sábado, 24 de fevereiro de 2024

Teresa Liporace: Como os consumidores irão puxar a transição ecológica

O movimento dos consumidores adotou o dia 15 de março como o Dia Mundial dos Direitos do Consumidor. As celebrações que acontecem a cada ano reforçam direitos conquistados a partir de denúncias de especialistas sobre graves riscos à saúde e à segurança dos consumidores e ao meio ambiente. Foram inúmeros os casos em que problemas e riscos de grande impacto ainda não eram percebidos pelo consumidor comum, nem assumidos por autoridades e setores econômicos, quando começavam a ser alardeados pelos ativistas. A produção de evidências científicas e campanhas de comunicação expondo práticas abusivas e injustiças sociais engajaram consumidores e eleitores na defesa de pautas importantes. Algumas poucas empresas identificaram oportunidades em assumir a liderança na conquista da confiança dos consumidores adotando as melhores práticas. Tomadores de decisão mais sensíveis a questões sociais deram os primeiros passos na direção de políticas públicas e medidas regulatórias necessárias para o saneamento do mercado de consumo. E essa dinâmica resultou em conquistas importantes para a agenda consumerista mundial ao longo da história.

Estamos diante da maior ameaça planetária e ainda não estamos nem perto de alcançar medidas suficientes para limitar o aquecimento global às metas do Acordo de Paris. Nossa resposta ainda está muito aquém do mínimo necessário para limitar o aumento da temperatura a 1,5°C, e provavelmente até mesmo a 2°C. Mais do que nunca, é fundamental que consumidores de todo o mundo se engajem nesta batalha, que não terminará até que diferentes soluções sejam empreendidas para a descarbonização da economia global até atingirmos zero emissões líquidas. Todos os setores econômicos terão que se envolver em processos de transição para modelos de produção sustentáveis e com baixa emissões.

O uso de recursos naturais mais do que triplicou desde 1970, chegando a noventa e dois bilhões de toneladas em 2017 e, em se tratando de materiais metálicos, o seu uso tem crescido a uma taxa de 2,7% ao ano. Noventa por cento da perda de habitat e do estresse hídrico são causados pela extração e processamento de recursos, que também contribuem para cerca de metade das emissões globais de gases de efeito estufa. O declínio da biodiversidade compromete a capacidade da natureza continuar provendo benefícios essenciais à saúde e qualidade da vida humana. E os custos gerados com a perda de biodiversidade afetam de forma desigual a população mundial, uma vez que a globalização aumentou a separação geográfica entre a demanda e a oferta pelos recursos naturais.

Muitos dos produtos que adquirimos não duram o tempo que deveriam. Lâmpadas que queimam e pilhas que se esgotam após um período de uso aquém da expectativa dos consumidores, roupas que saem de moda rapidamente e celulares que se tornam incompatíveis com as atualizações dos sistemas operacionais são apenas alguns dos exemplos de uma prática conhecida desde a década de 20 como obsolescência programada. Ela impulsiona o consumo desmedido e o descarte prematuro, já que é responsável pela redução do tempo de vida dos produtos, além de afetar a economia das famílias, o meio ambiente e contribuir para o agravamento das mudanças climáticas e da perda da biodiversidade.

Muitos produtos são projetados para se tornarem inutilizáveis ou obsoletos dentro de poucos anos, ou ainda, para terem sua funcionalidade reduzida logo após o período de garantia. Os consumidores querem ter seu produto reparado, mas o custo das peças e da mão de obra acabam não compensando. E, em muitos casos, a falta de peças no mercado inviabiliza o conserto do produto. Esse consumidor, que pode ter motivações financeiras ou mesmo consciência ambiental, acaba optando pelo descarte e aquisição de um novo produto. Trata-se de uma condição de mercado que estimula a inutilização de produtos que poderiam ser utilizados por mais tempo, gerando uma enorme quantidade de resíduos.

Os aterros sanitários abertos contribuem para a contaminação da água potável e podem causar infecções e transmitir doenças. A dispersão de detritos polui os ecossistemas prejudica a saúde dos habitantes, das cidades e do ambiente. Os resíduos de equipamentos eletroeletrônicos são aqueles que contêm as substâncias mais perigosas e complexas representando um desafio crescente, tanto nos países desenvolvidos como nos países em desenvolvimento. Alguns dos componentes encontrados no lixo eletrônico podem representar riscos à saúde, devido à toxicidade de substâncias como chumbo, cobre, mercúrio, cádmio, dentre outras.

O Painel Internacional sobre Mudanças Climáticas dedicou um capítulo em seu relatório de 2022 às políticas relacionadas ao lado da demanda. Examinou questões como escolhas de energia do consumidor, economia circular e economia compartilhada. Além disso, os gastos do consumidor representam cerca de 60% do PIB na maioria dos países da OCDE e estão se expandindo rapidamente em muitas economias emergentes. O consumidor é um agente econômico importante, capaz de interferir no equilíbrio de um mercado onde as práticas degenerativas predominam, ao fazer escolhas alinhadas ao enfrentamento das crises globais. O desafio é desbloquear este potencial com medidas que permitam qualquer consumidor, independentemente da sua situação financeira, desempenhar um papel ativo na transição ecológica sem impor um estilo de vida específico e sem discriminação social.

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Governo e empresas devem disponibilizar aos consumidores informações, alternativas e condições necessárias para adotarem um estilo de vida mais sustentável. A Comissão Europeia, vem avançando com um conjunto de propostas alinhadas ao European Green Deal, ou Pacto Ecológico Europeu, que preveem, entre outras medidas, a possibilidade de reparação dos produtos no pós-venda, como um requisito de projeto e produção; e a disponibilidade de informação sobre a possibilidade de reparação e a durabilidade dos produtos para subsidiar as escolhas do consumidor. No Brasil, começamos a dar os primeiros passos com a tramitação no Congresso Nacional do Projeto de Lei n° 1874, de 2022, que Institui a Política Nacional de Economia Circular. E em janeiro de 2024, foi lançada a Nova Indústria Brasil, política que tem como objetivos fortalecer a indústria brasileira, por meio de estímulos à competitividade e à inovação, e que considera aspectos de economia circular em algumas das frentes prioritárias anunciadas.

Para uma verdadeira transição ecológica acontecer, é importante que ocorram mudanças fundamentais na maneira como as demandas e necessidades dos consumidores são moldadas e atendidas. O papel do consumidor ainda parece ser pouco considerado no conjunto de políticas voltadas à neoindustrialização, assim como a necessidade de medidas para minimizar a assimetria de informação que permeia as relações entre os agentes econômicos, assim como dados e ferramentas que apoiem escolhas sustentáveis

 

Fonte: Um só Planeta

 

 

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