sábado, 24 de fevereiro de 2024

Jeferson Miola: Impunidades diplomáticas

Quem representou o Brasil na sessão da Corte Internacional de Justiça [20/2] que julga a ilegalidade da ocupação do território palestino por colonos judeus não foi o embaixador do país na Holanda, Fernando Simas Magalhães, como seria normal, mas a conselheira Maria Clara Tusco, enviada de Brasília especificamente para a ocasião.

No mínimo, uma situação inusitada, que contrastou com o perfil de representação dos demais países, todos representados por níveis hierárquicos superiores das respectivas diplomacias.

Especulou-se, inicialmente, que a substituição significaria um recado a Simas Magalhães, ex-vice-chanceler bolsonarista que participou da reunião preparatória do golpe em 5 de julho de 2022.

Simas é um daqueles servidores públicos civis que participaram da reunião e que, por estarem presentes na cena do crime, testemunharam o crime e, mesmo assim, foram cúmplices, pois se omitiram diante do crime testemunhado.

Porém, menos de 24 horas depois de circular a versão do suposto “recado” a Simas, o site Metrópoles noticiou, a partir de fontes do Itamaraty –em off, como sempre–, que “a decisão de substituir Simas no discurso [na CIJ] visou ‘preservar’ o embaixador”.

Ainda de acordo com a reportagem, “a avaliação era de que sua fala pudesse expor o diplomata, tornando-o suscetível a mais fogo amigo”.

Fogo amigo? Como fogo amigo, se Simas é inimigo do governo atual, em relação ao qual participou de atos da conspiração para impedir que fosse eleito?

Enquanto a omissão do embaixador Simas e dos seus colegas não for apurada por meio da instauração de processo administrativo, não parece adequada a designação deles para representarem o Brasil no exterior. Menos ainda em missões de destaque na presente conjuntura mundial, como Haia.

O Itamaraty deveria adotar as mesmas providências da AGU e da Comissão de Ética Pública. De ofício, abriram processos para apurar a conduta de servidores públicos que participaram do encontro.

A SECOM inclusive cancelou a designação do diplomata Comarci Nunes Filho para o grupo de trabalho da presidência brasileira no G20 depois da revelação de que ele participou da reunião golpista no Planalto.

O Itamaraty tem antecedentes problemáticos a esse respeito. Diplomatas que colaboraram com a ditadura militar, por exemplo, ficaram incólumes. Muitos acabaram promovidos na carreira.

Nenhum, nem mesmo aqueles que de algum modo colaboraram com a ditadura brasileira nos golpes militares nos países vizinhos e nos horrores da Operação Condor, foram investigados e punidos.

Por outro lado, diplomatas considerados críticos dos desmandos, autoritarismos, horrores e corrupções da ditadura, foram cassados ou aposentados compulsoriamente.

No período recente, há o caso do diplomata Milton Rondó. Devido à condição biológica de não ser um diplomata “tipo sangue azul”, Rondó respondeu a dois processos administrativos disciplinares [PAD] e ações na Justiça por enviar telegrama às representações do Brasil no estrangeiro comunicando o golpe contra a presidente Dilma Rousseff.

Já o diplomata Eduardo Paes Saboia, de tradicional capitania hereditária diplomática e com plumagem tucana, teve melhor sorte. Em 2013, numa intromissão indevida em assuntos internos da política na Bolívia, Saboia atuou ativamente na fuga do senador oposicionista Roger Pinto Molina para o Brasil.

Uma falta gravíssima, que deveria ter custado a expulsão dele da carreira, a bem do interesse público.

No entanto, em 2016 Saboia foi recompensado pelo usurpador Michel Temer com a promoção ao posto de embaixador, o mais alto da carreira diplomática. No atual governo, ocupa o importante cargo de Secretário do Itamaraty para a Ásia e o Pacífico.

Ernesto Araújo e a equipe de diplomatas que com ele foram responsáveis pela política externa mais desastrosa da história, que projetava transformar o Brasil num pária internacional, continuam incólumes.

Eles não são alvos de processos administrativos e judiciais. Não respondem pelos prejuízos causados ao Brasil, nem por terem exposto o país ao risco de guerra com a Venezuela, e tampouco pelos desvios na pandemia, que gerou a proposta de indiciamento de Ernesto Araújo e de outro diplomata, Roberto Goidanich, pela CPMI da COVID.

O Brasil é considerado um exemplo mundial no enfrentamento ao fascismo e à extrema-direita antidemocrática.

Neste contexto, é preciso que o Itamaraty mostre providências concretas que aperfeiçoem a lealdade da carreira diplomática brasileira com a legalidade, a probidade e a defesa do Estado de Direito, não com particularismos ideológicos. Mostrar, enfim, que no Itamaraty não há lugar para impunidades diplomáticas.

 

Ø  Maria Carlotto: É erro de análise interpretar a escalada do governo Netanyahu contra Lula como crise diplomática

 

A escalada do governo Netanyahu contra Lula não deve ser lida como crise diplomática entre países. Isso é um erro crasso de análise!

Trata-se de uma investida política da extrema-direita mundial, que funciona em rede, contra um governo democrático que querem enfraquecer.

Explico:

1- Está marcado um protesto pró-Bolsonaro crucial para a sobrevida da extrema-direita brasileira nesta semana e a extrema-direita israelense está jogando para incendiar a opinião pública brasileira e fortalecer Bolsonaro. Eles funcionam por fortalecimento cruzado, entendam isso.

2- Isso explica os tuítes em português, totalmente fora do tom do ministro de relações exteriores de Israel, Israel Katz, do partido de extrema-direita de Netanyahu o LIKUD. Para que isso se não para intervir na política interna do Brasil?

3- Antes disso, em novembro do ano passado, o embaixador de Israel no Brasil encontrou Bolsonaro, líder da oposição, no Congresso Nacional no que foi então considerado uma clara intromissão em assuntos internos por qualquer um que entende minimamente de relações internacionais.

Vale notar que, na minha opinião, errou o governo brasileiro ao não expulsá-lo naquela ocasião ou, ao menos, convocá-lo para dar explicações.

4- Sobretudo porque o encontro veio no bojo daquele episódio hiper controverso da prisão de supostos terroristas do Hezbolah no Brasil por uma ação da Polícia Federal que, segundo o próprio Netanyahu em rede social, contou com a colaboração da agência de inteligência de Israel, o Mossad.

Vale notar, de novo, que, na época, alguns analistas mais ainda atentos viram nisso uma ação de contra inteligência para, na verdade, incidir sobre a opinião pública brasileira e sua percepção sobre a guerra em curso, considerando hostil pelo governo Netanyahu.

5- Por falar em inteligência e contra inteligência, começava a vir à tona nessa época e com mais força a partir de janeiro o escândalo da Abin paralela que tinha como centro um software de espionagem israelense usado pelos bolsonaristas para espionar adversários.

6- O que interessa aqui é que se este software – o FirstMile – foi adquirido formalmente pelo Estado Brasileiro no governo Temer, não é o caso do Darkmetter, um programa criado pelo exército de Israel e adquirido informalmente pelo Gabinete do Ódio segundo reportagem do Intercept.

7- É preciso mais pesquisas e investigações, mas é possível dizer que as colaborações formais e informais entre a extrema-direita brasileira e a extrema-direita israelense são intensas e é à luz delas que, na minha opinião, os ataques desferidos a Lula devem ser interpretados.

8- Aliás, essa colaboração é global. Ou já nos esquecemos que Milei, eleito, fez sua primeira viagem internacional para Israel e, na sequência, de passagem nos EUA, fez uma peregrinação por símbolos da comunidade judaica no país?

9- É por tudo isso, a meu ver, que dentro do espaço político-diplomático disponível, o governo Biden e os principais governos Europeus ameaçados pela extrema-direita ficaram ao lado de Lula e não de Israel.

As fotos para lá de simpáticas de Blinken com Lula agora de manhã [quarta-feira, 21/02], em Brasília, seguida de declarações e, principalmente, não-declarações evidenciam que crise diplomática é delírio de quem não entende o que está acontecendo.

10- Só a imprensa provinciana e o extremo-centro igualmente desavisado não perceberam o verdadeiro contexto político em jogo e viram nesse episódio uma oportunidade para atacar Lula e enfraquecer a esquerda e puxar seu governo mais ainda para a direita.

11-Demorou, mas acho que perceberam e estão se reposicionando.

12- Em tempo, eu não compartilho da visão, a meu ver distorcida, de que Lula negou o holocausto e flertou com o antissemitismo.

Lula, de maneira negociada com líderes mundiais, subiu o tom consideravelmente para alertar Israel que o massacre de Rafah no Ramadã não será tolerado.

13- Não usou a palavra holocausto, mas mencionou Hitler. O fez para alertar que a luta contra o fascismo, ontem e hoje, também conta com articulação global. O resto é resto pessoal.

 

Ø  Tirando o véu dos olhos. Por Artur Scavone

 

Eva Alterman Blay escreveu um artigo – postado no Jornal da USP e republicado no site A Terra é Redonda – afirmando que parte da esquerda odeia os judeus e que “ao se alinhar ao grupo terrorista Hamas, a esquerda abdicou de seus valores morais e intelectuais”.

Convenhamos, não é exatamente uma argumentação honesta acusar a esquerda de ter se alinhado ao Hamas. Falar em “parte da esquerda” é um recurso para evitar conflitos com alguns setores da esquerda.

Mas a acusação é genérica, cabe para qualquer um que condene o governo de Israel de genocida.

Tecendo um conjunto de citações diversas de fatos e declarações que mostram o profundo conflito que envolve o Oriente Médio e repercutem mundo afora, Blay considera que as declarações de ministros do governo de Israel chamando os palestinos de animais e algumas propondo a limpeza de Gaza são “frases infelizes de um membro do Gabinete israelense”.

No entanto, aponta o dedo para políticos de esquerda de fazerem acusações e propostas “com frases que lembram a Inquisição e o nazismo”.

Ou seja, as frases dos ministros de Israel são infelizes; a dos políticos de esquerda lembram o nazismo. Quantos pesos e quantas medidas estão nesse texto?

É preciso tirar a venda dos olhos.

A Torá e o Holocausto não passam de um véu posto pelos atuais governantes de Israel.

São usados através de uma leitura desonesta e instrumental para encobrir sua verdadeira razão de ser na contemporaneidade: Israel é uma base avançada militar atômica – não declarada – no Oriente Médio do império financeiro, industrial e militar norte-americano para preservar o acesso dos EUA ao petróleo e gás, elementos decisivos para manter o dólar como moeda universal e poderio econômico dos EUA.

Sem meias palavras, num arroubo de sinceridade, Robert Kennedy Jr., candidato independente a presidente dos EUA, declarou que “Israel é a nossa fortaleza. É quase como ter um porta-aviões no Oriente Médio. (…) Se Israel desaparecer, os BRICS vão controlar 90% do petróleo do mundo e isso seria uma catástrofe para nossos interesses”.

A Torá e o Alcorão também são instrumentalizados pelos sucessivos governos israelenses.

Os pedidos de paz vindos de sionistas, mesmo daqueles que se pretendem bem intencionados, têm se mostrado tão somente mecanismos para ganhar tempo na implantação de mais colônias ilegais, mais violência contra o povo palestino, que há 75 anos ouve falar de paz vivendo sob um inferno.

Não há santos na região. Nem o Hamas é santo, nem o governo de Israel é santo.

Santos são os homens, mulheres e crianças palestinos e judeus vítimas dos seguidos massacres decorrentes de o Estado sionista querer dominar a região na sua totalidade.

Tanto é verdade que essas são as reais causas do conflito que alguns dos países de tradição islâmica não se alinham necessariamente e de fato ao Hamas ou à causa palestina.

Ao contrário, em 2020, Israel normalizou as suas relações com os Emirados Árabes Unidos e o Bahrein, e reforçou os laços com o Marrocos e o Sudão.

De outro lado, a Arábia Saudita estava em vias de se alinhar a Israel para estabelecer cooperação em matéria de segurança e obter apoio para o seu programa nuclear. Estes é um dos possíveis motivos que levaram o Hamas à ação terrorista do 7 de outubro, entre outros como as décadas de infâmia contra os palestinos.

Seguidores oportunistas do Alcorão e da Torá estão juntos quando está em questão o poderio econômico global.

Têm razão os judeus que acusam Benjamin Netanyahu de usar a Torá para seus fins políticos.

O governo de Israel está conduzindo os judeus de Israel para um caldeirão de ódio cego com o objetivo nítido de expandir sua base territorial e ter uma força militar altamente treinada e permanentemente mobilizada à disposição do império para garantir seu poderio na região.

Fora o governo genocida de Benjamin Netanyahu!

 

Fonte: Viomundo/A Terra é Redonda

 

 

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