segunda-feira, 22 de abril de 2024

Cinco bilhões: Quem de nós homologaria um acordo deste jeito?

A pergunta do corregedor ecoou no plenário do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em meio à leitura feita pelo juiz Luiz Felipe Salomão do resultado de seis meses de trabalho da corregedoria junto à 13ª Vara Federal de Curitiba, comandada por Daniela Hartz, a juíza que substituiu Sérgio Moro, quando esse renunciou ao cargo de juiz para assumir o Ministério da Justiça no governo de Jair Bolsonaro.

O acordo investigado “foi construído de forma sigilosa e ilegal”, sendo que o ex-juiz, Sérgio Moro, a juíza Daniela Hartz e o ex-procurador da república, Deltan Dallagnol, então coordenador da Lava-Jato, teriam “atuado de forma proativa e assumiram de forma indevida o papel de representantes do Estado brasileiro junto à Petrobras e aos norte-americanos”, conforme relatório da Polícia Federal divulgado pelo site Poder360, um dos documentos que embasa a decisão do corregedor do CNJ.

A decisão do corregedor está sustentada em mais de mil páginas de documentos e provas obtidos ao longo da sua inspeção, o que lhe permitiu afirmar categoricamente “que tudo era feito com sigilo absoluto, de grau 3, sem nenhuma transparência”; sendo que a análise das datas de reuniões e visitas de procuradores americanos ao Brasil confirma um minucioso preparo para “a realização deste desvio multibilionário”. Recursos que foram manipulados de forma consciente “à margem da legalidade, de forma sigilosa e sem moralidade administrativa” para burlar os verdadeiros representantes legais do país e instituir um órgão de “primeira instância como sendo o Brasil”.

Depois de esmiuçar as manobras realizadas até chegar à homologação do acordo pela juíza Daniela Hartz, novamente o corregedor pausa a leitura da sua decisão e lança outra pergunta aos seus pares: “e o dinheiro que foi pago aos EUA, também foi para alguma instituição privada, ou foi para os cofres do Estado americano? Uma pergunta que, ao mesmo tempo, é uma resposta que demonstra de forma irrefutável o conluio que estava em execução, que só não foi consumado inteiramente em razão da reação do STF.

O que impediu que os cerca de cinco bilhões fossem desviados do Estado e fossem destinados para a fundação privada que os investigados estavam determinados a criar. Com a fundação, eles queriam assegurar um férreo controle privado sobre esses volumosos recursos do Estado brasileiro, o que só seria possível por meio da corrupção da legalidade e da moralidade, obrigação de todos os agentes públicos.

O voto do corregedor é tão rico em detalhes e tão farto em provas, que tornou o argumento da defesa de que o conluio não passou de “uma infeliz iniciativa”, numa pífia tentativa de infantilizar a juíza Gabriela e seus asseclas. Ao contrário, o corregedor demonstrou que houve uma ação consciente com vistas à apropriação de recursos públicos para uma instituição privada, pois “se combinava com o americano para se aplicar a multa lá fora para (o dinheiro) voltar e ser destinado à fundação” e a forma de viabilizar esse desvio foi o acordo homologado pela juíza Gabriela Hartz.

Depois deste mergulho na “gestão absolutamente caótica” da 13ª Vara Federal de Curitiba, baseado em farta documentação comprobatória – inclusive depoimento da própria Gabriele Hartz que declarou saber não ser de sua competência – o corregedor estava plenamente preparado para afirmar que “não tenho a menor dúvida da participação da juíza no desvio do dinheiro público para a fundação desejada”.

O voto foi tão vigoroso que o ministro Luís Roberto Barroso, presidente do CNJ, teve que alterar o procedimento usual e votou imediatamente depois para tentar persuadir os pares e abriu dissidência ao voto do corregedor e manifestou posição contrária a todos os afastamentos, sem entrar no mérito das acusações e ressaltando o seu não conhecimento do conjunto do relatório feito pela correição do CNJ.

Os argumentos de Luís Roberto Barroso em relação a Gabriela Hartz foram a falta de urgência e o fato dela não estar mais na 13ª Vara, além de ser contrário à decisões monocráticas para esse tipo de caso. Não faltou outra pitada de infantilização da atuação da juíza ao afirmar que “essa moça não tinha nenhuma mácula na carreira pra ser afastada sumariamente”, como se fosse a vida pregressa e não um caso concreto que envolve bilhões em dinheiro e uma relação com país estrangeiro à margem de lei que estivesse em análise.

Mesmo que a manifestação de Luís Roberto Barroso tenha sido enfática ao ponto de caracterizar o afastamento dos magistrados de “medida foi ilegítima e arbitrária” e tenha defendido a revogação de todas, a votação no plenário lhe deu uma vantagem mínima de 8 x 7 contra a manutenção do afastamento de Gabriela Hardt e Danilo Pereira Júnior; sendo que o afastamento dos desembargadores Thompson Flores e Loraci Flores (TRF-4) foi mantido com elástica maioria de 9 x 5, em favor da posição do corregedor.

Quanto a abertura de Processo Administrativo contra todos, apesar de Barroso ter pedido vistas, alguns votos favoráveis foram antecipados e a maioria construída pelo afastamento dos desembargadores do TRF-4 sugere que dificilmente deixarão de ser submetidos ao processo administrativo, durante o qual o trabalho da corregedoria deverá se impor.

Em resumo, a decisão do CNJ é histórica e representa que, aos poucos, algumas das mais importantes instituições do sistema de justiça brasileiro estão retomando um funcionamento marcado pelo devido processo legal e decididas a conter os arroubos autoritários que tomaram conta da Lava-Jato e de importantes setores do judiciário brasileiro, que ainda disputam e são fortes, mas não detém mais o domínio sobre a agenda e a opinião pública que tinham outrora.

 

Ø  “Os chefes da Lava Jato posavam de combatentes mas eram eles quem praticavam a corrupção” diz José Genoíno

 

Em entrevista ao programa Conversa de Política, transmitido pela TV 247, o ex-presidente nacional do PT, José Genoíno, fez uma análise sobre o declínio dos chefes da Operação Lava Jato. Genoíno afirmou que os líderes da operação, que se apresentavam como combatentes da corrupção, eram, na verdade, os responsáveis por práticas corruptas. Ele destacou: “Os chefes da Lava Jato posavam de combatentes mas eram eles quem praticavam a corrupção”.

Além disso, Genoíno criticou o impacto político da operação, alegando que ela prejudicou o Brasil e influenciou diretamente no cenário eleitoral ao impedir a candidatura do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2018.

As declarações de Genoíno vêm em um momento de intensa movimentação no cenário jurídico ligado à Lava Jato. O corregedor nacional de Justiça, Luís Felipe Salomão, determinou o afastamento de quatro magistrados ligados à operação, incluindo a juíza federal Gabriela Hardt .Sérgio Moro enfrenta possíveis consequências tanto administrativas quanto criminais, também no âmbito dessas irregularidades.

¨      Hardt admite que não deveria ter homologado a fundação Lava Jato, em depoimento ao CNJ

Em depoimento ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a juíza e ex-substítuta da 13º Vara Federal de Curitiba, Gabriela Hardt, admitiu que não deveria ter homologado o acordo do Ministério Público Federal no Paraná (MPF-PR) com a Petrobras, que previa a criação de fundação privada usando parte da multa milionária aplicada à estatal pelos Estados Unidos.

“Hoje pra mim é muito claro que esses acordos de leniência deveriam ter sido homologados na vara cível e não na vara criminal; mas estavam homologados, os valores estavam sendo depositados lá; o Ministério Público celebrou os primeiros acordos de colaboração sem a AGU e CGU junto”, afirmou Hardt na oitiva, que consta no relatório final da correição extraordinária feita nos gabinetes da extinta Operação Lava Jato.

Em janeiro de 2019, a então juíza da 13ª Vara, pressionada por Deltan Dallagnol e seu time de procuradores, decidiu homologar o acordo inconstitucional, que previa a transferência de R$ 2,5 bilhões para uma instituição privada, oriundos da devolução parcial dos EUA ao Brasil da multa que a Petrobras aceitou pagar para se livrar de ações nos tribunais estadunidenses. O GGN expôs o escândalo e divulgou em primeira mão os documentos dos acordos assinados com os americanos.

Já em junho de 2023, a partir da correição extraordinária feita na 13ª Vara e na 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), principais palcos da Lava Jato em primeira e segunda instâncias, determinada pelo corregedor-geral de Justiça, ministro Luís Felipe Salomão, a própria Hardt confessou também como foram feitas as tratativas informais com o MPF.

O plano era que os procuradores da extinta força-tarefa e organizações da sociedade civil pudessem decidir onde seriam investidos os recursos bilionários. Quando cancelou o acordo, o Supremo Tribunal Federal (STF) remeteu a verba à União, que aplicou boa parte dos recursos no combate à pandemia de Covid-19.

A partir da apuração, no último dia 15 de abril, Salomão decidiu afastar Hardt de suas funções. Na decisão, o corregedor usou o termo “cash back” para explicar o escandaloso esquema de “recirculação de valores” criado no seio da Lava Jato.

Além de Hardt, o juíz federal Danilo Pereira Júnior também foi afastado, bem como os desembargadores Thompson Flores e Lorari Flores. A medida quanto aos juízes, no entanto, foi derrubada no julgamento colegiado do CNJ.

 

                                               Investigações devem atingir além dos figurões da Lava Jato, diz Kakay

 

A correição do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) começa finalmente a passar a operação Lava Jato a limpo e o papel das figuras centrais que coordenavam esquemas de bilhões em prol de interesses privados. Em sessão desta terça, o envolvimento da juíza Gabriela Hardt foi uma das pautas que visou analisar o afastamento da magistrada alinhada com o ex-juiz e atual senador Sergio Moro (União-PR), que também esteve na mira.

Ainda assim, as investigações devem abarcar além dos figurões – desembargadores e juizes – mas tudo o que diz respeito à 13ª Vara Federal de Curitiba, palco principal da famigerada operação. A perspectiva foi compartilhada pelo advogado criminalista Kakay, em entrevista ao jornalista Luís Nassif no programa TV GGN 20 Horas.

“[Deve-se] Fazer investigações em coisas que não estão especificamente relacionadas a esses desembargadores, esse juiz [Moro], mas que dizem respeito à 13ª Vara. Por que o Tacla Duran não é ouvido? Não tem o direito de vir falar? Eu lembro que à época o próprio ministro Toffoli determinou que o juiz auxiliar o ouvisse. Mas é muito diferente. Terminando esse assunto, eu tenho pra mim que é uma hora de passar a limpo tudo que diz respeito à 13ª Vara, tudo o que nós sabemos de absurdo o que aconteceu”.

Tacla Duran denunciou o advogado Carlos Zucolotto (amigo e padrinho de casamento do juiz e também ex-sócio de Rosângela Wolff Moro) por lhe pedir alguns milhões como propina para negociar um acordo de delação dele, Duran, com os procuradores da Lava Jato, liderados por Deltan Dallagnol. Ainda, Rodrigo Tacla Duran foi um advogado impedido de delatar Moro e o ex-procurador Deltan Dallagnol.

•                                                O julgamento no CNJ

Embora o CNJ não tenha jurisdição sobre processos criminais, as diligências do ministro Luís Felipe Salomão, corregedor, já apontam para uma série de transgressões e a possibilidade, cada vez mais evidente, de crimes terem sido perpetrados no âmbito da Fundação Lava Jato [entenda abaixo].

“Nós temos um processo contra a juíza [Hardt], um processo disciplinar, porque a CNJ não cuida de processo crime, mas o ministro Salomão que é o corregedor, ao fazer um despacho extremamente bem feito e técnico, ele coloca as coisas nos seus devidos lugares. Ou seja, ele afasta a juíza por uma série de excessos e levanta a hipótese de que ocorreram crimes efetivamente na questão da fundação privada”, expõe o penalista.

Kakay refere-se à Fundação Lava Jato, uma tentativa de criar uma entidade privada utilizando parte da multa bilionária paga pela Petrobras nos Estados Unidos para encerrar processos judiciais no exterior – iniciativa organizada pela força-tarefa da Lava Jato em Curitiba. O GGN trouxe à tona o escândalo, confira.

“Eles tiveram a ideia de fazer um conluio com o governo americano, com o departamento de Justiça americano, fizeram um acordo com a juíza, um acordo com a Petrobras e se apropriaram de bilhões de reais para uma fundação privada”, explica.

Em 2019, o acordo firmado entre a Petrobras e os procuradores da força-tarefa da Lava Jato foi impedido pelo Supremo Tribunal Federal (STF), no entanto, o órgão judiciário ignorou contradições do MPF na ação que implodiu a Fundação Lava Jato e acabou por manter a nebulosidade em torno da cooperação com os norte-americanos.

“Se não tivesse aquela liminar lá atrás que proibiu o Deltan de coordenar a fundação, eles estariam coordenando a fundação com milhões, bilhões, que foram vindo do dinheiro público. Inclusive, estou levantando uma pressão, até quero falar com o Jean Paul Prates, presidente da Petrobras, sobre isso. A Petrobras tem que passar um pente-fino naquela época para descobrir quem é que ganhou dinheiro lá”.

Durante o programa, Kakay também apontou que se analisado o voto do ministro Salomão, é possível concluir que a conduta de hipótese criminal de Hardt envolve peculato, corrupção e prevaricação o que faria sentido encaminhar o inquérito à procuradoria-geral da República, após decidida a questão administrativa.

No entanto, o ministro Luís Roberto Barroso Barroso anulou o afastamento de Gabriela Hardt e Danilo Pereira por considerar a decisão monocrática e arbitrária e pediu vista, mas manteve o afastamento dos desembargadores Loraci Flores e Thompson Flores.

 

Fonte: Por Gerson Almeida, em A Terra é Redonda/Brasi 247/Jornal GGN

 

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