que tem uma tradição aeronáutica bastante grande, com uma
história na fabricação de aeronaves, certamente, nós conseguiríamos fabricar a
aeronave em si. O grande gap que o Brasil tem, na verdade, seria nos sistemas
que a aeronave dotaria. Então, sistemas de vigilância, dotados de radar, por
exemplo, abertura sintética, radares mais modernos e também outros aparelhos de
vigilância como câmeras infravermelho, câmeras de alta resolução, esse tipo de
equipamento que é estabilizado, coisas que são mais finas ali na maquinaria,
isso o Brasil teria dificuldade", afirma o especialista.
Porém, ele ressalta
que, com investimento, o Brasil conseguiria fabricar seus próprios modelos, o
que representaria "um grande fator de salto de desenvolvimento do
país". E destaca ainda que já houve iniciativas nesse sentido, lideradas
por empresas brasileiras.
"Nós tivemos
iniciativas tempos atrás das empresas da Avibras, a própria Embraer tentou
[produzir modelos de drones], alguns institutos de pesquisa do Exército e da
Aeronáutica fabricaram modelos experimentais. Então, a gente teria condição,
sim, de fabricar e operacionalizar. Falta realmente um aparato do governo, um
aporte para poder fazer de maneira decisiva o desenvolvimento desses
sistemas", conclui.
Ø
Ministro Fux do STF: Constituição veda
intervenção militar e ruptura democrática
O ministro Luiz Fux do
Supremo Tribunal Federal, em sua manifestação desta sexta-feira (29), enfatizou
que a Constituição não respalda uma "intervenção militar
constitucional" nem tampouco "encoraja" qualquer "ruptura
democrática".
Este posicionamento
foi dado durante o julgamento de uma ação que aborda os limites constitucionais
da atuação das Forças Armadas e sua hierarquia em relação aos Poderes.
O processo teve início
hoje em plenário virtual e está previsto para continuar até o próximo dia 8.
Fux declarou:
"Qualquer instituição que pretenda tomar o poder, seja qual for a intenção
declarada, fora da democracia representativa ou mediante seu gradual
desfazimento interno, age contra o texto e o espírito da Constituição".
Ele também ressaltou a
necessidade de restringir interpretações perigosas que possam distorcer o texto
constitucional e seus princípios fundamentais, ameaçando o Estado Democrático
de Direito, sob risco de se envolver em um constitucionalismo abusivo.
·
Brasil na intervenção
Era março de 1964,
quando o então presidente João Goulart foi deposto do cargo por militares que
deram fim ao curto período democrático no Brasil, até 1985, país enfrentava
ditadura marcada pela repressão, violação dos direitos humanos e política
autoritária, assim como toda a América Latina. Especialistas analisam
influência dos EUA no processo.
Um dos períodos mais
turbulentos da história recente do Brasil, o início da década de 1960 foi
marcado pela eleição de duas figuras opostas no xadrez político: com a votação
em separado para os dois cargos, o país elege Jânio Quadros como presidente e
João Goulart, o Jango, para vice-presidente.
Em uma tentativa de
autogolpe para conseguir apoio do Congresso e das Forças Armadas, Jânio
apresenta a renúncia meses após a posse, o que seria o primeiro ingrediente
para um prato cheio que levou ao golpe militar em 1964.
Na época, João Goulart
estava em Cingapura, após uma extensa agenda na China, e só soube da renúncia
no dia seguinte. Em setembro de 1961, há a tentativa de um golpe militar para
impedir a posse de Jango, que só conseguiu assumir por conta da rede de "legalidade"
montada pela liderança de Leonel Brizola — porém em um cenário de grave crise
política.
Fonte: Sputnik Brasil
Nenhum comentário:
Postar um comentário