Teresa Liporace: Como os consumidores irão
puxar a transição ecológica
O movimento dos
consumidores adotou o dia 15 de março como o Dia Mundial dos Direitos do
Consumidor. As celebrações que acontecem a cada ano reforçam direitos
conquistados a partir de denúncias de especialistas sobre graves riscos à saúde
e à segurança dos consumidores e ao meio ambiente. Foram inúmeros os casos em
que problemas e riscos de grande impacto ainda não eram percebidos pelo
consumidor comum, nem assumidos por autoridades e setores econômicos, quando
começavam a ser alardeados pelos ativistas. A produção de evidências
científicas e campanhas de comunicação expondo práticas abusivas e injustiças
sociais engajaram consumidores e eleitores na defesa de pautas importantes.
Algumas poucas empresas identificaram oportunidades em assumir a liderança na
conquista da confiança dos consumidores adotando as melhores práticas.
Tomadores de decisão mais sensíveis a questões sociais deram os primeiros
passos na direção de políticas públicas e medidas regulatórias necessárias para
o saneamento do mercado de consumo. E essa dinâmica resultou em conquistas
importantes para a agenda consumerista mundial ao longo da história.
Estamos diante da
maior ameaça planetária e ainda não estamos nem perto de alcançar medidas
suficientes para limitar o aquecimento global às metas do Acordo de Paris.
Nossa resposta ainda está muito aquém do mínimo necessário para limitar o
aumento da temperatura a 1,5°C, e provavelmente até mesmo a 2°C. Mais do que
nunca, é fundamental que consumidores de todo o mundo se engajem nesta batalha,
que não terminará até que diferentes soluções sejam empreendidas para a
descarbonização da economia global até atingirmos zero emissões líquidas. Todos
os setores econômicos terão que se envolver em processos de transição para
modelos de produção sustentáveis e com baixa emissões.
O uso de recursos
naturais mais do que triplicou desde 1970, chegando a noventa e dois bilhões de
toneladas em 2017 e, em se tratando de materiais metálicos, o seu uso tem
crescido a uma taxa de 2,7% ao ano. Noventa por cento da perda de habitat e do
estresse hídrico são causados pela extração e processamento de recursos, que
também contribuem para cerca de metade das emissões globais de gases de efeito
estufa. O declínio da biodiversidade compromete a capacidade da natureza
continuar provendo benefícios essenciais à saúde e qualidade da vida humana. E
os custos gerados com a perda de biodiversidade afetam de forma desigual a
população mundial, uma vez que a globalização aumentou a separação geográfica
entre a demanda e a oferta pelos recursos naturais.
Muitos dos produtos
que adquirimos não duram o tempo que deveriam. Lâmpadas que queimam e pilhas
que se esgotam após um período de uso aquém da expectativa dos consumidores,
roupas que saem de moda rapidamente e celulares que se tornam incompatíveis com
as atualizações dos sistemas operacionais são apenas alguns dos exemplos de uma
prática conhecida desde a década de 20 como obsolescência programada. Ela
impulsiona o consumo desmedido e o descarte prematuro, já que é responsável
pela redução do tempo de vida dos produtos, além de afetar a economia das
famílias, o meio ambiente e contribuir para o agravamento das mudanças
climáticas e da perda da biodiversidade.
Muitos produtos são
projetados para se tornarem inutilizáveis ou obsoletos dentro de poucos anos,
ou ainda, para terem sua funcionalidade reduzida logo após o período de
garantia. Os consumidores querem ter seu produto reparado, mas o custo das
peças e da mão de obra acabam não compensando. E, em muitos casos, a falta de
peças no mercado inviabiliza o conserto do produto. Esse consumidor, que pode
ter motivações financeiras ou mesmo consciência ambiental, acaba optando pelo
descarte e aquisição de um novo produto. Trata-se de uma condição de mercado
que estimula a inutilização de produtos que poderiam ser utilizados por mais
tempo, gerando uma enorme quantidade de resíduos.
Os aterros sanitários
abertos contribuem para a contaminação da água potável e podem causar infecções
e transmitir doenças. A dispersão de detritos polui os ecossistemas prejudica a
saúde dos habitantes, das cidades e do ambiente. Os resíduos de equipamentos
eletroeletrônicos são aqueles que contêm as substâncias mais perigosas e
complexas representando um desafio crescente, tanto nos países desenvolvidos
como nos países em desenvolvimento. Alguns dos componentes encontrados no lixo
eletrônico podem representar riscos à saúde, devido à toxicidade de substâncias
como chumbo, cobre, mercúrio, cádmio, dentre outras.
O Painel Internacional
sobre Mudanças Climáticas dedicou um capítulo em seu relatório de 2022 às
políticas relacionadas ao lado da demanda. Examinou questões como escolhas de
energia do consumidor, economia circular e economia compartilhada. Além disso, os
gastos do consumidor representam cerca de 60% do PIB na maioria dos países da
OCDE e estão se expandindo rapidamente em muitas economias emergentes. O
consumidor é um agente econômico importante, capaz de interferir no equilíbrio
de um mercado onde as práticas degenerativas predominam, ao fazer escolhas
alinhadas ao enfrentamento das crises globais. O desafio é desbloquear este
potencial com medidas que permitam qualquer consumidor, independentemente da
sua situação financeira, desempenhar um papel ativo na transição ecológica sem
impor um estilo de vida específico e sem discriminação social.
Governo e empresas
devem disponibilizar aos consumidores informações, alternativas e condições
necessárias para adotarem um estilo de vida mais sustentável. A Comissão
Europeia, vem avançando com um conjunto de propostas alinhadas ao European
Green Deal, ou Pacto Ecológico Europeu, que preveem, entre outras medidas, a
possibilidade de reparação dos produtos no pós-venda, como um requisito de
projeto e produção; e a disponibilidade de informação sobre a possibilidade de
reparação e a durabilidade dos produtos para subsidiar as escolhas do
consumidor. No Brasil, começamos a dar os primeiros passos com a tramitação no
Congresso Nacional do Projeto de Lei n° 1874, de 2022, que Institui a Política
Nacional de Economia Circular. E em janeiro de 2024, foi lançada a Nova
Indústria Brasil, política que tem como objetivos fortalecer a indústria
brasileira, por meio de estímulos à competitividade e à inovação, e que
considera aspectos de economia circular em algumas das frentes prioritárias
anunciadas.
Para uma verdadeira
transição ecológica acontecer, é importante que ocorram mudanças fundamentais
na maneira como as demandas e necessidades dos consumidores são moldadas e
atendidas. O papel do consumidor ainda parece ser pouco considerado no conjunto
de políticas voltadas à neoindustrialização, assim como a necessidade de
medidas para minimizar a assimetria de informação que permeia as relações entre
os agentes econômicos, assim como dados e ferramentas que apoiem escolhas
sustentáveis
Fonte: Um só Planeta
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