“Cara-crachá” e núcleo comercial: como PCC controla
pavilhão prisional
Uma investigação
recente do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) trouxe à luz os requintes
da engrenagem controlada pelo Primeiro Comando da Capital (PCC) no sistema
prisional, incluindo um rígido controle dos faccionados e núcleos “comerciais”
que alimentam um mercado paralelo.
Os detalhes foram
divulgados após a deflagração da Operação Decretados, na última quinta-feira
(18/4), quando promotores e policiais saíram às ruas para cumprir 116 mandados
de prisão em Minas Gerais e São Paulo — a maioria das ordens judiciais,
inclusive as três em território paulista, foi cumprida em presídios, segundo o
MPMG.
De acordo com o
promotor Thiago Ferraz de Oliveira, do Grupo de Atuação Especial de Combate ao
Crime Organizado (Gaeco) de Uberlândia, a descoberta sobre as operações do PCC
aconteceu durante a investigação sobre a entrada de drogas e celulares dentro
Presídio Professor Jacy de Assis, que fica na cidade do Triângulo Mineiro.
A entrada de material
proibido no local, segundo o promotor, vinha ocorrendo de forma descontrolada
após um problema técnico que tirou de funcionamento um aparelho de body scan —
a suspeita é que houve uma sabotagem. “Também havia a denúncia de um plano para
executar um policial penal”, disse Oliveira.
Em busca de elementos
e pistas, uma equipe coordenada pelo MPMG realizou buscas na Ala E do presídio
de Uberlândia, conhecida como “Pavilhão do PCC”. Foram as anotações e mensagens
extraídas dos celulares apreendidos que levaram os promotores a mapear a estrutura
da organização criminosa e, assim, planejar a operação com foco nos núcleos de
fora da cadeia.
Os mandados cumpridos
na quinta-feira, segundo Oliveira, tinham como principais alvos homens e
mulheres que estavam nas ruas e davam sustentação à estrutura interna dos
presídios
Venda de drogas e
aluguel de quadra
De acordo com as
anotações coletadas, os integrantes da facção eram divididos em núcleos dentro
do pavilhão, com distribuição de tarefas acompanhadas de perto pela organização
criminosa.
Trata-se, segundo os
promotores, de um esquema montado para o PCC consolidar seu poder dentro do
sistema prisional, criando uma economia paralela que beneficia seus interesses.
As atividades
coordenadas incluem, por exemplo, a venda de drogas — que funciona como uma
moeda no presídio —, aluguel de quadra de futebol, apostas de partidas de
futebol e dívidas. Os setores mapeados são os seguintes:
1. Esporte
2. Tabacaria
3. Caixa do Jogo do Bicho
4. Jet Geral Financeiro
5. Arquivo Morto
6. Disciplina
7. Cadastro
8. Lista Negra
9. Trivela
10. Jet Geral da Unidade
11. Papelaria
12. Jet do Pavilhão
13. Geral do Cadastro
14. Trabalho da Sintonia
15. Apoiadores
16. Comunicador
17. Salveiro
18. Jet Pavilhão da Financeira
19. Setor Gaiola
20. Kaô
21. Almoxarifado
“Cara-crachá”
O controle dos
faccionados do presídio era feito por meio de um cadastro conhecido como
“cara-crachá”. Assim, cada integrante da organização criminosa tinha todos os
dados detalhados em uma ficha.
Veja as informações
contidas no cadastro de cada faccionado do PCC:
1. Nome do integrante
2. Data de nascimento
3. Idade
4. Nome da mãe
5. Data e local do batismo
6. Vulgo de batismo
7. Origem da quebrada (com controle
inclusive se é proveniente de outra UF)
8. Funções ocupadas
9. Presídio onde o faccionado encontra-se
recluso
10. Se possui dívida com a “família” (PCC)
11. Se foi punido pela facção em alguma
oportunidade
12. Posto atual
De acordo com o MPMG,
os presos faccionados mantêm contato frequente com integrantes da organização
criminosa que estão soltos. Estes realizam tarefas e cumprem ordens, como a
prática de crimes, para a arrecadação de valores para a facção dentro e fora da
prisão.
A Operação Decretados
teve o apoio das polícias Civil, Militar e Penal, além de contar com o suporte
de 27 viaturas e um helicóptero. As investigações sobre a atuação do PCC no
presídio, segundo os promotores, vão continuar.
Quem são os chefões do PCC soltos pela
Justiça que continuam no crime
Pelo menos 10 chefões
do Primeiro Comando da Capital (PCC) que deixaram a cadeia pela porta da
frente, beneficiados por habeas corpus ou cumprimento de pena na Justiça,
viraram alvo de novas investigações envolvendo a facção criminosa.
O caso mais recente
mira Silvio Luís Ferreira, o Cebola, e Décio Gouveia Luiz, o Décio Português,
denunciados pelo esquema de lavagem de R$ 20,9 milhões do PCC na empresa UpBus,
que opera linhas de ônibus na zona leste da capital paulista. Ambos estão foragidos.
Em 2014, Cebola estava
preso preventivamente por tráfico de drogas e deixou a Penitenciária 2 de
Presidente Venceslau, no interior paulista, após conseguir um habeas corpus.
Condenado pelo crime meses depois, ele tem escapado da polícia há 10 anos e não
pisou mais na cadeia.
O traficante também é
apontado em investigação do Ministério Público de São Paulo (MPSP) como
“Sintonia Final do Progresso”, célula responsável pela logística de cargas de
cocaína, a principal atividade econômica da facção.
Já Décio Português,
que é autor de roubos milionários na década de 1990, saiu da Penitenciária
Federal de Mossoró, no Rio Grande do Norte, por decisão do Superior Tribunal de
Justiça (STJ), em agosto de 2023. Na prisão mais recente, ele estava detido por
uso de documento falso.
• Atentado contra autoridades
Também em liberdade,
Patric Velinton Salomão, o Forjado, é apontado atualmente como o número um do
PCC nas ruas. Ele deixou o presídio federal de Brasília em fevereiro de 2022,
após cumprir pena por tráfico de drogas.
Um ano depois, Forjado
teve o nome envolvido em uma articulação para matar o senador Sergio Moro
(União-PR), a família do parlamentar e o promotor Lincoln Gakiya, do MPSP,
considerado o maior especialista em combate ao PCC no país. O plano de atentado
foi descoberto pela Operação Sequaz, da Polícia Federal (PF).
Outra alvo da Sequaz
era Sidney Rodrigo Aparecido Piovesan, o El Sid, que coleciona passagens por
roubo, tráfico de drogas, explosão a caixa eletrônico e tentativas de
assassinatos contra policiais militares de São Paulo.
Mesmo com mandado de
prisão em análise, El Sid deixou a Penitenciária 1 de São Vicente, no litoral
paulista, pela porta da frente, em setembro de 2022. O episódio gerou
procedimento na Justiça paulista para apurar “soltura indevida”. O criminoso,
no entanto, nunca foi pego de novo.
• Congresso na mira
Um desdobramento da
Operação Sequaz, meses depois, identificou a participação de mais dois chefões
do PCC na chamada “Sintonia Restrita”, célula de elite responsável por
monitorar e planejar atentados contra autoridades. O grupo pesquisou os
endereços das residências oficiais dos presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP),
e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD).
Um dos chefões
envolvidos é Pedro Luiz da Silva Soares, o Chacal, que tem histórico de roubo a
caixa eletrônico e esteve na primeira leva de grandes lideranças do PCC
transferidas para presídios federais, no início de 2019.
Chacal saiu pela porta
da frente da Penitenciária Federal de Mossoró, após cumprir 9 anos de prisão
por roubo e formação de quadrilha, e está em liberdade desde o fim de outubro
de 2023.
A investigação também
encontrou mensagens do grupo que faziam referência a um criminoso chamado
“Lelê”. Para o MPSP, trata-se de Ulisses Scotti de Toledo, 38 anos, que deixou
a cadeia em 2020 por cumprimento de pena.
• André do Rap
Já o narcotraficante
André Oliveira Macedo, o André do Rap, foi solto em outubro de 2020. Ele era
apontado como responsável pelo envio de drogas à Europa, por meio do Porto de
Santos, no litoral de São Paulo.
A decisão de soltá-lo
foi do então ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF),
com argumento de que o criminoso estava preso sem sentença definitiva (trânsito
em julgado) e além do tempo limite previsto em lei.
Pouco depois, o
ministro Luiz Fux, então presidente do STF, suspendeu a decisão. André do Rap,
entretanto, já havia saído da Penitenciária de Presidente Venceslau. Hoje, a
suspeita é que ele esteja no exterior e comande o tráfico de cocaína do PCC a
partir da Bolívia.
Sócio de André do Rap,
o traficante Suaélio Martins Lleda, o Peixe, recebeu alvará de soltura para
cumprir a pena em casa, em julho de 2020, por fazer parte do grupo de risco
durante a pandemia de Covid. Condenado a mais de 40 anos, ele não voltou para o
endereço informado à Justiça e fugiu.
• Tráfico de armas
Posto em liberdade em
2018, após cumprir 20 anos de cadeia, Marcos Paulo Nunes da Silva, o Baianinho
Vietnã, é um membro antigo do PCC, apontado como um dos primeiros financiadores
do tráfico de drogas da facção.
Em dezembro de 2023,
ele voltou ao radar da polícia na Operação Dakovo, deflagrada pela PF, para
combater o tráfico internacional de armas. O grupo investigado é suspeito de
enviar 43 mil armas de fogo para o território nacional.
Fecha a lista Elvis
Riola de Andrade, o Cantor, ex-diretor da escola de samba Gaviões da Fiel, que
chegou a ser capturado na Bolívia e devolvido para o Brasil em janeiro deste
ano.
“Não vamos permitir
que criminosos com antecedentes no exterior invadam a paz do povo boliviano”,
comemorou Eduardo Del Castillo, ministro de Governo do país vizinho, na
ocasião.
Ele, no entanto,
acabou sendo colocado em liberdade no dia seguinte, porque não havia mandado de
prisão contra ele no Brasil, por decisão do STJ. Em São Paulo, cumpriu pena por
matar, a mando da cúpula do PCC, um agente penitenciário em Presidente Bernardes,
no interior paulista, em 2009.
• Rivais de Marcola negam nova facção em
meio a racha do PCC
O advogado Rogério
Santos, que representa dois envolvidos no racha do Primeiro Comando da Capital
(PCC), nega que os rivais de Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola, tenham
fundado uma nova facção criminosa. O possível surgimento do Primeiro Comando Puro
(PCP) foi detectado por setor de inteligência da Polícia Civil no mês passado.
Santos é o defensor
legal de Roberto Soriano, o Tiriça, apontado como o pivô do conflito na alta
cúpula do PCC, e de Abel Pacheco de Andrade, o Vida Loka, que já foi indicado
como o número 2 da facção. Eles estão presos na Penitenciária Federal de Brasília,
a mesma de Marcola, a quem acusam de “delator”, segundo investigação.
O advogado diz ter se
reunido com os dois presos, em atendimento jurídico monitorado, no dia 2 de
abril. “Ambos afirmaram que, em momento algum, se aventou qualquer
possibilidade da criação de uma nova facção”, afirma, em nota enviada ao
Metrópoles.
Ainda segundo o
defensor, Tiriça e Vida Loka teriam classificado a informação do surgimento do
PCP como “inexistente” e “absolutamente inexplicável” – uma vez que seria
“impossível tal articulação” estando detidos em uma cadeia de segurança máxima.
• PCP
As informações sobre o
surgimento do PCP circularam nos bastidores do Departamento de Homicídios e de
Proteção à Pessoa (DHPP), unidade especializada da Polícia Civil. Até o
momento, no entanto, a nova facção não foi confirmada oficialmente pela
instituição ou pelo Ministério Público de São Paulo (MPSP).
O PCP também não é
citado no relatório da Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen),
assinado no início de abril, que recomenda a permanência de Vida Loka no
sistema federal.
Na nota, o advogado,
que não nega o racha na alta cúpula do PCC, se refere à nova facção como
“factoide” e “ficção criada”. Também diz que não haveria aliança dos
dissidentes com o Comando Vermelho (CV), a maior organização criminosa do Rio
de Janeiro, inimiga do PCC.
“[São] meras
especulações das autoridades replicadas pelos meios de comunicação”, escreve.
• Racha no PCC
O principal motivo do
conflito, que já é considerado histórico, seria um diálogo gravado entre
Marcola e policiais penais federais, na Penitenciária Federal de Porto Velho
(RO). Na ocasião, o líder máximo do PCC afirma que Tiriça, outro antigo aliado,
seria um “psicopata”.
A declaração foi usada
por promotores durante o julgamento de Tiriça, que foi condenado a 31 anos e 6
meses de prisão, em 2023, por ser o mandante do assassinato da psicóloga
Melissa de Almeida Araújo.
O terceiro chefão do
PCC a romper com Marcola foi Wanderson Nilton de Paula Lima, o Andinho.
Segundo o promotor
Lincoln Gakiya, também há outras duas lideranças dissidentes: Daniel Vinicius
Canônico, o Cego, e Valdeci Alves dos Santos, o Colorido.
• Rastro de violência
Por causa do conflito,
aliados de Marcola começaram a tomar as “biqueiras”, como são chamados os
pontos de venda de drogas em São Paulo, que pertenciam aos dissidentes.
Familiares dos
ex-líderes também manifestam medo de perder seus bens adquiridos com os
negócios e o dinheiro do PCC. Alguns deles chegaram a procurar a polícia para
pedir proteção.
O conflito deixa,
ainda, um rastro de sangue em cidades paulistas. A primeira morte a se tornar
pública foi a do traficante Donizete Apolinário da Silva, de 55 anos, aliado de
Marcola, que foi assassinado a tiros quando caminhava com a esposa, de 29, e com
a enteada, de 10, em Mauá, na Grande São Paulo, em fevereiro.
No mês seguinte, Luiz
dos Santos Rocha, o Luiz Conta Dinheiro, foi fuzilado quando chegava de carro
em casa, em Atibaia, no interior. Apontado como “tesoureiro do PCC”, ele era
beneficiado por uma saidinha temporária.
Também em março,
Cristiano Lopes da Costa, o Meia Folha, foi morto a tiros em uma lanchonete no
bairro Vicente de Carvalho, no Guarujá, litoral paulista. Ele era considerado
um dos líderes na região e, segundo testemunhas, foi baleado por um pistoleiro
que passou de moto pelo local atirando.
Fonte: Metrópoles
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