terça-feira, 23 de abril de 2024

Tânia Giusti: A quem interessa um novo projeto de lei de regulamentação das redes?

Na última terça-feira, dia 9, todos os defensores de políticas públicas destinadas a regular o ambiente digital, foram surpreendidos com o arquivamento do PL 2630/20, que visava criar a Lei da Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet, também conhecido como o PL das fake news. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP), anunciou que o projeto não seria mais votado e a criação de um grupo de trabalho para debater um novo PL de regulação das redes sociais.

Após quatro anos de debates, audiências públicas e forte pressão por parte das grandes empresas de tecnologia, o projeto, que estava sob responsabilidade do deputado Orlando Silva, do PC do B foi enterrado. Mas, a quem interessa um novo projeto de lei de regulamentação das redes? As gigantes de tecnologia eram as principais interessadas em derrubá-lo, tanto é que financiaram propagandas contra o PL, como escrevemos aqui no ano passado. O lobby das empresas é organizado e poderoso, há inclusive uma “bancada digital” que defende seus interesses no Congresso, com o mote da liberdade de expressão.

O projeto, apesar de não ser o ideal por não discutir com clareza e apresentar propostas em relação à remuneração jornalística, era um importante passo para a defesa da soberania digital e da nossa democracia.

O arquivamento ocorre em meio a uma série de acusações por parte do agitador de extrema-direita Ellon Musk que por meio de sua plataforma e empresa, a X (antigo Twitter), atacou o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. Postura essa que o fez também virar réu no inquérito que investiga a presença de milícias digitais antidemocráticas e seu respectivo financiamento.

Musk havia sugerido que o magistrado deveria renunciar ou enfrentar um processo de impeachment. Um dia antes dos acontecimentos, um perfil oficial do antigo Twitter havia anunciado o bloqueio de “certas contas populares no Brasil”, e Musk repostou uma mensagem afirmando que estavam revisando “todas as restrições” e que “princípios importam mais do que lucro”.

O jornalista do ICL Desperta, programa do Instituto Conhecimento Liberta (ICL), Leandro Demori, foi enfático ao falar que Musk está jogando o jogo do capitalismo e que em outros países, como Turquia e Índia, ele jamais criticou qualquer decisão (mesmo arbitrária). No Brasil, as decisões partiram da Justiça, após atos que ameaçaram a democracia.

•        Musk: absolutista dos seus próprios interesses

O dono do X se autoproclama um absolutista da liberdade de expressão. No entanto, com uma rápida pesquisa em materiais jornalísticos apurados por veículos que não têm medo dos poderosos, torna-se evidente que Musk prioriza seus próprios interesses e o lucro em primeiro lugar, tanto no Brasil como em vários outros países que fornecem matérias-primas para suas empresas. Dono da SpaceX, Starlink e Tesla, Musk, segundo o The Intercept Brasil, mira o Brasil na busca por lítio, metal utilizado na produção de uma variedade de tecnologias modernas, como energia solar, dispositivos móveis e baterias para veículos elétricos fabricados pela Tesla.

O bilionário saiu vitorioso com o arquivamento do projeto de Lei, aproveitando-se da situação sem precisar investir tanto dinheiro como fizeram o Google e o Telegram no ano anterior. Musk não é apenas um empresário arrogante que desrespeita a Constituição dos países, ele tem objetivos claros e busca o lucro de suas empresas acima de tudo.

A democracia sofre cada vez que uma mentira é propagada, pois mesmo após correções, o estrago já está feito. Ele, juntamente com os outros proprietários das plataformas, lucram significativamente com a disseminação de desinformação.

Vale ressaltar que a atuação vexatória das gigantes também foi tema do estudo “A guerra das plataformas contra o PL 2630”, realizado por pesquisadores do Laboratório de Estudos de Internet e Mídias Sociais (NetLab), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). A pesquisa mostrou que Google e Meta usaram todos os recursos possíveis para impedir a aprovação do projeto. Mais de um ano depois, infelizmente, o lobby saiu vencedor. Musk nem precisou investir publicidade neste caso.

•        A denúncia sem provas do Twitter Files

Junto aos ataques de Musk, coincidentemente na mesma semana, o Twitter Files, que passava despercebido na timeline de um jornalista americano, ganhou proeminência junto aos canais de extrema-direita no Brasil.  Foi esse grupo que fez todo o trabalho sujo ao replicar e espalhar a notícia, que, carecendo de provas e agora já esclarecida, não passou de uma denúncia infundada.

O divulgador só esclareceu que não havia provas 72 horas depois. “Depois de 72 horas da divulgação da informação falsa pela internet, que alimentou toda a extrema-direita. Isso é um método, isso não é novo no Brasil. Você publica uma mentira, ela se espalha e, posteriormente, você diz que não era bem isso, que estava errado. A mentira vendida como noticia de fato é escandalosa, enquanto a correção é apenas colateral e não se espalha da mesma forma”, apontou o jornalista Leandro Demori.

Ainda segundo o jornalista do ICL, o centro da acusação era uma mentira. “O próprio jornalista que divulgou os arquivos do Twitter após ser confrontado com a realidade no Twitter pela ativista e advogada Stela Aranha, admitiu: é falso, isso jamais aconteceu”, alertou Demori. Este episódio evidencia o poder da desinformação e os riscos e desfechos negativos que advém dela.

•        O que esperar dos próximos 40 dias?

Não podemos antecipar o teor do novo texto que será elaborado pelo novo Grupo de Trabalho. No entanto, é amplamente reconhecido que o prazo de 40 dias é extremamente insuficiente para construir algo tão significativo e complexo, que requer um debate extenso.

A Coalização Direitos na Rede divulgou uma nota afirmando que “a construção de uma regulação democrática das plataformas digitais para o país está ameaçada com a retirada do deputado Orlando Silva (PCdoB-SP)”.

“[..] além de avançar na regulação das plataformas digitais, o Brasil precisa discutir com a população e efetivar políticas públicas capazes de promover sua soberania digital, a exemplo da manutenção de infraestruturas públicas para guarda de dados e de promoção de plataformas transparentes que funcionem para atender as necessidades locais e com vistas à promoção de direitos. O modelo atual das plataformas, a maior parte estadunidense, é voltado essencialmente à garantia de lucros, por isso o desenvolvimento de todo um mecanismo de captura de atenção e produção de audiência que é trocada por publicidade. Se não quisermos que esse modelo seja o único e paute a internet, precisamos construir alternativas”, diz um trecho da nota divulgado no dia 9 de abril.

A necessidade de regular as mídias sociais é urgente. Estamos vigilantes e atentos, comprometidos em trazer novas análises sobre essa questão aqui no ObjETHOS.

 

       A regulamentação focada no que dói no bolso das redes sociais. Por Carlos Castilho

 

A maneira mais fácil e eficiente de regulamentar as grandes redes sociais é explorar a parte mais dolorida no funcionamento das plataformas digitais: as finanças. Enquanto o debate estiver centrado em questões como censura, liberdade de expressão, direitos autorais e desinformação, é pouco provável que haja avanço rápido e significativo porque os argumentos tendem a ser abstratos e subjetivos.

Uma argumentação baseada em números objetivos é mais facilmente compreensível pela maioria dos brasileiros e torna possível a participação das pessoas no debate sobre a regulamentação das redes sociais. Esta participação é fundamental para que a opinião pública fiscalize o funcionamento das empresas digitais que prestam serviços de busca de informações e de troca de mensagens entre usuários da internet.

A cobrança de taxas sobre o faturamento publicitário das redes, além de se basear em números contábeis, é plenamente justificável dada a natureza do negócio destas mesmas redes. Elas faturam bilhões por meio da comercialização dos dados deixados gratuitamente nas redes pelos 128 milhões de usuários espalhados pelo Brasil (cerca de 97% do total nacional).

Tudo o que postamos na internet, seja através de mensagens, conversas virtuais, buscas, vídeos, fotografias, ilustrações e documentos, entra nos bancos de dados das chamadas Big Techs da comunicação digital (Meta, dona do Facebook, Instagram e WhatsApp; Alphabet, dona do Google e do Youtube; ByteDance, chinesa, dona do TikTok; e X, ex-Twitter). Elas organizam, recombinam e analisam o material coletado sem qualquer forma de remuneração usando-o para produzir anúncios e estratégias publicitárias vendidas a preços altíssimos por empresas interessadas em visibilidade pública.

As redes alegam que compensam a ausência de pagamento pelos dados deixados por seus usuários dando em troca serviços gratuitos como buscas na internet e acesso a plataformas digitais que viabilizam a troca de mensagens em texto, imagens ou sons. Só que é uma compensação profundamente desigual porque os valores pagos pelas redes para a manutenção e ampliação dos sistemas de buscas e interação entre usuários é muitas vezes inferior ao que elas arrecadam com a venda de publicidade, seja comercializando espaços para anúncios, seja cobrando por indicações sobre onde, quando e como obter mais visibilidade online.

Só o conglomerado Meta, que opera as redes sociais Facebook e Instagram, registrou um lucro líquido no Brasil em 2022 estimado em R$ 120,64 bilhões, país onde a empresa tem 223 milhões de usuários ativos (113 milhões no Instagram e 109 no Facebook). Já o YouTube, teve no quarto trimestre de 2021 (último dado disponível) um faturamento publicitário nacional de R$ 487,7 milhões por dia.

•        Quem teria acesso ao dinheiro das taxas

Países como Austrália e Canadá já implantaram taxas sobre o faturamento do Facebook e Google tomando como uma compensação sobre a reprodução nas redes de notícias jornalísticas produzidas por grandes jornais e redes de televisão. Esta modalidade de cobrança proporcionou alguns milhares de dólares para um pequeno número de grandes empresas jornalísticas, mas preservou um desequilíbrio básico na relação entra as partes.

Conglomerados como o News Corporation, o maior da Austrália, continuaram dependendo das redes para acessar o grande público, enquanto as Big Techs não dependem da imprensa para atrair usuários usando material jornalístico. Tanto que em março deste ano, a rede Facebook anunciou a suspensão do seu serviço de notícias, o que implica o fim do acordo sobre pagamento de taxas na Austrália.

Um sistema distinto seria impor o pagamento de taxas sobre o faturamento de toda a publicidade das redes, e não apenas na reprodução de notícias, com base no fato de que toda a população brasileira contribui para a lucratividade das Big Techs. Se todos nós fornecemos gratuitamente informações que empresas como Facebook e Google usam para ganhar dinheiro, é justo que sejamos também participantes dos lucros destas redes.

Além disso, como as redes não produzem conteúdos noticiosos (elas alegam isto para não pagar direitos autorais), é importante que a arrecadação obtida mediante o pagamento de taxas seja destinada ao financiamento de atividades jornalísticas, especialmente as desenvolvidas em pequenas e medias comunidades. É no âmbito local que a informação tem um papel fundamental no exercício da cidadania e para o desenvolvimento econômico regional.

Obviamente seria necessário pensar numa estrutura capaz de receber e repartir as receitas eventualmente obtidas através de taxas pagas pelas redes sociais. Mas este é um tema a ser abordado mais adiante.

 

Fonte: ObjeTHOS/Observatório da Imprensa

 

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