A greve das universidades e os ecos de 2013
A busca daquilo que o mercado
financeiro considera uma “meta fiscal responsável” converteu-se em uma
verdadeira obsessão para o ministro da Fazenda desde o início do ano passado.
Assim como aconteceu com seus antecessores Antonio Palocci, Joaquim Levy e
Paulo Guedes, o atual ocupante do principal posto da política econômica do
governo Lula 3.0 mantém uma espécie de profissão de fé em cumprir com os
requisitos destruidores da austeridade extremada.
A sua declaração mais
recente a esse respeito relaciona-se ao pleito dos servidores públicos
federais, que reivindicam medidas para viabilizar o justo e necessário processo
de recomposição das perdas salariais verificadas ao longo dos últimos anos.
Enquanto a ministra da Gestão, Esther Dweck, buscava alguma solução para
apresentar aos representantes das diferentes categorias da administração púbica
federal na mesa de negociação, Fernando Haddad fechava as portas para qualquer tipo de
entendimento. Ele se saiu com mais uma negativa, pois
segundo disse o “Orçamento está fechado” e não haverá nenhum reajuste em 2024.
A atual conduta do
responsável pela liberação de recursos lembra muito o seu comportamento quando
ocupava o cargo de prefeito de São Paulo. Em 2013 teve início um movimento de
protesto contra um reajuste de R$ 0,20 nas tarifas de transporte público municipal,
aumento esse que havia sido autorizado por ele. Em seu primeiro ano de mandato,
Haddad ignorou o pleito do Movimento Passe Livre, liderado por jovens e
estudantes da capital. A recusa do chefe do Executivo funcionou como
catalisador da reivindicação acabou por desaguar na generalização dos protestos
das chamadas jornadas de 2013.
·
A greve dos servidores
públicos e a recusa de Haddad
Pois agora o seu
comportamento em prol do austericídio corre o risco de provocar novamente uma
ampliação do movimento liderado pelas associações e sindicatos de servidores.
Afinal, é de amplo conhecimento que o titular da Fazenda autorizou e já
concedeu aumentos seletivos para determinadas categorias do funcionalismo. Para
além de reajustes já recebidos pelos funcionários do Legislativo e do
Judiciário, foram autorizadas elevações de vencimentos para Polícia Federal,
Banco Central, Receita Federal, dentre outras. Assim, a ausência de tratamento
isonômico torna ainda mais inaceitável o discurso oficial a respeito de uma
suposta “ausência de recursos” como argumento sempre utilizado para não
negociar.
Ora, a mesma força e
determinação com que Haddad recusa qualquer tipo de concessão às reivindicações
dos servidores parece estar na base de sua convicção e adesão aos pleitos do
financismo. Na mesma planilha com a qual o ministro exibe sua satisfação com a
meta de zerar o déficit primário no presente ano, ali estão também presentes os
gastos com o pagamento de juros da dívida pública. Assim, ao longo dos últimos
doze meses, o Banco Central nos informa que o governo alocou o total de R$ 747
bilhões a título deste tipo de despesa financeira. Trata-se de um valor recorde
na série histórica de tais gastos.
·
Cortes, cortes e mais
cortes
Isso significa dizer
que, ao contrário do que alardeia Haddad todos os dias, os recursos existem e
estão à disposição do governo. Tudo depende de qual é a prioridade que o
titular da Fazenda concede ao destinatário da despesa pública. Quando se trata
de oferecer benesses ao topo do 1% de nossa pirâmide da desigualdade social e
econômica, o Ministro não vacila em nenhum instante. A jogadinha malandra no
plano da retórica reside no uso do singelo adjetivo “primário”. Como no jargão
do financês ele se define como sendo todo gasto não-financeiro, por um
expediente tautológico o pagamento de juros não deve entrar no cômputo de tetos,
limites ou contingenciamento. Uma loucura!
Daí a obstinação do
ministro em promover cortes em áreas como saúde, previdência social, educação,
segurança pública, assistência social, saneamento, salários de servidores,
investimentos públicos em geral, transportes, entre tantas outras. Às favas com
as promessas de Lula durante a campanha eleitoral de 2022 ou com as
necessidades do País e da grande maioria da população. Ao que tudo indica
aquilo que importa mesmo para Haddad é atender às expectativas e às demandas do
povo da Faria Lima. Tanto que, em nenhum momento, ele se preocupou em desmentir
as notícias divulgadas por seus assessores e secretários a respeito da
“necessidade” de se promover a desvinculação dos pisos constitucionais para
saúde e educação.
Além disso, o próprio
Banco Central se encarrega de nos exibir dados que também desmentem o titular
da Fazenda a respeito da suposta indisponibilidade de recursos para colocar o
Brasil na trilha do desenvolvimento social e econômico. É o caso da divulgação
mais recente dos demonstrativos financeiros do órgão, onde estão exibidos os
valores do saldo da Conta Única do Tesouro junto ao Banco. Ali está expresso um
saldo credor de R$ 1,7 trilhão. Trata-se
de valores à disposição da administração federal justamente para que sejam
utilizados na implementação de programas de governo e no encaminhamento das
políticas públicas. Mas o ministro prefere ignorar a realidade e insistir na
prática do austericídio.
Haddad segue focado na
rota dos cortes a todo custo, preocupado apenas em cumprir a meta de déficit
zero para o presente ano. Apesar de todos saberem ser impossível que tal
objetivo seja alcançado sem que sejam sentidos enormes prejuízos na área
social, o ministro segue em frente rumo ao precipício. O dramático desta
tragédia autoimposta é que ele leva para tal aventura o destino político e
eleitoral do terceiro mandato de Lula.
·
Os recursos existem:
R$ 1,7 trilhão na Conta do Tesouro
As pesquisas mais
recentes de popularidade dão conta de dificuldades crescentes enfrentadas pelo
governo no que se refere à opinião pública. Dentre tantos itens apontados nas
respostas aos questionários, chamam a atenção os aspectos relacionados à situação
econômica do País. O presidente da República tem encontrado dificuldades em
fazer com que os candidatos apoiados por ele às prefeituras estejam em
condições de vencer o pleito de outubro.
Já é passado o momento
para que Lula assuma as rédeas do comando da economia e oriente uma mudança de
rumo. Ao final de abril, será ultrapassada a marca de um terço de seu mandato.
Para os próximos 32 meses é fundamental acelerar os programas de governo voltados
ao crescimento das atividades econômicas e à geração de emprego. Mas para
tanto, o titular do Planalto precisa se convencer, assim como ocorreu com
o Diretório Nacional de seu partido em dezembro passado, de que o austericídio opera com um tiro em seu próprio pé.
Ø Crônica sobre paciência política, enganos e marasmos. Por Ubiratan
de Paula Santos
Não se consegue moer a
carne dura, fazer pamonha, erguer uma casa, plantar uma roça – nada disso sem
esforço, muita paciência, perseverança e muita psicologia pro tempero. O mundo
endireitou a partir do final do século passado. Os que bateram palmas pelo fim
da URSS e para o triunfo da “liberdade” ocidental (aliás, muitos ainda
persistem na trilha) deveriam perceber algo. O fim da experiência de construir
um outro rumo para os povos está associado ao desaparecimento da
socialdemocracia como nasceu e vigeu até anos 80, dos partidos socialistas, dos
partidos comunistas que contam, do enfraquecimento dos sindicatos; foram
substituídos pelos verdes que globalmente se alinham com a direita, pelos
movimentos identitários sem capacidade de construir hegemonia para disputar o
todo e não apenas do segmento pelo qual batalham justos direitos, pelo reviver
da religiosidade fanática que contamina o dia do povão, pela hegemonia do
imperialismo como nunca vista nos últimos 100 anos, pelo aumento das guerras,
das desigualdades, da concentração de renda e fortuna nos 0,1% mais ricos – ou
seja, pela retomada do conservadorismo, do ultradireitismo de toda sorte e com
força.
Aqui no Brasil tivemos
exemplo dos “bem-intencionados”, desses que povoam o inferno, na campanha e
operação Delenda PT, que acabou por atingir muito mais do que o partido, ceifou
raízes da esquerda toda, dos sindicatos, no mundo da cultura, nos direitos do
povo, interditando o avanço da democracia política, econômica, social,
cultural, da solidariedade, do humanismo, da vida. Muito embora – sendo
generoso no arco político – o PT, PSOL, PDT, PSB e as centrais sindicais
devessem ser os protagonistas de um esforço de luta política e ideológica, eles
não têm mais tração para tal. Vivem da desunião e da disputa pelo secundário e,
mais uma vez, repetindo o Barão de Itararé, “De onde menos se espera é
que não sai nada, mesmo”.
Contrário aos que
acham que governo tem uma tarefa e os partidos e movimentos outra, me alinho
entre os que, sem desconhecer as diferenças entre Estado e sociedade civil,
seus papeis, quando se disputa o poder político em qualquer instância, no caso
concreto, retomando o governo federal, espera-se desse um papel transformador,
o organizador e animador coletivo das mudanças. Todas as transformações
relevantes partiram do espaço do poder conquistado – na Rússia, na China, em
Cuba, no Vietnã e por aqui com o fim da República Velha em 1930 e nos três
governos com mandatos inteiros hegemonizados pelo PT.
Dito isto, nosso
governo precisa arriscar, desafiar, se mostrar aos olhos do povo com clareza,
que tem lado, prioridades e a cada decisão sobre educação, sobre os uberizados,
sobre a Petrobrás, sobre o projeto que propõe a redução dos custos da energia, sobre
a Amazônia, sobre o BNDES, sobre a política externa, sobre isenções ou não às
igrejas e a bufunfa dos pastores, sobre autonomia ou não do BC, sobre reforma
tributária, sobre o PAC, sobre desoneração fiscal para setores empresariais,
sobre os gastos com o planos safra, sobre por que fazer ou não reforma agrária,
por que gastar mais em saúde, por que não cabem os juros elevados e por que
rechaçar a cantilena “mercadista” de fazer superávits fiscais.
Ele deve utilizar
todos os meios de comunicação possíveis e impossíveis para reiterada e
incansavelmente explicar, debater as razões da opção que está tomando, tomar a
iniciativa do debate, mesmo em temas que possam parecer os mais difíceis de
compreensão e mesmo de aceitação momentânea. Mas o governo é de coalizão; sim,
mas eles, os aliados ao centro, só estão no governo porque Lula foi o
candidato; o nordeste e o povo pobre que ganha até dois salários votou em sua
grande maioria no Lula. Esse centro político, que foi importante para ganhar as
eleições, foi eliminado provisoriamente de relevância eleitoral desde a
operação Aécio em 2014, estopim para o golpe. E, também porque o programa que
defendemos nas eleições passadas e os realizados em governos antes não afrontam
os interesses desse Centro, exceto o de serem constrangidos a sair do quadrado
ideológico do neoliberalismo em que vivem aprisionados, mas com a vantagem de
travarem batalhas futuras pela hegemonia num terreno de mais democracia.
Precisamos de um
governo de briga e pelo qual briguemos com fúria, gosto, disposição,
desprendimento e sacrifício, como nos velhos tempos de luta pelo socialismo e
contra a ditadura. E os lutadores precisamos nos concentrar, ter lado, cerrar
fileiras no principal. Assim, não cabe ditar regras da democracia que cada um
quer para outros povos, esses decidam seu destino, principalmente quando está
em jogo um complexo teatro de operações global onde o império sacoleja o mundo
pra escuridão.
Fonte: Por Paulo
Kliass, em Outras Palavras
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