terça-feira, 23 de abril de 2024

“Cara-crachá” e núcleo comercial: como PCC controla pavilhão prisional

Uma investigação recente do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) trouxe à luz os requintes da engrenagem controlada pelo Primeiro Comando da Capital (PCC) no sistema prisional, incluindo um rígido controle dos faccionados e núcleos “comerciais” que alimentam um mercado paralelo.

Os detalhes foram divulgados após a deflagração da Operação Decretados, na última quinta-feira (18/4), quando promotores e policiais saíram às ruas para cumprir 116 mandados de prisão em Minas Gerais e São Paulo — a maioria das ordens judiciais, inclusive as três em território paulista, foi cumprida em presídios, segundo o MPMG.

De acordo com o promotor Thiago Ferraz de Oliveira, do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) de Uberlândia, a descoberta sobre as operações do PCC aconteceu durante a investigação sobre a entrada de drogas e celulares dentro Presídio Professor Jacy de Assis, que fica na cidade do Triângulo Mineiro.

A entrada de material proibido no local, segundo o promotor, vinha ocorrendo de forma descontrolada após um problema técnico que tirou de funcionamento um aparelho de body scan — a suspeita é que houve uma sabotagem. “Também havia a denúncia de um plano para executar um policial penal”, disse Oliveira.

Em busca de elementos e pistas, uma equipe coordenada pelo MPMG realizou buscas na Ala E do presídio de Uberlândia, conhecida como “Pavilhão do PCC”. Foram as anotações e mensagens extraídas dos celulares apreendidos que levaram os promotores a mapear a estrutura da organização criminosa e, assim, planejar a operação com foco nos núcleos de fora da cadeia.

Os mandados cumpridos na quinta-feira, segundo Oliveira, tinham como principais alvos homens e mulheres que estavam nas ruas e davam sustentação à estrutura interna dos presídios

Venda de drogas e aluguel de quadra

De acordo com as anotações coletadas, os integrantes da facção eram divididos em núcleos dentro do pavilhão, com distribuição de tarefas acompanhadas de perto pela organização criminosa.

Trata-se, segundo os promotores, de um esquema montado para o PCC consolidar seu poder dentro do sistema prisional, criando uma economia paralela que beneficia seus interesses.

As atividades coordenadas incluem, por exemplo, a venda de drogas — que funciona como uma moeda no presídio —, aluguel de quadra de futebol, apostas de partidas de futebol e dívidas. Os setores mapeados são os seguintes:

1.       Esporte

2.       Tabacaria

3.       Caixa do Jogo do Bicho

4.       Jet Geral Financeiro

5.       Arquivo Morto

6.       Disciplina

7.       Cadastro

8.       Lista Negra

9.       Trivela

10.     Jet Geral da Unidade

11.     Papelaria

12.     Jet do Pavilhão

13.     Geral do Cadastro

14.     Trabalho da Sintonia

15.     Apoiadores

16.     Comunicador

17.     Salveiro

18.     Jet Pavilhão da Financeira

19.     Setor Gaiola

20.     Kaô

21.     Almoxarifado

“Cara-crachá”

O controle dos faccionados do presídio era feito por meio de um cadastro conhecido como “cara-crachá”. Assim, cada integrante da organização criminosa tinha todos os dados detalhados em uma ficha.

Veja as informações contidas no cadastro de cada faccionado do PCC:

1.       Nome do integrante

2.       Data de nascimento

3.       Idade

4.       Nome da mãe

5.       Data e local do batismo

6.       Vulgo de batismo

7.       Origem da quebrada (com controle inclusive se é proveniente de outra UF)

8.       Funções ocupadas

9.       Presídio onde o faccionado encontra-se recluso

10.     Se possui dívida com a “família” (PCC)

11.     Se foi punido pela facção em alguma oportunidade

12.     Posto atual

De acordo com o MPMG, os presos faccionados mantêm contato frequente com integrantes da organização criminosa que estão soltos. Estes realizam tarefas e cumprem ordens, como a prática de crimes, para a arrecadação de valores para a facção dentro e fora da prisão.

A Operação Decretados teve o apoio das polícias Civil, Militar e Penal, além de contar com o suporte de 27 viaturas e um helicóptero. As investigações sobre a atuação do PCC no presídio, segundo os promotores, vão continuar.

 

       Quem são os chefões do PCC soltos pela Justiça que continuam no crime

 

Pelo menos 10 chefões do Primeiro Comando da Capital (PCC) que deixaram a cadeia pela porta da frente, beneficiados por habeas corpus ou cumprimento de pena na Justiça, viraram alvo de novas investigações envolvendo a facção criminosa.

O caso mais recente mira Silvio Luís Ferreira, o Cebola, e Décio Gouveia Luiz, o Décio Português, denunciados pelo esquema de lavagem de R$ 20,9 milhões do PCC na empresa UpBus, que opera linhas de ônibus na zona leste da capital paulista. Ambos estão foragidos.

Em 2014, Cebola estava preso preventivamente por tráfico de drogas e deixou a Penitenciária 2 de Presidente Venceslau, no interior paulista, após conseguir um habeas corpus. Condenado pelo crime meses depois, ele tem escapado da polícia há 10 anos e não pisou mais na cadeia.

O traficante também é apontado em investigação do Ministério Público de São Paulo (MPSP) como “Sintonia Final do Progresso”, célula responsável pela logística de cargas de cocaína, a principal atividade econômica da facção.

Já Décio Português, que é autor de roubos milionários na década de 1990, saiu da Penitenciária Federal de Mossoró, no Rio Grande do Norte, por decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em agosto de 2023. Na prisão mais recente, ele estava detido por uso de documento falso.

        Atentado contra autoridades

Também em liberdade, Patric Velinton Salomão, o Forjado, é apontado atualmente como o número um do PCC nas ruas. Ele deixou o presídio federal de Brasília em fevereiro de 2022, após cumprir pena por tráfico de drogas.

Um ano depois, Forjado teve o nome envolvido em uma articulação para matar o senador Sergio Moro (União-PR), a família do parlamentar e o promotor Lincoln Gakiya, do MPSP, considerado o maior especialista em combate ao PCC no país. O plano de atentado foi descoberto pela Operação Sequaz, da Polícia Federal (PF).

Outra alvo da Sequaz era Sidney Rodrigo Aparecido Piovesan, o El Sid, que coleciona passagens por roubo, tráfico de drogas, explosão a caixa eletrônico e tentativas de assassinatos contra policiais militares de São Paulo.

Mesmo com mandado de prisão em análise, El Sid deixou a Penitenciária 1 de São Vicente, no litoral paulista, pela porta da frente, em setembro de 2022. O episódio gerou procedimento na Justiça paulista para apurar “soltura indevida”. O criminoso, no entanto, nunca foi pego de novo.

        Congresso na mira

Um desdobramento da Operação Sequaz, meses depois, identificou a participação de mais dois chefões do PCC na chamada “Sintonia Restrita”, célula de elite responsável por monitorar e planejar atentados contra autoridades. O grupo pesquisou os endereços das residências oficiais dos presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD).

Um dos chefões envolvidos é Pedro Luiz da Silva Soares, o Chacal, que tem histórico de roubo a caixa eletrônico e esteve na primeira leva de grandes lideranças do PCC transferidas para presídios federais, no início de 2019.

Chacal saiu pela porta da frente da Penitenciária Federal de Mossoró, após cumprir 9 anos de prisão por roubo e formação de quadrilha, e está em liberdade desde o fim de outubro de 2023.

A investigação também encontrou mensagens do grupo que faziam referência a um criminoso chamado “Lelê”. Para o MPSP, trata-se de Ulisses Scotti de Toledo, 38 anos, que deixou a cadeia em 2020 por cumprimento de pena.

        André do Rap

Já o narcotraficante André Oliveira Macedo, o André do Rap, foi solto em outubro de 2020. Ele era apontado como responsável pelo envio de drogas à Europa, por meio do Porto de Santos, no litoral de São Paulo.

A decisão de soltá-lo foi do então ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), com argumento de que o criminoso estava preso sem sentença definitiva (trânsito em julgado) e além do tempo limite previsto em lei.

Pouco depois, o ministro Luiz Fux, então presidente do STF, suspendeu a decisão. André do Rap, entretanto, já havia saído da Penitenciária de Presidente Venceslau. Hoje, a suspeita é que ele esteja no exterior e comande o tráfico de cocaína do PCC a partir da Bolívia.

Sócio de André do Rap, o traficante Suaélio Martins Lleda, o Peixe, recebeu alvará de soltura para cumprir a pena em casa, em julho de 2020, por fazer parte do grupo de risco durante a pandemia de Covid. Condenado a mais de 40 anos, ele não voltou para o endereço informado à Justiça e fugiu.

        Tráfico de armas

Posto em liberdade em 2018, após cumprir 20 anos de cadeia, Marcos Paulo Nunes da Silva, o Baianinho Vietnã, é um membro antigo do PCC, apontado como um dos primeiros financiadores do tráfico de drogas da facção.

Em dezembro de 2023, ele voltou ao radar da polícia na Operação Dakovo, deflagrada pela PF, para combater o tráfico internacional de armas. O grupo investigado é suspeito de enviar 43 mil armas de fogo para o território nacional.

Fecha a lista Elvis Riola de Andrade, o Cantor, ex-diretor da escola de samba Gaviões da Fiel, que chegou a ser capturado na Bolívia e devolvido para o Brasil em janeiro deste ano.

“Não vamos permitir que criminosos com antecedentes no exterior invadam a paz do povo boliviano”, comemorou Eduardo Del Castillo, ministro de Governo do país vizinho, na ocasião.

Ele, no entanto, acabou sendo colocado em liberdade no dia seguinte, porque não havia mandado de prisão contra ele no Brasil, por decisão do STJ. Em São Paulo, cumpriu pena por matar, a mando da cúpula do PCC, um agente penitenciário em Presidente Bernardes, no interior paulista, em 2009.

        Rivais de Marcola negam nova facção em meio a racha do PCC

O advogado Rogério Santos, que representa dois envolvidos no racha do Primeiro Comando da Capital (PCC), nega que os rivais de Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola, tenham fundado uma nova facção criminosa. O possível surgimento do Primeiro Comando Puro (PCP) foi detectado por setor de inteligência da Polícia Civil no mês passado.

Santos é o defensor legal de Roberto Soriano, o Tiriça, apontado como o pivô do conflito na alta cúpula do PCC, e de Abel Pacheco de Andrade, o Vida Loka, que já foi indicado como o número 2 da facção. Eles estão presos na Penitenciária Federal de Brasília, a mesma de Marcola, a quem acusam de “delator”, segundo investigação.

O advogado diz ter se reunido com os dois presos, em atendimento jurídico monitorado, no dia 2 de abril. “Ambos afirmaram que, em momento algum, se aventou qualquer possibilidade da criação de uma nova facção”, afirma, em nota enviada ao Metrópoles.

Ainda segundo o defensor, Tiriça e Vida Loka teriam classificado a informação do surgimento do PCP como “inexistente” e “absolutamente inexplicável” – uma vez que seria “impossível tal articulação” estando detidos em uma cadeia de segurança máxima.

        PCP

As informações sobre o surgimento do PCP circularam nos bastidores do Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP), unidade especializada da Polícia Civil. Até o momento, no entanto, a nova facção não foi confirmada oficialmente pela instituição ou pelo Ministério Público de São Paulo (MPSP).

O PCP também não é citado no relatório da Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen), assinado no início de abril, que recomenda a permanência de Vida Loka no sistema federal.

Na nota, o advogado, que não nega o racha na alta cúpula do PCC, se refere à nova facção como “factoide” e “ficção criada”. Também diz que não haveria aliança dos dissidentes com o Comando Vermelho (CV), a maior organização criminosa do Rio de Janeiro, inimiga do PCC.

“[São] meras especulações das autoridades replicadas pelos meios de comunicação”, escreve.

        Racha no PCC

O principal motivo do conflito, que já é considerado histórico, seria um diálogo gravado entre Marcola e policiais penais federais, na Penitenciária Federal de Porto Velho (RO). Na ocasião, o líder máximo do PCC afirma que Tiriça, outro antigo aliado, seria um “psicopata”.

A declaração foi usada por promotores durante o julgamento de Tiriça, que foi condenado a 31 anos e 6 meses de prisão, em 2023, por ser o mandante do assassinato da psicóloga Melissa de Almeida Araújo.

O terceiro chefão do PCC a romper com Marcola foi Wanderson Nilton de Paula Lima, o Andinho.

Segundo o promotor Lincoln Gakiya, também há outras duas lideranças dissidentes: Daniel Vinicius Canônico, o Cego, e Valdeci Alves dos Santos, o Colorido.

        Rastro de violência

Por causa do conflito, aliados de Marcola começaram a tomar as “biqueiras”, como são chamados os pontos de venda de drogas em São Paulo, que pertenciam aos dissidentes.

Familiares dos ex-líderes também manifestam medo de perder seus bens adquiridos com os negócios e o dinheiro do PCC. Alguns deles chegaram a procurar a polícia para pedir proteção.

O conflito deixa, ainda, um rastro de sangue em cidades paulistas. A primeira morte a se tornar pública foi a do traficante Donizete Apolinário da Silva, de 55 anos, aliado de Marcola, que foi assassinado a tiros quando caminhava com a esposa, de 29, e com a enteada, de 10, em Mauá, na Grande São Paulo, em fevereiro.

No mês seguinte, Luiz dos Santos Rocha, o Luiz Conta Dinheiro, foi fuzilado quando chegava de carro em casa, em Atibaia, no interior. Apontado como “tesoureiro do PCC”, ele era beneficiado por uma saidinha temporária.

Também em março, Cristiano Lopes da Costa, o Meia Folha, foi morto a tiros em uma lanchonete no bairro Vicente de Carvalho, no Guarujá, litoral paulista. Ele era considerado um dos líderes na região e, segundo testemunhas, foi baleado por um pistoleiro que passou de moto pelo local atirando.

 

Fonte: Metrópoles

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