Variações no clima aumentam inadimplência e
afeta produtores
Além das mudanças climáticas que afetam diretamente o segmento do
agronegócio, a inadimplência é outro fator
preocupante. De acordo com levantamento realizado pela Serasa Experian, o
percentual geral de devedores do setor é de 28%. O dado de maior atenção, no
entanto, é o dos produtores rurais arrendatários, com plantio nas terras de
propriedade de outra pessoa. Nesse caso, a inadimplência aumentou
significativamente de 9% para 13,7% no período de 2020 a 2023.
O levantamento, que
considera apenas dívidas com vencimento superior a 180 dias e em setores que se
relacionam às atividades principais do agronegócio, foi feito com base em dados
de cerca de 9,5 milhões de donos de propriedades rurais, ou aqueles que tenham
empréstimos e financiamentos da modalidade rural e agroindustrial, distribuídos
em todos estados do país.
As intempéries
climáticas são um risco adicional para o quadro de endividamento, no caso de
produções afetadas. Otto Nogami, professor do Instituto de Ensino e Pesquisa
(Insper), ressalta que o fortalecimento do seguro rural poderia mitigar esses
problemas e garantir a estabilidade financeira dos agricultores. "O seguro
rural é essencial para proteger os produtores contra riscos à safra, como
estiagens e outros eventos climáticos. O governo deveria buscar formas de
modernização e novos modelos para atender ao setor produtivo e fortalecer o
sistema de seguro rural", afirma.
"As mudanças climáticas têm impactado significativamente o seguro
rural, resultando em desafios para os
produtores. Segundo o IBGE, o aumento da frequência de eventos climáticos
adversos contribuiu para elevar as indenizações do seguro rural. Isso significa
que mais produtores estão buscando compensação por perdas relacionadas a
condições climáticas extremas. Secas, enchentes e outros eventos climáticos têm
prejudicado a produção agropecuária, levando a um aumento nas reivindicações de
seguro", ressalta Nogami.
Para o economista, o
cenário de mudanças climáticas também afetou a oferta de seguro rural.
"Com mais sinistros ocorrendo, as seguradoras enfrentam desafios em manter
uma oferta ampla e acessível. Os produtores rurais agora enfrentam maior risco
de perdas sem a devida cobertura de seguro", diz.
"O seguro rural
eficiente é uma alternativa crucial para mitigar esses problemas. Ele permite
que o produtor receba uma quantia relativa ao que foi perdido pelo sinistro e
continue ativo na atividade rural. Mesmo sob a frustração da safra, o seguro rural
oferece suporte financeiro e incentiva os produtores a investirem na
produção", completa Nogami.
Para o economista,
especialista em reestruturação financeira de empresas e membro do Instituto
Brasileiro de Executivos de Finanças, Luís Alberto de Paiva, a situação do
endividamento do setor agro não pode ser resolvida no curto prazo. "A
queda de valores dos produtos agrícolas e pecuários na contramão do custo de
carregamento financeiro dos empréstimos, não reserva alternativas. As
instituições financeiras e fornecedores de insumos na mesma cadeia de valores
não têm saúde financeira suficiente para conceder as condições necessárias de
reperfilamento", frisa.
·
Renegociação
O Ministério da
Agricultura e Pecuária (Mapa) abriu uma oportunidade para renegociar dívidas do
crédito rural para investimentos. A resolução foi necessária diante do fato de
que, na safra 2023/2024, o comportamento climático nas principais regiões
produtoras afetou negativamente algumas lavouras, reduzindo a produtividade em
localidades específicas. Além disso, os produtores rurais também têm enfrentado
dificuldades com a queda dos preços diante do cenário global.
Com a iniciativa, as
instituições financeiras poderão adiar ou parcelar os débitos que irão vencer
ainda em 2024, relativos a contratos de investimentos dos produtores de soja,
de milho e da pecuária leiteira e de corte. "Problemas climáticos e preços
achatados trouxeram incertezas para os produtores. Porém, pela primeira vez na
história, um governo se adiantou e aplicou medidas de apoio antes mesmo do fim
da safra", destaca o ministro da Agricultura e Pecuária, Carlos Fávaro.
O prazo limite para
repactuação é até 31 de maio. As operações contratadas devem estar em situação
de adimplência até 30 de dezembro de 2023. Para enquadramento, os
financiamentos deverão ter amparo do Programa Nacional de Fortalecimento da
Agricultura Familiar (Pronaf), Programa Nacional de Apoio ao Médio Produtor
Rural (Pronamp) e dos demais programas de investimento rural do Banco Nacional
de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), bem como das linhas de
investimento rural dos fundos constitucionais.
¨ Mudanças climáticas constantes impactam em aumento do seguro
rural
O agronegócio brasileiro começou a sentir há alguns anos os
impactos das mudanças climáticas, que
tendem a se agravar ainda mais. Proteger o segmento — responsável pela
segurança alimentar e por 23,8% do Produto Interno Bruto (PIB) do país — das
variações no clima, é, atualmente, o maior desafio do setor.
O seguro rural representa hoje apenas 11,2% do mercado total. Na contramão da emergência climática, a cobertura vem caindo,
em 2023, cerca de 6,2 milhões de hectares contavam com a proteção. Em 2022,
eram 7,3 milhões de hectares cobertos, quase metade da área que contava com
seguro em 2021, que era de 14 milhões de hectares.
Para Daniel Caiche,
professor de MBA da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e especialista em mudanças
climáticas e mercado de carbono, a baixa cobertura indica uma lacuna
significativa na proteção dos agricultores contra os riscos climáticos e outros
imprevistos. "Essa baixa penetração do seguro agrícola pode ser atribuída
a vários fatores, incluindo os custos elevados de contratação, a falta de
acesso ao crédito agrícola e a limitada capacidade das atuais políticas
públicas para atender o grande conjunto de agricultores brasileiros",
avalia.
"Como resultado,
muitos agricultores enfrentam grandes dificuldades em se recuperar de perdas
causadas por eventos climáticos extremos, que podem levar a graves
consequências econômicas e sociais", complementa.
Os desafios são cada
vez mais complexos. Com o aumento da frequência e intensidade de eventos
climáticos extremos, como secas, ventos fortes e inundações, as safras são
prejudicadas, levando a perdas significativas de produção. Além disso, as
mudanças nos padrões de precipitação e o aumento das temperaturas médias afetam
diretamente o crescimento das culturas e a disponibilidade de recursos hídricos
para a irrigação, ampliando a vulnerabilidade do setor agrícola.
O Brasil sofre com a
atuação de dois fenômenos climáticos principais, El Niño e La Niña. O primeiro
provoca tipicamente secas nas regiões Norte e Nordeste do país, enquanto a La
Niña favorece a formação de chuvas nessas mesmas regiões. Já a região Sul é marcada
por maiores volumes de chuva durante o El Niño e, de forma contrária, menores
volumes pluviométricos ocorrem na La Niña. Quanto mais intensos forem esses
fenômenos, mais propensos serão os riscos nas safras, seja por excesso ou falta
de chuva, por altas ou baixas temperaturas.
Considerando as
grandes culturas, responsáveis pela maior parte da produção e exportação
agrícola brasileira, há altos impactos no milho e na soja, por exemplo, que são
altamente sensíveis à falta de água durante os períodos de seca, assim como o
café e a cana-de-açúcar. "Essas culturas são fundamentais para a economia
brasileira, e suas perdas podem ter impactos significativos não apenas nos
agricultores, mas em toda a cadeia produtiva e na segurança alimentar do
país", destaca Caiche.
Sobre as principais
culturas responsáveis pela segurança alimentar, o pesquisador citou os impactos
na cultura do arroz, da mandioca e do feijão, "outro alimento essencial,
pode ter sua produtividade comprometida por variações climáticas, afetando a
oferta e os preços no mercado".
·
Indenizações
Em termos de retorno
aos produtores na forma de indenizações, a desordem climática gerou um grande
aumento no montante de sinistros nos últimos anos. O recorde de indenizações
foi em 2022, sob os efeitos mais severos do El Niño, quando foram pagos R$ 8,8
bilhões a agricultores segurados. O valor pago em 2023 foi bem menor, na casa
dos R$ 2 bilhões.
Seca, granizo e geada
foram responsáveis por 87 % de sinistros no seguro agrícola em pouco mais de 11
anos, segundo levantamento divulgado pela Confederação Nacional das Empresas de
Seguros Gerais, Previdência Privada e Vida, Saúde Suplementar e Capitalização
(CNseg). Esses eventos totalizaram mais de 122.698 ocorrências de um total de
141.354 cadastrados no Registro Nacional de Sinistros (RNS) Rural.
O crescimento do
número de indenizações também gera preocupação quanto à sustentabilidade do
setor. "Isso pressiona as seguradoras a enfrentarem custos crescentes de
sinistros, comprometendo sua rentabilidade e solidez financeira. Os principais
desafios incluem a avaliação precisa de riscos e a precificação adequada das
apólices em um cenário de eventos climáticos extremos cada vez mais
imprevisíveis", destaca o especialista em mudanças climáticas.
Segundo Daniel Caiche,
a necessidade de adaptação e inovação torna-se essencial para desenvolver
produtos de seguro resilientes, implementar práticas de gestão de riscos
eficazes e promover parcerias estratégicas para mitigar os impactos das
mudanças climáticas na agricultura. "Esses desafios demandam uma abordagem
colaborativa entre o setor público e privado, bem como investimentos contínuos
em tecnologia e capacitação para garantir a sustentabilidade a longo prazo do
setor de seguro agrícola."
·
Subvenção
A queda na subvenção é
outra grande ameaça à sustentabilidade do seguro rural. O Ministério do
Planejamento e Orçamento reduziu em R$ 17 milhões a verba destinada à concessão
de subvenção aos prêmios de seguro rural neste ano. O montante geral foi reduzido
de R$ 964,5 milhões para R$ 947,5 milhões.
Os valores são
questionados pelo setor produtivo brasileiro temeroso que, além da baixa
cobertura, a falta de subvenção faça também com que pequenos agricultores
abandonem a proteção. Segundo o presidente da CNseg, Dyogo Oliveira, o seguro
rural é concentrado nos pequenos e médios produtores, que somam cerca de 98%
dos segurados.
"O preço é um
desafio para esse tipo de produtor, porque ele já tem uma rentabilidade menor e
uma capacidade financeira menor. Então, em grande medida, o crescimento do
seguro depende da subvenção. Além disso, é claro, também tem a questão da
cultura do seguro, muitos nem sabem que têm. O grande produtor rural consegue
diversificar suas áreas e quando tem algum, é só uma parte do seu negócio. Esse
perfil acaba não tendo interesse pelo seguro e também não justifica
subsidiar", explica.
O valor da subvenção
está congelado há cinco anos. Para Oliveira, o maior desafio do setor hoje é a
participação do governo para ajudar o produtor rural a ter acesso ao produto.
"O Brasil não era considerado um país de catástrofes climáticas, mas hoje passou a ser. Regiões que tinham uma seca a cada dez
anos agora têm a cada dois anos, regiões onde não tinha seca, agora tem. O
Centro-Oeste, por exemplo, teve uma perda de 30% da produção este ano em função
da falta de chuva. A melhor maneira de se proteger contra isso é o seguro
rural", afirma.
O presidente da CNseg
destaca ainda como na prática a perda de uma safra pode impactar nas sequentes
e acabar em endividamento. "Com a indenização o produtor consegue não só
repor a renda daquele ano como continua sua produtividade. Quem perde uma safra
muitas vezes não consegue mais tomar financiamentos nos bancos, precisa vender
os equipamentos para pagar dívidas e no ano seguinte não tem recurso para fazer
um trato adequado da área, então a produtividade cai", exemplifica.
Segundo o economista
Otto Nogami, professor do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), essa redução
da verba destinada à concessão de subvenção aos prêmios torna ainda mais insuficiente
o recurso disponível para subsidiar o seguro rural.
"As consequências
dessa redução: pode afetar a capacidade dos produtores rurais de liquidar
dívidas contraídas junto aos bancos; a área plantada segurada pode ser
reduzida; nos últimos anos, os fenômenos climáticos La Niña e El Niño geraram
grandes perdas aos agricultores brasileiros; sem orçamento adequado para o
seguro rural, os produtores podem enfrentar dificuldades para lidar com eventos
climáticos adversos, como inundações e seca", pontua o economista.
Fonte: Correio
Braziliense
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